sábado, 16 de março de 2019

BRASIL, UM PAÍS AVACALHADO. POR FERNANDO BRITO

Talvez não se precisasse mais do que sermos um país onde Lula está preso numa solitária e Jair Bolsonaro está no Palácio do Planalto para justificar o título acima.
Mas, como há gente tola o suficiente para acreditar que um homem que tinha autoridade sobre o uso de centenas de bilhões em investimentos públicos e favores fiscais possa ter conspurcado sua autoridade em troca de uma reforma de segunda num pombal no Guarujá e que outro, que jamais propôs alguma coisa alem de atirar, matar, castrar e estuprar possa ser o caminho para a paz social, gasto algumas linhas para provar o que afirmo.
A Justiça, depois de desmoralizar-se numa perseguição inquisitorial, por anos a fio, está em frangalhos. Um procurador da província faz um acordo para ficar com R$ 2,5 bilhões à sua disposição. A Procuradora Geral da República pede a anulação da monstruosidade e a categoria, até onde se sabe, revolta-se contra ela. O Supremo Tribunal Federal, depois de apanhar na cara por longa temporada – até mesmo oferecendo a face para isso – converte-se em delegado de polícia para, depois de arrombadíssimas todas as suas portas, “descobrir” quem o está enlameando e difamando, quando isso está mais do que claro para qualquer um que ligue o computador e acesse as redes sociais.
A economia, há três anos, não tem projeto algum senão vender o que puder, cortar onde não deve e dizer que todos os insucessos que coleciona são “culpa dos governos anteriores”. Que, tendo ganho o bilhete premiado da descoberta de uma imensa jazida de petróleo coloca na presidência da empresa estatal que o encontrou um homem que sonha em privatizá-la.  Um ministro da Economia que apresenta como proposta “genial” deixar que se esvazie o Estado, eliminando metade de seus servidores (sem efeitos econômicos de curto ou médio prazo, pois aposentar-se-ão os funcionários eliminados) e que eliminem as vinculações do Orçamento que obrigam a gastos em saúde e em educação.
Educação, aliás, que está entregue às intrigas diárias entre incompetentes, facistóides e um charlatão que despeja ofensas e obscenidades diariamente no Facebook, chamando de drogados e homossexuais os jornalistas que – timidamente, até – ousam criticar essa situação de barbárie. A ordem para formarem as crianças para ouvirem o slogan presidencial é até pouco diante do quadro que lá se instalou.
Ordem nas escolas, exceto por um massacre ou outro, desordem nos quartéis, com as Forças Armadas sendo desmoralizadas pela barganha pública de suas aposentadorias enquanto generais reformados vão ocupando a máquina pública e circulando, desenvoltos, com atores pornô e louvadores de milicianos.
A imagem do Brasil no exterior, antes tão cara a eles, transformada em objeto de chacota, com o fundamentalismo do minando o Itamarati e poderia seguir adiante, em quase todas as áreas do Governo, ou pseudogoverno, talvez nome mais apropriado ao que temos.
O fato obejtivo é que não há saída da crise para um país que degrada sua vida institucional.
Como não há legitimidade em quem ascendeu ao poder, embora pelo voto, através de um processo ilegítimo. A vontade nacional, quando se expressa, como aconteceu, no sentido destrutivo, só destruição traz, se não se move por esperanças.
A falta de sonhos é o portão do pesadelo.
Tijolaço

