sábado, 11 de junho de 2016

O golpe do impeachment usou a toga, por Maria Inês Nassif para o GGN

O Judiciário e o Ministério Público não barraram as ofensas contra a democracia porque eram parte da conspiração.
Foto de Anderson Riedel/ VPR

A estratégia do golpe institucional, com papel ativo do baixo clero do Legislativo e de instâncias judiciárias (o juiz de primeira instância Sérgio  Moro e o Supremo Tribunal Federal), e ação publicitária dos meios de comunicação tradicionais (TV Globo e a chamada grande imprensa)  começou a ser desenhada no chamado Escândalo do Mensalão. Um ano antes das eleições presidenciais que dariam mais um mandato ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva, o país foi sacudido por revelações de que o PT usara  dinheiro de caixa dois de empresas para pagar as dívidas das campanhas das eleições municipais do ano anterior, suas e de partidos aliados. O tesoureiro do partido, Delúbio Soares, era o agente do partido junto a empresários e a uma lavanderia que até então operava com o PSDB de Minas, a agência de publicidade DNA, de Marcos Valério. Delúbio tornou-se réu confesso. Outro dirigente do partido, Sílvio Pereira, foi condenado por receber um Land Rover de presente de um empresário.

Em torno do episódio – crime de captação de caixa dois pelo partido que está no governo e recebimento de presentes em troca de favores – se iniciaria a maior ofensiva institucional contra um partido político jamais ocorrida em períodos democráticos do país. Toda a máquina midiática tradicional foi colocada a serviço de provar – com fatos amplificados, versões ou falsificações – que o governo de Lula estava corroído pela corrupção, que o PT aparelhara a máquina pública para auferir ganhos desonestos para o partido ou para os seus aliados, que o governo corrompera os aliados – ironia das ironias, os “corrompidos”, os partidos da base aliada, eram o PMDB, o PTB, o PP, o PR.... – com mesadas para os parlamentares, destinadas a garantir as maiorias em plenário necessárias para aprovar matérias de interesse do Executivo.

O termo “mensalão” foi criado nessa jogada de marketing, destinada a transformar um escândalo de caixa dois, no qual todos os partidos estavam envolvidos (a lavanderia de Marcos Valério não tinha restrições ideológicas à adesão de qualquer um deles), em um modo peculiar de corrupção do PT, a compra direta do parlamentar, sem que em nenhum momento houvesse sido provado o pagamento regular a deputados e senadores da base aliada. Afinal, o dinheiro da lavanderia de Marcos Valério foi direto para o caixa dois de outros partidos políticos, no período pós-eleições municipais – e o “denunciador” do mensalão, o presidente do PTB, Roberto Jefferson, chegou a confessar, quando se viu em tribunal, que  dinheiro era para pagamento de dívidas de campanha.

Para ser corrupção, todavia, era preciso que se caracterizasse o dinheiro do caixa dois como originário dos cofres públicos.

O Ministério Público, então presidido pelo procurador Antônio Fernando de Souza, hoje advogado do deputado tardiamente afastado da presidência da Câmara, Eduardo Cunha, inventaria a ficção de um dinheiro desviado da empresa Visanet pelo diretor de Marketing do Banco do Brasil, Henrique Pizzolatto. A Visanet era uma empresa privada, do grupo internacional Visa, e esse dinheiro foi tratado indevidamente como produto de desvios do Banco do Brasil, estatal, num julgamento na maior instância judiciária do país, que não poderia se dar ao luxo de um erro deste tamanho. Pizzolatto não tinha autonomia para assinar uma única ação de marketing sozinho. A “prova” que Souza apresentaria contra ele, aceita pelo relator Joaquim Barbosa, do STF, foi assinada por outras três pessoas e submetida a um comitê, e depois à diretoria de um banco – a ação publicitária, ao final, fora autorizada por mais de uma dezena de pessoas. Não existia possibilidade de que Pizzolatto tivesse desviado o dinheiro:  para isso, teria que ter mais de dez cúmplices, e ainda assim atuaria sobre dinheiro privado, que não era do Banco do Brasil.

O Supremo Tribunal Federal, nas vésperas da eleição de 2014, julgou midiaticamente o caso e perpetrou barbaridades jurídicas nunca antes vistas na história desse país. O relatório do ministro Joaquim Barbosa transformou um crime de captação de caixa dois em desvio de dinheiro público, e jogou as provas de que o dinheiro definitivamente não havia sido desviado do Banco do Brasil para um inquérito paralelo. Por fim, decretou segredo de Justiça. Sequer os advogados de defesa tiveram acesso a elas. Também não tiveram acesso a provas da origem do dinheiro lavado por Marcos Valério: a transferência de fartos recursos do caixa de um empresário interessado em decisões de governo (que não foram tomadas, inclusive por oposição do ministro José Dirceu, condenado sem provas), repassados aos partidos da base aliada. O empresário em questão chegou a aparecer no início do escândalo na mídia e sumiu como um fantasma das páginas dos jornais e dos inquéritos policiais e judiciais.

Com a opinião pública dominada por uma campanha diária de nove anos, o STF legitimou sua decisão de avalizar as conclusões de Barbosa, acatou o estranho instrumento do “domínio do fato” e, a partir disso, a pretexto de ouvir a voz das ruas, aceitou as barbaridades que seriam praticadas pelo Ministério Público e pela justiça de primeira instância na Operação Lava Jato, nos últimos três anos.
O STF transformou um crime de caixa dois em crime de corrupção, de formação de quadrilha, etc. etc. sem provas. Dos réus que foram condenados, alguns cometeram crimes, mas não os que os levaram para a prisão; outros eram inocentes de quaisquer crimes e foram condenados assim mesmo. Poucos foram condenados por crimes que efetivamente cometeram.

A Agência DNA foi punida por atuar como lavanderia do PT e dos partidos aliados, mas tardiamente responsabilizada pelo Mensalão do PSDB (que vai deixar todos os implicados soltos até a prescrição do crime, o mesmo que levou o PT e seus aliados à cadeia). O deputado José Genoíno, então presidente do PT, foi preso por um empréstimo efetivamente feito pelo partido e quitado no prazo estipulado em contrato.

