A direita trabalha agora
no sentido de alcançar a aprovação e a conclusão definitiva do processo de
impeachment da presidente da República. A frente formada com esse intuito é
ampla, reúne a mídia parcial e conservadora, a parte mais corrupta e
fisiológica do Congresso, setores do Ministério Público, do STF, da Polícia
Federal e do Judiciário contra o PT e a esquerda nacionalista. Apesar das
dificuldades vividas pelo governo interino, o processo não será fácil de ser
revertido.
Não tendo sabido
enfrentar, de forma organizada e decidida – a começar pela internet –, os
ataques que vinha sofrendo desde 2013; não tendo estabelecido um discurso
abrangente que defendesse minimamente suas conquistas, que ocorreram, sim, em
importantes momentos dos últimos 13 anos; tendo cometido erros grosseiros do
ponto de vista estratégico, político e eleitoral, o que resta ao PT e aos
grupos que o apoiam é parar de se equivocar, de serem pautados pelas
circunstâncias e pela imprensa adversária, e entender o que realmente ocorre
com o país neste momento.
Manter a realização de
protestos isolados e constantes contra o governo Temer – acusando-o de golpista
– pode ser um exercício retórico, e uma forma de fugir do imobilismo, mas essa
abordagem não deve ser a única, nem a principal, nem ser levada às últimas
consequências, porque pode conduzir a graves equívocos dos pontos de vista
tático e histórico. Não se discute a questão da legitimidade do voto. Mas é
rasteira simplificação – que colabora com os conspiradores ocultos, muitíssimo
mais perigosos – dizer que o golpe partiu do PMDB, como se ele tivesse nascido
quando essa legenda abandonou o governo Dilma.
Dizer que quem compõe o
governo interino é corrupto é outra simplificação que também não resolve, nem
agora, nem a médio prazo, o problema. Por um lado, porque reproduz em parte o
discurso adversário, minimizando o fato de que muitos dos que estão sendo
investigados pela Operação Lava Jato à direita estão sendo processados com as
mesmas justificativas e argumentos espúrios usados para justificar acusações e
as investigações lançadas contra membros do próprio PT.
Por outro lado, porque
quem compõe o governo são, com exceção do PSDB e do DEM, basicamente as mesmas
forças que estiveram durante tantos anos nos governos do PT, não por afinidade
política, mas porque é assim que se estabelece o equilíbrio de governabilidade
possível em um regime típico de presidencialismo de coalizão.
Seguindo esse raciocínio,
por mais que seja difícil para alguns admitir isso, a mesma miríade de pequenos
partidos e legendas de aluguel que apoia hoje Michel Temer, faz parte de seu
governo e está sendo atacada pelo PT pode vir a ter de ser, amanhã, cooptada
de volta por Dilma para compor seu ministério, caso ela retorne ao poder.
O próprio presidente do
PT, Rui Falcão, já admitiu que não fará nada para evitar que o partido se alie
ao PMDB nas eleições municipais deste ano.
Devagar, portanto, com o
andor.
É preciso cautela, para
não parecer hipócrita, na mesma linha de leviandade usada pela direita contra a
esquerda – e pela extrema-direita contra a política de modo geral, tendo a
democracia e a liberdade como alvos finais dessa linha de atuação.
Na tentativa de atingir
seus adversários, a esquerda não pode cair no mesmo erro – aproveitado com
deleite pelos fascistas – na tentação e na esparrela da criminalização da
política. Mesmo quando atacada hipócrita e injustamente.
Pois corre o risco de
legitimar o discurso de apoio à Operação Lava Jato e o discurso da mídia –
muito mais importantes e deletérios do que o PMDB, no processo de golpe que
estamos vivendo – e de se equiparar a quem o defende, diante da história e da
população.