sexta-feira, 15 de março de 2019

XADREZ DO GRANDE NEGÓCIO DO COMBATE À CORRUPÇÃO, POR LUIS NASSIF

O grande pacto nacional terá que se dar em cima da reconstrução das instituições, especialmente dos tribunais superiores e da Procuradoria Geral da República.
Os últimos dias foram históricos, de afirmação das instituições nacionais em relação a dois poderes paralelos.
Em Brasília, finalmente a Procuradora Geral da República Raquel Dodge assumiu plenamente o cargo e enquadrou o grupo da Lava Jato – que junta procuradores, juízes de direito no que se convencionou chamar de “a República do Paraná”.
Como previmos, a história da criação de uma fundação de direito privado, com controle dos procuradores da Lava Jato, visando administrar a soma inacreditável de R$ 2,5 bilhões, foi o ponto de inflexão na saga da operação. Trincou o cristal permitindo, nos próximos meses, um levantamento amplo do que ocorreu nesses anos de exercício do poder absoluto.
O segundo poder a ser enquadrado foi o das milícias, com a operação que resultou na prisão dos dois assassinos da ex-vereadora Marielle Franco.
Lava Jato e milícias, cada qual na sua área, recorriam às mesmas ferramentas de amedrontamento dos adversários, uma com vazamentos e assassinatos de reputação, outra com assassinatos físicos, mas ambas se valendo da mesma base de apoio político das milícias digitais, dentro da mesma lógica de disputa de poder. E ambas intrinsicamente ligadas ao fenômeno e ao governo de Jair Bolsonaro, pacto consolidado na assunção de Sérgio Moro como Ministro da Justiça.
Os próximos meses serão relevantes para se levantar a enorme indústria que se montou em torno do combate à corrupção e o preço pago pelo país. Por trás, desse jogo, uma  indústria que se montou mundialmente em torno do combate à corrupção.
Em maio de 2018, alertávamos aqui e também aqui sobre as grandes tacadas em andamento. Antes disso, em junho de 2017 as jogadas já eram claras.
Peça 1 – a cadeia improdutiva do combate à corrupção
Os dois elementos centrais na criação da cadeia de valor da luta anticorrupção foram os acordos de cooperação internacional e a legislação anticorrupção emplacada pelos Estados Unidos no âmbito da OCDE. Por ela, qualquer ato de corrupção envolvendo o dólar será colocado sob jurisdição norte-americana.
Com base na nova legislação, o Departamento de Justiça (DoJ) e o Departamento de Estado montaram estratégias geopolíticas, enquadrando empresas de outros países de interesse estratégico norte-americano.
O enquadramento obedece ao seguinte roteiro:
Denúncia criminal nos Estados Unidos.
Acordo de leniência impondo multas elevadas e termos de ajustamento de conduta (TACs).
Parceria com Ministérios Públicos dos países de origem das empresas.
Os TACs foram terceirizados para grandes escritórios de advocacia, com ampla influência no DoJ, que se especializaram em normas de compliance.
Em cima dessa estrutura se montou a indústria improdutiva do combate à corrupção:
Contratação dos escritórios por somas milionárias.
No caso do Ministério Público Federal brasileiro, disponibilidade de provas e testemunhas contra as estatais brasileiras, visando instruir grandes ações de indenização, bancadas pelos chamados fundos abutres.
Desmonte das empresas investigadas, visando facilitar a venda de ativos.
As grandes operações da Lava Jato abriram espaço para três escritórios de advocacia norte-americanos: a Baker McKenzie, o Hogan Lovells e o Gibson, Dunn & Crutcher.
Os três se tornaram multinacionais poderosas trabalhando as normas de conformidade da legislação norte-americana.
Peça 2 – o caso Petrobras
O total das propinas na Petrobras até hoje não foi calculado porque se faz dupla, tripla e quintupla contagem. Mas não deve ter chegado a um bilhão de reais.
O custo direto da Lava Jato à empresa, sem contar o desmonte da engenharia nacional:
* Multa no DoJ (Departamento de Justiça dos EUA): US$868 milhões;
* Indenização aos acionistas minoritários US$2,9 bilhões;
* Honorários advocatícios, mais de US$300 milhões;
* como consequência da Lava Jato já foram vendidos US$23 bilhões de ativos, desintegrando a empresa, que agora vale muito menos.
Há muitas estatais de petróleo envolvidas em corrupção. Mas nenhum grande país fez campanha contra sua própria estatal, incluindo a Pemex, o Sonangol, a Ecopetrol, a Sonatrach, a Sinopec, a Iraq National Petroleum. Nenhum Ministério Público desses países foi a Washington para acusar sua empresa de petróleo, entregando documentos e testemunhas contra ela.
Com os últimos fatos divulgados, fica claro o acerto entre a Lava Jato e Pedro Parente, presidente da Petrobras.
Parente fechou um acordo com acionistas norte-americanos que surpreendeu até grandes escritórios de advocacia instalados no Brasil. Os advogados da ação julgavam que o máximo que conseguiriam seria um acordo de US$ 1 bilhão. A Petrobras aceitou pagar US$ 2,9 bilhões para encerrar a ação, um evidente escândalo, mas que passou batido pelos templários da Lava Jato.
Ao mesmo tempo em que fechava negócios ruinosos, a Petrobras firmava um acordo com autoridades norte-americanas destinando R$ 2,5 bilhões para gestão da República do Paraná.
Peça 3 – o papel de Ellen Gracie
A Hogan chegou à Petrobras em 2012, quando o diretor jurídico da Petrobrás Venezuela S.A., Diógenes Bermudez, saiu da empresa e foi para a Hogan Lovells.
Bermudez é formado pela Universidade Central da Venezuela e com especialização na Georgetown University. Antes de ir para a Petrobras Venezuela trabalhava na PDVSA como diretor jurídico da sua subsidiária Lagoven. Quando foi para a Hogan Lovells levou junto a conta da Petrobras Venezuela e a partir de Washington, sua base hoje comanda a conta da cliente Petrobras global, um mega cliente.
Não é o único supernegócio de escritórios de advocacia com a Petrobras. Na ação junto ao Departamento de Justiça a Petrobras contratou o Baker Mackenzie, também caríssimo e outro escritório de monitoramento, de confiança do Departamento de Justiça, que fica dentro da própria empresa.
Foi contratado também o escritório de Ellen Gracie, ex-Ministra do STF (Supremo Tribunal Federal) para supervisionar os serviços de compliance.
Peça 4 – o caso Embraer-Bombardier
O mesmo escritório Baker McKenzie foi contratado pela Embraer para resolver suas pendências com a Justiça norte-americana. Em 2016 fechou acordo pelo qual se comprometeu a pagar US$ 206 milhões e confessar os crimes cometidos em quatro países
Como resultado do TAC, a empresa passou a conviver com um interventor e obrigada a informar as autoridades norte-americanas sobre cada passo estratégico.
Paralelamente, assinou um TAC com a Procuradoria da República no Rio. Um dos procuradores que participou do TAC foi Marcelo Miller que, tempos depois, seria contratado pela Trench Rossi, o escritório brasileiro sócio da Baker McKenzie.
Ao mesmo tempo em que trabalhava para a Embraer, a Baker McKenzie era a consultora da Boeing e sua lobista junto ao Congresso norte-americano. Foi nessa condição que assessorou a Boeing no processo de aquisição da Embraer.
Peça 5 – o caso Eletrobras
Em 2016, a Lava Jato foi até os Estados Unidos, uma equipe chefiada pelo então Procurador Geral da República Rodrigo Janot. Lá, Janot recebeu pessoalmente de uma advogada do Departamento de Justiças as denúncias contra a Eletronorte, braço da Eletrobras que cuidava da energia nuclear.
Foi o álibi para uma intervenção ampla na Eletrobras. Para supervisionar a implementação do compliance, foi contratado o escritório de Ellen Gracie por R$ 4 milhões da Eletrobras, sem licitação. Provavelmente coube a Gracie levar o Hogan Lovells para a Eletrobras. A supervisora não definiu um contrato com começo, meio e fim, mas um contrato por horas trabalhadas. Ampliou o escopo do trabalho aumentando em cinco vezes seu valor.
Por conta desse processo, hoje em dia há um olheiro do DoJ acompanhando todos os passos da empresa, inclusive a área nuclear.
Peça 6 – o enorme pesadelo
Todo esse pesadelo se deveu à destruição das instituições brasileiras. A Lava Jato viu-se dotada de um poder absoluto. Milícias digitais, blogs de ultra direita difundiram denúncias contra Ministros do STF, inibindo sua atuação. Ao mesmo tempo, insuflavam as redes contra o STF e o Superior Tribunal de Justiça.
O STJ é um tribunal polêmico, o STF igualmente. Existem Ministros polêmicos, sim. Mas a maior ameaça ao país, o quadro que levou à barbárie e ao fenômeno Bolsonaro, foram os poderes amplos conferidos à Lava Jato, a insubordinação de juízes e procuradores de primeira instância, cada qual criando seu território de poder particular.
O grande pacto nacional terá que se dar em cima da reconstrução das instituições, especialmente dos tribunais superiores e da Procuradoria Geral da República. Será a única maneira de impedir que o país se transforme definitivamente em um grande México, sob domínio político das milícias.
GGN