Dirceu foi eleito o vilão nacional e encarcerado – e de novo encarcerado no Lava Jato – sem nenhuma prova contra si. E Pizzolatto, depois de uma fuga sensacional, amarga cadeia porque, junto com um comitê de dezenas de pessoas, autorizou uma campanha publicitária do Banco do Brasil paga pela Visa Internacional. Alguns membros do mesmo comitê respondem a um processo na primeira instância que está esquecido na gaveta de um juiz da capital federal. 

Desde então, o Ministério Público Federal e o Supremo Tribunal Federal se constituem em peças fundamentais nas articulações contra os governos petistas, iniciadas em 2005 e que tiveram desfecho no golpe institucional deste 2016. Eduardo Cunha e Michel Temer não existiriam sem a cumplicidade das duas instituições e a inexplicável ingenuidade do PT: o mesmo partido que em determinado momento se dispôs a jogar com as armas da política tradicional, indo à cata de dinheiro de caixa dois das empresas para financiar campanhas eleitorais, não entendeu a natureza da elite que o financiava, nem a impossibilidade de acordo com a política tradicional e com instituições de vocação conservadora que mantiveram seu perfil conservador e corporativo, apesar de seus membros terem sido majoritariamente escolhidos pelos presidentes petistas.

O PT não entendeu que jogava as suas fichas, a nível institucional, numa política de conciliação de classes num quadro onde as próprias políticas do governo davam as bases para uma acirrada luta de classes, que se tornou explícita quando o golpe começou a mostrar sua cara. Essa foi uma contradição inerente aos governos petistas. Na campanha eleitoral de 2014, a presidenta Dilma Rousseff venceu no segundo turno porque rapidamente as forças de esquerda se articularam em torno dela, em reação à onda de comoção criada pela direita, que se utilizou do clima proporcionado pelo julgamento político levado a termo pelo Supremo Tribunal Federal (STF) poucos meses antes do início do processo eleitoral, no chamado caso do mensalão; e pela entrada em cena do juiz de primeira instância Sérgio Moro que, aproveitando-se das licenças jurídicas a que se permitiu o STF em 2013, fez o seu próprio tribunal político, fechando o cerco ao PT por um esquema de corrupção na Petrobras que – basta ler com atenção as delações premiadas – era enraizado na empresa e mantinha em diretorias protegidos de partidos que estavam aliados aos governos petistas depois de 2002, mas igualmente aos governos anteriores, do PSDB e do PMDB e do governo Collor.

Já são 11 anos de massacre, com armações com grande similaridade. O Ministério Público encontra um escândalo qualquer e começa a investigar, considerando provas basicamente de um lado. Sem consistência para pedir um inquérito, vaza os dados para um órgão de imprensa, que os publica como grande escândalo, desconhecendo o fato de que as provas não existem. Imediatamente, a matéria do jornal, baseada em vazamentos do próprio MPF, vira o indício que o MPF usa para pedir ao juiz – a Moro, ou ao STF, ou a algum outro  – para abrir o inquérito. No caso de Moro, seguem-se prisões sem base legal e coações à delação premiada.

Chovem no Youtube reproduções de interrogatórios presididos pelo próprio juiz Moro onde ele deixa claro ao interrogado – normalmente um velho com problemas de saúde -- que será libertado apenas se delatar; e de advogados protestando contra ele por não considerar sequer uma prova apresentada pela defesa antes de condenar um implicado. Nesses vídeos, é claro que Moro está investido da intenção de condenar antes de ouvir a defesa. Para ele, não existem inocentes em um campo político. No outro campo político, suas intenções são dóceis. O justiceiro é bastante permissivo com o campo político da direita.

Nada justifica que um juiz de um tribunal de exceção sobreviva numa democracia com amplos poderes, acima daqueles que a Constituição lhe confere, sem a aquiescência da maior instância judiciária. Moro existe e faz o que quer porque o sistema jurídico está contaminado pelo partidarismo. Moro não existiria sem um Barbosa que o precedesse. Moro não existiria sem o ministro Gilmar Mendes, que impunemente transformou o Supremo Tribunal Federal (STF) e o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) em palanques contra os governos do PT. Não existiria sem o ministro Dias Toffoli, que se tornou moleque de recados de Mendes; sem a tibieza das duas ministras mulheres; sem o conservadorismo ideológico de Teori Zavascki (que contamina o seu discernimento jurídico); sem a falsa objetividade jurídica de Celso Melo; sem a frouxidão de Edson Fachin; sem a excessiva timidez de Ricardo Lewandowisk. A Justiça não evitou o golpe porque é parte do golpe. O Ministério Público não reagiu ao golpe porque era um dos conspiradores.

Do GGN 

domingo, 1 de maio de 2016

No 1º de maio, Flávio Dino critica viagem ao passado de Michel Temer

Flávio Dino Governador do Maranhão

"Desde que foi criada, a CLT sofre ataques de alguns economistas e políticos. O argumento é sempre o mesmo: esse conjunto de direitos seria um peso exagerado para a economia brasileira. Ora, recentemente vivemos um ciclo de desenvolvimento econômico em que houve recorde de criação de empregos com carteira assinada, o que demonstra que direitos não são empecilho ao desenvolvimento", diz o governador do Maranhão, Flávio Dino, que faz também uma crítica ao vice Michel Temer; "Agora, novamente, o grupo que tenta chegar ao poder rasgando a Constituição defende 'flexibilizar' a CLT", critica, apontando prejuízos para os trabalhadores

O Dia do Trabalhador é uma data para lembrar de direitos que hoje parecem naturais, mas que foram conquistados pela força das gerações que nos antecederam. Manter esse legado muitas vezes também exige a luta das gerações presentes. Infelizmente, sempre que há crise econômica, a primeira receita dos que querem manter lucros absurdos de bancos e grandes empresas é cortar esses direitos.

