
O pogrom oficial de Dória não chegou a tanto, mas teve dispersão de uma comunidade de doentes e dependentes químicos, várias bombas, agressão policial, lojas fechadas, pessoas despejadas, derrubada de casas sobre moradores, interdição de áreas com uso de força armada, trabalhadores e crianças saindo apenas com a roupa do corpo e pessoas proibidas de entrar em suas próprias casas. Expressando a ideologia típica da elite branca dos Jardins, o prefeito Dória mostrou-se valente contra doentes e moradores de rua e, no alto da sua arrogância, decretou, por ato de vontade, o fim da Cracolândia para todo o sempre. Governar por atos de vontade e ao arrepio da lei é uma conduta típica dos totalitários de todos os tipos e do nazismo em particular.
Com
os sucessivos desastres na Cracolândia ao longo da semana, a fama de bom gestor
de Dória virou pó, provocando, inclusive, a demissão de sua Secretária de
Direitos Humanos que classificou a operação de "desastrosa". O manual
de arrogância e violência de Dória contrasta com todas as recomendações
internacionais, técnicas e médicas que são taxativas em afirmar que a questão
da dependência química é uma questão de saúde pública e não uma questão
policial ou criminal. O grande gestor insurgiu-se contra a prudência desse
consenso do bom senso. O resultado foi a criação de várias cracolândias e de
uma nova Cracolândia, ainda maior, na Praça Princesa Isabel.
O
outro quase consenso contra o qual Dória se insurgiu é o de que a estratégia da
Guerra às Drogas fracassou. Estudos e a experiência internacional mostram que a
Guerra às Drogas, até agora, proporcionou gastos de trilhões de dólares e
atingiu principalmente pequenos produtores, traficantes intermediários e os consumidores.
Na ação espetaculosa do prefeito contra a Cracolândia foram presos 38
traficantes e apreendidas algumas armas. O que consta é que nenhum desses
presos é um grande traficante, um chefe do tráfico em São Paulo. Ou seja, os
extraordinários gestores de São Paulo estão enxugando gelo.
Não
satisfeito com o desastre de sua violência contra doentes indefesos, o prefeito
quis ir mais longe no seu autoritarismo. Anunciou internações forçadas de
dependentes químicos e buscou o respaldo na Justiça para perpetrar este ato
contra a liberdade das pessoas e contra os direitos civis de doentes. Um juiz,
cuja qualificação é inominável, concedeu o aval para o arbítrio, mas logo
derrubado pelo desembargador Reinaldo Miluzzi. Em seu despacho o desembargador
afirma que o pedido da prefeitura é "impreciso, vago e amplo e, portanto,
contrasta com os princípios basilares do Estado Democrático de Direito, porque
concede à municipalidade carta branca para eleger quem é a pessoa em estado de
drogadição vagando pelas ruas de São Paulo". Ou seja, o desembargador
compreendeu o caráter arbitrário emboscado na petição da prefeitura. Além
disso, ele suspendeu o sigilo judicial do pedido, pois isto fere o mais
elementar princípio democrático que é o da publicidade e transparência dos atos
dos agentes públicos.
Um prefeito contra a cidade
Como se sabe, o consenso médico, técnico e
jurídico admite a internação compulsória em casos especiais e com medidas
adequadas, sempre a partir de uma abordagem e avaliação individualizadas do
dependente. Dória se insurge contra este consenso, não por conta de erro ou de
não compreensão das circunstâncias, mas pelo capricho autoritário de querer
fazer valer a sua vontade. Vontade que, no caso da Cracolância, mistura
ideologia autoritária, rejeição aos pobres e moradores de rua, racismo,
interesses econômicos, especulação imobiliária e pressa em se projetar
nacionalmente em face de sua aspiração de ser candidato à presidente da
República no próximo ano.
Várias
das principais ações de Dória até o momento mostram que ele governa contra a
cidade. No caso da Cracolândia, esta sucessão de erros, este ataque ao bom
senso e à prudência, são demonstrações de desumanidade e de falta de piedade
para com aqueles que precisam de ajuda em face de sua desgraça. O prefeito
mandou cortar parte do programa Leve Leite, um programa suprapartidário, pois
foi criado por Maluf e mantido por Pitta, Marta, Serra Kassab e Haddad. Da
mesma forma, a Virada Cultural, tal como vinha sendo editada, abrigava um
consenso suprapartidário, pois os últimos prefeitos, independentemente de partidos,
mantinham o mesmo formato. Em sua fúria destruidora, a gestão Dória a
modificou, resultando num fracasso.
No
seu excesso de esperteza, o prefeito vem fazendo o seguinte: rebatiza programas
de gestões anteriores como se fossem novos e paralisa os programas anteriores
sem tirar do papel aqueles rebatizados. Vive mais em eventos, festividades, em viagens para Dubai, Seul,
Europa e Estados Unidos para promover negócios privados enquanto abandona a
cidade à sua própria sorte. Semáforos apagados, buracos nas ruas, lixo
espalhado, falta de zeladoria, hospitais municipais sem remédios e leitos,
trânsito cada vez mais lento é o que não falta.
Dória
não está fundamentalmente focado em governar a cidade de São Paulo. Quer ser
presidente. Para isso, busca criar um culto em torno de si. Quer conquistar
devotos a partir da imagem de que ele é um grande gestor, um grande
transformador. Faz promessas grandiosas, anuncia programas mirabolantes, zera
filas, acaba com Cracolândias, faz e desfaz a cidade. A dor, o desemprego, a
trágica desgraça dos drogados e dos moradores de rua, as horas perdidas no
trânsito, o crescimento das mortes nas marginais, tudo se transforma em
"cidade linda" sem que nada aconteça e mesmo que as condições da
cidade piorem. Com esse passe de mágica, os devotos crescem, principalmente
fora de São Paulo.
Dória
inventa títulos entusiasmados para programas que não existem, anuncia o começo
e o fim de tudo, sem que nada mude, usa palavras envernizadas para ações que
não são nem explicadas e nem detalhadas. No seu manual, ensina-se que é preciso
combinar promessas vagas com conceitos nebulosos mas atraentes, tudo embrulhado
no entusiasmo ardente da demagogia. Se algo sair errado, Dória se retira de
campo e terá sempre um secretário, um auxiliar ou um inimigo como bodes
expiatórios.
Para
Dória não importa a dor da família dos drogados, não importa o vazio da alma do
dependente químico, não importa da desgraça do morador de rua, não importam as
atribulações dos trabalhadores, não importam as angústias dos desempregados,
não importam a falta do pão e do leite para as crianças. Tudo isto é coisa
feita, que atrai mais desgraça. O que importa para ele é o brilho do poder pelo
poder, as luzes das festas, a fama da celebridade, o arrogante conforto da
riqueza. Dória é o mais lídimo representante da ideologia perversa da elite
branca dos Jardins. Esta mesma ideologia que interdita diretos, hipoteca o
futuro do povo e condena o Brasil a um passado eterno de iniquidades e
injustiças.
Do GGN, por Aldo
Fornazieri - Professor da Escola de Sociologia e Política.
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