quinta-feira, 14 de março de 2019

FORÇA-TAREFA DA LAVA JATO TRAVA DISPUTA POR PODER, DIZ GILMAR MENDES

"O que se trava aqui, a rigor, a par de um debate sobre competência, é uma disputa de poder, e se quer ganhar a fórcepes, constranger, amedrontar as pessoas", criticou o ministro.
O ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal (STF), aproveitou o julgamento de hoje sobre se a Justiça Eleitoral será responsável pelos processos da Operação Lava Jato para criticar duramente o protagonismo assumido pelos procuradores da força-tarefa de Curitiba.
Os procuradores vinham divulgando diversos artigos contra a remessa para a Justiça Eleitoral dos processos de corrupção e lavagem de dinheiro associados a crimes eleitorais, como se enquadram a maioria dos inquéritos da Lava Jato. Na sessão de hoje (14), Gilmar disse que o objetivo dos procuradores é disputar poder.
“O que se trava aqui, a rigor, a par de um debate sobre competência [atribuição legal], é uma disputa de poder, e se quer ganhar a fórcepes, constranger, amedrontar as pessoas”, disse, emendando que além das próprias pressões exercidas pelos integrantes da força-tarefa, estão abusando do poder que lhes compete como investigadores.
As falas de Gilmar ocorrem após a própria Procuradora-Geral da República, Raquel Dodge, solicitar por meio de um recurso com liminar o bloqueio da criação do fundo bilionário que ficaria a cargo de uma fundação que seria controlada por membros do MPF do Paraná.
Apesar do julgamento de hoje não guardar relação com a recente polêmica, Gilmar criticou a tentativa dos procuradores de concentrar poderes, um dos pontos da crítica de Dodge também.
“O que se pensou com essa fundação do Deltan Dallagnol [coordenador da força-tarefa da Lava Jato] foi criar um fundo eleitoral. Imagine quanto se teria à disposição. Esta gente faria tudo no Brasil, faria chover com esse dinheiro. É projeto de poder, é disso que nós estamos falando”, mencionou o ministro.
A exemplo do ativismo que vinha adotando a força-tarefa, o procurador Diogo Castor, um dos integrantes, chegou a escrever um artigo publicado no site O Antagonista, acusando o Supremo Tribunal Federal de “ensaiar o mais novo golpe à Lava Jato”.
Gilmar disse que o “combate à corrupção tem que se fazer dentro do âmbito da lei”, ao anunciar o seu voto, favorável a que a Justiça Eleitoral assuma a responsabilidade de investigar crimes que tenham relação com delitos eleitorais, como estabelece a Constituição.
Do GGN

terça-feira, 12 de março de 2019

BOLSONARO E OS INDÍCIOS CONTRA UM CIDADÃO ACIMA DE QUALQUER SUSPEITA, POR LUIS NASSIF

Enfim, aproxima-se o momento crucial, que pode revelar um país ameaçado de ser tomado pelas milícias.
O filme “Um cidadão acima de qualquer suspeita” é um clássico do cinema italiano dos anos 70. Recomenda-se que assistam, para entender um pouco da realidade brasileira.
Com a informação de que o homem detido hoje, acusado da morte de Marielle, mora no mesmo condomínio do presidente Jair Bolsonaro, surge mais um indício forte do envolvimento da família com as milícias que executaram a ex-vereadora Marielle.
Acompanhe o gráfico.
De tudo o que saiu publicado até agora, descontando os milicianos homenageados por Flávio Bolsonaro na ALERJ, há três elementos-chaves nessa história:
Luiz Braga, o Zinho, chefe de milícias, acusado de ter contratado o assassino.
Capitão Adriano: um dos chefes do Escritório do Crime, onde o assassinato teria sido encomendado
Ex-PM Ronnie Lessa, detido hoje sob a acusação de ter participado diretamente do assassinato de Marielle.
Vamos analisar as relações dos três com os Bolsonaro:
Zinho – comanda uma milícia que tem três integrantes diretamente envolvidos com Flávio Bolsonaro: os gêmeos Alan e Alex Oliveira, seus seguranças na campanha, e sua irmã Valdeci, tesoureira do PSL.
O motorista Queiroz – suspeito de ser o elo dos Bolsonaro com a milícia do Rio das Pedras, e de lavar dinheiro confiscado do salários dos assessores.
A propósito do PSL, outra linha de investigação remete ao governador Wilson Witzel. Não apenas comemorou a morte de Marielle, participando da cerimônia de quebra da placa com seu nome, como tem como um de seus assessores de segurança um miliciano acusado de vários crimes.
Capitão Adriano – tido como o chefe do Escritório do Crime. Esposa e mãe foram empregadas por Flávio Bolsonaro na Assembleia Legislativa.
Ex-PM Elcio Vieira de Queiroz e Jair Bolsonaro
Ronnie Lessa – foi detido em sua casa, no mesmo Condomínio onde tem residência Jair Bolsonaro. Certamente haverá uma investigação jornalística para explicar as afinidades políticas e milicianas dos moradores do condomínio. Junto com ele, foi preso o ex-PM Elcio Vieira de Queiroz, que teria sido o motorista do carro que abordou o de Marielle. 
Queiroz – é questão de tempo para ser detido e interrogado.
Enfim, aproxima-se o momento crucial, que pode revelar um país ameaçado de ser tomado pelas milícias. Seu poder intimidatório, somado aos das milícias virtuais alimentadas pelos Bolsonaro, em nada fica a dever aos porões da ditadura. É um poder paralelo e assassino.
O destino do país, mais do que nunca, dependerá das instituições. É hora do Supremo Tribunal Federal, da Procuradoria Geral da República, do Ministério Público Federal e das próprias Forças Armadas começarem a se preparar para uma luta inevitável em defesa do país.
GGN

