sábado, 22 de julho de 2017

Os crimes de Moro contra Lula, por Márcio Sotelo

Foto: Evaristo Sá/AFP

Concluído em primeira instância o “processo do tríplex”, de fato constata-se que crimes foram cometidos. Os do juiz. Sobre os imputados ao réu nada se pode dizer.

Trata-se de lawfare. A aniquilação de um personagem político pela via de mecanismos judiciais. A série de episódios grotescos que caracterizou a jurisdição nesse caso não deixa qualquer dúvida a respeito. Só o fato de o processo entrar para o imaginário social como um combate “Moro vs. Lula” evidencia o caráter teratológico da atuação do magistrado. Moro cometeu crimes, violou deveres funcionais triviais, atingiu direitos e garantias constitucionais do réu, feriu o sigilo de suas comunicações, quis expô-lo e humilhá-lo publicamente, manteve-o detido sem causa por horas, revelou conversas íntimas de seus familiares.

Vejamos, nessa perspectiva, algumas das arbitrariedades cometidas pelo juiz e aspectos da decisão. O reconhecimento da validade dessa sentença pelos Tribunais superiores será a mais contundente evidência de que vivemos um estado de exceção e a Constituição é hoje um inútil pedaço de papel.
                
Violação do sigilo telefônico
A Constituição de 1988 estabelece o sigilo das comunicações como direito e garantia fundamental no artigo 5º., inciso XII:  “é inviolável o sigilo da correspondência e das comunicações telegráficas, de dados e das comunicações telefônicas, salvo, no último caso, por ordem judicial, nas hipóteses e na forma que a lei estabelecer para fins de investigação criminal ou instrução processual penal. ”

Há duas condições para que se possa violar uma comunicação telefônica: (i) ordem judicial; (ii) para investigação criminal ou instrução criminal penal. A ressalva está regulamentada na Lei 9.296, de 24 de julho de 1996, que, em seu artigo 10, dispõe que “constitui crime realizar interceptação de comunicações telefônicas, de informática ou telemática, ou quebrar segredo da Justiça, sem autorização judicial ou com objetivos não autorizados em lei”. A pena prevista é de dois a quatro anos de reclusão e multa.

Moro havia determinado escutas telefônicas de linhas utilizadas pelo ex-presidente Lula. No dia 16 de março de 2016, às 11h13, suspendeu a medida e comunicou à Polícia Federal. O diálogo entre Lula e Dilma foi captado às 13:32hs, quando já não estava em vigor a medida. Moro recebeu a gravação e às 16:21hs é registrado o despacho em que levantou o sigilo e tornou pública a conversa entre a presidenta e o ex-presidente, em seguida divulgada pela Rede Globo.

A conduta enquadra-se rigorosamente no que prevê como crime a Lei 9.296/96. A gravação já não estava mais coberta pela autorização judicial e não havia objetivo autorizado por lei. O dolo foi específico e completamente impregnado de interesse político. Lula havia sido nomeado ministro e tomaria posse no dia seguinte. A divulgação do áudio, naquele dia, por intermédio da Rede Globo, visou criar clima político para inviabilizar a investidura do ex-presidente. Moro utilizou-se criminosa e indignamente da toga para impor a Lula um revés político, tumultuar o país e criar clima para o impeachment da presidenta.

O ministro Teori Zavaski considerou patente a ilegalidade da divulgação da escuta. Neste caso a ilegalidade era evidentemente crime. O ministro, no entanto, absteve-se da conclusão, não só nesse momento, mas também, como seus pares, quando o assunto foi ao plenário do STF.

Abuso de autoridade
As hipóteses de condução coercitiva são taxativas no Código de Processo Penal. Pode ser determinada em dois casos, previstos nos artigos 218 e 260. Neste, quando o acusado não atender à intimação para o interrogatório. Naquele, quando a testemunha não atender à intimação.

Lula foi arrancado de sua casa ao alvorecer e levado ao aeroporto de Congonhas. O ex-presidente não era naquele momento (4 de março de 2016) réu e não havia sido intimado. Nunca houve uma explicação aceitável para ser conduzido ao aeroporto, dada a existência de múltiplas instalações da União na cidade de São Paulo em que poderia ser tomado o seu depoimento “sem tumulto” (explicação dada por Moro).

Pesa a suspeita de que a ideia era conduzi-lo a Curitiba. Pretendia-se um espetáculo midiático (a imprensa fora avisada) com o perverso conteúdo de uma humilhação pública do ex-presidente. Lula foi privado por seis horas de sua liberdade. Tanto se tratou de violação à garantia constitucional da liberdade individual quanto de abuso de autoridade, como previsto no art. 4º, letra “a”, da Lei 4.898, de 9 de dezembro de 1965: ‘constitui também abuso de autoridade (…) ordenar ou executar medida privativa da liberdade individual, sem as formalidades legais ou com abuso de poder. ”

Grampo no escritório dos advogados de Lula
Todos os telefones do escritório de Advocacia Teixeira Martins foram grampeados. Roberto Teixeira, notório advogado de Lula, é o titular do escritório. A operadora Telefônica comunicou a Moro que se tratava de escritório de advocacia. A prerrogativa de sigilo na comunicação advogado – cliente é inerente ao direito de defesa. Moro escusou-se de forma que beirou a zombaria: não havia atentado para os ofícios da operadora em face do volume de serviços de sua Vara, dos inúmeros processos que lá correm. Ocorre que Moro tem designação exclusiva e cuida apenas dos processos da Lava Jato. Desse modo, ou confessou grave negligência ou mentiu. Negligência que nunca se viu quando se tratava de matéria da acusação.

A corrupção passiva
O fato pelo qual Lula foi condenado pode ser assim sintetizado. Segundo a acusação, a OAS, responsável por obras em duas refinarias da Petrobrás, distribuía propinas a diretores da estatal e agentes políticos. Teria cabido a Lula vantagem auferida basicamente por meio da diferença de preço entre um apartamento simples e um tríplex em um edifício situado no Guarujá, diferença que somaria R$ 2.429.921,00. Por isso Lula teria incorrido no crime de corrupção passiva, que consiste, de acordo com o artigo 317 do Código Penal, em “solicitar ou receber, para si ou para outrem, direta ou indiretamente, ainda que fora da função ou antes de assumi-la, mas em razão dela, vantagem indevida, ou aceitar promessa de tal vantagem”.

