segunda-feira, 7 de maio de 2018

MAIO DE 1968 e o sentimento do inacabado, o CAPITALISMO RECICLOU-SE, por Concessa Vaz

Estudantes residentes na Maison du Brésil, Cité Universitaire 
Internationale, Paris XIVe. Maio de 1968.
Questionávamos nas ruas o trabalho alienado, o poder piramidal, o controle cotidiano da vida. Capitalismo reciclou-se — apenas para se tornar mais opressor. Mas a última palavra não foi dita.

“Métro, boulot, dodo” (metrô, trabalho e cama), resumia o dito popular, extraído de um verso de Pierre Béarn, de 1956, e repetido monotonamente pelos integrantes do movimento estudantil, que, tendo se iniciado na Universidade de Nanterre, naquele início do ano de 1968, se alastrou rapidamente por toda Paris, alcançando a Sorbonne, todo o Quartier Latin, a Cidade Universitária Internacional e, em poucas semanas, as principais províncias francesas.
“Que tipo de vida é essa?” bradava em eco um jovem operário mais adiante, acenando aos estudantes e trazendo para seu cortejo milhares de outros operários e profissionais de todas as áreas, compartilhando com aqueles suas angústias e aflições.
Era a própria ordem social que estava em jogo e com ela a alienação a que todos estavam submetidos — a falta de significado de uma sociedade capitalista burocratizada, onde a maioria dos cidadãos levava uma existência trivial, medíocre, repetitiva, repressiva e reprimida. Toda ordem social estava sendo questionada, o estilo de vida, o quotidiano estava sob suspeita. Recusavam-se, todos, e assim clamavam, a serem “treinados como cães policiais”, a se verem convertidos de homens em objetos.
Uma árdua luta foi travada contra os patrões e o Estado. “Ni Dieu, Ni Mâitre!” (“Nem Deus, Nem Senhor!”),  exclamavam os anarquistas, relembrando o lema de Auguste Blanqui, de finais do século XIX. “À Bas l’État Policier!” (“Abaixo o Estado Policial!”), gritavam outros rebeldes, selvagemente reprimidos pela força policial — a violência organizada e concentrada nas mãos do Estado, detentor do monopólio das armas.
O princípio da hierarquia, e da autoridade, prevalecente em todos as instâncias da sociedade era assim questionado – na fábrica, na família, na Universidade –, e a bandeira vermelha tremulava em todos os cantos, seguida da bandeira negra dos anarquistas, não poupando sequer o Teatro da Ópera e o fino cabaré Folies Bergères. As tricolores bandeiras francesas não estavam à vista, indicando claramente a natureza revolucionária do movimento em curso.
Os acontecimentos de maio de 1968 na França passam, para sua compreensão, pelo filtro do trabalho – a base material e econômica das ideias desenvolvidas e propagadas por seus protagonistas. Tamanho movimento, que irrompeu de forma inédita no centro de uma Europa capitalista altamente industrializada, no apogeu de um crescimento econômico por quase trinta anos ininterruptos (os “Trente Glorieuses”, segundo o economista Jean Fourastié), não pode ser reduzido a uma mera agitação da juventude, a uma contestação moral e cultural de estudantes privilegiados e “gatés” (mimados), embora tivessem sido eles, os estudantes universitários, o relâmpago que anunciava a tormenta por vir. A efervescência estudantil era antes a manifestação mais evidente ou o barômetro sensível de um descontentamento geral e de uma crise maior que já se anunciava a partir de dentro da sociedade francesa, cujas origens mais profundas pertencem ao processo geral de racionalização da produção instaurado na grande indústria capitalista em finais do século XVIII.
O período pós-1945 caracteriza-se por um forte crescimento econômico, impulsionado pelas necessidades de reconstrução de uma Europa, e de uma França em particular, mutilada por duas grandes guerras mundiais (1914-1918 e 1939-1945) e por uma grande crise econômica (1929), que resultou em falências, desemprego em massa e uma severa depressão de alcance mundial. Sob a dominação e financiamento dos Estados Unidos, e os estados nacionais lhes servindo de muleta, a reconstrução nacional opera-se e os capitalistas rebatizam seus impérios industriais. Abrem-se então os chamados “anos dourados”, anos de um crescimento sem precedentes e cujo combustível eram os ganhos de produtividade (produto por trabalhador) assentados no modelo taylorista-fordista de produção.
Em finais do século XIX, o engenheiro mecânico Frederic Taylor escreveu os “Princípios de Administração Científica“, um monumento a serviço da organização das empresas e da racionalização da produção e, particularmente, da administração industrial e os meios de torná-la mais eficiente. Taylor revelou os secretos requisitos educacionais/intelectuais que deviam ser exigidos dos trabalhadores para que as empresas fossem bem sucedidas competitivamente. Suas contribuições fundamentais podem ser resumidas em dois pontos, a saber: 1) as práticas de trabalho devem ser rigorosamente padronizadas a partir da análise do “melhor método” de produzir, cobrindo tanto as operações manuais quanto o tempo requerido para executá-las. Trata-se de um estudo dito científico dos “tempos e movimentos”; 2) o estabelecimento de uma rígida separação entre concepção e execução, a partir de uma escala hierárquica de ocupações rigorosamente planejada, incluindo diversos níveis de controle e supervisão do trabalho. Com Taylor, portanto, não apenas o relógio entrava na fábrica, mas o cronômetro, caracterizando uma militarização do trabalho, batizada eufemisticamente de “organização científica do trabalho”. Os tempos e movimentos, depois de analisados, eram impostos aos trabalhadores para serem cumpridos -e uma forte estrutura hierárquica de controle e supervisão se lhes sobrevinha para garantir a produção planejada.
O salto de qualidade foi dado por Henry Ford na indústria automobilística, redesenhada por ele a partir de Taylor. Ford incorporou os princípios tayloristas de divisão do trabalho já estabelecidos e elevou ao máximo a produtividade com a intensificação acelerada do trabalho, induzida e viabilizada pela tecnologia da linha de montagem — ou seja, pela incorporação dos procedimentos na própria máquina. Assim, o aumento de produtividade se produzia pelo trabalho coletivo, altamente potencializado. Através de uma linha de montagem progressiva, os produtos padronizados e entregues à cadência de um mecanismo artificial e exterior aos trabalhadores eram elaborados com um grau de precisão tal que dispensavam “ajustes”. O ritmo rápido e estável da linha de montagem garantia a vantagem competitiva do capitalista (e, portanto, a obtenção em um patamar mais elevado de mais-valia relativa).