segunda-feira, 11 de março de 2019

CURITIBA COMEÇA A COLECIONAR ‘MICOS’, DODGE RECUSA SUSPEIÇÃO DE GILMAR, POR FERNANDO BRITO

A  procuradora-geral da República, Raquel Dodge mandou para o arquivo  representação feita pela “Força Tarefa dao Lava Jato pedindo  a suspeição do ministro Gilmar Mendes, Supremo Tribunal Federal no caso que envolve os tucanos  Aloysio Nunes Ferreira e o coletor de recursos Paulo Vieira de Souza, o Paulo Preto.
Era “pedra cantada”, claro, e até os promotores da República de Curitiba sabiam disso.
Destinava-se a “marcar posição”, assinalando Dodge como “cúmplice” de Mendes, detestado pelo MP.
Mas não funcionou assim e o motivo é simples: a turma do Deltan está em baixa.
Perderam seu ícone, Sérgio Moro, rebaixado a dócil auxiliar de Jair Bolsonaro.
Perderam sua finalidade política, depois da dupla condenação de Lula.
E perderam sua aura de honestidade acima de suspeitas, com a jogada imoral da fundação de R$ 2,5 bilhões feita com o dinheiro da Petrobras, em acordo com o Departamento de Justiça do governo norte-americano.
Não é possível ter certeza, mas se eu tivesse de apostar, diria que os casos de caixa 2 serão remetidos para a Justiça Eleitoral no julgamento de quarta-feira do STF e retirados de sua alçada.
O Supremo dificilmente perderá a chance de dar “uma enquadrada” na megalomania da República de Curitiba, agoraque ela está órfã e lambuzada.
Creio que a “temporada de caça à Lava Jato”, prevista em ótimo artigo de Luís Nassif, já está aberta.
Do Tijolaço

domingo, 10 de março de 2019

O ELO SUSPEITO ENTRE CURITIBA E EUA FOI EXPOSTO PELA DEFESA DE LULA EM 2016

A questão é que toda a jogada da Lava Jato para conquistar o fundo bilionário - que por si só é recheada de controvérsia e questionamentos jurídicos - pode ter nascido de cooperação irregular com os Estados Unidos. Pois, ao que tudo indica, a troca de informações não obedeceu aos trâmites formais e tampouco passou pela autoridade central brasileira, o Ministério da Justiça.
A falta de transparência e a possibilidade de existir ilegalidades na cooperação internacional entre a Lava Jato de Curitiba e o Departamento de Justiça dos Estados Unidos (DOJ) foram denunciadas pela defesa do ex-presidente Lula, durante o julgamento do caso triplex, ainda no final de 2016.
No final daquele ano, o então juiz Sergio Moro, atendendo aos interesses dos procuradores da República que atuam na operação Lava Jato, começou a censurar a resposta de delatores premiados sobre cooperação, formal ou informal, em investigações dos EUA contra a Petrobras.
Dois anos depois, em setembro de 2018, a Petrobras teve de assinar um acordo com o DOJ para evitar um processo em solo americano. Para levar à estatal a concordar com o acordo, o Departamento formulou uma denúncia contra a empresa com ajuda da Lava Jato. O GGN apurou pelo menos 5 delatores emprestados da operação foram citados no documento das autoridades americanas, mas os nomes foram mantidos sob sigilo.
Em decorrência do acordo, a Petrobras depositou em conta ligada à Lava Jato cerca de R$ 2,5 bilhões, que agora os procuradores querem usar para financiar uma fundação de direito privado.
A questão é que toda a jogada – que por si só é recheada de controvérsia e questionamentos jurídicos – pode ter nascido de cooperação irregular com os Estados Unidos. Pois, ao que tudo indica, a troca de informações não obedeceu aos trâmites formais e tampouco passou pela autoridade central brasileira, o Ministério da Justiça.
Uma das provas de que a Lava Jato não quer esclarecer como se deu a cooperação contra a Petrobras foi o de Eduardo Leite, da Camargo Corrêa. Ele chegou a admitir que foi sondado por procuradores de Curitiba sobre o interesse em ajudar os EUA nas investigações. No mesmo instante em que começou a revelar os bastidores, o procurador Diogo Castor de Mattos pediu a Moro que interrompesse as perguntas.
À Folha, o advogado Cristiano Zanin, da defesa de Lula, disse que “a revelação feita em audiência de que o Ministério Público Federal estaria trabalhando junto com autoridades americanas parece não estar de acordo com o tratado que o Brasil firmou em 2001 com os EUA que coloca o Ministério da Justiça como autoridade central para tratar esse tipo de questão.”
Diante das suspeitas levantadas, a resposta do MPF foi silêncio. Os procuradores alegaram que a cooperação é “sigilosa” e não comentaram o caso.
A defesa de Lula entrou na Justiça para ter acesso a mais informações sobre o acordo com os EUA que beneficiou a Lava Jato.
Leia mais:
Do GGN

sábado, 9 de março de 2019

ANDRÉ LARA RESENDE FAZ AUTOCRÍTICA TARDIA DO REAL, POR LUIS NASSIF

Na sua autocrítica, faltou apenas incluir a questão das oportunidades de enriquecimento fácil dos seus formuladores como fator indutor das políticas monetária e cambial.