Vamos ser francos – mesmo
que as conversas tenham sido propositadamente gravadas e conduzidas para ser
usadas como habeas corpus por um dos interlocutores – os diálogos entre o
ex-diretor da Transpetro Sérgio Machado e autoridades como Romero Jucá, Renan
Calheiros e José Sarney não podem ser rotulados com o mesmo grau de
subjetividade dirigida com que se julgaram e disseminaram outros diálogos
gravados com a mesma intenção, e divulgados fora de contexto, como os de
Delcídio do Amaral, ou o de Lula e Dilma.
Ao dizer que a Lava Jato
representou uma sangria, por exemplo, o senador Romero Jucá diz não mais que o
óbvio. Uma sangria em empregos, em interrupção de negócios, em sucateamento de
obras e projetos, em desvalorização de ações e ativos, em contratos
interrompidos, em prejuízos institucionais e contábeis para as empresas
acusadas, com terríveis resultados para o país, em termos estratégicos, de
defesa, energia e infraestrutura, e para milhares de empregados e acionistas, o
que é evidente e redundante.
Da mesma forma que dizer
que era preciso costurar um diálogo nacional para analisar o assunto, com a
participação do próprio STF, a quem cabe corrigir eventuais desvios e ações
polêmicas – principalmente no âmbito jurídico –, colidentes com o texto
constitucional, seria uma afirmação consequente, lógica, e, no correr da
conversa, óbvia e ululante.
Ou será que a Lava Jato
não poderia ter investigado e condenado os corruptos efetivamente
identificados, com dinheiro em contas no exterior, como Paulo Roberto Costa,
Nestor Cerveró e Renato Duque, sem precisar destruir algumas das maiores
empresas de engenharia do país?
Ou sem atrasar e
prejudicar tantos projetos e programas de interesse nacional, colocando no
mesmo balaio de gatos gente que se locupletou pessoalmente - gastando
acintosamente o dinheiro roubado à nação, em farras, mesmo que
familiares, bo exterior - e funcionários de partidos que obtiveram
doações eleitorais registradas, à época, como rigorosamente normais e legais?
Soltando
os primeiros e encarcerando os segundos?
A Lava Jato pode ter
tido, indiretamente, alguma influência positiva, sobretudo na identificação do
fato de que não existem corrompidos no setor público se não houver os
corruptores no âmbito privado.
Facilitando a aprovação
de leis como a que acabou com o financiamento privado de campanha.
Mas o que está ocorrendo
é que direita, centro e esquerda estão cometendo o erro primário de não
entender que o que se está enfrentando é um grupo de forças que se opõem à
própria atividade política, por princípio.
E que ao se digladiarem
fora do campo das ideias não estão fazendo mais do que favorecer os inimigos da
liberdade, saudosos do autoritarismo, que se aproveitam das falhas normais de
um regime – que, como diria Churchill, não é perfeito, mas é o melhor que se
conhece – para jogar a população contra a democracia e promover e preparar,
diligente e coordenadamente, a chegada do fascismo aos cargos mais altos da
República.
O processo de impeachment
é um golpe jurídico-midiático, mas ele representa apenas um passo, mais uma
etapa, para a deflagração de um golpe maior contra a Nação, que levará à
derrocada da democracia no Brasil, à aprovação de leis que lembram os nazistas,
como a exigência de diploma superior para ministros e presidente, fim do voto
obrigatório, volta do escrutínio manual, cassação de registros de partidos
políticos, repressão ao trabalho de educadores na sala de aula, criminalização
dos movimentos populares e até do comunismo – conforme propostas recentemente
encaminhadas à apreciação do Congresso Nacional.
Some-se a isso a eventual
chegada de um candidato de extrema-direita ao poder (há pelo menos dois sendo
promovidos pela imprensa), ou a consolidação de uma massa de votos que seja
suficiente para transformá-la na terceira força política do país, capaz de
decidir, com o seu peso, o resultado do segundo turno das eleições de 2018.
E dá para ter uma ideia
concreta do que espera a Nação – se não houver urgente correção de rumo –
depois da curva.
Do O Cafezinho por Mauro
Santayana