Em 1º de maio de 1886, teve início um protesto de trabalhadores em Chicago, nos Estados Unidos. Eles reivindicavam uma jornada diária de 8 horas de trabalho. A manifestação foi duramente reprimida pela polícia, resultando na morte de três manifestantes. No Brasil, essa luta por direitos também é antiga e contou com a liderança corajosa de comunistas, socialistas, trabalhistas e cristãos inspirados pela mensagem social da Igreja. Como resultado, em 1º de maio de 1943 veio a maior das conquistas dessa luta no país: o presidente Getúlio Vargas aprovou a Consolidação das Leis Trabalhistas (CLT). Um conjunto normativo que inscreveu nas leis os direitos do trabalhador, como a garantia de que nenhum brasileiro pode receber menos que o salário mínimo, o direito às férias anuais e o dever do empregador de contribuir com a Previdência do empregado.

Desde que foi criada, a CLT sofre ataques de alguns economistas e políticos. O argumento é sempre o mesmo: esse conjunto de direitos seria um peso exagerado para a economia brasileira. Ora, recentemente vivemos um ciclo de desenvolvimento econômico em que houve recorde de criação de empregos com carteira assinada, o que demonstra que direitos não são empecilho ao desenvolvimento. E isso já aconteceu em outros momentos da história. Ao contrário dessas visões contra os direitos dos mais pobres, considero que os principais obstáculos ao nosso desenvolvimento são os juros absurdamente altos e o sistema tributário regressivo, que preserva privilégios de poucos e impõe ônus excessivos à classe media e aos trabalhadores.

Agora, novamente, o grupo que tenta chegar ao poder rasgando a Constituição defende “flexibilizar” a CLT. Em seu programa chamado “Ponte para o Futuro”, propõe que os acordos entre as partes possam se sobrepor à CLT. Se essa proposta for aprovada, numa conjuntura de recessão e aumento do desemprego como a atual, acarretará na contratação de trabalhadores com menos direitos. É evidente que essa prometida viagem ao futuro é uma passagem a um passado que não queremos de volta.

Em momentos de crise é necessário aprofundar investimentos públicos. É o que temos feito aqui no Maranhão, pagando a remuneração dos servidores públicos de forma antecipada, o que nos exige grande esforço e gestão fiscal disciplinada devido à crise nacional. Com o pagamento antecipado dos servidores do Governo do Maranhão, contribuímos inclusive para manter empregos no setor de comércio e serviços. Menciono também os vários programas do nosso governo de estímulo aos investimentos e ao empreendedorismo, tais como o Mais Renda, o Mais Empresas e o Mais Produção.

Esses programas já estão gerando resultados para milhares de trabalhadores. Por exemplo, estive na sexta-feira, na 5ª Feira de Tecnologia para a Agricultura Familiar (AGRITEC), em Codó. Estive lá e vi a alegria nos olhos dos produtores por terem um espaço para comercializar seus alimentos e adquirir conhecimentos.


O Governo do Maranhão seguirá em sua luta diária pela melhoria de vida do trabalhador rural e urbano. E prossigo defendendo medidas como a prioridade ao Programa Minha Casa, Minha Vida, o reajuste do Bolsa Família, imposto sobre grandes fortunas, entre outras, para que tenham uma Nação mais justa, com oportunidades iguais para todos.

Do Brasil 247

sexta-feira, 22 de abril de 2016

Em carta aberta, o jornalista Luis Nassif pede que STF fique contra o golpe

Luis Nassif

Jornalista Luís Nassif cobrou dos ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) que se posicionem contra o golpe que visa tirar a presidente Dilma Rousseff do cargo para o qual foi eleita por mais de 54 milhões de brasileiros; por meio de uma carta aberta, Nassif, ressalta que "permitir o golpe será entregar à selvageria décadas de construção democrática, de avanços morais, de direitos das minorias, de construção de uma pátria mais justa e solidária"; ele tabém pediu que os ministros do STF "entendam a verdadeira voz das ruas, não a do ódio alimentado diuturnamente por uma imprensa que virou o fio, mas os apelos para a concórdia, para a paz, para o primado das leis. E, na base de tudo, a defesa da democracia"

O jornalista Luís Nassif, por meio de uma carta aberta, cobrou dos ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) que se posicionem contra o golpe que visa tirar a presidente Dilma Rousseff do cargo para o qual foi eleita por mais de 54 milhões de brasileiros. Segundo Nassif, "permitir o golpe será entregar à selvageria décadas de construção democrática, de avanços morais, de direitos das minorias, de construção de uma pátria mais justa e solidária".

Mais à frente, o jornalista pede que os ministros do STF "entendam a verdadeira voz das ruas, não a do ódio alimentado diuturnamente por uma imprensa que virou o fio, mas os apelos para a concórdia, para a paz, para o primado das leis. E, na base de tudo, a defesa da democracia".

Confira aqui ou abaixo íntegra do texto de Luís Nassif.

Como é que faz, Teori, Carmen Lúcia, Rosa Weber, Celso de Mello, Luís Barroso, Luiz Fachin? Como é que faz? Não mencionei Lewandowski e Marco Aurélio por desnecessidade; nem Gilmar, Toffoli e Fux por descrença.

Antes, vocês estavam sendo levados por uma onda única de ódio preconceituoso, virulento, uma aparente unanimidade no obscurantismo, que os fez deixar de lado princípios, valores e se escudar ou no endosso ou na procrastinação, iludindo-se - mais do que aos outros - que definindo o rito do impeachment, poderiam lavar as mãos para o golpe.

Seus nomes, reputações, são ativos públicos. Deveriam ser utilizados em defesa do país e da democracia; mas, em muitos casos, foram recolhidos a fim de não os expor à vilania.

Afinal, se tornaram Ministros da mais alta corte para quê?

Os senhores estarão desertando da linha de frente da grande luta civilizatória e deixando a nação exposta a esse exército de zumbis, querendo puxar de novo o país para as profundezas.

Não dá mais para disfarçar que não existe essa luta. Permitir o golpe será entregar à selvageria décadas de construção democrática, de avanços morais, de direitos das minorias, de construção de uma pátria mais justa e solidária.

A imprensa mundial já constatou que é golpe. A opinião interna está dividida entre os que sabem que é golpe, e defendem o impeachment; e os que sabem que é golpe e reagem.

Desde os episódios dantescos de domingo passado, acelerou-se uma mudança inédita na opinião pública. Reparem nisso. Todo o trabalho sistemático de destruição da imagem de Dilma Rousseff de repente começou a se dissolver no ar.