De André Lara Rezende, no artigo “André Lara Resende escreve sobre a crise da macroeconomia
“Uma vez feita a transição da URV para o Real, teria sido necessário manter uma âncora coordenadora das expectativas. Retrospectivamente, o correto teria sido adotar um regime de metas inflacionárias, para balizar as expectativas, que só veio a ser adotado no segundo governo FHC. A opção à época foi por dispensar um mecanismo coordenador das expectativas e confiar nas políticas monetária e fiscal contracionistas. Optou-se por combinar uma política de altíssimas taxas de juros com a austeridade fiscal. O resultado foram mais de duas décadas de crescimento desprezível, colapso dos investimentos públicos, uma infraestrutura subdimensionada e anacrônica, Estados e municípios estrangulados, incapazes de prover os serviços básicos de segurança, saneamento, saúde e educação”.
A autocrítica vem em cima de um questionamento das teorias tradicionais, que justificaram vinte anos do que a mídia chamava de “tripé virtuoso”, de FHC.
No artigo em questão, Lara Resende questiona o mainstream com os seguintes argumentos:
Rebate a ideia de que os juros são elevados porque a dívida pública é alta
A moeda é essencialmente uma unidade de referência para a contabilização de ativos e passivos. Sua expansão ou contração é consequência, e não causa, do nível da atividade econômica.
Moeda e impostos são indissociáveis. A moeda é um título de dívida do Estado que serve para cancelar dívidas tributárias. Como todos os agentes na economia têm ativos e passivos com o Estado, a moeda se transforma na unidade de contabilização de todos os demais ativos e passivos na economia. A aceitação da moeda decorre do fato de que ela pode ser usada para quitar impostos.
Não há restrições financeiras para o aumento da dívida pública
O Estado nacional que controla a sua moeda não tem necessidade de levantar fundos para se financiar, pois ao efetuar pagamentos, automática e obrigatoriamente, cria moeda, assim como ao receber pagamentos, também de maneira automática e obrigatória, destrói moeda.
A única razão macroeconômica para o governo cobrar impostos é reduzir a despesa do setor privado e abrir espaço para os seus gastos, sem pressionar a capacidade de oferta da economia.
Juros são a única forma de controlar a demanda agregada
Banco Central fixa a taxa de juros básica da economia, que determina o custo da dívida pública. Desde os anos 1990, sabe-se que os bancos centrais não controlam a quantidade de moeda, nenhum dos chamados “agregados monetários”, mas sim a taxa de juros. O principal instrumento de que dispõe o Banco Central para o controle da demanda agregada é a taxa básica de juros.
Endividamento público é fator de bem estar
Se a taxa de juros, controlada pelo Banco Central, for fixada sempre abaixo da taxa de crescimento, a dívida pública irá decrescer, sem custo fiscal, a partir do momento em que o déficit primário for eliminado.
(…) Será possível aumentar o bem-estar de todos em relação ao equilíbrio competitivo através do endividamento público. Em termos técnicos, diz-se que o equilíbrio competitivo não é eficiente no sentido de Pareto.
Sobre a inflação e a moeda
(…)  Os mais atualizados sabem ainda que, desde que não haja pressão sobre a capacidade de oferta, é possível criar qualquer quantidade de moeda remunerada sem provocar inflação. Trata-se de um poder tão extraordinário, que convém a todos, para evitar pressões políticas espúrias, continuar a sustentar a ficção de que o banco central deve controlar, e que efetivamente controla, a quantidade de moeda.
O equívoco de venda de ativos e aumento de impostos para reverter o déficit público
Desde o início dos anos 1990, a taxa real de juros foi sempre muito superior à taxa de crescimento da economia. Só entre 2007 e 2014 a taxa real de juros ficou apenas ligeiramente acima da taxa de crescimento. (…) Hoje, com a renda per capita ainda 5% abaixo do nível de 2014, com o desemprego acima de 12% e grande capacidade ociosa, a taxa real de juros ainda é mais do dobro da taxa de crescimento. Como não poderia deixar de ser, a relação dívida/PIB tem crescido e se aproxima de níveis considerados insustentáveis pelo consenso macro-financeiro
O velho consenso exige o corte a despesas, a venda de ativos estatais, a reforma da Previdência e o aumento dos impostos, para reverter o déficit público e estabilizar a relação dívida/PIB. É o roteiro do governo Bolsonaro sob a liderança do ministro Paulo Guedes. A partir de um novo paradigma, compreende-se que o equívoco vem de longe.
Minhas críticas ao plano Real
A partir do segundo semestre de 1994, estendendo-me durante todo o primeiro governo FHC, alertei para os estragos  permanentes que juros e câmbio trariam para a economia. Em maio de 1995, em artigo na Folha, André tentava rebater meus argumentos sob a alegação de que eram de analises empíricas, coisa de palpiteiro.
Recentemente, reconheceu que os economistas desprezaram as evidências empíricas e quebraram a cara. Na sua autocrítica, faltou apenas incluir a questão das oportunidades de enriquecimento fácil dos seus formuladores como fator indutor das políticas monetária e cambial – como explico em meu livro “Os cabeças de planilha”.
Sua autocrítica chega algumas centenas  de milhões de dólares a mais em seu patrimônio, fruto dos “erros de avaliação” cometidos.
Aqui, alguns trechos de artigos meus publicamos na época, e a íntegra do capítulo “Os juros do Real”, que consta do livro “O jornalismo dos anos 90”.
31/11/1994 – As sequelas do câmbio
Tenta-se copiar os processos de estabilização da Argentina e do México, julgando que, emulando as seqüelas, haverá eficácia no tratamento. A sobrevalorização das moedas de ambos os países constituem-se, hoje em dia, no calcanhar de Aquiles de seus programas.
Argentina e México produziram monumentais déficits comerciais, devido à valorização excessiva de sua moeda. Nos primeiros anos, esse déficit foi coberto pela venda de estatais e pelo grande afluxo de recursos externos que marca todo início de processo de estabilização.
Ocorre que, em todo processo de estabilização, o pico de recursos externos é nos primeiros anos, quando os ativos locais estão depreciados por anos de crise, permitindo ganhos maiores a quem os compra.
Depois que os preços atingem níveis internacionais—devido tanto à valorização interna quanto à valorização da moeda local—tornam-se menos interessantes para o capital de risco. Há o refluxo inicial na entrada de recursos financeiros, sem que a balança comercial compense—porque ficou-se preso à armadilha da ancoragem do câmbio.