Com essa tecnologia, que se estendeu rapidamente para outros setores muito além da indústria automobilística, a produção se fazia em massa e em larga escala, de modo a reduzir os custos unitários, dado o elevado investimento em capital fixo (máquinas, equipamentos, plantas industriais, etc.) exigido. O fordismo, como veio a ser denominado, foi, assim, um dos motores que permitiu o pleno emprego e um aumento do nível de vida dos trabalhadores, via redução dos preços das mercadorias necessárias à sua sobrevivência e reprodução. Foi este o sistema de produção que veio a reger todo o crescimento econômico francês no pós-guerra, com sua linha de montagem e os princípios de organização do trabalho taylorista. Com uma estrutura centralizada de produção, calcada no controle do tempo e dos movimentos do trabalhador na linha de montagem,  as fábricas absorviam uma massa gigantesca de operários especializados (OS), receptores de salário mínimo (SMIG), sujeitos a uma jornada semanal de trabalho de 45 horas, exercendo tarefas precisas, repetitivas, montando peças uniformizadas que desfilavam diante deles, repetindo ao infinito os mesmos gestos e se submetendo à cadência infernal da linha de montagem, embrutecidos e alienados. Sob tais condições de trabalho e vida, não iam a lugar algum com os salários que recebiam em troca, reproduzindo-se diariamente, tal como um pêndulo, diante de uma rotina cada vez menos suportável para cada cidadão-trabalhador parisiense: “métro, boulot, dodo”,
A produção em massa, ademais, deu origem a um consoante consumo de massa e transformou a sociedade, por sua vez, em um mundo de robôs, com modos de vida codificados e com rotinas rigidamente demarcadas – foi a uniformização da vida quotidiana (Henry Lefèbvre).
O mesmo princípio hierárquico da produção fordista refletia-se em universidades igualmente centralizadas, cujos reitores, tais como marionetes, deviam atender, prioritariamente, às necessidades tecnológicas do capitalismo francês, às exigências do sistema produtivo então implantado e disseminado. Não por acaso, os enfurecidos estudantes de Nanterre bradavam, já antes de Maio de 68 que não queriam ser “des chiens de garde de la bourgeoisie” (“cães de guarda da burguesia”).
O governo francês, por sua vez, estava nas mãos de um general – De Gaulle, que havia posto um fim à guerra contra a emancipação política da Argélia e comandava o país com similar austeridade, sem consultas e governando por decreto, além de exercer um enorme controle político através das mídias de então: a televisão e o rádio. Os limites de seu governo se expressavam claramente no “slogan” já trivial nas manifestações de maio: “Adieu, De Gaulle, dix ans, ça suffit” (“Adeus, De Gaulle, dez anos, basta!”).
Durante os 25 anos que se seguiram à Segunda Guerra Mundial, o sistema capitalista francês escondera-se atrás da embriaguez do progresso econômico. Mas a lógica do trabalho, decorrente do regime de produção taylorista-fordista então dominante, controlava toda a vida social e humana.
Em meados dos anos 1960, esse sistema de produção começou a perder eficácia. A produtividade desacelerou, os capitalistas tentaram compensar a queda reduzindo os salários reais, degradando ainda mais as condições de trabalho, promovendo o desemprego parcial e, funestamente, acelerando as já infernais cadências da linha de montagem. Os operários, em particular a massa de especializados, revoltaram-se contra o peso da crise que começo a recair sobre seus ombros, e o desequilíbrio instalou-se. Os operários decidiram juntar-se aos estudantes grevistas e recusaram-se ao jogo de “perdre sa vie à la gagner” (“perder a vida para ganhá-la”). Tal recusa apareceu também sob a forma de absenteísmo no trabalho — o chamado “turn-over”, a recusa do trabalho, ou sob a forma de sabotagem. Mas foram provavelmente as condições salariais dos trabalhadores especializados, a maioria absoluta dos trabalhadores fordistas, que levaram os trabalhadores à revolta e a se juntarem aos estudantes. Esta adesão ficou definitivamente gravada nas bandeirolas que tremulavam por toda parte com os dizeres: “étudiants, professeurs, ouvriers” (“estudantes, professores, operários”. Foi esta junção histórica entre o trabalho intelectual e o trabalho manual que fez do Maio de 1968 na França um evento particular e diferenciado em relação ao que ocorria no resto do mundo.
Somente no final da década seguinte a persistência dos sintomas depressivos exigiu reações e mudanças de modo a revigorar o crescimento econômico capitalista. A partir dos anos 1980, novas estratégias empresariais de competitividade e de produtividade começaram a ser desenhadas, alterando a organização do trabalho e as formas de gestão da produção. Um novo padrão instaurou-se, a assim chamada “produção flexível”. Mas como no taylorismo-fordismo, este sistema de produção nasceu igualmente ao processo geral de racionalização da produção instaurado pela grande indústria capitalista de finais do século XVIII. O objetivo continuava sendo o da acumulação de capital por meio do aumento da produtividade e da competitividade. Logo, numa perspectiva histórica e do ponto de vista da organização do trabalho, a recém-chegada “produção flexível”, longe de constituir uma novidade, foi antes de tudo uma norma, pois que o processo produtivo, com os seus trabalhadores aí inseridos, foi permanentemente reorganizado e/ou reestruturado ao longo do tempo em função da necessidade imperativa de crescimento do capital, que só se viabiliza através do aumento constante da produtividade do trabalho e, portanto, da mais-valia.
“A força com a qual a contestação estudantil e operária se afirmou na França, em Maio de 1968, confirma a virulência dos antagonismos no interior desta sociedade pretensamente estável e a incapacidade da burguesia de superá-los, ou seja, de conseguir a domesticação durável das classes exploradas” (cf. Daniel Bensaid). Os trabalhadores não demoraram a perceber, face à recessão que se abriu e se estendeu ao longo dos anos que se seguiram, que o capitalismo não se encontra ao abrigo de crises maiores, tendo como resultado um conjunto de reestruturações que prejudicam, inevitavelmente, suas condições de existência.
Como testemunha ocular dos acontecimentos de Maio de 1968 na França, quando eu era apenas uma entre milhares de outras estudantes, francesas e estrangeiras que aí faziam seus estudos, e no auge de meus 20 anos, termino este texto compartilhando o mesmo sentimento de Christian Laval, tão bem expresso em seu depoimento, quando dos 40 anos de Maio de 1968:
“(…) Este movimento, sem chefe, sem direção e sem programa é o nome daquilo que um dia fez medo e que precisou ser controlado, remetendo-o ao folclórico, ao anedótico ou ao banal…Este movimento, e sua força, permaneceu aberto às interpretações, às recuperações…68 é a afirmação gritante de uma recusa que continua a atemorizar… [é a afirmação] de que há outra coisa possível. Maio de 68 é o nome deste desejo…Nosso tempo passou e é preciso dar passagem. Nós fomos o elo provisório de um tempo igualmente provisório, (…) nós somos muitos a ter o sentimento do inacabado…”
GGN