A condenação somente se justificaria se demonstrado que Lula tinha o domínio do que ocorria na Petrobrás. Que consentiu, aderiu, participou e que houve prática de ato de ofício recompensado pelo apartamento do Guarujá. Recorde-se que Collor foi absolvido exatamente porque não demonstrada a prática do ato de ofício no crime de corrupção passiva.

Nada foi provado. Não há o mais remoto indício de prática de ato de ofício ou do domínio do que acontecia no âmbito da estatal. Essa fragilidade Moro tentou, em vão, compensar com confissões informais (não houve o acordo formal de delação premiada) dos corréus da OAS, particularmente Leo Pinheiro. Após negar, em uma primeira delação, a participação de Lula no esquema das propinas, Pinheiro mudou seu depoimento quando foi preso por Moro. Viu a oportunidade de conseguir benefícios dizendo para Moro o que todo mundo sabia que Moro queria ouvir. Embora condenado a mais de trinta anos também em outro processo, teve suas penas unificadas para dois anos e seis meses de reclusão.

Lavagem de dinheiro
Está tipificada no artigo 1º. da Lei 9.613/98: “ocultar ou dissimular a natureza, origem, localização, disposição, movimentação ou propriedade de bens, direitos ou valores provenientes, direta ou indiretamente, de infração penal”. O fato de o apartamento constar em nome da OAS, sendo supostamente Lula o “proprietário de fato” – a alegada vantagem pelo ato de ofício jamais praticado – ensejou a condenação por lavagem de dinheiro.

O entendimento de que o próprio autor do crime antecedente pode ser sujeito ativo da lavagem de dinheiro, embora tenha adeptos, é insustentável. É parte da sanha punitivista que nos assola. Destaca-se parte do “iter criminis” para torná-lo outro crime.

Os verbos que são o núcleo do tipo, ocultar ou dissimular, são inerentes ao crime antecedente. Ninguém comete algum crime sem cuidar de não expor o seu produto para que possa obter a vantagem que o moveu. Ninguém furta, por exemplo, um automóvel para desfilar ostensivamente com ele pelas ruas da cidade. A ocultação ou dissimulação é meio para o exaurimento do crime, apropriação final da vantagem. Portanto, punir o próprio autor do crime por meramente ocultar ou dissimular é punir duas vezes pelo mesmo fato, o chamado “bis in idem”.

Mesmo que se admita que o próprio sujeito ativo do crime antecedente possa ser sujeito ativo do crime de lavagem de dinheiro, seria necessária uma segunda conduta para tornar aproveitável o fruto do crime. No julgamento da AP 470, o mensalão, vários ministros se pronunciaram nesse sentido. Pela síntese e clareza tomo uma passagem do ministro Barroso:

“O recebimento por modo clandestino e capaz de ocultar o destinatário da propina, além de esperado, integra a própria materialidade da corrupção passiva, não constituindo, portanto, ação distinta e autônoma da lavagem de dinheiro. Para caracterizar esse crime autônomo seria necessário identificar atos posteriores, destinados a recolocar na economia formal a vantagem indevidamente recebida” [1]

Indeterminação da data dos fatos e prescrição
Moro em nenhum momento estabelece em que data exata teriam se dado os fatos. Isso é indispensável para verificar a consumação e a consumação é o marco inicial da prescrição. Lula tem hoje mais de 70 anos, o que reduz à metade os prazos prescricionais. Como aferir a prescrição?

Tudo isto é típico lawfare. A destruição do inimigo político por meio de um processo aparentemente legal.

Moro não é um juiz solitário e temerário perseguindo um personagem político. O lawfare somente chegou a esse ponto porque ele tem endosso, cobertura e cumplicidade por parte dos Tribunais superiores, inclusive do STF, que, entre outras coisas, se omitiu diante do crime de violação do sigilo da comunicação telefônica (Teori não se deteve sobre o assunto quando o tema foi a plenário, assim como seus pares). Com isso recebeu “licença para matar”.

No TRF-4, o relator da representação contra Moro pela violação do sigilo telefônico socorreu-se de Carl Schmitt, o príncipe dos juristas nazistas, para abrigar o fundamento de que se tratava de uma situação excepcional, negando assim eficácia aos direitos e garantias constitucionais do ex-presidente.

Moro tem a cobertura favorável da grande mídia, que fez dele no imaginário popular o santo guerreiro combatendo o dragão da maldade.

Moro participou, consciente, deliberadamente, do golpe do impeachment. A divulgação do áudio da conversa entre Lula e Dilma ilegalmente, entregue para a Rede Globo no dia imediatamente anterior à posse de Lula como ministro, não podia ter outro objetivo.

Importa, sobretudo, concluir que não estamos mais em uma democracia. O que temos, com os preparativos e a consumação do impeachment, é uma ditadura de novo tipo, que preserva enganosamente as instituições políticas e jurídicas clássicas do Estado liberal e democrático, mas esvazia-as do real conteúdo democrático (o que o jurista e magistrado Rubens Casara vem denominando pós-democracia). Nesta ditadura de novo tipo, o que antes se fazia pela força das armas e pela violência para destruir o adversário político agora se faz pelo lawfare. Nisto, o Judiciário, que nas antigas ditaduras tinha um papel acessório, de coadjuvante, torna-se o protagonista da violência estatal ilegítima. Antes era um soldado ou policial que na calada da noite destruía o cidadão. Agora é uma sentença à luz do dia.

Márcio Sotelo Felippe é pós-graduado em Filosofia e Teoria Geral do Direito pela Universidade de São Paulo. Procurador do Estado, exerceu o cargo de Procurador-Geral do Estado de 1995 a 2000. Membro da Comissão da Verdade da OAB Federal.



 Do Justificando

Xadrez de como a montanha de Dallagnol pariu um rato, Nassif

Peça 1 – o enredo da Lava Jato
Apesar do comando difuso, entre mídia, troupe de Eduardo Cunha, PSDB e Departamento de Estado norte-americano (através da cooperação internacional), a trama da Lava Jato era de roteiro relativamente simples.

Haveria uma ação intermediária, o impeachment de Dilma. Depois, a ação definitiva, a condenação de Lula com o esfacelamento automático do PT como força política.