Cria-se o pior dos mundos. Quanto mais aumenta o déficit em transações correntes, mais aumenta o risco do país. Quanto mais aumenta o risco, mais reduz-se o ingresso de capitais externos.
28/04/1995 – O governo vai quebrar o país
O catastrofismo só se justifica em uma circunstância: quando se está prestes a produzir uma catástrofe. Se não acordar a tempo, o governo Fernando Henrique Cardoso vai produzir uma recessão cavalar, um festival de inadimplência semelhante ao ocorrido com o Cruzado 2.
Repete-se a mesma leviandade da política cambial do ano passado. Desvalorizou-se o dólar em 15%, abriram-se as portas das importações, tendo em mente reduzir o superávit comercial para US$ 5 bilhões. Como se fosse possível ter esse grau de controle sobre os agregados econômicos. O país está há meses produzindo déficits mensais da ordem de US$ 1 bilhão. Como aprendizes de feiticeiros, apertaram um botão e produziram um terremoto.
(…) Há várias semanas há duas enormes vagas sendo formadas na economia, que se acentuaram agudamente na semana passada, e que ainda não entraram nas estatísticas.
A primeira, a onda da inadimplência das pessoas físicas. Um dos bancos grandes bancos de varejo do país, bastante conservador, detectou que 80% dos clientes que possuem cheque especial estão no vermelho.
A segunda vaga é a inadimplência nas empresas. Os índices de inadimplência já vinham crescendo de maneira acentuada desde janeiro. Grande parte da economia estava rolando suas dívidas no curto prazo. Ao estancar completamente o crédito, impedindo esse pessoal de rolar suas dívidas, e de financiar as suas vendas, o governo produziu um coquetel mortal. Tão mortal que não vai ser mantido.
A questão é que a equipe econômica só vai se dar conta do desastre depois que estiver consumado um estrago considerável na economia. E qual o objetivo dessa violência?
Varrer por mais alguns meses para debaixo do tapete os erros cometidos na política cambial. O problema do excesso de consumo é exclusivamente em relação a seus efeitos sobre as importações.
O pior da história é que essa recessão não vai resolver, por si, a questão do desajuste cambial. Vai ter que se fazer o ajuste mais à frente, e em cima de uma economia desorganizada.
(…) Solicito que, quando começar a quebradeira das empresas, e voltar o desemprego em doses violentas, que os senhores Ciro Gomes, Winston Fristch, Edmar Bacha e Gustavo Franco, ocupem uma rede nacional de televisão para apresentarem suas explicações para as loucuras que cometeram na política cambial.
Que tentem justificar seu experimentalismo, a politização do tema cambial, o jantar de comemoração pela volta dos déficits comerciais, as razões que os levaram a privilegiar o capital externo especulativo, em detrimento da segurança dos superávits comerciais.
De preferência, que as explicações sejam apresentadas no Maracanã, ou em local que consiga abrigar as centenas de milhares de desempregados, e de empresas quebradas por sua irresponsabilidade.
11/05/1995 – Uma Vale = 5 meses de juros
Cinco meses com as atuais taxas praticadas pelo Banco Central custam uma Vale do Rio Doce. Todas as participações no setor petroquímico equivalem a 15 dias de juros.
Esses números são eloqüentes para demonstrar a loucura que se está cometendo contra o país com a atual política de taxas de juros.
(…) Inventam-se verdades definitivas—e jamais comprovadas—sobre as excelsas virtudes das taxas de juros absurdas no combate à inflação. E para quê? Para perpetuar a ciranda, inviabilizar novamente a dívida pública, e mais uma vez jogar a conta para o conjunto da sociedade.
(,,,) A estabilidade é de curto prazo, porque basta os agentes econômicos analisarem as curvas de progressão da dívida pública para constatarem que essa maluquice não se mantém. Basta o especulador aguardar o governo perder o fôlego, para voltar matando.
Mantida essa política, permanecerá a inevitabilidade do ajuste cambial. Só que o ajuste terá que ser feito com uma ampla desorganização do setor real da economia, riscos de crise financeira, inviabilização da rolagem das dívidas estaduais e federais.
13/05/1995 – A ideologia dos juros altos
Há anos esse modelo concentra renda, condena a produção e impede a modernização e a renovação empresarial. Abortou sucessivos movimentos desenvolvimentistas, quebrou várias vezes o Estado, inspirou sucessivos calotes nos poupadores comuns, desviou recursos sem fim dos gastos sociais e da infraestrutura, sacrificou milhares de empreendedores, em nome de uma falsa ciência.
Os arautos da nova ideologia venderam a ideia de que, se os juros baixassem, a inflação estouraria. Os juros mantiveram-se estupidamente elevados, e a inflação nunca cedeu.
Nos anos 70 já se premiava com juros reais as aplicações de curtíssimo prazo, sob a alegação de que, se os juros baixassem, haveria fuga de recursos do sistema.
Quinze anos depois, o economista Ibrahim Éris criou os fundões, a taxa de juros negativa, e não houve um tostão de fuga de recursos do sistema.
Está na hora de erradicar essa hipocrisia da vida nacional e expor algumas verdades cruas: Papai Noel não existe, cegonha não traz recém-nascidos, e não existe isenção na política econômica, nem os economistas públicos são figuras tutelares.
15/05/1995 – Buraco à vista
Basta levantar esses números para constatar como são inconsistentes os argumentos do presidente do BC, Pérsio Arida, em favor dessa política monetária irracional.
Diz ele que o governo foi obrigado a adotar uma política monetária drástica para conter a demanda, pela falta de condições de implementar uma política fiscal restritiva (Arida se recusa a aceitar que o objetivo final da contenção da demanda é o equilíbrio da balança comercial, e o receio de se mexer na política cambial, após as trombadas de março).
Para que sua lógica fosse consistente, a seguinte equação teria que ser correta: aumento do passivo público + câmbio congelado – privatizações – receita fiscal futura = 0. E não é.
O preço das estatais é cotado em dólares—não em reais. Se 7 meses com esses juros—e sem ajuste cambial–, correspondem a uma Vale + toda a telefonia + petroquímica, onde se fecha a conta?
Também é inconsistente sua alegação de que o governo aumentou o compulsório dos bancos para permitir que parte da dívida pública fosse financiada com esses recursos. Os compulsórios bancários estão sendo remunerados por 100% da taxa do over, porque a regra anterior—de remuneração de 90% do over para parte do compulsório—estava derrubando as taxas dos CDBs.
21/05/1995 – Os gurus e a retórica da meia lógica