domingo, 6 de maio de 2018

LULA PODE INVIABILIZAR DIREITA e construir 2º turno DENTRO DA FRENTE, por Ion de Andrade

A prisão de Lula, insustentável diante das imagens veiculadas pelo MTST é de tal brutalidade que tende a gerar um movimento natural de lealdade total a ele por parte de todos aqueles que o sabem injustiçado.
Essa lealdade vai além da pessoa de Lula, pois se funde com os valores da democracia participativa, do Estado Social, da prioridade aos mais pobres que são os dele e em nome dos quais muito foi feito no Brasil.
Portanto estamos diante de um fenômeno visceral que reverberará na história e na política brasileira por décadas.
O caráter visceral desse fenômeno, que é traço do quanto está vivo, poderia, no arco do curto prazo onde estão as eleições, desempenhar efeito instabilizador sobre o processo estratégico a que as forças democráticas estão convocadas que é o de fazer reemergir no Brasil, preferencialmente nas próximas eleições, a democracia e um pacto social mínimo para a governabilidade.
Na prática essa lealdade (e ela é legítima) poderia produzir um comportamento político sectário, pelo qual nenhum candidato, mesmo no campo democrático poderia ser suficientemente digno para substituir no pleito eleitoral o Lula preso injustamente. É compreensível do ponto de vista humano que muitos possam perceber uma alternativa qualquer a Lula, num cenário como o atual, como traição.
Agrega-se a isso o fato de que a candidatura de um Lula preso político tem um potencial politizador imenso para as maiorias, pois demonstra com clareza meridiana a que destino a sociedade excludente e autoritária do Brasil contemporâneo estão condenados aqueles que almejam construir, mesmo por meio do diálogo e do consenso, uma sociedade menos injusta e assimétrica no Brasil.
Portanto a razão cerebral e a razão visceral apontam para a necessidade histórica e política da candidatura Lula para a presidência da república em 2018 e me incluo entre os que concordam com essa necessidade.
Porém temos que considerar diversos elementos legais e políticos para contextualizar a candidatura Lula num cenário que, até aqui, dá à Extrema Direita a segunda posição. Essa força política, no entanto parece ter chegado ao seu teto e tenderia a ser derrotada por qualquer candidato que a ela se opusesse no segundo turno.
Isso significa que em circunstâncias normais, o Brasil não elegeria a Extrema Direita à Presidência da República.
Entretanto, a legislação eleitoral prevê que se o candidato vencedor da eleição tiver sua candidatura impugnada, os votos recebidos por ele serão computados como nulos e assumiria o segundo mais votado.
Esse risco real de vitória espúria da Extrema Direita; considerando que o Judiciário mantem Lula preso injustamente, e que esse Judiciário, apesar de sabê-lo inocente, não hesitará em cumprir com o seu papel, previsto na Profecia de São Jucá, impugnando a diplomação de Lula; exige um manejo extremamente responsável da sua candidatura que deve assumir em consciência de causa, de que em nenhuma hipótese permitirá ao Brasil o risco de que seja governado pela Extrema Direita.
A certeza disso é necessária e a sua explicitação permitirá à candidatura Lula crescer ainda mais, liberada que estará das preocupações de muitos eleitores, dentre os quais me incluo, de que como efeito colateral de sua vitória pudéssemos resvalar para o mais vil nazi-fascismo, cuja eleição impossível como primeiro lugar não o seria como diplomado em segundo, por impugnação de um Lula vitorioso.
Portanto uma das coisas que a candidatura deve antecipar é que não permitirá em nenhuma hipótese que o Brasil e o seu povo corram esse risco.
Ora, essa afirmação de princípio da candidatura Lula, a ser enunciada o quanto antes, poderia, por exemplo, produzir a desidratação da candidatura da Extrema direita, que talvez tenha enxergado essa janela espúria para chegar ao Poder e dela esteja se aproveitando. Definida em qualquer circunstância a sua inviabilidade, é previsível que a formação dos palanques lhe seja menos favorável. Sim Lula é o maior eleitor e pode com o peso gravitacional que tem, também impedir a chegada ao Poder da Extrema Direita.
Essa desidratação poderia redistribuir os votos para a eleição presidencial e por exemplo levar ao segundo turno outro candidato da Frente Democrática, recém criada, e que reúne o PT, o PDT, o PSB, o PC do B e o PSOL. Se isso ocorrer, a candidatura Lula poderá ir até o fim, pois ainda que venha a ser impugnada pelo TSE, não haveria nenhum risco à democracia.
Não nos esqueçamos que, para a esquerda, uma eleição não serve apenas para eleger os candidatos mais alinhados ao povo. As eleições servem também e sobretudo para difundir o seu projeto de sociedade e para ampliar as bases da sua influência política ajudando-a a construir a sua hegemonia.
Desvencilhada publicamente dos riscos a candidatura voará livre, leve e solta e quem sabe com a sua força de arrasto possa levar ao segundo turno outra candidatura de Frente Democrática.
Esse seria uma bela avenida para a recomposição da democracia nesse sofrido país.
Do GGN