Uma presidente fechada, falsamente fria, infensa a gestos de populismo ou de demagogia, distante até, de repente passou a ser cercada por demonstrações emocionadas de carinho, como se senhoras, jovens, populares, impotentes ante o avanço dos poderosos, a quisessem proteger com mantos de afeto. Abraçaram Dilma como quem simbolicamente abraça a democracia. E os senhores, que deveriam ser os verdadeiros guardiões da democracia, escondem-se?

Antes que seja tarde, entendam a verdadeira voz das ruas, não a do ódio alimentado diuturnamente por uma imprensa que virou o fio, mas os apelos para a concórdia, para a paz, para o primado das leis. E, na base de tudo, a defesa da democracia.

A vez dos jovens
Aproveitei os feriados para vir para minha Poços de Caldas. Minha caçula de 16 anos não veio. O motivo: ir à Paulista hipotecar apoio à presidente. A manifestação surgiu espontaneamente pelas redes sociais, a rapaziada conversando entre si, acertando as pontas, sem a intermediação de partidos ou movimentos. Mas unida pelos valores da generosidade, da solidariedade, pelas bandeiras das minorias e pelo verdadeiro sentimento de Brasil.

São esses jovens que irão levar pelas próximas décadas as lições deste momento e – tenham certeza - a reputação de cada um dos senhores através dos tempos. Não terá o sentido transitório das transmissões de TV, com seus motes bajulatórios e seu padrão BBB. Na memória desses rapazes e moças está sendo registrada a história viva, tal e qual será contada daqui a dez, vinte, trinta anos, pois deles nascerá a nova elite política e intelectual do país, da mesma maneira que nasceu a geração das diretas.

Devido à censura, foram necessárias muitas décadas para que a mancha da infâmia se abatesse sobre os que recuaram no AI5, os Ministros que tergiversaram, os acadêmicos que delataram, os jornalistas que celebraram a ditadura. Hoje em dia, esse julgamento se faz em tempo real.

Nas últimas semanas está florescendo uma mobilização inédita, que não se via desde a campanha das diretas.

De um lado, o país moderno, institucional; do outro, o exército de zumbis que emergiu dos grotões. De um lado, poetas, cantores, intelectuais e jovens, jovens, jovens, resgatando a dignidade nacional e a proposta de pacificação. Do outro, o ódio rocambolesco aliado ao golpismo.


Não permitam que o golpe seja consumado. Não humilhem o país perante a opinião pública mundial. Principalmente, deixem na memória dessa rapaziada exemplos de dignidade. Não será por pedagogia, não: eles conhecem muito melhor o significado da palavra dignidade. Mas para não criar mais dificuldades para a retomada da grande caminhada civilizatória, quando a rapaziada receber o bastão de nossa geração.

Do 247

Jornal Alemão ”Die Zeit” desmascara imprensa brasileira por ser golpista


O "Die Zeit", mais respeitado semanário alemão, desmascara a parcialidade da imprensa brasileira, contra o governo da presidente Dilma Rousseff; "Os principais meios de comunicação do país fornecem um fogo contínuo de propaganda antigoverno: a maioria pertence a oligarcas influentes com opiniões de direita e padrões jornalísticos relaxados", diz

O "Die Zeit", mais respeitado semanário alemão, desmascara a parcialidade da imprensa brasileira, contra o governo da presidente Dilma Rousseff.

"Desde a reeleição da presidente brasileira no final de 2014, a oposição bloqueou quase todas as decisões no parlamento. Os principais meios de comunicação do país fornecem um fogo contínuo de propaganda antigoverno: a maioria pertence a oligarcas influentes com opiniões de direita e padrões jornalísticos relaxados", diz o texto.

Do Brasil 247

sábado, 2 de abril de 2016

Alguma coisa está fora da ordem. A política nasceu, o Brasil acordou

Manifestações do dia 31 de março de 2016, em Brasília

As mesmas forças políticas que promoveram o Golpe em 1964 se rearticulam agora para atacar a Democracia.

Naquela oportunidade a imprensa criou artificialmente um clima de "algo tem que ser feito para acabar com isso tudo que está aí". Setores de classe-média, pensando-se bem informados, aderiram à proposta golpista. Juristas politicamente afinados com a ideologia das classes dominantes emprestaram suas biografias para legitimar a infâmia. A OAB dirigida por pessoas sem qualquer relevância histórica ou jurídica aderiu.

A Igreja católica, resgatando um anticomunismo à moda da guerra-fria, organizou a Marcha da Família, com Deus, pela Propriedade. E em um primeiro de abril os militares atenderam "à convocação das ruas". Seguiu-se uma noite escura. Os direitos dos trabalhadores foram atacados naquilo que mais incomodava o patronato: acabaram com a estabilidade no emprego; a Justiça do Trabalho foi proibida de conceder reajustes salariais, milhares de diretorias de Sindicatos foram afastadas, substituídas por pessoas servis aos empresários e fiéis ao Regime de repressão implantado. O resto é conhecido: passou-se da fase da Ditadura Envergonhada para a Ditadura Escancarada (Gaspari).

Em 2016 as mesmas forças políticas e o mesmo empresariado (os do pato de borracha à frente), com os oligopolizados meios de comunicação tentam reeditar o ataque à democracia. Não podem, contudo, contar com as Forças Armadas e com a hierarquia católica. Socorrem-se em alguns setores de classe-média tangidos pela imprensa, aproveitam-se que beócios dirigem a OAB e ressuscitam o ideário liberal (liberdade imprensa, de expressão, de manifestação) para atacar os direitos políticos, que implica respeito aos mandatos, e os direitos sociais. Seu objetivo é a precarização dos direitos trabalhistas e a redução dos custos com salários e vencimentos.

Mas alguma coisa está fora da ordem.

Há uma resiliência intrigante. Algo não está funcionando como gostariam.

Setores do funcionalismo inicialmente empolgados pela individualista meritocracia (foram aprovados em dificílimos concursos) começaram a perceber que o que viria depois deste governo - no máximo socialdemocrata - seria muito pior para seus interesses corporativos e remuneratórios e começam a desconfiar que estavam sendo usados para defender algo que atenta contra seus interesses individuais. O individualismo, em dupla faceta, erode a legitimidade dos protestos entre o funcionalismo. Pelas razões erradas, mas erode.