Houve intercorrências inevitáveis – como as denúncias contra próceres tucanos, rapidamente abafadas -, importantes para se tentar conferir legitimidade jurídica ao jogo, e um desastre imprevisível: as delações da JBS que atingiram Aécio Neves no peito. Aí o elefante ficou muito grande para ser escondido debaixo do tapete.

Tudo caminhava nos conformes. Inclusive chantagear o grupo que assumiu interinamente o poder, obrigando-o a caminhar com o desmonte do Estado social para conseguir alguma sobrevida política. Depois engaiolá-los como grande gesto final.

Mas cometeram um erro central: apostaram tudo em um cavalo manco, o grupo de bacharéis de Curitiba, procuradores e delegados, e em um juiz sem noção que tocou os inquéritos da Lava Jato.

Aí o plano começou a degringolar.

Peça 2 – os cabeças de planilha e o os cabeças de vade mecum
Na economia, cansei de descrever o tipo intitulado cabeça-de-planilha.
Como se faz ciência aplicada:

1.     O sujeito se forma, muitas vezes frequenta universidades estrangeiras e volta armado de um instrumental teórico.

2.     Depois, precisa mergulhar na analise de caso, a economia ou, no caso de procuradores, o processo que está sendo tocado. Essa é a etapa principal, a capacidade de captar todos os detalhes, estabelecer correlações e desenvolver uma narrativa factível que identifique claramente o criminoso. Não se confunda preparo com competência ou inteligência. No Ministério Público mesmo, há inúmeras evidências de procuradores com menor aparato teórico produzindo mais resultados do que outros com PhDs, porque muito mais capacitados.

3.     Só depois de levantados todos os dados, as provas e evidências, recorre-se ao aparato teórico para definir a narrativa, os crimes identificados e a punição requerida. Evidentemente, quando se casa aparato teórica com inteligência analítica, se tem o super-economista e o super-procurador.

Anos atrás aprendi uma regra de ouro com um grande físico brasileiro: quem pensa claro, escreve claro. Quando o sujeito recorrer a muitas firulas em defesa de sua tese, de duas, uma: ou é um gênio ou embusteiro. Gênio, só conheci Einstein, me dizia ele.

O economista medíocre salta a etapa principal, da analise de caso. Vai direto na teoria que aprendeu e faz como os cabeções do Banco Central: derrubam a inflação abaixo do piso da meta, prognosticando a entrada do país na depressão.

O mesmo ocorre com procuradores (e advogados) com baixa capacidade analítica e bom estofo teórico. Tratam de fugir da análise de caso e rechear as peças com firulas sem fim, como creme de leite para disfarçar a falta de consistência do bolo.

No caso da Lava Jato, sua  estratégia consistiu em criar uma narrativa prévia, obrigar os delatores a preencher as lacunas com meras declarações, tipo “Lula sabia de tudo”, colocar os técnicos para pesquisar os bancos de dados da Receita, COAF, Bacen, juntar pitadas da cooperação internacional, tudo devidamente vazado para a imprensa, para passar a ideia de uma avalanche incontornável.

Se não for suficiente, dentro do Código Penal em vigor, eles dão um by-pass: se valem de um suponhamos que o Código Penal fosse outro.

Me lembram muito um professor de química do científico que foi até Ouro Preto e, na Faculdade de Engenharia, foi confrontado com uma enigma lógico que ninguém conseguia resolver. Quando chegou no ponto nevrálgico, pulou para a resposta conhecida. Aí perguntaram em qual lei da química ele tinha se baseado. E ele: acabei de criar.

Para suprir a falta de elementos, o criativo procurador Deltan Dallagnol apelou para sua erudição-de-pegar-incautos e citou teorias contemporâneas, sobre analises probabilísticas.

Confrontado com a opinião de pesos-pesados do direito, que mostraram que as teorias se aplicavam às técnicas de investigação, jamais como prova jurídica, as piruetas retóricas de Dallagnol  lembraram cenas do filme Indiana Jones. Mais especificamente aquela em que o beduíno puxa a cimitarra, piruleteia  para cá e para lá, um malabarismo aqui, um volteio acolá e Indiana Jones olhando. Até que acaba com a brincadeira simplesmente sacando o revólver e dando-lhe um tiro.

Peça 3 - as teorias probabilísticas de Dallagnol
Na peça de acusação do caso triplex, Dallagnol supre a carência de provas com teorias probabilísticas, que são utilizadas apenas para dar mais foco às investigações.

Vejamos como ele aplicou a teoria na prática, em uma análise de caso simples.

Veja a charada:
1.     Você tem três balas parra atingir Lula, antes que ele se candidate a presidente novamente: o triplex, o terreno para o Instituto Lula e o sítio de Atibaia.

2.     Pelos prazos em curso, só há tempo para um tiro. Qual você escolhe.
Vamos a um pequeno exercício de probabilidade:
Caso      
Provas
Evidências de posse
Triplex
Nenhuma
Uma ou duas visitas. Sem usufruto.
Terreno
Nenhuma
Nenhuma
Sítio de Atibaia
Nenhuma
Usufruto, com dona Marisa participando diretamente das reformas e a família frequentando o sítio.

Os três casos são fracos.
Não há dúvida de que houve mimos de empreiteiras para Lula. Afinal, o modelo de desenvolvimento adotado no seu governo transformou-as em players internacionais, até serem destruídas pela Lava Jato. Além disso, Lula representava um imenso capital diplomático, por sua popularidade especialmente em novos mercados prospectados por elas.

Mas não se levantou prova alguma de que houve contrapartida em contratos, o que caracterizaria a propina. Ou mesmo de que houvesse aumento patrimonial de Lula. Sem as provas, ficam-se nos mimos, sem acréscimo patrimonial, sem enriquecimento ilícito.

Mesmo assim, dentre os três processos, o único que poderia melhorar um pouco a probabilidade dos bacharéis seria o sítio de Atibaia, devido ao usufruto.
Mas decidiram apostar tudo no triplex, confiando no depoimento (alterado) de Léo Pinheiro, o cappo da OAS.

A peça é curiosa porque desenvolve toda uma teoria para uma nova qualificação de organização criminosa: a organização política, que prescindiria da apresentação de provas objetivas. Usa uma retórica inflamada, repetindo exaustivamente que Lula comandava uma organização criminosa, que os crimes eram difusos, que haveria dificuldade para identificar as provas. E, na mesma peça, diz que as propinas são provenientes de três contratos específicos. Especificou, tem que provar. Ou seja, uma baita volta para justificar a impossibilidade de levantar provas e, no meio, a afirmação taxativa de que as propinas foram originárias de três obras, o que exigiria a comprovação com provas.