sábado, 5 de maio de 2018

LER MARX continua sendo ESSENCIAL para entender O MUNDO, por Luis Felipe Miguel

O aniversariante de hoje continua incrivelmente atual, na flor de seus 200 anos. Não acertou várias de suas previsões, é bem verdade. Afinal, ele foi um pensador, não um vidente. Também não escapou de ser um homem de sua época, com sua fé no desenvolvimento científico, às vezes caindo até num certo determinismo. Mas ninguém foi tão preciso, tão certeiro, na compreensão e na interpretação da sociedade capitalista. Muita coisa mudou de sua época para cá.
Escrevi um esboço deste texto dentro de um avião, num tablet - aposto que ele iria curtir tanto um quanto o outro. Mas o domínio da forma mercadoria estrutura o nosso mundo ainda mais do que estruturava o dele. Exploração, alienação e fetichismo são o nosso dia a dia. Nossa história é movida pela luta entre os que dominam e os que são dominados. O que ele descreveu em suas obras, ensinando-nos a ir além das aparências para apreender o significado mais profundo dos fenômenos sociais, permanece presente, e por isso lê-las continua sendo essencial para entender o mundo. E também, como ele disse num aforismo famoso, para tentar transformá-lo.
O futuro com que ele sonhou (ou, para usar uma palavra que ele rejeitaria, a utopia que ele abraçou) parece inalcançável. Creio que poucos apostariam hoje na abolição do Estado, na superação definitiva de qualquer escassez, na harmonia perfeita entre indivíduo e coletividade. Mas os valores que organizam seu projeto - fim da exploração, ampliação da autonomia de todos e de cada um, humanização das relações sociais - continuam no centro de qualquer projeto emancipatório.
Marx foi a referência central de minha formação intelectual. Outras influências vieram depois, mas ele nunca deixou de estar presente. Em especial, sempre permaneceu como o ideal, inalcançável, de combinação entre rigor teórico, clareza de expressão, riqueza de estilo e erudição. A cada página de seus textos - na ironia feroz que dirige a seus adversários, nas referências literárias que encaixa sem nenhum artificialismo para ilustrar o que diz, na montanha de dados que incorpora a seus argumentos, na precisão cirúrgica com que vira de avesso o senso comum, na indignação que atravessa seu olhar sobre as iniquidades do mundo - se revela a paixão que dedicou a seu trabalho.
Há um aspecto da obra de Marx que é talvez o mais difícil de ser assumido hoje: sua confiança no futuro da humanidade, na capacidade de ação dos oprimidos. Creio que não devemos abandonar esse aspecto, por mais que nossas circunstâncias pareçam desoladoras. Não por algum determinismo, por uma visão teleológica qualquer de que “caminhamos” necessariamente para uma sociedade melhor. Mas por entender que o mundo social nunca “é”, sempre está se fazendo. As contradições da sociedade estão presentes, ativas; o trabalho de construção da passividade nunca está concluído e não é invulnerável. O sentimento de impossibilidade de transformação é também um produto da ideologia, ao qual devemos resistir.
Quem sabe, no terceiro centenário, comemoraremos a agudeza de seu diagnóstico sobre uma sociedade já morta.
Do GGN

sexta-feira, 4 de maio de 2018

Karl Marx e a Liberdade de Imprensa, por Urariano Mota

Karl Marx 
O Dia Mundial da Liberdade de Imprensa foi celebrado na mais recente quinta-feira.  Em muitos lugares se publicou que a data lembrava a defesa do jornalista e a independência da informação. Viva! Desde 1993, a Unesco estabelecera o dia 3 de maio como o Dia Mundial da Liberdade de Imprensa. Viva, mais uma vez.
O jornal O Globo, entre outros, destacou:
“Há 25 anos, a Assembleia Geral da ONU proclamou 3 de maio como Dia Mundial da Liberdade de Imprensa, em uma ação para conscientizar o mundo para a luta a favor do simples direito de informar — sistematicamente violado mundo afora, seja através de violência, intimidação, censura ou desinformação deliberada. Muito mudou desde então, principalmente com o ascensão irrefreável das mídias digitais. Mas fazer jornalismo com liberdade, adverte a entidade, ainda é um desafio um tanto difícil....”
Mas que interessante:  Jornal Nacional, Jornal das Dez, CBN.... Sobre as dificuldades do jornalismo, da censura e desinformação deliberada, não temos como discordar do parágrafo acima, a partir do que vemos no próprio grupo midiático Globo.  O certo é que no Dia Mundial da Imprensa o tom geral das notícias omitiu a defesa da liberdade de opinião, o justo exercício da inteligência e sensibilidade do jornalista. E vem a recordação que na imprensa jornalista não tem opinião. A sua sempre será a do patrão. Um processo de comunismo invertido: o empregado pensa que é o pensamento do dono do seu trabalho.
Então é hora de trazer as luzes de Marx sobre a liberdade de imprensa. Em um de seus textos de juventude, na Gazeta Renana, ele escrveu:
“A imprensa livre é o olhar onipotente do povo, a confiança personalizada do povo nele mesmo, o vínculo articulado que une o indivíduo ao Estado e ao mundo, a cultura incorporada que transforma lutas materiais em lutas intelectuais, e idealiza suas formas brutas. É a franca confissão do povo a si mesmo,  e sabemos que o poder da confissão é o de redimir. A imprensa livre é o espelho intelectual no qual o povo se vê, e a visão de si mesmo é a primeira condição da sabedoria”.    (Destaque meu)
O que vale dizer, o povo não pode ser analisado, sequer visto, pelo que se publica nos jornais, rádio e tevê. Ali, a condição não é livre. Na mídia, não lhe reconhecem sequer humanidade, como no recente noticiário da CBN sobre o desabamento do prédio em São Paulo. Ao tranquilizar os cidadãos, vale dizer, os que merecem o nome, a emissora esclareceu: ali, só moravam moradores de rua e drogados. Ah, bom, nem parecem gente. Mas não só nesse caso. Nas notícias de todos os dias, quando um jovem negro é assassinado – aliás, nem é jovem, essa categoria nobre, é marginal, traficante, o que vem a ser o mesmo: negro e morador de favela merec a sua justiça. Em outros casos, quando fazem caras e bocas,  vozes e expressões de piedade, de “humanos” enfim (alô, alô, construtores de robôs, olhem os modelos na tevê).  Semelhante representação ocorre  quando noticiam, por exemplo, uma desempregada que sonha em ter uma máquina de lavar e chora na imagem,  ou na notícia da criança imigrante com o corpinho morto na praia. Penso que assim como os ingleses têm, ou tinham, a sua hora do chá, o tea time, podemos dizer que nesses momentos os apresentadores possuem o seu hypocrisy time. Emoção também se vê aqui. 
E continua o jovem Marx na Gazeta Renana, como se escrevesse para o Brasil deste 2018:
“Na medida em que a imprensa elogia diariamente as criações da vontade do governo, na medida em que o próprio Deus manifestou-se na seguinte forma sobre a sua criação, no sexto dia: ‘Verdadeiramente, foi muito bom’, na medida em que um dia necessariamente contradiz o outro, a imprensa mente constantemente e deve rejeitar a consciência de que mente, escondendo assim a sua própria vergonha” (Destaque meu)
Ora, como não lembrar esse Marx nas explicações da imprensa nacional sobre o mais medíocre e entreguista governo do Brasil até hoje? Seria cômico, se não fosse essencialmente trágico. Fala o comentarista econômico suavizando uma desastrosa ascensão: “Ele sobe, sobe, mas depois cai”. Ele estava falando do dólar. E a edição que se faz da quantidade massacrante de desempregados com carteira assinada?  “É, mas se abrem novas atividades”. O que vale dizer: vendedores em luta fratricida  nas ruas, a disputar pontos de venda de churrasquinhos. Enquanto ganham centavos, todos estão trabalhando. Diante dos programas sociais  que são cortados e se esvaziam, os âncoras (de quê, meu Deus? Dos náufragos?) falam que o “governo passa um pente fino para retirar os fraudadores de benefícios”. A saber: débeis mentais, deficientes de toda ordem, miseráveis que podem e devem trabalhar porque, afinal, ainda estão vivos.
O Karl Marx mais maduro, quarenta anos adiante da Gazeta Renana, na sua crítica à cobertura da imprensa inglesa sobre a Guerra Civil norte-americana, é um escritor, historiador e jornalista ao mesmo tempo:
“A Inglaterra, cuja indústria está parcialmente ameaçada de ruína através da estagnação na exploração de algodão dos estados escravagistas, acompanha o desenvolvimento da Guerra Civil nos Estados Unidos com intensidade febril.  
Durante meses os semanários e diários principais da imprensa de Londres reiteraram a mesma ladainha sobre a Guerra Civil Americana. Enquanto insultam os estados livres do Norte, eles se defendem ansiosamente contra a suspeita de serem simpatizantes dos estados escravagistas do Sul....
A guerra entre o Norte e o Sul – assim é a primeira escusa da imprensa inglesa –é uma mera guerra tarifária, uma guerra entre um sistema de proteção e um sistema de mercado livre. O senhor de escravos deve usufruir o trabalho escravo em sua totalidade ou ser roubado em uma parte dele pelos protecionistas do Norte? Está e a questão que está em litígio nesta guerra segundo a imprensa londrina”.
Em que lugar teríamos um jornalista que flagra a história e lhe dá uma visão de análise que será insuperável 200 anos depois? Nem mesmo o privilegiado e brilhante John Reed conseguiu tamanha altitude ao testemunhar a revolução de 1917. Escreve Marx:
“Mas, defende a imprensa londrina, a guerra dos Estados Unidos não é nada mais do que uma guerra pela manutenção da União pela força. Os ianques não podem se decidir a eliminar quinze estrelas de sua bandeira. Eles querem parecer colossais no palco mundial. Sim, seria diferente, se a guerra fosse pela abolição da escravatura! A questão da escravatura, no entanto, como, entre outros, declara categoricamente The Saturday Review, não tem absolutamente nada a ver com esta guerra...
Outro matador do Sul, Senhor Spratt, gritou: ‘Para nós é uma questão da fundação  de uma grande república escravagista’. Se, portanto, foi de fato apenas em defesa da União que o Norte desembainhou a espada, já não tinha o Sul declarado que a continuação da escravatura não era mais compatível com a continuação da União? A eleição de Lincoln como presidente deu o sinal para a secessão. No dia 6 de novembro de 1860 Lincoln foi eleito. A 8 de novembro de 1860 veio um telegrama da Carolina do Sul: ‘A secessão é considerada aqui como um fato consumado’”.        
Voltemos ao jovem Karl Marx. Agora, não tenho o necessário tempo e competência para refletir a crítica que ele faz ao profissional da imprensa, quando escreveu:  
“Mas a imprensa será verdadeira de acordo com a sua natureza, atuará segundo a nobreza da sua natureza, será livre, se for degradada à categoria de ofício? O escritor, certamente, deve ganhar sua vida a fim de existir e de poder escrever, mas não deve de nenhuma maneira existir e escrever a fim de ganhar a vida....  A primeira liberdade da imprensa consiste em que ela não seja um ofício” 
E cita, no escrito dos primeiros anos de luta jornalística,  as palavras de dois espartanos a um governante persa:
“Você sabe o que é ser um vassalo, mas nunca provou a liberdade para saber se ela é doce ou não. Porque, se a tivesse provado, teria nos aconselhado a lutar por ela não apenas com lanças, mas também com machados”.       
Ou como ele escreveu um dia, na crítica permanente à censura que continua nas redações da mídia do capital: “A censura pune a liberdade como se fosse um abuso”.  Essa é a melhor razão para se publicar nos sítios onde se pensa livre.  
*As citações dos artigos de Marx vêm do livro “A liberdade de imprensa”,  L & PM Editores, 1980.
 Do GGN