A Lava-Jato sai do controle. Começam a aparecer corrupções diversas de protagonistas do Golpe e um dos principais atores do processo comete crime ao divulgar ilegalmente gravações telefônicas. Parte daqueles que foram levados a acreditar na falsa sinonímia entre corrupção e esquerda-no-poder começa a desconfiar de tais certezas absolutas. A maioria desta massa que se tornou direitista sem consciência disso segue rosnando impropérios, todavia, atos tresloucados, pedidos de desculpa, exageros múltiplos descortinaram para parte desta turba que a corrupção não foi inventada pelos governos de coalizão hegemonizados pelo PT.

Parte da "esquerda que a direita gosta" se deu conta de que as "heróicas jornadas de junho de 2013", com seus black-bocs, eram movimentos fascistas e que seus desdobramentos não contribuíram para os pretendidos avanços sociais, bem ao contrário. Exceto por umas alma-penadas que teimam em manter uma impossível equidistância nesta luta de classes, os ataques da Direita propiciaram uma inaudita unificação das Esquerdas, nos movimentos sociais e nas manifestações em defesa da democracia. Com isso os golpistas não contavam.

O Supremo Federal de hoje já não pode ser emparedado. Em sua composição atual - a mais qualificada da história do STF - há homens íntegros que não se corrompem pelos afagos do empresariado e não se intimidam mesmo quando têm suas próprias intimidades devassadas pelos golpistas. Em respeito às suas biografias os Ministros têm debatido muito a conjuntura e vem se formando no STF um consenso progressivo que tende à maioria de que os que atacam a democracia pretendem, de fato, chegar ao poder sem os votos da maioria da população.

O congresso nacional atual, ao contrário, tem a pior composição da história do parlamento brasileiro. São muito mais que 300 os que fazem da picaretagem um meio de vida. Esse congresso, intencionalmente em minúsculas, verdadiramente não conta com legitimidade e apoio nos abobados que ainda defendem o impeachment. Esses nem se dão conta de que a consequência do impeachment seria colocar Temer, um traidor, e Cunha, um escroque, na condução do país.

Há muitos outros elementos a serem considerados, mas limito-me a destacar um último que me parece extremamente relevante.

Nos demais Movimentos Destituintes fomentados desde o exterior por intermédio das redes sociais (primavera árabe, por todos), nas tentativas frustradas de deposição de governos (Venezuela como emblemática), nos golpes a frio (Honduras e Paraguay como exemplos) não aconteceu uma verdadeira politização das sociedades.

O que está acontecendo no Brasil está "fora do combinado" pelos que se articularam para derrubar o governo.

Houve uma brutal, enorme, estupenda politização da sociedade brasileira que passou a discutir política o tempo todo, nos salões-de-beleza e nas barbearias, nos bares de esquina e nos restaurantes mais sofisticados, nas salas de aula nas escolas públicas e privadas, nas faculdades e em milhares de grupos de Telegram, de WhatsApp, no FaceBook, nas listas de e-mail.

A Direita, com apoio das televisões, jornais e revistas, dividiu o país contando que a maioria da população permaneceria entorpecida pelo espetáculo midiático, contou com que as ruas fossem tomadas pelos mesmos black-bocs, pelos mesmos "bombadinhos de academia", pelos abestados de verde e amarelo que em junho de 2013 desfraldaram as bandeiras do "meu partido é o Brasil" e "o gigante acordou" sem saberem que estas provinham dos Integralistas, dos fascistas brasileiros, na década de 30. Mas alguma coisa está fora da ordem. Ocorreu exatamente o contrário: metade do Brasil se mobilizou para defender a democracia e as redes sociais que foram usadas nos demais Movimentos Destituintes, no Brasil, serviram para convocar a resistência.

A política, aquela coisa suja que só interessava aos candidatos que de tempos em tempos apareciam para pedir votos, saiu às ruas e adquiriu relevância na vida das pessoas. Hoje há posições consolidadas à Direita e à Esquerda, em polos opostos, disputando hegemonia entre a imensa maioria que se já esteve ao lado dos golpistas, agora já não ostenta tanta convicção.

Para finalizar, uma referência que é sobretudo estética. Cada um dos polos antagônicos desta disputa hegemônica arregimentou seus ídolos. Na música, de um lado estão Lobão, Roger, Fábio Júnior; de outro Chico Buarque e a nata da MPB, do samba, e de diversos outros estilos. No futebol, de um lado Ronalducho, de outro Juca Kfury. Nas artes cênicas, de um lado Maitê, Regina Duarte; de outro, a intelectualidade do teatro e da televisão. Na Letras, de um lado Merval Pereira, de outro Fernando Moraes. No campo do direito, então, uma barbada. Do lado de lá o que pode haver de mais desprezível, muito embora contem também com alguns juristas de valor cuja presença entre tantos medíocres causa muita estranheza, todos se esmerando para em verdadeiras "pedaladas jurídicas" justificar que o impeachment, sem que tenha havido um crime, não seria um Golpe. Do outro lado, do nosso lado, os maiores juristas do país que não vou nominar porque, esquecendo alguém, cometeria inadmissível injustiça.

Isento meus amigos de Curitiba que não se opuseram frontalmente ao Golpe. Compreendo-os. A teia de relações sociais em Curitiba condicionam posturas em face de complexas intermediações decorrentes de situações familiares, de coleguismo, de afetividades diversas. Escolheram ser assim, nada mais que isso. Essa polarização havida em vários campos da cultura, das artes, das ciências também contribui para resiliência do governo, para a resistência democrática, pois integra o conjunto de elementos a serem considerados na disputa hegemônica que "saiu do lugar" que ganhou as relações sociais, as conversas em todos os locais, que "está fora da ordem" pretendida pelos golpistas.