Em entrevista à edição de domingo da “Folha de S.Paulo”, conhecido guru econômico fez a defesa da atual política de juros altos. Acredita ele que seja precondição de todo plano de estabilização obter equilíbrio fiscal e equilíbrio da balança comercial.
A partir daí, parte para a defesa da atual política de juros, como se fosse o instrumento adequado para atingir esses objetivos. Diz ele:
1) Não se podem baixar as taxas de juros antes de um ajuste fiscal maior e mais profundo e da privatização.
2) Quebras de empresas são decorrências naturais de processos de estabilização. As classes produtoras reclamam porque gostam de economia aquecida.
3) Pode-se manter a atual banda cambial se o governo criar incentivos às exportações ou restrições às importações.
Releve-se, por vício de ofício, essa postura de deus ex machina, a arrogância de banalizar como choradeira a reação desesperada de milhares de pessoas que estão perdendo bens, empregos e vidas inteiras de trabalho por conta dessa irracionalidade.
A entrevista do guru é relevante por demonstrar a faceta menos percebida desse jogo antinacional: o aval técnico dado pelos gurus econômicos a aventuras inconseqüentes, a partir de uma retórica sutilíssima, onde jamais mentem, mas jamais contam a verdade por inteiro, para preservar para si o poder de definir decisões que deveriam ser compartilhadas com o conjunto da opinião pública.
Em pouco tempo a manutenção dessa taxas de juros inviabilizará definitivamente o ajuste fiscal do Estado. Rapidamente tornará o passivo público superior ao conjunto de estatais a serem privatizadas. E começará a se refletir rapidamente na arrecadação fiscal. É só conferir como será a arrecadação de maio e junho.
A médio prazo, essa política não só não resolve, como aprofunda e inviabiliza qualquer ajuste fiscal futuro.
23/05/1995 – A volta do messianismo
Foi a equipe do real que destruiu os superávits comerciais, exclusivamente para abrir espaço para o dinheiro especulativo. Depois, demorou no combate ao aumento da demanda. No novo governo, errou bisonhamente na mudança do câmbio, derrubando o teto do dólar de um real para 92 centavos.
Para não assumir seus erros, consumado o desastre na balança comercial, em vez de parar, analisar serenamente a situação, e preparar a próxima etapa do jogo, o Banco Central toma as rédeas nos dentes e resolve partir para o tudo ou nada. Este é o dado trágico.
(…) 1)  Taxas de juros estratosféricas jogam o país numa recessão.
2)  A recessão desestimula as altas de preços e quebra as resistências de empresários e trabalhadores.
3) Instituída a paz do cemitério, o governo consolida o plano.
E param por aí. O que significa consolidar o plano? Como vai ser o dia seguinte? Expliquem-se. Apresentem claramente seus objetivos. Desenhem com honestidade o cenário que estão perseguindo, para que a opinião pública possa avaliar se as medidas estão no caminho correto ou não. Como vão fazer para o ajuste fiscal, se com esses juros o mero crescimento da dívida interna consumirá tudo o que vier a ser apurado com a privatização? Como pretendem partir para a desindexação final, antes de resolver os desajustes da balança comercial?
Depois do desastre do Cruzado, o país não merecia de volta o messianismo na economia.
25/05/1995 – D Sebastião e a reunião de Carajás
Com apenas 18 meses com a economia de volta às mãos dos pacoteiros, e apenas com sua capacidade de brincar de fliperama com as políticas monetária e cambial, tem-se: 1) O país em nova crise cambial; 2) a volta de alíquotas super-protetoras em muitos setores; 3) crescimento exponencial da dívida interna, comprometendo o futuro ajuste fiscal; 4) e uma multidão de empreendedores arrependidos até a medula dos ossos por terem apostado no país e programado investimentos.
Mesmo assim, recebem olhares embevecidos de analistas rasos, que conclamam, com um frêmito nelsonrodriguiano: o plano é bom, porque faz doer.
Todo o ouro de Carajás não vai pagar o que o país ainda vai sofrer por causa da reunião de 1986.
16/07/1995 – O oportuno mea-culpa de FHC
Para não ser apanhado novamente no contrapé, seria conveniente que o presidente se valesse das lições aprendidas com a crise agrícola para prevenir desastres ainda maiores no futuro, principalmente em relação aos seguintes pontos:
1) Recessão: há sacrifícios decorrentes de ajustes inevitáveis, e sacrifícios provocados
por inabilidade na condução da economia. A opção de “errar por excesso” é um escapismo. Erra por excesso apenas quem não tem competência para encontrar o nível adequado de sacrifício a ser imposto ao país.
2) Dívida pública: a manutenção das altas taxas de juros está lançando as sementes de
uma crise fiscal que ainda vai estourar no próprio governo FHC. 20% de juros reais ao ano são mais que suficiente para atrair capitais externos. Não há nenhuma justificativa técnica para esses 45% ao ano, que apenas reforçam os receios de um calote mais à frente.
3) Câmbio e balança comercial: já se sabe que o problema existe. A maneira de
enfrentá-lo, através da criação desordenada e pouco seletiva de mecanismos de proteção setorial, ainda vai respingar sobre o governo FHC.
4) Saúde: a próxima marcha sobre Brasília vai ser dos mortos-vivos condenados à
morte pela falta de recursos oficiais.
5) Custo Brasil: a contrapartida oficial a essa política recessiva seriam as reformas extra-constitucionais, englobadas no tal projeto “Custo Brasil”. Delas, ninguém sabe, ninguém viu.
26/07/1995 – A crise da macroeconomia
A macro-economia, no país, virou ciência manca, administrada por especialistas sem nenhuma visão de conjunto, sem um plano estratégico. Em seu tabuleiro, não existem a pequena e a média empresa, o interior, a agricultura, a não ser quando seus problemas afetam o centro.
Cada crise que estoura, embora perfeitamente perceptível, apanha-os a todos—e sempre— de calças curtas, porque a análise econômica brasileira não conseguiu avançar além da observação dos setores tradicionais. Assim como com os gurus americanos, não se percebeu que a revolução gerencial e tecnológica desenhavam uma nova economia, que não podia ser englobada nas formas tradicionais de análise.
A evolução das modernas técnicas gerenciais—com a ampliação dos conceitos de terceirização—e a explosão das novas tecnologias, acabaram com a noção do grande conglomerado, que se bastava a si próprio. Cada vez mais é estratégica a montagem de um cinturão de pequenas e médias empresas especializadas, provendo as maiores de serviços e produtos.
Mas eles continuam ligados apenas a visão convencional e aos agregados monetários. Se Bill Gates tivesse nascido brasileiro, teria terminado sua vida como consultor de informática de uma repartição qualquer.