quinta-feira, 3 de maio de 2018

CONTROLANDO O COFRE é que se faz o VERDADEIRO COMBATE à corrupção, por André Araújo

O combate à corrupção como guerra mediática punitiva não é o caminho de longo prazo para mudança de qualidade na gestão do dinheiro publico. É pelo caminho dos sistemas de controle que se diminui a corrupção, esse foi o método dos Estados Unidos, que já foi a democracia mais corrupta do mundo no começo do século XX.  As eleições estaduais e municipais americanas eram habitualmente compradas, sendo notórias as máquinas eleitorais de Nova York (Estado e cidade) dominada pelo grupo “Tammany Hall”, do Missouri (grupo Prendergast), de Chicago (família Daley), Lousiana (Huey Long), esquemas que chegaram em alguns casos até os anos 60, quando a votação de John Kennedy em Chicago foi considerada comprada, versão quase unânime nos cursos de ciência politica dos EUA.
A França foi o primeiro País do mundo a desenvolver um sofisticado sistema de controle do dinheiro publico. Lá foi inventado o “droit administratif”, o direito administrativo que regula as funções do Estado, há mais de duzentos anos. A Escola Nacional de Administração forma os “inspecteurs de finance”, funcionários qualificados que tem as ferramentas para promover a eficiência dos gastos dentro de regras racionais. Com uma administração estável a França manteve o funcionamento da máquina pública través de três regimes monárquicos,  cinco Repúblicas, duas guerras mundiais, um governo sob controle estrangeiro (Vichy)  e meia centena de chefias de governo em dois séculos. A máquina pública francesa manteve suas engrenagens mesmo sob as piores condições politicas. O que não quer dizer que não exista corrupção na França, mas há um sistema de administração sólido funcionando.
No grande movimento de combate à corrupção no Brasil iniciado em 2014 não se fala em novas regras de finanças públicas, apenas em inquéritos, delações e punições porque o objetivo da cruzada que move esse processo é politico, a corrupção é a matéria prima necessária, sem ela o movimento não existiria, assim como o médico oncologista precisa do câncer para ter clientes. Nas “dez medidas contra a corrupção” não há uma única ideia sequer que vise diminuir as oportunidades de corrupção através do aperfeiçoamento dos controles, do aperfeiçoamento de métodos e sistemas de aprovação de gastos e projetos.
Vejamos alguns exemplos possíveis de combate a corrupção pela mudança de regras.
FUNDOS DE PENSÃO DE PREFEITURAS
Uma área de enorme corrupção com perdas substanciais dos recursos dos funcionários de Estados e especialmente de Municípios que deveriam contar com esses fundos para se aposentarem. Esse novo sistema foi estabelecido sem qualquer cuidado pela gestão.
Jamais deveria ser permitido a PREFEITOS administrarem esses fundos. Não há capacidade operacional para essa gestão nas prefeituras e a tentação de praticar fraudes é imensa.
Há quadrilhas especializadas em vender títulos frios a esses fundos, dezenas de casos já foram descobertos, MAS NÃO SE COGITA MUDAR O SISTEMA, fonte contínua de corrupção.
SOLUÇÃO: Os fundos estaduais e municipais devem ser apenas uma conta dentro de um FUNDO GERAL gerido pelo Banco do Brasil ou pelo BNDES, o Prefeito não pode tocar no dinheiro arrecadado, vai direto do funcionário para A CUSTODIA DO  Banco  e lá fica até ele se aposentar, é o banco quem deve gerir o fundo e não o Prefeito
ROYALTIES DO PETRÓLEO
Bilhões de Reais foram entregues a Estados e Prefeituras para os Prefeitos e Governadores gastarem como bem entenderem. A dilapidação dos recursos foi total. O Estado do Rio de Janeiro recebeu em dez anos 24 bilhões de Reais de royalties que simplesmente desaparecerem. As Prefeituras do Estado do Rio, algumas pequenas, receberam centenas de milhões de Reais, prontamente dissipados. A campeã foi a Prefeitura de Campos dos Goytacazes, quem em um só ano recebeu R$ 800 milhões, Macaé recebeu mais de um bilhão, Maricá este ano deve receber um bilhão, TODO ESSE VOLUME DE DINHEIRO sem vinculação com projetos, pode ser gasto em custeio, folha, obras eleitorais, estádios, não há destinação  racional para esse mega volume de dinheiro descontrolado, muitas vezes superior ao orçamento normal desses municípios, é muita tentação para qualquer Prefeito liquidar com esse dinheiro que em nada vai beneficiar o povo.  Como não se pensou em amarrar em esse dinheiro extra com projetos de interesse público? O Brasil tem experiência no método.
SOLUÇÃO : Esse recurso extraordinário e finito deve ser VINCULADO e usado exclusivamente em projetos CONTROLADOS PELO Banco do Brasil ou BNDES em educação, saúde e saneamento que devem ser aprovados e supervisionados pelos bancos gestores, onde os recursos devem ser depositados com liberação exclusiva para esses projetos aprovados.
ALUGUEL E CONSTRUÇÃO DE PRÉDIOS
Um dos grandes ralos de corrupção na União, Estados e Municípios, as obras para prédios  são superfaturadas e os alugueis muito acima do mercado. Não é só o orçamento das obras que deve ser fiscalizado, mas especialmente sua necessidade.
Decisões sobre obras e novas locações são tomadas pelo titular do Ministério ou do órgão sem qualquer controle superior ou, parametragem de custos por m2, não há um órgão CENTRAL nas administrações para controlar esse tipo de gasto muitas vezes perdulário.
Há necessidade de uma aprovação acima não só sobre as condições econômicas do contrato de locação, mas especialmente sobre a CONVENIÊNCIA do imóvel. O Poder Público tem muitos imóveis vagos e que são desprezados por autoridades que na melhor das hipóteses querem instalações luxuosas que demonstram prestígio e poder. Em Brasília isso é especialmente real, cito o caso da Secretaria de Aviação Civil que estava bem acomodada no Centro Cultural Banco do Brasil e em plena crise orçamentaria alugou andares de uma ultra sofisticada torre do centro financeiro de Brasília, o Ministério do Esporte na gestão de um Ministro de curta passagem e nome curioso abandonou um prédio que tinha folga de espaço onde o Ministério estava muito bem acomodado para alugar outro maior e mais caro, sem uma explicação lógica. Milhões de reais jogados no ralo por vaidade ou corrupção pura, ocorreu em todos os poderes, sem que haja uma preocupação com esse desperdício óbvio de dinheiro público.
O esquema funciona por todo o Brasil, nos Estados e Municípios, alugueis acima do mercado, prédios luxuosos demais, não se buscam zonas de aluguel barato, o Estado de São Paulo tem 6  Secretarias na região cara da Av. Paulista ou Itaim, quando poderiam estar no centro de aluguel barato. Os prédios são alugados para prestigio e conforto dos burocratas e nada tem a ver com o interesse público. O Poder Judiciário de 2ª Instância em São Paulo multiplicou de maneira impressionante o número de prédios para gabinetes em São Paulo, o Ministério Público do Trabalho alugou enorme torre na área nobre do centro financeiro da Av. Paulista, maior do que o Ministério Público Federal, na mesma região e que é um órgão de muito maior atividade.
Não há explicação lógica para órgãos que cuidam da pobreza, dos carentes, estarem em zonas nobres do centro financeiro de qualquer cidade. É um gigantesco ralo de desperdício do dinheiro público e o “ajustismo” nem toca nesse desperdício, não há um controle superior dessas locações, cada autoridade aluga o que bem entender, os Tribunais de Conta vão verificar se o contrato de locação tem firma reconhecida em cartório, ai termina o controle inútil, NÃO SE FAZ UM CONTROLE PREVIO PARA EVITAR O GASTO de um prédio novo.
Há que haver um órgão que use parâmetros de necessidade e valor para essas locações, que precisam ser justificadas e medidas numa relação atividade X custo x beneficio.
CURSOS E VIAGENS
Outro grande ralo, há agências de turismo especializadas em montar cursos em lugares distantes e até em resorts de praia para vender pacotes de treinamento para órgãos públicos, em parceria com firmas de cursos. Raramente esses cursos tem alguma utilidade real, são centenas a cada ano, os funcionários adoram, todo mundo ganha, as agências, as linhas aéreas, os hotéis, quem perde é o contribuinte que sustenta esse circo de futilidades, é uma grande indústria em crescimento. O máximo da frivolidade  são “cursos de liderança” com estrelas aposentadas do esporte e do mundo do entretenimento. O setor é tão rendoso que há agências especializadas em  parlamentares, em tribunais, em funcionários de 2º escalão.
Na alta hierarquia dos três poderes outro tipo de agência inventa ou pesquisa “seminários” na Europa ou EUA para autoridades viajarem ganhando altas diárias para eventos inúteis, pretensamente importantes e QUE NÃO TEM NENHUMA UTILIDADE PARA O PAIS, são pretextos para fazer turismo com dinheiro público. O viajante pode também ser palestrante no evento para justificar a viagem. Uma palestrinha de uma hora serve de “cobertura” para uma viagem de dez dias com diárias altas e passagens aéreas, gastos que continuam em pleno regime do “ajustismo” quando se cortam bolsas família e auxilio desemprego, aposentadorias do FUNRURAL, auxílios doenças e outros tipos de despesas para pobres, pode-se até justificar mas como não há “ajuste” nos ralos  no 2º andar da Administração Publica? Continua tudo normal, inclusive lanches exóticos em palácios, ajuste onde?