Aí houve o caso curiosíssimo do juiz que copidescou o procurador.

Logo que começou a Lava Jato, defensores da cumplicidade entre juiz, procuradores e delegados alegavam que, havendo essa combinação, o juiz poderia corrigir erros dos procuradores e delegados no decorrer dos inquéritos e processos.

A afirmação já parecia estranha mas, enfim, estava-se nem pleno reinado do direito penal do inimigo, brilhantemente defendido pelo Ministro Luís Roberto Barroso.

O que não se esperava é que o juiz corrigisse a própria peça final de acusação. Para salvar o caso, Moro teve que reescrever a acusação afirmando que as propinas foram originárias de vários contratos, não especificamente da Petrobras.

Peça 4 – o partidarismo é mau negócio
Toda a argumentação de Dallagnol estaria adequada em uma ação civil contra Lula. Através dela, teria mais possibilidade de condenar Lula, cassar sua aposentadoria, impor multas elevadas, simplesmente porque na ação civil não há a necessidade da prova final.

Veja o seguinte exemplo:
1.     Um fazendeiro contrata um ajudante para vigiar a fazenda.

2.     O ajudante mata um invasor.

Uma ação criminal só conseguiria condenar o fazendeiro se comprovasse cabalmente que ele deu a ordem, que autorizou o ajudante a atirar em quem entrasse. Não bastaria mostrar i contrato de trabalho. Já em uma ação civil certamente o fazendeiro seria condenado a indenizar a família da vítima. A ação civil não exigiria o detalhamento do crime e sujeitaria o réu a um conjunto de sanções.

O domínio do fato – pretendido por Dallagnol para imputar a Lula o comando dos esquemas criminosos – não tem o condão de fazer com que uma responsabilidade subjetiva se torne objetiva. Numa ação civil, haveria mais possibilidade de condenar a falta de providências de Lula.

Com seu palavrório, Dallagnol pretendeu uma nova teoria do direito para crimes de poder. Quis reescrever a teoria da prova sem dispor de fôlego intelectual para tanto, razão de ter sido fuzilado por juristas mais preparados.

O Código Penal brasileiro é da legalidade estrita. Só existe crime se tiver lei penal descrevendo o crime e se for provado em todos os fatos e ainda provado o dolo do agente.

Não se pode importar princípios de fora. O próprio Ministério Público tentou introduzir a imprescritibilidade dos crimes contra a humanidade no Brasil e não conseguiu. Os criminosos podem ser punidos, mas foi mantido o prazo de prescrição.

E foi assim, por presunção, onipotência, pelo embevecimento com as repercussões no Twitter e no Facebook, pela ambição de ser o homem que levou Lula de volta para a prisão  que a montanha de citações de Dallagnol pariu um rato.

Do GGN

sexta-feira, 21 de julho de 2017

Reinaldo Azevedo: Moro virou cabo eleitoral de Lula

Um dos porta-vozes do movimento neoconservador brasileiro, o jornalista Reinaldo Azevedo afirma que o juiz Sergio Moro se converteu no principal cabo eleitoral do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, ao condená-lo sem provas, no episódio do chamado "triplex do Guarujá".

"Hoje, um de seus cabos eleitorais involuntários, dadas a sentença e a resposta aos embargos de declaração, é Moro. Ele empurrou para o TRF-4 uma escolha sem saída virtuosa: ou confirma uma condenação sem provas e alheia à denúncia, o que seria um desastre, ou absolve o chefão petista, outro desastre", diz Reinaldo, que concorda com a defesa de Lula e afirma que a condenação não guarda relação com a acusação proposta pelo Ministério Público

A cada dia, fica mais claro que a democracia brasileira foi golpeada em razão do fator Lula. Depois da quarta vitória sucessiva do PT, em 2014, a direita nacional não suportou a hipótese da volta de Lula em 2018. Na fase um do golpe, a presidente legítima Dilma Rousseff foi derrubada com a armação em torno das chamadas "pedaladas fiscais". A fase dois, que prevê a condenação do ex-presidente Lula em primeira e segunda instâncias, está em pleno curso.

No entanto, o tiro pode sair pela culatra. Segundo o colunista Reinaldo Azevedo, ao condenar Lula sem provas, o juiz Sergio Moro se tornou num de seus principais cabos eleitorais. "Hoje, um de seus cabos eleitorais involuntários, dadas a sentença e a resposta aos embargos de declaração, é Moro. Ele empurrou para o TRF-4 uma escolha sem saída virtuosa: ou confirma uma condenação sem provas e alheia à denúncia, o que seria um desastre, ou absolve o chefão petista, outro desastre", diz Reinaldo, em artigo publicado nesta sexta-feira.

O jornalista que concorda com a defesa de Lula e diz que a condenação não guarda relação com a acusação proposta pelo Ministério Público. "Indagado, nos embargos de declaração, a respeito da ausência de nexo, na sentença, entre o apartamento e os contratos, o juiz respondeu de forma surpreendente e insólita: 'Este juízo jamais afirmou, na sentença ou em lugar algum, que os valores obtidos pela Construtora OAS nos contratos com a Petrobras foram usados para pagamento da vantagem indevida para o ex-presidente'. E a acusação feita pelo MPF? Se um juiz acha que um réu deve ser condenado por algo distinto do que está na denúncia que ele próprio aceitou, é forçoso que isso seja feito em outro processo", diz Reinaldo.

"Moro aceitou, em setembro do ano passado, a denúncia contra Lula por corrupção passiva e lavagem de dinheiro no caso do tríplex de Guarujá. Segundo o Ministério Público, o imóvel era pagamento de propina decorrente de três contratos que consórcios integrados pela OAS mantinham com a Petrobras. Assim, restaria aos procuradores a tarefa de apresentar as provas de que eram os tais contratos a origem daquele bem. A condenação veio. Mas as coisas se complicaram. Se o MPF não apresentou as provas de que o imóvel pertence a Lula, e não as apresentou!, tampouco conseguiu evidenciar a relação entre aquelas obras em particular e o dito-cujo". diz o jornalista. Segundo ele, "Moro, em suma, criou a versão dissertativa do PowerPoint de Deltan Dallagnol."