sexta-feira, 8 de março de 2019

SEGUNDO O DIEESE A PEC DE BOLSONARO PREJUDICA A TODOS. E MAIS AINDA ÀS MULHERES. POR FERNANDO BRITO

O Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Sócio-Econômico, que todos conhecemos como, divulgou hoje uma Nota Técnica em que analisa como as mulheres serão especialmente pela reforma da Previdência, tal como ela está agora para ser apreciada pela Câmara dos Deputados:
As mulheres serão (…)afetadas tanto pela elevação da idade mínima quanto pelo aumento do tempo mínimo de contribuição e, mais ainda, pela combinação desses requisitos. Para piorar o cenário, a reforma ainda as penalizará, sem distinção, com perdas significativas nos valores dos benefícios, em função de alterações nas regras de cálculo. Também as regras de transição impõem às mulheres maiores dificuldades para acesso aos benefícios quando comparadas com as regras atuais e com as regras de transição da PEC 287 [a reforma de Temer]. E isso não é tudo. Além das mudanças previstas na aposentadoria, a PEC 06/2019 também propõe restringir os valores e as atuais regras de acesso às pensões por morte, ao acúmulo de benefícios e ao BPC. Em todas essas situações, as mulheres são o público majoritário e serão, por isso, mais atingidas do que os homens.
O estudo traz dados devastadores sobre a formalização do trabalho feminino e sua proteção previdenciária: mais da metade (52,7%) não estava inserida na força de trabalho e, entre as que estavam, também a metade (47%) trabalhava sem carteira de trabalho ou por conta própria, o que reduz o índice de contribuições previdenciárias. Tanto que, entre 40,8 milhões de mulheres ocupadas, 14,5 milhões (35,5%) não contribuíam com o INSS ou Institutos de Aposentadoria públicos. Pior ainda entre as trabalhadoras domésticas (62% sem cobertura) e as que trabalham por conta própria (68% assim).
O estrago não é menor sobre a maioria feminina entre os beneficiários por pensão por morte ( 83,7% são mulheres) e os que percebem o Benefício de Prestação Continuada (mulheres são três quintos). Tanto no BPC, com o aumento da idade condicional a que se receba o salário-mínimo para 70 anos, quanto nas pensões por morte o efeito é terrível para as mais idosas: nada menos de um quarto das mulheres com 65 anos ou mais são pensionistas.
O estudo do Dieese traz, também uma simulação do que acontece com uma professora ensino básico público – a professorinha que muitos de nós tivemos. Elas são nada menos que 80% do total de 2,2 milhões de docentes deste país.
Olhe lá em cima a crueldade que é fazer alguém ter de trabalhar até 10 anos a mais para receber o que receberia pelas regras atuais.
Espero que ninguém acredite que a Professora Helena do exemplo da ilustração, seja uma “privilegiada”, como diz Bolsonaro.
A íntegra do estudo está aqui.
Tijolaço