Não existe na história das finanças públicas no mundo ajuste sem EXEMPLOS em cima.
No imediato pós Segunda Guerra a Inglaterra passou por cinco anos de cinto apertadíssimo, o pais quebrado pela guerra, estabeleceu-se racionamento de comestíveis, o primeiro a entrar no racionamento foi o Rei Jorge VI e família, um ovo por semana por pessoa, o Palácio de Buckingham de luz apagada para poupar energia, o Primeiro Ministro Attlee só andava de taxi, sem carro oficial. Até hoje esse espirito paira sobre o Reino Unido, a Rainha Elizabeth II faz viagens oficiais de avião comercial, a Monarquia vendeu o avião e o iate Britannia.
Coisa ainda pior são “cursos livres”, basta pagar para entrar, em universidades caras da Europa e EUA, cursos de seis meses ou um ano, TUDO A CUSTA DO DINHEIRO PÚBLICO, os clientes são altas autoridades que assim passam um ano no exterior, apreendendo matérias que rarissimamente tem alguma utilidade par o Estado, GANHANDO SALÁRIO INTEGRAL NESSE PERIODO DE FÉRIAS DISFARÇADAS, além do custo do curso, das passagens e estadia, tem altos funcionários dos três poderes “especializados” em cavar esses cursos, há casos de “profissionais de fazer curso” com dinheiro público que em 30 anos de carreira gastaram 20 fazendo cursos por todos os lugares do mundo, tudo pago pelo contribuinte e sem que haja qualque aferição do proveito do Estado nesse gasto. É uma forma de gasto público que tem o mesmo efeito econômico da corrupção, dinheiro público queimado na fogueira.
Há um candidato presidencial que se encaixa nessa categoria de “turismo de cursos no exterior", precisa ser especialista para “descolar” um curso atrás de outro sem gastar.
PROPAGANDA OFICIAL
Outra drenagem  dinheiro público, propagandas inúteis  e sem lógica de interesse real, publicidade cujo alvo final e elevar o capital politico da autoridade, “disfarçada” em campanhas para que o público esteja bem informado, a surrada desculpa que não se dão ao trabalho de variar, “precisamos informar o cidadão” dizem, como se estivessem minimamente preocupados com esclarecer o público sobre qualquer coisa.
São contratos volumosos, em nível Federal, Estadual e Municipal, tudo marketing de carreira e de currículo de Ministros, Governadores e Prefeitos, geralmente para calçar uma próxima eleição.
O Tribunal Superior Eleitoral gasta dinheiro público em publicidade, não é sua função correr atrás de eleitores, Tribunal por definição não faz propaganda, não é fábrica de biscoitos.
É muita vontade de torrar dinheiro público, são instituições de Estado, não tem que fazer marketing.  As estatais publicam balanços de varias paginas ou cadernos inteiros como a PETROBRAS, mais de 20 paginas no jornal VALOR. A pratica mundial é a publicação de resumos sumários de balanços, sem anexos, apenas os dados básicos em milhões, nenhuma grande empresa multinacional publica em jornais de grande circulação balanços com dez ou 20 paginas de detalhes de anexos, estatais de capital fechado como a COBAL publicam balanços com anexos de quatro ou seis paginas, para que, quem do grande publico vai ler varias paginas em letra miúda, é só gasto inútil , especialmente quando tudo isso pode ser colocado de graça na internet,  torrar dinheiro do contribuinte com espaços enormes e inúteis e antes de mais nada “pedágio” para comprar a boa vontade do jornal ou da revista, cadê o ajuste?
TRANSPARENCIA DOS GASTOS
O Poder Público deve informar a cada trimestre os gastos por grupo de despesas, em milhões de Reais e não com o ridículo preciosismo de colocar até o ultimo centavo. Os Ministérios americanos publicam listagem de gastos na internet todo mês EM MILHÕES DE DOLARES, não tem esse volúpia de colocar até o ultimo centavo, só para confundir, tabelas simples de olhar e entender, quanto se gastou nisso e naquilo, um simples quadro de números.
Quanto se gastou em passagens naquele trimestre? R$ 234 milhões de Reais e pronto, isso já é suficiente para o cidadão se informar, não precisa detalhar mais.
O caso das passagens aéreas é típico. A União gasta entre R$2,5 a 3 bilhões de Reais em passagens aéreas, é o maior comprador do País, MAS NÃO NEGOCIA EM BLOCO. Cada órgão compra suas passagens pelo preço cheio, de balcão, o mais caro que as linhas aéreas cobram.
As multinacionais americanas compram antecipadamente  bilhetes em BLOCO para o ano seguinte, conseguem descontos de até 70% no preço, o mesmo com diárias em rede de hotéis.
A compra é feita por previsão, não precisa marcar as passagens, apenas garantir aquele volume em cada linha aérea. Quase todas as grandes multinacionais do mundo fazem isso e ninguém chega perto do que o Governo do Brasil compra em passagens.
CONTROLANDO O GASTO FUTURO E NÃO O GASTO DO PASSADO
O Brasil gasta uma fabula com TRIBUNAIS DE CONTAS que fiscalizam carimbos e certidões, verificam  gastos já feitos, correm atrás do prejuízo irrecuperável, é pura perda de trabalho, dinheiro e tempo. O sistema dos EUA é CONTROLAR O QUE VAI SER GASTO, esse é o conceito do ESCRITORIO DE CONTAS DO CONGRESSO, o GAO- General Accountability Office.Não vão atrás de dinheiro de cafezinho na repartição, o GAO analisa o gasto futuro e pode vetar o que pretendia o valor orçado e ai que economiza dinheiro publico, não vai atrás de documentos, certidões, editais, carimbos, firmas reconhecidas, faz ANALISE ECONOMICA DE UTILIDADE.
Exemplo: Aparece um projeto par construir um hospital em determinada região, o GAO manda seus inspetores verificar se o hospital é REALMENTE necessário OU se não fica mais barato aumentar um hospital já existente OU se não existe  um prédio pronto que pode ser comprado e nele se fazer um hospital OU se não fica mais econômico fazer um convenio com um hospital particular na região. A função do GAO é ECONOMIZAR DINHEIRO PUBLICO que vai ser gasto e antes que ele seja gasto. O GAO cancelou 2 trilhões de dólares em gastos com armamentos que iriam ser gastos em PROJETOS RUINS, de baixa eficiência, provando que aquele projeto era desperdício, o mais famoso desafio foi o bombardeiro stealth (invisível para radar) LRS . O GAO arbitrou o contrato que tinha de um lado a Boeing e a Lockheed e de outro a Northrop, um negócio de US$80 bilhões, fez a analise custo beneficio e considerou mais conveniente a opção Northop, em meio a grande controvérsia com o Pentagono, prevalecendo a decisão do GAO sob sérios protestos da Boeing.  O alvo é sempre fazer o melhor negocio possível para o dinheiro publico em cada projeto.
 O GAO também fez um estudo para ver quantas bases militares já eram inúteis ao fim da Guerra Fria e mandou fechar 800 BASES PELO MUNDO, o Pentagono nunca fecharia por vontade própria, as bases já eram INUTEIS e consumiam uma vasta despesa por estarem abertas, mas existe o axioma de que a burocracia jamais corta na própria carne por vontade própria, a tendência é a expansão de pessoal, prédios e gastos porque isso aumenta o poder do burocrata, isso acontece nos EUA, no Brasil e em todo lugar.
O GAO tem 3.500 funcionários e custa 600 milhões de dólares por ano, para cuidar do País inteiro. O Tribunal de Contas do município de São Paulo tem 600 funcionários e custa 550 milhões de Reais por ano, tem 170 auxiliares de gabinete de livre nomeação, são apenas 5 Conselheiros,  desconhece-se quanto de economia conseguiu para o município, mas há milhares de processos tipo faltou uma certidão negativa do vidraceiro que  trocou uma janela. Além do município de São Paulo, o Rio de Janeiro também tem um Tribunal de Contas municipal, os 27 Estados e o Distrito Federal tem cada um seu tribunal de contas e o maior de todos, o da União, o sistema todo deve custar cinco ou seis  vezes mais do que o GAO americano, os TC brasileiros tem  eficiência REAL mínima, controlam a forma e não a essência do fasto, vão atrás de filigranas ou mandam parar obras de bilhões por erros de edital, causando um prejuízo muito maior que o erro porque não se guiam por parâmetros econômicos, apenas jurídico-burocráticos, esta havendo uma evolução nos TC por causa do corpo técnico mas o modelo com nomeação de “juízes” políticos e completamente furado, sem falar de outros e conhecidos problemas como os do Tribunal de Contas do Estado do Rio, onde todos os conselheiros foram presos por corrupção, para aprovar contas cobravam comissão dos fornecedores do Estado.
No campo da corrupção a cruzada moralista  tenta copiar os modelos judiciais americanos sem sequer cogitar de importar os MECANISMOS DE CONTROLE DE GASTOS PUBLICOS, algo muito mais importante do que correr atrás do prejuízo com inquéritos contra corruptos que já causaram  o prejuízo e gastaram o dinheiro  e vão custar mais ao Estado depois de presos.
Há, todavia, um problema. Implantar sistemas modernos de controle de gastos não rende mídia, não dá capa de VEJA, não levanta o ego. É só trabalho sem gerar capital politico.
Melhor é produzir escândalos diários, com GLOBONEWS divulgando “informações a que tivemos acesso com exclusividade”, prisões de empresários velhos na madrugada, escrachos, tudo sem mudar o sistema, só enxugando o gelo da corrupção sem limpar o terreno que aduba a corrupção, a corrupção é um sistema, para combate-la é preciso método e não algemas.
Do GGN