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quinta-feira, 20 de julho de 2017

Moro usa insultos para justificar sentença, Jânio de Freitas

É certo que para aquela parcela imbecilizada da opinião pública, que de tanto veneno e ódio que lhes subiu à cabeça, argumentos não fazem efeito.

Aliás, imbecilidade que tomou conta, como se vê, de boa parte até de quem, pela gravidade de suas funções, deveria conservar equilíbrio, mas está dedicado a trazer à ribalta protofascistas medíocres, como faz o Ministério Público com Kim Kataguiri, um bobalhão que posa de arma de paintball, para discutir segurança pública.

Ainda assim, é indispensável a leitura do que escreve Janio de Freitas, hoje, na Folha, mostrando que a temporada de substituição de argumentos por insultos estendeu-se para além do twitter e do faceboook e invadiu, sem cerimônias, até mesmo o campo das sentenças judiciais.

Sua Excelência, Sérgio Moro, despreza Sua Majestade, o Fato e os adapta ao que deseja sentenciar e, contra quem o contesta, sente-se livre para fazer as mais esdrúxulas comparações. Esdrúxulas, imotivadas e politiqueiras, como a comparação entre os casos de Eduardo Cunha e o de Lula, que se dividem, antes de qualquer análise de mérito, por um fato: o primeiro tinha contas milionárias no exterior, com sua assinatura e suas ordens, com admissão, inclusive, que o dinheiro lhe pertencia, ontem e amanhã, como “usufrutuário”, enquanto do ex-presidente nada, nem mesmo para confiscar, nada se achou que não fosse legítimo.

Mas, nestes tempos em que vivermos, basta a convicção de que “Lula é o chefe da maior organização de propinas do Brasil”, simplesmente por ter nomeado diretores na Petrobras que se meteram em negociatas com políticos, aliás, coisa nada rara ou inédita neste país, onde Judas virou o Cristo de tanta gente e a delação, que se premia com muito mais de trinta dinheiros, é o caminho do perdão e da vida feliz.


Novidade destes tempos indefiníveis, sentenças judiciais substituem a objetividade sóbria, de pretensões clássicas como se elas próprias vestissem a toga, e caem no debate rasgado. Lançamento de verão do juiz Sergio Moro, nas suas decisões iniciais em nome da Lava Jato, o “new look” expande-se nas centenas de folhas invernosas da condenação e, agora, de respostas a Lula e sua defesa. Tem de tudo, desde os milhares de palavras sobre o próprio autor, a opiniões pessoais sobre a situação nacional, e até sobre a sentença e sua alegada razão de ser. Dizem mais do juiz que do acusado. O que não é de todo mal, porque contribui para as impressões e as convicções sobre origens, percurso e propósitos deste e dos tantos episódios correlatos.

A resposta do juiz ao primeiro recurso contra a sentença é mais do que continuidade da peça contestada. É um novo avanço: lança a inclusão do insulto. Contrariado com as críticas à condenação carente de provas, Moro argumenta que não pode prender-se à formalidade da ação julgada. Não é, de fato, um argumento desprezível. Se o fizesse, diz ele, caberia absolver Eduardo Cunha, “pois ele também afirmava que não era titular das contas no exterior” que guardavam “vantagem indevida”.

A igualdade das condutas de Cunha e Lula não existe. Moro apela ao que não procede. E permite a dedução de que o faça de modo consciente: tanto diz que Eduardo Cunha negava a posse das contas, como em seguida relembra que ele se dizia “usufrutuário em vida” do dinheiro. Se podia desfrutá-lo (“em vida”, não quando morto), estava dizendo ser dinheiro seu ou também seu. Simples questão de pudor, talvez, comum nos recatados em questões de vis milhões. Moro não indica, porém, uma só ocasião em que Lula tenha admitido, mesmo por tabela, o que o juiz lhe atribui e condena.

Diferença a mais, os procuradores e o juiz receberam comprovação documental de contas de Eduardo Cunha. O insucesso na busca de documento ou outra prova que contrarie Lula, apesar dos esforços legítimos ou não para obtê-la, é o que leva os procuradores e Moro ao descontrole das argumentações. E a priorizar o desejado contra a confiabilidade. Vêm as críticas, e eles redobram as ansiedades.

É o próprio Moro a escrever: “Em casos de lavagem, o que importa é a realidade dos fatos, segundo as provas e não a mera aparência”. Pois é. Estamos todos de acordo com tal conceituação. Nós outros, cá de fora, em grande medida vamos ainda mais longe, aplicando a mesma regra não só a lavagens, sejam do que forem, mas a uma infinidade de coisas. E muitos pudemos concluir que, se o importante para Moro é a realidade “segundo as provas e não a mera aparência”, então, lá no fundo, está absolvendo Lula. Porque o apartamento pode até ser de Lula, mas ainda não há provas. A Lava Jato e o juiz só dispõem da “mera aparência”, o que Moro diz não prestar.

Já está muito repisado que delações servem para dar pistas, não como prova. Apesar disso, Moro dá valor especial a escapatório de Léo Pinheiro, ex-presidente da OAS, de que o apartamento saiu de uma conta-corrente da empreiteira com o PT. Convém lembrar, a propósito, que Pinheiro negou, mais de ano, a posse do apartamento por Lula. Em meado do ano passado, Pinheiro e Marcelo Odebrecht foram postos sob a ameaça, feita publicamente pela Lava Jato, de ficarem fora das delações premiadas, que em breve se encerrariam. Ambos sabiam o que era desejado. E começaram as negociações. Odebrecht apressou-se. Pinheiro resistiu até há pouco. A ameaça de passar a velhice na cadeia o vendeu.

Infundada, a igualdade de Eduardo Cunha e Lula passou de argumento a insulto. A rigor, assim era desde o início. E juiz que insulta uma das partes infringe a imparcialidade. Mostra-se parte também. 

GGN

Grandes nomes do mundo jurídico assinam manifesto histórico contra a justiça política, confira a matéria

O Cafezinho tem a honra de publicar, em primeira mão, um dos manifestos políticos mais importantes dos últimos tempos.

Clique no link abaixo para ler o manifesto: Carta aberta contra Justiça Política no Brasil.

Sei que muitos manifestos tem sido publicados desde o impeachment, mas suspeito que nenhum tenha obtido nomes tão representativos como este.

