sexta-feira, 26 de maio de 2017

Contradição e previsibilidade na sentença de Moro sobre Cláudia Cruz, mostra o pendor do pretor de Curitiba

Se a Lava Jato não conseguiu provas de que os recursos depositados na conta de Cláudia Cruz eram mesmo fruto de esquemas na Petrobras, por que Sergio Moro absolveu a jornalista mas determinou o confisco do dinheiro?

Dois pontos chamam atenção na absolvição de Cláudia Cruz, esposa de Eduardo Cunha, pelo juiz Sergio Moro: a previsibilidade da sentença, que duvida de conhecimento e participação nos esquemas do ex-deputado; e a contradição em determinar o confisco de valores remanescentes na conta usada pela jornalista no exterior, taxando-os como "produto do crime".

Segundo Moro, Cláudia, que teve em seu poder mais de 1 milhão de dólares entre 2008 e 2015, não pôde ser condenada pelos crimes de lavagem de dinheiro (parte dos recursos sairam do esquema de corrupção na Petrobras) e evasão de divisas (a conta em seu nome não foi declarada à Receita) porque não havia provas suficientes e tampouco atestado de dolo.

Sobre provas insuficientes

Na decisão, Moro sinalizou que a Lava Jato não conseguiu provar que o dinheiro depositado na conta de Cláudia era mesmo fruto do esquema na Petrobras.

"Não obstante, até o momento, foi de fato possível rastrear somente os ativos recebidos em um acerto de corrupção [na Petrobras em favor de Cunha], envolvendo o contrato de Benin, sendo que o produto respectivo, de USD 1,5 milhão, não foi destinado, sequer em parte, à conta em nome da Kopek [que abastece o cartão de crédito de Cláudia]."

A Lava Jato só conseguiu provar que a "conta em nome da Kopek foi aberta exclusivamente para alimentar cartões de crédito, entre eles da acusada Cláudia Cruz", e que dessa conta sairam, entre janeiro de 2008 e abril de 2015, pouco mais de 1 milhão de dólares e mais 8 mil libras esterlinas em despesas. Para Moro, contudo, a propina de 1,5 milhão de Cunha não teria se misturado aos valores da conta de Cláudia.

A contradição na sentença está no fato de que, embora tenha dado o benefício da dúvida quanto à origem dos recursos depositados na conta Kopek para absolver Cláudia, na sequência, Moro determinou o confisco de 176 mil francos suíços que restaram na conta, alegando que são ilícitos.

"Por outro lado, mesmo com a absolvição, ainda devem ser confiscados os valores sequestrados na conta em nome da Köpek, de 176.670,00 francos suíços, uma vez que materialmente constituem produto de crime."

Sobre o dolo

Já a questão do dolo, ou seja, a eventual parcela de culpa de Cláudia Cruz decorrente de conhecimento dos crimes de Eduardo Cunha, havia sido antecipada por Sergio Moro como a mais "relevante" para seu julgamento. Era o caminho das pedras para a absolvição.

Em outubro de 2016, Moro deu a diretriz à defesa de Cláudia no mesmo despacho em que devolveu o passaporte da jornalista e aceitou a audiência de testemunhas no exterior

Essas testemunhas foram admitidas "a bem da ampla defesa", disse Moro, à época, mas eram dispensáveis ao processo. "(...) A questão relevante é saber se, caso os ativos tenham origem criminosa, tinha a acusada ciência disto", apontou o magistrado.

A defesa seguiu a dica à risca, levanto ao juiz testemunhas que disseram que Cláudia era apenas uma dona de casa e que quem cuidava das finanças da família era Cunha. Em seu depoimento, a jornalista reforçou esse enredo, sem perguntas do Ministério Público nem de de Moro. (Leia mais aqui)

Na sentença, Moro até deu um puxão de orelha em Cláudia, dizendo que ela deveria ter tido mais cuidado com sua vida pessoal, ou seja, desconfiado, em algum momento, que os rendimentos de Cunha como deputado federal não eram suficientes para bancar as despesas luxuosas da família em Dubai, Roma, Paris ou Miami. Mas manteve a linha de pensamento que já havia demonstrado ter antes.

"O entendimento deste Juízo é no sentido de que, para condenação por lavagem de dinheiro de cônjuges de agentes públicos corrompidos, é necessário ter uma prova muito clara de que o cônjuge tinha ciência dos crimes de corrupção ou de sua participação ativa nas condutas de ocultação e dissimulação, não sendo suficiente a prova da realização de gastos extravagantes, por mais reprováveis que eles sejam a luz de tantos crimes de corrupção", ressalvou.

Confira a íntegra da sentença AQUI.

GGN

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