quarta-feira, 2 de maio de 2018

Xadrez do caos armado e dos pais da pátria, por Luis Nassif

Conforme previsto há tempos, encerrado o ciclo Lula-PT, ingressa-se em uma nova etapa da Lava Jato, superando o período no qual todos os abusos eram perdoados.  Cessada a blindagem, a Lava Jato começa a ser questionada pelos tribunais superiores, em alguns casos em defesa das prerrogativas desses tribunais, em outros, em defesa prévia sobre os avanços contra políticos aliados.
Tem-se um quadro complexo.
Aberta a caixa de pandora, os procuradores querem avançar além do fator PT. Ficou nítido nas manifestações da Lava Jato paulista sobre a perda do foro privilegiado do ex-governador Geraldo Alckmin. Agora, na mira, está também um dos principais operadores do PSDB, o banqueiro Ronaldo César Coelho, estreitamente ligado a José Serra, e com as contas bloqueadas na Suíça. Sua prisão, e uma investigação séria, promoveria uma verdadeira hecatombe no que restou do partido.
Esse episódio precipitou uma série de movimentos.
Peça 1 – o fator tribunais superiores
Nas últimas semanas, os tribunais superiores – STF (Supremo Tribunal Federal) e Superior Tribunal de Justiça (STJ) – resolveram enfrentar, finalmente, o juiz Sérgio Moro.
O STF, através dos votos de Gilmar Mendes, Dias Tofolli e Ricardo Lewandowski, retirou de Moro vários processos contra Lula, todos baseados na mesma “teoria do fato”, juntando medidas que beneficiaram as empreiteiras com os casos tríplex e sítio de Atibaia.
Ao mesmo tempo, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) passou para um juiz do Distrito Federal a decisão sobre um habeas corpus para um português envolvido na Lava Jato.
Moro reagiu, em franca desobediência a ambos os tribunais, provocando reações vigorosas da parte dos desembargadores do STJ.
Ao mesmo tempo, o STF pediu providências para o CNJ (Conselho Nacional de Justiça) e o CNMP (Conselho Nacional do Ministério Público), contra manifestações do procurador Carlos Fernando dos Santos Lima, o mais agressivo dos procuradores da Lava Jato. E avisou que, se não forem tomadas providências, o próprio STF agirá de ofício.
E há, no CNJ, uma representação contra Sérgio Moro pela divulgação ilegal das conversas de Lula com Dilma – que foi um dos principais fatores políticos para o golpe do impeachment. A divulgação foi autorizada pelo então PGR Rodrigo Janot.
Lewandowski está onde sempre esteve. A mudança de posição de Gilmar Mendes – que voltou a ser o garantista de antes do mensalão – se deve ao fator Ronaldo César Coelho. O algoritmo mágico do STF distribuiu para Gilmar as denúncias contra José Serra, Aloizio Nunes, Aécio Neves e Cunha Lima, os principais nomes do PSDB envolvidos com os escândalos.
Em todo caso, seja bem-vindo de volta ao mundo dos garantistas.
À medida em que vai sendo cercada, a Lava Jato tenderá a produzir mais foguetório. E, aí, entra em cena, o fator Raquel Dodge.
Peça 2 – o fator Raquel Dodge
Sem controle sobre a base, a Procuradora Geral Raquel Dodge tratou de se blindar perante a mídia – especialmente a Globo – através de um movimento desmoralizante, que a equipara ao antecessor Rodrigo Janot e às manipulações dos jovens procuradores da Lava Jato – que, pelo menos, têm o álibi da juventude.
Dodge seguiu o mesmíssimo figurino de ilações manipuladas da Lava Jato, a chamada “teoria do fato”, segundo o MPF (leia aqui sobre o tema) – que é uma versão particularíssima da metodologia adotada.
Trata-se de uma metodologia adotada por qualquer bom repórter investigativo e que foi introduzida no MPF pelo procurador Douglas Fischer. Consiste em criar uma narrativa inicial sobre o tema que está sendo investigado, para ajudar a organizar as informações.
Os bons investigadores e os bons jornalistas criam uma narrativa experimental no início das investigações e vão alterando, à medida em que vão aparecendo novos fatos. O fato é soberano. Maus repórteres e maus investigadores se aferram à narrativa inicial, ignorando todos os fatos que possam comprometê-la.
Esperava-se que, com mais experiência na área, a PGR Raquel Dodge não comprometesse o MPF com esse estilo, adotado por seu antecessor. Esperança vã!
Vamos entender seu jogo, por partes.
A falsa isenção
Raquel Dodge tem o desafio de não se comprometer com o PSDB e, ao mesmo tempo, aparentar alguma isenção nas suas investigações.
Para atender às duas necessidades, no caso do PT, atira em quem está no jogo; no caso do PSDB, mira nos patos mancos – Aécio Neves e Eduardo Azeredo – e preserva quem está no jogo, José Serra e, especialmente, Geraldo Alckmin.
Tome-se a denúncia recente contra Lula, Gleise Hofman e Paulo Bernardo. E compare-se com o caso Geraldo Alckmin. A diferença é escandalosa.
A propina
A Lava Jato identificou um financiamento de campanha da Odebrecht para Gleise; e outro para Alckmin. Ambos nas eleições de 2014, parte dos pagamentos pelo caixa 2. Para Gleise, o intermediário foi o marido Paulo Bernardo, ex-Ministro do Planejamento; para Alckmin, seu cunhado Adhemar Ribeiro. Não poderia criminalizar Gleise apenas pelo Caixa 2, pois teria que aplicar a mesma medida contra Alckmin. Qual a saída encontrada pela “teoria do jogo” de Dodge?
A contrapartida
Na denúncia de cada propina, há a necessidade de se identificar a contrapartida oferecida
Gleise Hoffman
A denúncia se reporta a uma decisão de 2010 (quatro anos antes do financiamento eleitoral da Odebrecht!), da Câmara de Comércio Exterior, ampliando o financiamento às exportações de serviços para Angola, medida fiel à estratégia de expansão brasileira na África.
A decisão passou pela Camex, constituída pelos seguintes órgãos:
•     Conselho de Ministros da CAMEX, órgão de deliberação superior e final;
•          Comitê Executivo de Gestão – Gecex;
•          Secretaria-Executiva;
•          Conselho Consultivo do Setor Privado – Conex;
•         Comitê de Financiamento e Garantia das Exportações–Cofig;
•          Comitê Nacional de Facilitação de Comércio – Confac;
•          Comitê Nacional de Investimentos – Coninv; e
•        Comitê Nacional de Promoção Comercial – Copcom (tema em discussão).
O Comitê de Ministros é composto dos seguintes Ministros:
•          Ministro Chefe da Casa Civil da Presidência da República;
•          Ministro da Indústria, Comércio Exterior e Serviços;
•          Ministro de Estado das Relações Exteriores;
•          Ministro de Estado da Fazenda;
•          Ministro de Estado dos Transportes, Portos e Aviação Civil;
•          Ministro da Agricultura, Pecuária e Abastecimento;
•     Ministro de Estado do Planejamento, Desenvolvimento e Gestão; e
•          Chefe da Secretaria-Geral da Presidência da República.
Paulo Bernardo era um dos oito Ministros do Conselho, com status inferior aos Ministros da Casa Civil, da Fazenda, das Relações Exteriores, e da Secretaria-Geral da Presidência. Pouco importou à PGR. Foi o responsável pelo aumento das linhas de financiamento, e não se fala mais isso. A partir daí, repetiu a teoria do fato apud MPF – que consiste em enfiar provas a martelada na narrativa escolhida. E denunciou a “organização criminosa” comandada por Lula. O que demonstra que a parcialidade e falta de senso não são prerrogativas da 1ª instância do Ministério Público Federal.
Geraldo Alckmin
De acordo com delação premiada de ex-executivos das empreiteiras Odebrecht e Camargo Corrêa, Geraldo Alckmin recebeu R$ 10,3 milhões em caixa 2, através de seu cunhado, Adhemar Ribeiro. Todas foram beneficiadas por obras do governo paulista, autorizadas diretamente por Alckmin, do Rodoanel ao Metrô. Mas o caso foi tratado meramente como financiamento de campanha, sem sequer criminalizar o caixa 2, e remetido para o Tribunal Regional Eleitoral, integrado, em sua maioria, por juízes e procuradores estaduais aliados de Alckmin.
Peça 3 – o terror e o aparato policial
Há um conjunto de evidências mostrando que o crime organizado e a violência política estão cada vez mais entronizada entre integrantes de corporações armadas.
O deputado Antônio Francisquini foi Secretário da Segurança no Paraná, em 2015, no governo tucano de Beto Richa. Antes disso, ocupou cargo de relevância no Espírito Santo. Pertence a ala mais barra-pesada da Polícia Federal e, por seus cargos anteriores, têm relações estreitas com o aparelho policial do Paraná. No seu Twitter trata-se os membros do acampamento como “bandidos órfãos de Lula”
Por aí se entende a quase impossibilidade de apuração, pela polícia do Paraná, dos atentados cometidos contra a caravana de Lula e contra o acampamento do MST em Curitiba.
Esses atentados, mais os que resultaram na morte da vereadora carioca Marielle Franco, mais a identificação de munição das forças de repressão encontradas nos locais dos atentados, são um indicativo preocupante. Indicam que há uma força armada, provavelmente com integrantes dos aparelhos policiais, enveredando cada vez mais pelas sendas dos atentados políticos. Falta pouco para saírem totalmente de controle.
Mas não apenas político.
A mesclagem entre forças de repressão e crime organizado ficaram nítidas em dois episódios. O primeiro, no poder crescente das milícias no Rio, e na influência do PCC em São Paulo. No âmbito federal, o tratamento dado pela Polícia Federal ao caso da helicoca – o helicóptero do senador Perrela, com 500 quilos de cocaína. Qualquer adolescente, detido com quantidades irrisórias de droga, é inapelavelmente preso e condenado. No caso do helicoca, o piloto foi solto em questão de dias, para voltar a delinquir, sendo apanhado em outra operação, a serviço do PCC.
Peça 4 – a teoria do caos
Tem-se, então, os seguintes componentes do caos atual:
O embate entre tribunais superiores e a Lava Jato.
As principais instituições sendo comandas por Michel Temer (Executivo), Carmen Lúcia (STF), Raquel Dodge (MPF) e Rodrigo Maia (Legislativo). É mole?
O racha do STF, anulando completamente seu papel anti-majoritário. Em pleno tiroteio, com atentados explodindo, com a violência política se espalhando, o inacreditável Luís Roberto Barroso se prestava a um trabalho de auditoria para conferir se os condenados da Lava Jato estavam pagando ou não suas multas. E, obviamente, tratando de espalhar o meritório trabalho pelas colunas de jornais.
A economia sem nenhuma perspectiva de recuperação.
O grupo do golpe sem nenhum candidato competitivo.
A partir desses dados, montem suas apostas.
Do GGN