Trata-se de uma denúncia duríssima contra o golpe (que vem assim grafado: golpe), contra a justiça política (que vem assim descrita: justiça política) e contra a retirada de direitos do trabalho.

Um trecho:
2. DENUNCIAMOS as diferentes forças reacionárias que atuaram para o êxito do golpe político parlamentar desferido no ano 2016, com destaque para o controle monolítico dos grandes meios de comunicação social e para a justiça política ainda em curso em diferentes órgãos mediante a utilização indevida da investigação criminal e do processo judicial para fins de perseguição política de um determinado grupo para outro alçar ao poder e cumprir uma agenda devastadora de conquistas dos segmentos explorados, oprimidos e excluídos no Brasil.

O documento já vem traduzido nas seis principais línguas ocidentais, demonstrando que o seu objetivo é furar o bloqueio da mídia brasileira, a qual, aliás, também vem denunciada no texto como protagonista do golpe e principal sustentadora da justiça política e da retirada de direitos do trabalho.

Entre os signatários, temos dois ministros do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), instância máxima do judiciário, a única com poderes de punir e impor limites à atuação dos juízes: Carlos Eduardo Oliveira Dias e Gustavo Tadeu Alckmim.

O documento traz ainda a assinatura de:
duas ministras do Tribunal Supremo do Trabalho: Delaíde Miranda Arantes e Maria Helena Malmann.

uma juíza do trabalho do TRT 2 (SP) e presidenta do Conselho Executivo da Associação Juízes para a Democracia (AJD), Laura Rodrigues Benda.

Rogério Favreto, desembargador federal do TRF 4.

João Batista Damasceno, juiz de direito do TJRJ, professor da UERJ e membro da AJD;

Élder Ximenes Filho-Promotor de Justiça do MP-CE.

Ana Cristina Borba Alves – Juíza Estadual do TJSC, associada da AJD e presidenta do FONAJUV (Fórum Nacional da Justiça Juvenil).

Eméritos e Catedráticos Professores da USP Fábio Konder Comparato (Direito) e Maria Victoria de Mesquita Benevides(Sociologia);

Acadêmicos com estudos na área da atuação política do Poder Judiciário, como Andrei Koerner (Ciência Política/Unicamp), e Magda Biavaschi(Cesit/Unicamp);

Roberto Amaral, histórico personagem da esfera política, ex-presidente do PSB e cientista político;

Cézar Britto, ex-Presidente do Conselho Federal da OAB;

Luis Carlos Moro, ex-Presidente da ABRAT (Associação Brasileira de Advogados Trabalhistas);

Grijalbo Fernandes Coutinho, desembargador do TRT 10;

juízes de carreira como Hugo Cavalcanti Melo Filho, José Nilton Ferreira Pandelot e Claudio José Montesso;

consagrados professores titulares de Direito Constitucional de importantes universidades brasileiras, como Marcelo Cattoni (UFMG), Menelick de Carvalho Netto (UnB), Marcelo Neves (UnB), Gilberto Bercovici (USP), Juliana Neuenschwander(UFRJ), Gisele Cittadino(PUC Rio), Willis Santiago Guerra Filho(UNIRIO), João dos Reis da Silva Junior( UFSCAR ) e Martonio Mont’Alverne Barreto Lima (UNIFOR);

renomados professores de Direito do Trabalho e de Filosofia, de renomadas instituições superiores, como Daniela Muradas Reis (UFMG), Jorge Luiz Souto Maior(USP), Aldacy Rachid Coutinho(UFPR), Wilson Ramos Filho(UFPR), Cristiano Paixão(UnB), Sayonara Grillo Coutinho(UFRJ), Rodrigo Carelli(UFRJ), Everaldo Gaspar Lopes de Andrade (UFPE) e Márcio Túlio Viana (PUC-MG);

atrizes e atores consagrados, como Bete Mendes, Dira Paes e Osmar Prado.

Para ver a lista com os primeiros 438 nomes que assinaram o documento, clique no botão abaixo:

É importante considerar que o documento correu, até o momento, em redes fechadas, de maneira discreta, e que só agora ele se torna público, com um link aberto para que outros nomes possam se juntar. Quem quiser assinar, favor clicar no botão abaixo. Qualquer cidadão ou cidadã brasileiro pode assinar.

Lembramos que há traduções em inglês, espanhol, francês, italiano e alemão. Os signatários contam com a ajuda dos internautas para divulgar o documento junto à imprensa e à opinião pública correspondente às comunidades falantes de cada uma dessas línguas. Clicando nos links abaixo, você será direcionado à Carta na respectiva língua indicada, incluindo a versão em português sem este texto explicativo:







Do DCM

Moro é um chicaneiro e um sádico, diz Eugênio Aragão

Eugênio Aragão: despacho de Moro que sequestra bens de Lula ‘é uma chicana’. “Moro é um juiz chicaneiro, não tem outra expressão”, diz ex-ministro da Justiça. “Isso mostra que Moro tem lado. Não é coisa que se faça com um réu comum. Ele está fazendo isso porque é o Lula”.

 “Ou Moro é um sujeito completamente desorganizado, ou está fazendo isso por chicana, ou por sadismo puro”.

São Paulo – O pedido de sequestro dos bens e o bloqueio de contas bancárias do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva pelo juiz Sérgio Moro, da 13ª Vara Federal de Curitiba, no âmbito da operação Lava Jato, “é um absurdo e uma chicana”, segundo o ex-ministro da Justiça Eugênio Aragão, que integrou o Ministério Público Federal de 1987 a 2017. Em despacho de 14 de julho, mas divulgado nesta quarta-feira (19), Moro ordenou o bloqueio, pelo Banco Central, de R$ 606.727,12 do ex-presidente e o sequestro de três apartamentos, dos quais o imóvel onde Lula reside. Todos os imóveis estão na declaração de bens de Lula quando de suas candidaturas à presidência em 2002 e 2006.

“O que ele está fazendo, em bom juridiquês, é uma chicana (“abuso dos recursos, expedientes e formalidades da Justiça”, segundo o dicionário Michaelis). A coisa mais absurda de tudo isso é, primeiro, que a própria sentença reconhece que não houve nenhum prejuízo à Petrobras. Em segundo lugar, reconhece que o apartamento não é do Lula. Afinal de contas, o que ele quer? O Lula tem que indenizar o quê? Em terceiro lugar, ele está lançando mão das verbas alimentares, o que é um absurdo em relação à pessoa física, num valor que o Lula nunca teve na vida, e ele sabe disso. Esse Moro é um juiz chicaneiro, não tem outra expressão”, diz Aragão.