Eles têm pressa. Nós temos a razão. Os empresários, a grande mídia, não têm por que ficar com a consciência pesada. Estão defendendo seus próprios interesses, acima de tudo, econômicos. Entre os demais que se posicionaram ao lado dos empresários há muitos que, no fundo, no fundo, já começam a se sentir envergonhados por terem alugado suas penas, por terem se exposto, por terem defendido patos de borracha, por terem se deixado manipular, mas não podem recuar. Uma lástima. Descuidaram-se de suas biografias. Paciência. Daqui a uns dez anos ninguém mais vai lembrar muito bem de que lado cada um se posicionou.

Essa nova política, essa política que ganhou as ruas, que está nos almoços de domingo, nos bares, nos ônibus, nas empresas e nas redes sociais é a grande novidade do Brasil atual.

Ainda é cedo para sabermos como se dará essa nova correlação de forças na sociedade, qual será a resultante na disputa hegemônica, se conseguirão derrubar o governo ou não.

Caso o Golpe se concretize o governo Temer/Cunha não terá trégua. Enfrentará a mais renhida oposição da história brasileira, nas ruas, nos locais de produção e de trabalho, nos locais de moradia. E a esquerda voltará ao governo, mais dia, menos dia, e então sem cometer os erros, graves erros, que cometeu nos últimos anos.

Caso a resistência seja suficiente, caso o impeachment não obtenha a maioria dos votos para derrubar o governo as coisas também não serão fáceis, mas Dilma e Lula estarão libertados de qualquer eventual compromisso de atender em parte os interesses do grande empresariado golpista. Poderão, se quiserem, fazer o primeiro governo realmente de esquerda no Brasil.

Do O Cafezinho

Por Wilson Ramos Filho, doutor em direito, professor na UFPR (doutorado, mestrado e graduação) e no Master/doctorado em Derechos Humanos, Interculturalidad y Desarrollo (UPO/Espanha).

domingo, 20 de março de 2016

O ministro Marco Aurélio Mello, do STF: Sérgio Moro cometeu crime

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Em entrevista ao portal Sul 21, publicada neste domingo, ministro Marco Aurélio Mello, do Supremo Tribunal Federal, fez as mais duras críticas já registradas ao juiz Sergio Moro, que conduz a Lava Jato; "Ele não é o único juiz do país e deve atuar como todo juiz. Agora, houve essa divulgação por terceiros de sigilo telefônico. Isso é crime, está na lei. Ele simplesmente deixou de lado a lei. Isso está escancarado. Dizer que interessa ao público em geral conhecer o teor de gravações sigilosas não se sustenta", afirmou; ele também disse que o STF é a última trincheira da cidadania, afirmou que o ministro Teori Zavascki – e não Gilmar Mendes – é o relator das ações contra o ex-presidente Lula e fez um alerta: "Não podemos incendiar o País"/

Nas últimas semanas, Marco Aurélio Mello, ministro do Supremo Tribunal Federal, tem erguido a voz contra o que considera ser um perigoso movimento de atropelo da ordem jurídica no país. Em recentes manifestações, Marco Aurélio criticou a flexibilização do princípio da não culpabilidade, e a liberação para a Receita Federal do acesso direto aos dados bancários de qualquer cidadão brasileiro. Na semana passada, o ministro criticou a conduta do juiz Sérgio Moro, no episódio do vazamento do conteúdo das interceptações telefônicas, envolvendo o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva e a presidenta Dilma Rousseff.

Em entrevista concedida por telefone ao Sul21, Marco Aurélio fala sobre esses episódios e critica a conduta de Sérgio Moro: “Ele não é o único juiz do país e deve atuar como todo juiz. Agora, houve essa divulgação por terceiro de sigilo telefônico. Isso é crime, está na lei. Ele simplesmente deixou de lado a lei. Isso está escancarado. Não se avança culturalmente, atropelando a ordem jurídica, principalmente a constitucional”, adverte.

Sul21: Considerando os acontecimentos dos últimos dias, como o senhor definiria a atual situação política do Brasil? Na sua avaliação, há uma ameaça de ruptura constitucional ou de ruptura social?

Marco Aurélio Mello: A situação chegou a um patamar inimaginável. Eu penso que nós precisamos deixar as instituições funcionarem segundo o figurino legal, porque fora da lei não há salvação. Aí vigora o critério de plantão e teremos só insegurança jurídica. As instituições vêm funcionando, com alguns pecadilhos, mas vêm funcionando. Não vejo uma ameaça de ruptura. O que eu receio é o problema das manifestações de rua. Mas aí nós contamos com uma polícia repressiva, que é a polícia militar, no caso de conflitos entre os segmentos que defendem o impeachment e os segmentos que apoiam o governo. Só receio a eclosão de conflitos de rua.

Sul21Algumas decisões do juiz Sérgio Moro vêm sendo objeto de polêmica, como esta mais recente das interceptações telefônicas envolvendo o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva e a presidenta Dilma Rousseff. Como o senhor avalia estas decisões?

Marco Aurélio Mello: Ele não é o único juiz do país e deve atuar como todo juiz. Agora, houve essa divulgação por terceiros de sigilo telefônico. Isso é crime, está na lei. Ele simplesmente deixou de lado a lei. Isso está escancarado e foi objeto, inclusive, de reportagem no exterior. Não se avança culturalmente, atropelando a ordem jurídica, principalmente a constitucional. O avanço pressupõe a observância irrestrita do que está escrito na lei de regência da matéria. Dizer que interessa ao público em geral conhecer o teor de gravações sigilosas não se sustenta. O público também está submetido à legislação.

Sul21Na sua opinião, essas pressões midiáticas e de setores da chamada opinião pública vêm de certo modo contaminando algumas decisões judiciais?

Marco Aurélio Mello: Os fatos foram se acumulando. Nós tivemos a divulgação, para mim imprópria, do objeto da delação do senador Delcídio Amaral e agora, por último, tivemos a divulgação também da interceptação telefônica, com vários diálogos da presidente, do ex-presidente Lula, do presidente do Partido dos Trabalhadores com o ministro Jacques Wagner. Isso é muito ruim pois implica colocar lenha na fogueira e não se avança assim, de cambulhada.

Sul21: Os ministros do Supremo, para além do que é debatido durante as sessões no plenário, têm conversado entre si sobre a situação política do país?