OS DIAS DECISIVOS DO GOVERNO DILMA, por Luis Nassif

2012 marcou o fim das grandes apostas de Dilma Roussef. Como efeito da estratégia de superação da crise, no período 2008-2010, os bancos públicos assumiram  protagonismo inédito. Numa ponta, o Banco Central conduzia  a redução da Selic; na outra, Banco do Brasil, Caixa Econômica Federal, e BNDES forçavam a uma queda inédita no spread bancário.
Teve início um movimento de migração da renda fixa para a renda variável. Só na Funcef, a queda na Selic liberou R$ 50 bilhões que, à falta de títulos para serem rolados, iriam necessariamente para os novos fundos de infraestrutura.
Em 2013, as pressões já tinham dobrado a candidata a dama de ferro. Pouco antes, houve uma reversão no processo de queda da Selic, pegando no contrapé os que tinham acreditado na promessa anterior, de taxas de juros internacionais. A Fazenda havia identificado pressão de demanda em alguns eletrodomésticos e as cotações globais pressionaram preços de alimentos. Em junho aconteceram as grandes passeatas refletindo o clima de mal-estar na economia.
Entrou-se em 2014  com dados objetivos de que as desonerações de folha, distribuídas com evidente exagero a dezenas de setores, não haviam produzido aumento de investimento pretendido. Não foi dinheiro jogado fora. Permitiu alguma redução da enorme alavancagem das empresas não financeiras, no período anterior, e a manutenção dos níveis de emprego. De qualquer modo, Dilma estava perdendo o grande álibi que lhe garantiu uma folga política nos dois primeiros anos de mandato, que era uma economia em crescimento.
A perda de fôlego da economia deixou a presidente com uma hipersensibilidade para as críticas. Duas, em particular, produziram respostas rápidas, e nem sempre adequadas.
A primeira, as críticas contra contra a expansão dos bancos públicos, obrigando os bancos privados a reduzir os spreads.
Em janeiro de 2014 Dilma Roussef foi a Davos tentando tranquilizar o chamado mercado. Sua mensagem foi: fiquem tranquilos que bancos púbicos não vão concorrer com vocês. Foi um momento apenas para superar a crise. O discurso foi bem recebido e Dilma tratada como estrela do encontro, ofuscando até o recém-eleito presidente do México, Enrique Peña Nieto.
Foi seu último momento de brilho.
A guerra contra os bancos públicos já era enorme, e, no Palácio, sentiu-se o aumento da pressão quando o Banco Itaú passou a se valer de Marina no discurso público.
A segunda crítica foi do presidente da FIESP (Federação das Indústrias do Estado de São Paulo), Paulo Skaf, contra os preços da energia, nas vésperas da renovação de algumas outorgas relevantes.
Dilma decidiu da sua grande tacada no setor elétrico. Montou um modelo pelo qual as concessões seriam relicenciadas sem a chamada outorga onerosa, isto é, sem pagar pela nova outorga. As usinas já estavam depreciadas e não havia a necessidade de fundos de reversão – destinados a ressarcir os investimentos iniciais – e outras contas que encareciam as tarifas. Estas passariam a refletir apenas os custos operacionais.
Ao mesmo tempo, tentou antecipar outorgas relevantes, em mãos de companhias estaduais, especialmente da Cemig, de Minas, da CESP, de São Paulo, e da Copel, do Paraná. Esbarrou em uma disputa pesada, em parte por motivos políticos (os três estados dominados pela oposição); em parte pelo valor oferecido.
E, aí, criou-se a tempestade perfeita, com uma série de eventos totalmente fora de controle do governo.
O primeiro deles foi a seca do nordeste, a maior em décadas, que arrebentou com a tentativa de reduzir as tarifas de energia elétrica.
O mercado é composto por energia contratada e mercado livre. A energia contratada é fornecida pelos geradores às distribuidoras em contratos de longo prazo. Quando ocorre algum problema na oferta, as distribuidoras são obrigadas a buscar o que faltou no mercado à vista.
A seca derrubou a oferta de energia. Com o impasse com o governo federal, as três concessionárias saíram do mercado de energia contratada. Houve uma notável redução na oferta de energia contratada, obrigando as distribuidoras a irem para o mercado livre – cujas cotações explodiram.
Ao mesmo tempo, a queda no nível de água dos reservatórios obrigou a Aneel (Agência Nacional de Energia Elétrica) a acionar todas as eletrotérmicas, mesmo aquelas de baixíssima eficiência, aumentando a conta do setor. Repassar os custos para as tarifas de energia significaria aumentar o custo de produção e tirar a comida da mesa do mais pobre. E o Tesouro foi bancando esses subsídios. Criou-se uma conta pesada no setor elétrico, ao mesmo tempo em que a seca obrigou a desembolsos de R$ 5 a R$ 6 bilhões para enfrentar as questões sociais.
Os problemas ganharam uma nova dinâmica em meados de 2014, com os primeiros sinais do fim do grande ciclo de commodities que ajudou a sustentar a economia na década anterior.
O ano abriu com petróleo a US$ 110,00 o barril; bateu nos US$ 140,00. Mas, em agosto, havia despencado para US$ 45,00. O mesmo ocorreu com as cotações de commodities, afetando setores chaves para o crescimento.
Todos esses elementos, seca e commodities, estavam fora do controle do governo federal.
No final de agosto, estava claro para Dilma e Mercadante que, passadas as eleições, seria inevitável um choque de arrumação.
Em 2011 tinha havido um ajuste fiscal rigoroso, mas com todas as variáveis sob controle. Agora, era um jogo sem controle de todas as variáveis.
Foram dois meses de debates internos pesadíssimos, sobre como sair da armadilha com o mínimo possível de perdas. Foi o período em que, terminadas as eleições, Dilma enfurnou. Nessas discussões, definiram-se as peças chaves, intocáveis, como Bolsa Família, Minha Casa Minha Vida e outras prioridades.
Para completar a tempestade perfeita, entrou o fator Petrobras. O pré-sal já andava a pleno vapor. O país fechou 2014 com a produção do pré-sal respondendo por 25% da produção nacional. Em 2013 e 2014 ela havia sido fundamental para garantir os investimentos internos, trazendo consigo a cadeia do petróleo-gás-estaleiros. Quando despencaram os preços do petróleo, a Petrobras precisou desacelerar o ritmo de investimento.
As discussões maiores eram sobre quem receberia a incumbência de promover o ajuste rigoroso. Acabaram se fixando no nome de Joaquim Levy. Sua ideia inicial era um pacote ainda mais recessivo do que o que foi anunciado. Levy levou propostas pesadas de corte nos investimentos públicos.
Dilma reagiu:
— Estamos no meio de um choque monetário e você quer um choque fiscal? Assim vamos parar o Brasil.
Antes de terminar o ano, houve a estreia de Levy, um desastre inicial como prenúncio dos desastres posteriores. Mesmo com pleno emprego havia o crescimento do seguro desemprego. Sem conhecimento maior da economia real, Levy supôs que estivesse ocorrendo uma fraude gigantesca.
Na verdade, tratava-se da rotatividade normal na economia brasileira, especialmente na construção civil, que vinha comandando o crescimento. Os especialistas avisaram, depois, que a construção civil abria o ano com um estoque de trabalhadores e terminava com outro contingente, mostrando rotatividade total.
Em dezembro, entre Natal e Ano Novo, Levy anunciou a revisão do seguro desemprego. Foi o cartão de visita da nova gestão, provocando o primeiro grande impacto negativo.
Até então, Dilma achava que, passado o terceiro turno, do julgamento do TSE (Tribunal Superior Eleitoral) conduzido por Gilmar Mendes, o Judiciário daria uma folga.
Mas quando declarou que não havia nenhuma possibilidade de apoiar Eduardo Cunha para a presidência da Câmara, abriu a caixa de Pandora. O então vice-presidente Michel Temer chegou a propor a Dilma ficar neutra. Mas ela e Mercadante decidiram partir para o confronto.
Não tinham noção de que Cunha já comandava uma bancada de 200 deputados do baixo clero, cuja campanha ele ajudara a financiar.
O embate final se deu quando Dilma ousou apresentar uma nova lei dos portos.
Foram mais de 20 reuniões para o marco portuário. No Congresso, Cunha havia apresentado uma emenda que abria caminho para a lambança. Embora todo mundo soubesse das ligações históricas do PMDB, especialmente de Temer, com o porto de Santos, não tinham ideia da sua dimensão. Temer não largava do pé de Luiz Adams, chefe da Advocacia Geral da União (AGU), buscando uma portaria que permitisse ao grupo Libra se candidatar à renovação da concessão sem quitar seus débitos fiscais.
Mas o lance final, que precipitou o golpe, foi quando Aécio e o PSDB aderiram a Cunha. Este pretendia manter o governo sob rédea curta; os tucanos  apostavam no golpe, acreditando que Temer se apoiaria neles para a nova gestão.
Nos meses seguintes, o Congresso foi paralisado com as pautas-bombas do PMDB. A Globo se pôs a campo, conclamando a população para as grandes passeatas, e  o STF piscou.
A partir daí, o caminho estava aberto para a tomada do poder pela mais deletéria organização criminosa gerada pela política brasileira. Com a luxuosa contribuição da Lava Jato.
Do GGN

terça-feira, 1 de maio de 2018

A romaria do 1º de maio por Lula LIVRE

A direita brasileira, com todos os seus doutores e penas de aluguel não consegue ver na vigília por Lula em Curitiba e, hoje, na multidão que se deslocou para a capital paranaense aquilo que elas são: uma romaria.
Acham, também que deixando de publicar imagens como a que se posta acima, estes milhares de pessoas deixarão de existir.
Hà quase um mês mantêm Lula dentro de uma quase solitária na Polícia Federal, mas Lula nunca esteve tão presente nas ruas, nas conversas populares, no imaginário coletivo.
Mas ainda estará à medida em que a situação do país for se deteriorando, como já é perceptível.
O país não tem governo, não tem perspectivas, não tem sequer candidatos capazes de representar esperanças. Tem, aliás, apenas um, que representa o ódio, única resposta que têm aos dramas do país.
Para eles, os pobres são preguiçosos, os nordestinos são indolentes, os moradores do prédio que pegou fogo são bandidos, os favelados são ladrões, enfim, as vítimas são os culpados pelos sofrimentos por que passam.
Pois Lula, que era um símbolo, está sendo transformado em mártir, em lenda, porque ela é a expressão fantástica de desejos que, ao contrário dos homens, não se se pode prender.
Desde o início escrevi aqui que o ex-presidente é mais livre do que seus algozes.
Lula está preso, mas eles estão mais ainda, porque não se livraram dele.
Do Tijolaço