Na semana passada, Moro condenou o petista a nove anos e seis meses de prisão. Em entrevista coletiva, o advogado Cristiano Zanin Martins afirmou que “a sentença despreza as provas da inocência” e “potencializa um espetáculo midiático-penal”.

“Se é uma medida de natureza executória, caberia na sentença condenatória, e não num despacho posterior, que é para dificultar a apelação”, comenta o ex-ministro. Segundo ele, dificulta a apelação porque, se Moro tivesse adotado a medida antes da sentença, caberia recurso em sentido estrito (artigo 581 do Código de Processo Penal). “Agora não cabe mais. Provavelmente, (a defesa) vai ter que entrar com mandadode segurança. Isso deveria ter sido resolvido na sentença, mas ele resolve como medida de execução provisória de uma sentença que ainda não foi confirmada no segundo grau”, aponta.

Para o jurista, Moro deveria ou ter colocado tal medida na sentença, ou ter resolvido o sequestro dos bens antes da sentença. “E então caberia recurso em sentido estrito. Mas fazer isso depois? Para ele ter por toda a semana os seus dez minutos de glória? Isso é tortura chinesa?”, ironiza.

Aragão diz que o despacho que bloqueia contas e sequestra bens “é uma teratologia” (“estudo das monstruosidades”, segundo o dicionário Aurélio). “Mostra que Moro tem lado. Isso não é coisa que se faça com um réu comum. Ele está fazendo isso porque é o Lula.”

Ele enfatiza que o pedido do juiz de Curitiba de sequestro de bens foi requerido pelo Ministério Público Federal (em 4 de outubro de 2016) muito antes da sentença proferida na semana passada. “Moro deixou isso encadernado lá, sem resolver. Foi arrastando esse pedido e agora resolve esse pedido depois da sentença. É um absurdo completo. Ou ele é um sujeito completamente desorganizado, ou está fazendo isso por chicana, ou por sadismo puro, para fazer as maldades aos pouquinhos.”

Nota da defesa
Em nota divulgada no início da noite de hoje, os advogados de Lula afirmam que a decisão de Moro é ilegal. “A decisão é de 14/07, mas foi mantida em sigilo, sem a possibilidade de acesso pela defesa – que somente dela tomou conhecimento por meio da imprensa, que mais uma vez teve acesso com primazia às decisões daquele juízo”, afirma o documento.

A defesa diz que vai entrar com recurso. “Somente a prova efetiva de risco de dilapidação patrimonial poderia justificar a medida cautelar patrimonial”, diz a nota assinada pelos advogados Cristiano Zanin Martins e Valeska Teixeira Martins.

O comunicado acrescenta ser contraditório Moro afirmar que o bloqueio de bens e valores tem o objetivo de assegurar o cumprimento de reparação de “dano mínimo”, mas a medida ter sido “efetivada um dia após o próprio Juízo haver reconhecido que Lula não foi beneficiado por valores provenientes de contratos firmados pela Petrobras”.

Fernando Horta: O cidadão contra a Lei

O cidadão contra a Lei
Desde o Império Romano se tem claro que o Estado dispõe de tantos meios e recursos que é preciso dar-lhe um limite. Lá, no Velho Continente, depois da Revolta do Monte Sagrado (494 a.C.) os plebeus ganharam o direito de terem um representante seu no Senado. A figura recebeu o nome de “Tribuno da Plebe”, também para que ficasse claro que ele não era (nem nunca poderia ser) senador. As fontes falam em algo entre 4 e 10 representantes da plebe. O número jamais faria frente ao número de senadores, mas o Tribuno tinha dois importantes poderes: tinha poder de veto e sua casa era inviolável. O poder de veto dava ao Tribuno uma oportunidade de barganhar em favor da plebe e a inviolabilidade de sua casa o protegia das artimanhas do Estado e de opositores.
Esta percepção, da possibilidade do abuso do poder, vai e voltar durante a Idade e Média e Modernidade, tornando-se sólida apenas após a Revolução Francesa. Era preciso proteger o cidadão do Estado. Os direitos individuais, tornados, ao longo do século XIX e XX, pétreos e, em seguida, aumentados para os “direitos humanos”, têm por função também tal proteção. Para dizer pouco, esta é a pedra-de-toque da construção de todo o arcabouço político e social norte-americano.
Thomas Hobbes, por exemplo, defendia o direito do cidadão se rebelar contra o Estado no caso deste estar-lhe ameaçando a vida. John Adams, um dos “pais fundadores” dos EUA, em discussões sobre o arcabouço jurídico de lá, lembrava que se a constituição não provesse meios institucionais para proteger o cidadão das arbitrariedades do Estado ou não fosse seguida, “sempre existiria a solução armada”.
Ainda hoje, apenas o viés político diferencia uma “guerra de resistência” de populações “submetidas à violência do Estado” de uma sedição ilegal. Muitas discussões na ONU são travadas neste sentido. Populações que se levantavam contra a “opressão” do presidente X são tratadas como oposição legítima e precisam ser “defendidos”. Outros grupos, que pediam independência na Espanha, na Escócia ou mesmo no Canadá e nos EUA, são tratados como criminosos que buscam a divisão do país. Semana passada mesmo, o plebiscito na Catalunha, tão ilegal aos olhos constitucionais do país, foi tratado como “um absurdo”, ao passo que a mesma ilegalidade na Venezuela – na mesma página de jornal – era incentivada como uma manifestação lícita de resistência. Pelo Estado, as leis são torcidas, consideradas ou desconsideradas segundo a política.
Desde as questões legais, econômicas até o monopólio legítimo da força, o Estado tem uma pluralidade de ferramentas à sua disposição, que fazem o cidadão simplesmente incapaz de resistir. As constituições deveriam ser uma regra dura a ser seguida como limite ao poder, exatamente por conta desta disparidade. Mas, no Brasil, a constituição é letra morta e o poder judiciário avança sobre o cidadão com uma voracidade nunca vista na história do país. Se, durante a ditadura civil-militar de 64-85, tivemos um judiciário que se rebelava constantemente, hoje parece que foi formado um coro e conservador punitivista, observado de longe por aqueles que discordam. Quase sempre em silêncio. Poucas e valorosas vozes têm se levantado contra o abuso. E têm sofrido por isto.
A verdade é que depois de mais de três anos de investigações, quebra de sigilos fiscais, financeiros, vazamentos, escutas legais e clandestinas sobre Lula, sua família, seus advogados e sabe-se lá quem mais, tudo o que o Estado conseguiu foi uma delação premiada feita por retificação. Num primeiro momento, Léo Pinheiro tinha dado depoimentos semelhantes a tantas outras testemunhas, no sentido de afirmar a não participação de Lula em nada. Então, jogando a constituição no lixo junto com mais de 200 anos de tradição do liberalismo, Moro condena Pinheiro a mais de dez anos de cadeia e o tribunal vai elevando a soma das penas para mais de 26 anos. Concomitantemente, este mesmo e pernicioso Estado, libera, por exemplo, o doleiro Yousseff para “prisão domiciliar”, assim como tantos outros “colaboradores”.
Jogando com uma teia de mentiras impossível de ser verificada (pois não existem provas), delatores, testemunhas, delegados, promotores e tantos outros trabalhando por seus próprios interesses, participam de um teatro mal encenado em que prevalecem interesses privados sobre qualquer noção de justiça. Moro escolhe discricionariamente ao que dar crédito e o que desconsiderar, conforme seu conservadorismo atávico. E se esconde atrás do Estado, jogando com a cumplicidade de vários setores que, por anos, também usaram o Estado como seus escritórios de gerenciamento.
Para mim, uma prefeitura jogar água em cidadãos em situação de rua, ameaça-os de morte. Para mim, não pagar salários e deixar os servidores sem condições de sobreviver, ameaça-os de morte. Para mim, ordenar violência policial em manifestações públicas, com armas proibidas até em convenções sobre guerra, ameaça o povo de morte. Perseguições jurídicas, como a levada a cabo por Moro, ameaça a todos nós cidadãos. Enquanto perseguem uns, matam tantos outros de fome, frio ou com tiros mesmo. Estamos sitiados e Hobbes, no século XVII, já admitia o direito à rebelião contra um Estado sem limites.
Do GGN