Marco Aurélio Mello: Não. Nós temos uma tradição de não comentar sobre processos, nem de processos que está sob a relatoria de um dos integrantes nem a situação política do país. Cada qual tem a sua concepção e aguarda o momento de seu pronunciar, se houver um conflito de posições. Já se disse que o Supremo é composto por onze ilhas. Acho bom que seja assim, que guardemos no nosso convívio uma certa cerimônia. O sistema americano é diferente. Lá, quando chega uma controvérsia, os juízes trocam memorandos entre si. Aqui nós atuamos em sessão pública, que inclusive é veiculada pela TV Justiça, de uma forma totalmente diferente.

Sul21A Constituição de 1988 incorporou um espírito garantista de direitos. Na sua avaliação, esse espírito estaria sob ameaça no Brasil?

Marco Aurélio Mello: Toda vez que se atropela o que está previsto em uma norma, nós temos a colocação em plano secundário de liberdades constitucionais. Isso ocorreu, continuo dizendo, com a flexibilização do princípio da não culpabilidade e ocorreu também quando se admitiu, depois de decisão tomada há cerca de cinco antes, que a Receita Federal, que é parte na relação jurídica tributária, pode ter acesso direto aos dados bancários.

Sul21A expressão “ativismo jurídico” vem circulando muito na mídia brasileira e nos debates sobre a conjuntura atual. Qual sua opinião sobre essa expressão?

Marco Aurélio Mello: A atuação do Judiciário brasileiro é vinculada ao direito positivo, que é o direito aprovado pela casa legislativa ou pelas casas legislativas. Não cabe atuar à margem da lei. À margem da lei não há salvação. Se for assim, vinga que critério? Não o critério normativo, da norma a qual estamos submetidos pelo princípio da legalidade. Ninguém é obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei. Se o que vale é o critério subjetivo do julgador, isso gera uma insegurança muito grande.

Sul21Esse ativismo jurídico vem acontecendo em um nível preocupante, na sua opinião?

Marco Aurélio Mello: Há um afã muito grande de se buscar correção de rumos. Mas a correção de rumos pressupõe a observância das regras jurídicas. Eu, por exemplo, nunca vi tanta delação premiada, essa postura de co-réu querendo colaborar com o Judiciário. Eu nunca vi tanta prisão preventiva como nós temos no Brasil em geral. A população carcerária provisória chegou praticamente ao mesmo patamar da definitiva, em que pese a existência do princípio da não culpabilidade. Tem alguma coisa errada. Não é por aí que nós avançaremos e chegaremos ao Brasil sonhado.

Sul21Como deve ser o encaminhamento da série de ações enviadas ao Supremo contestando a posse do ex-presidente Lula como ministro?

Marco Aurélio Mello: Eu recebi uma ação cautelar e neguei seguimento, pois havia um defeito instrumental. Nem cheguei a entrar no mérito. Nós temos agora pendentes no Supremo seis mandados de segurança com o ministro Gilmar Mendes e duas ações de descumprimento de preceito fundamental com o ministro Teori Zavaski, além de outras ações que tem se veiculado que existem e que estariam aguardando distribuição. Como também temos cerca de 20 ações populares em andamento.

No tocante aos mandados de segurança, a competência quanto à medida de urgência liminar é do relator. Não é julgamento definitivo. Quanto à arguição de descumprimento de preceito fundamental, muito embora a atribuição seja do pleno, este não estando reunido – só teremos sessão agora no dia 28 de março – o relator é quem atua ad referendum do plenário.

Temos que esperar as próximas horas. A situação se agravou muito com os últimos episódios envolvendo a delação do senador Delcídio e a divulgação das interceptações telefônicas. Não podemos incendiar o país.

Sul21O STF deverá ter um papel fundamental para que isso não ocorra…

Marco Aurélio Mello: Sim. É a última trincheira da cidadania. Quando o Supremo falha, você não tem a quem recorrer. Por isso é que precisamos ter uma compenetração maior, recebendo não só a legislação e as regras da Constituição Federal, que precisam ser um pouco mais amadas pelos brasileiros, como também os fatos envolvidos.

Do Brasil 247.

sábado, 19 de março de 2016

Moro cometeu crime contra a segurança nacional, diz o renomado jurista LFG

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Segundo Luiz Flávio Gomes - LFG, o termômetro da crise brasileira aumenta a cada minuto.

Moro diz que divulgou a interceptação onde foi captada fala de Dilma, por interesse público. Dilma acaba de dizer (num discurso em Feira de Santana-BA) que Moro teria praticado crime contra a segurança nacional; que em qualquer lugar do mundo quem coloca em risco a pessoa do presidente vai preso; experimente fazer isso nos EUA, ela disse; todo corrupto tem que ir para a cadeia, mas para combater o crime não é preciso acabar com a democracia.  Juridicamente, tudo isso faz sentido ou não? Moro pode ser processado por crime contra a segurança nacional? Vejamos, por etapas:

1) Ninguém mesmo, como disse Moro, “está acima da lei” (estamos numa República): nem o Lula, nem ele, nem ninguém; antes da posse do Lula, Moro tinha competência para determinar a sua interceptação telefônica;

2) Durante as interceptações foram ocorrendo “encontros fortuitos” (serendipidade), ou seja, várias pessoas com foro especial falaram com ele (Jaques Wagner, Dilma etc.); Dilma disse que não houve autorização do STF para captar sua fala. Não era necessário. Moro não investigava Dilma, sim, Lula. O “encontro” de Dilma foi “fortuito” (por acaso).