Advogados explicam porque bloqueio de bens de Lula é ilegal e abusiva

Foto: Lula Marques

A defesa do ex-presidente Lula enviou uma nota à imprensa explicando porque o sequestro dos bens do petista por Sergio Moro é "ilegal" e "abusiva", além de não ter sido honesta em sua argumentação e transparente com os advogados.

"Na prática a decisão retira de Lula a disponibilidade de todos os seus bens e valores, prejudicando a sua subsistência, assim como a subsistência de sua família. É mais uma arbitrariedade dentre tantas outras já cometidas pelo mesmo juízo contra o ex-Presidente Lula", aponta a defesa.
Moro determinou o bloqueio de bens e ativos de Lula no dia 14, dois dias após condená-lo no caso triplex e um dia após o ex-presidente responder à sentença lançando-se candidato ao Planalto em 2018.

Só que o pedido, feito pelo Ministério Público Federal em outubro de 2016, não tem conexão com o caso triplex. Estava guardado na gaveta de Moro há mais de 9 meses, e foi despachado em sigilo. A defesa só ficou sabendo através da imprensa, cinco dias depois.

Assim como fez com o triplex para condenar Lula, Moro também substituiu os argumentos do Ministério Público por outros de sua autoria. No caso do bloqueio de bens, a Lava Jato em Curitiba havia apontado que Lula deveria perder uma fortuna de R$ 192 milhões, que equivale à propina que a OAS poderia ter pago por contratos na Petrobras. Não há provas desses pagamentos e o montante foi estimado com base no cálculo de 3% sobre todos os contratos da OAS com a estatal.

Moro, por sua vez, achou mais conveniente bloquear até R$ 10 milhões de Lula usando como base para estipular esse teto a sentença do triplex, onde o petista foi acusado pelo juiz de se beneficiar de até R$ 16 milhões. O valor é o que um delator afirma que a OAS pagou somente ao PT por causa de contratos com a Petrobras.

"Somente a prova efetiva de risco de dilapidação patrimonial poderia justificar a medida cautelar patrimonial", disse a defesa de Lula. "O Ministério Público Federal não fez essa prova, mas o juízo aceitou o pedido mais uma vez recorrendo a mera cogitação ('sendo possível que tenha sido utilizada para financiar campanhas eleitorais e em decorrência sido consumida')", explicaram os advogados Cristiano Zanin e Valeska Teixeira.

Os defensores ainda apontaram que Moro não deveria decretar o confisco dos bens de Lula alegando prejuízo à Petrobras se o próprio magistrado reconheceu, em sua sentença, que não há provas de que o esquema desvendado na Lava Jato beneficiou diretamente o ex-presidente.

"O juízo afirmou que o bloqueio de bens e valores seria necessário para assegurar o cumprimento de reparação de dano mínimo, que foi calculado com base em percentual de contratos firmados pelos Consórcios CONPAR e RNEST/COONEST com a PETROBRAS. Contraditoriamente, a medida foi efetivada um dia após o próprio Juízo haver reconhecido.

que Lula não foi beneficiado por valores provenientes de contratos firmados pela Petrobras (Ação Penal nº 5046512-94.2016.4.04.7000) e que não recebeu efetivamente a propriedade do tríplex — afastando a real acusação feita pelo Ministério Público Federal na denúncia."


A defesa ainda taxou a medida de Moro de ilegal e abusivo, e disse que vai recorrer.

"É ilegal e abusiva a decisão divulgada hoje (19/07) pelo Juízo da 13ª. Vara Federal Criminal de Curitiba determinando o bloqueio de bens e valores do ex-Presidente Luiz Inácio Lula da Silva. A decisão é de 14/07, mas foi mantida em sigilo, sem a possibilidade de acesso pela.

Defesa — que somente dela tomou conhecimento por meio da imprensa, que mais uma vez teve acesso com primazia às decisões daquele juízo. A iniciativa partiu do Ministério Público Federal em 04/10/2016 e somente agora foi analisada. Desde então, o processo também foi mantido em sigilo. A defesa irá impugnar a decisão."



GGN