3) No curso de uma investigação de 1º grau, quando aparece qualquer indício de crime ou de desvio de função de uma autoridade com foro especial, compete ao juiz prontamente remeter tudo ao Tribunal competente (STF, STJ etc.);

4) Todos os juízes do Brasil fazem isso (desde 2008, quando o STF firmou o entendimento de que o Tribunal respectivo é também competente para a investigação, não só para o processo);

5) Na própria Lava Jato o juiz Moro fez isso várias vezes (contra Cunha, por exemplo);

6) No caso de Dilma e de Jaques Wagner Moro inovou (quebrando uma praxe de anos);

7) Em lugar de mandar tudo que os envolvia para o STF (que é competente para julgar e investigar tais pessoas), deliberou divulgar tudo (hummmm!); quem é competente para interceptar (no caso da Dilma, o STF) é também exclusivamente o único competente para divulgar conteúdos captados por acaso;

8) Todos nós temos total interesse em saber o que as autoridades que nos representariam andam fazendo de errado (sobretudo com o dinheiro público) – queremos mesmo uma limpeza na República Velhaca;

9) A interceptação do Moro não foi ilegal, mas a divulgação sim (a captação vale, em princípio, como prova contra Lula; mas a divulgação foi juridicamente equivocada); somente o STF poderia divulgar, porque somente o STF tem competência para interceptar conversas do presidente da república;

Mais:

10) É muito relevante investigar Lula, Dilma, Aécio, Renan, Cunha etc. (todos!), mas também é muito importante observar as “regras do jogo” (do Estado Democrático de Direito); mais: essas regras devem ser observadas respeitando o princípio da igualdade;

11) Se Moro sempre mandou para o STF (e nunca divulgou) o teor daquilo que ele capta contra uma autoridade com foro especial, deveria ter seguido o que ele sempre fez;

12) Não seguindo a lei (nesse ponto) e mudando sua própria praxe, deu margem para ser criticado por falta de imparcialidade (seria antilulista ou antipetista etc.);

13) Várias representações contra Moro já estão tramitando no CNJ e podem surgir inclusive algumas ações penais, como anunciou o Ministro da Justiça (quebra do sigilo, art. 10 da Lei 9296/96; Dilma falou em crime contra a segurança nacional);

14) As críticas duras também dizem respeito a ter divulgado tudo, sem “selecionar” o que era pertinente para a investigação (conversas que não têm nada a ver com a investigação não podem ser publicadas – é crime essa divulgação);

15) Por força do direito vigente não pode ser quebrado o sigilo telefônico de advogado, enquanto advogado (havendo suspeita contra ele, sim, pode haver interceptação);

16) Ponto que será discutido é o seguinte: na hora da interceptação que captou a fala da Dilma (13:32h) a autorização do Moro já não existia; nesse caso a prova pode ser considerada ilegal pelo STF (por ter sido colhida no “diley”);

17) Moro não apontou em sua decisão os artigos legais e constitucionais do seu ato de divulgação de “tudo” (há déficit de fundamentação); invocar o interesse público não vale quando o conteúdo, por lei, não pode ser divulgado (somente o STF poderia ter divulgado, por razões de segurança nacional, diz Dilma);

18) Na Justiça nós temos que confiar (desconfiando);

19) Nossa desconfiança desaparece quando a fundamentação do juiz nos convence da razoabilidade e legalidade da decisão;

20) Não queremos aqui nem a desordem política e econômica da Venezuela nem a desordem jurídica que lá prospera;

21) Rule of law: Estado de Direito para todos;

22) A divulgação (ilegítima) do áudio da Dilma pode interferir na convicção dos congressistas no momento de votar o impeachment (mas se isso for juntado aos autos vai gerar muita confusão jurídica por ter sido divulgado ilegitimamente);

E o crime contra a segurança nacional?

A lei que cuida desse assunto é a 7.170/83. É uma lei com expressões e termos extremamente vagos (tal como a nova lei antiterrorismo, publicada em 17/03/16). Todo tipo de interpretação é possível. A desgraça dessas leis é o uso político delas. Cabe praticamente “tudo” dentro delas. Se o governo quiser enquadrar o Moro na lei (ou qualquer um de nós, que criticamos duramente os presidentes) não é difícil. Vejam o que diz a lei:

Art. 1º – Esta Lei prevê os crimes que lesam ou expõem a perigo de lesão: I – a integridade territorial e a soberania nacional; Il – o regime representativo e democrático, a Federação e o Estado de Direito; III – a pessoa dos chefes dos Poderes da União [o governo dirá que a pessoa da presidenta foi atingida numa divulgação indevida; não é a interceptação, sim, a divulgação indevida é que vai ser questionada];

Art. 2º – Quando o fato estiver também previsto como crime no Código Penal, no Código Penal Militar ou em leis especiais, levar-se-ão em conta, para a aplicação desta Lei: I – a motivação e os objetivos do agente; II – a lesão real ou potencial aos bens jurídicos mencionados no artigo anterior [a lei tem um critério subjetivo – motivação – e outro objetivo – lesão ou potencial lesão aos bens jurídicos mencionados];

Art. 26 – Caluniar ou difamar o Presidente da República, o do Senado Federal, o da Câmara dos Deputados ou o do Supremo Tribunal Federal, imputando-lhes fato definido como crime ou fato ofensivo à reputação  – Pena: reclusão, de 1 a 4 anos; (grifei).

Parágrafo único – Na mesma pena incorre quem, conhecendo o caráter ilícito da imputação, a propala ou divulga.

Art. 23 – Incitar: I – à subversão da ordem política ou social; II – à animosidade entre as Forças Armadas ou entre estas e as classes sociais ou as instituições civis; III – à luta com violência entre as classes sociais; IV – à prática de qualquer dos crimes previstos nesta Lei – Pena: reclusão, de 1 a 4 anos [expressões vagas, abertas, cabe tudo dentro, se não foi feita uma interpretação prudente];

Art. 22 – Fazer, em público, propaganda: I – de processos violentos ou ilegais para alteração da ordem política ou social; II – de discriminação racial, de luta pela violência entre as classes sociais, de perseguição religiosa; III – de guerra; IV – de qualquer dos crimes previstos nesta Lei – Pena: detenção, de 1 a 4 anos.

A competência para investigar crime contra a segurança nacional é da Polícia Federal e a competência para julgar é da Justiça Militar.

O termômetro das crises brasileiras está subindo. Está alcançando octanagem extrema. O impeachment está correndo aceleradamente. Moro, por ter divulgado incorretamente, ilegalmente, um conteúdo interceptado (licitamente, repita-se), pode ser processado pelo governo por crime contra a segurança nacional (a lei é extremamente vaga, repito). Se a prudência e o equilíbrio não prosperarem, de fato nossa democracia vai embora.

Do DCM