Os
procuradores da República em Curitiba, liderados por Deltan Dallagnol, tentaram
hoje de manhã emparedar o Supremo Tribunal Federal, ao apresentar mais uma
denúncia contra o ex-ministro José Dirceu.
Mas,
como gostava de repetir Tancredo Neves, “esperteza, quando é muita, come o
dono”.
No
julgamento do pedido de habeas corpus apresentado pela defesa de José Dirceu —
que está preso desde agosto de 2015 sem que tenha sido condenado em segunda
instância — tiveram que ouvir o que, certamente, não gostaram:
“Não
cabe a procurador da República nem a ninguém pressionar o Supremo Tribunal
Federal, seja pela forma que quiser. É preciso respeitar as linhas básicas do
estado democrático de direito. Quando nós quebramos isso, estamos semeando o
embrião, a semente do viés autoritário.
A
reprimenda — um puxão de orelha vigoroso – veio pelo voto de Gilmar Mendes, de
quem se pode dizer muita coisa, menos que seja simpático ao PT de José Dirceu.
Gilmar
Mendes chamou a apresentação da denúncia dos procuradores, no dia do julgamento
de habeas corpus, de “brincadeira quase juvenil”.
Será?
Os
procuradores da República usaram a mesma estratégia que minou o governo de
Dilma Rousseff: pautar suas ações em função do calendário político e da repercussão
na mídia.
Até
agora, tem funcionado.
Hoje,
por exemplo, ao noticiar a decisão do Supremo Tribunal Federal, a Globo News
intercalou os comentários dos jornalistas com a reportagem sobre a denúncia
contra José Dirceu.
Era
como se dissessem: está vendo, o Zé Dirceu foi denunciado outra vez, mas o
Supremo mandou soltá-lo.
Denúncia
não é processo, processo não é condenação. E condenação, em primeira instância,
não deve resultar em cadeia.
Quando
o repórter que estava em frente ao Supremo fazia a entrada ao vivo, a
apresentadora perguntou:
“O
que é esse barulho aí atrás? São protestos em razão da decisão de hoje?”
O
repórter pediu que o cinegrafista mostrasse a manifestação: havia meia dúzia de
pessoas, com bandeira do Brasil, protestando contra o Supremo.
É
muito pouco e o noticiário seguiu com os comentaristas agora mirando o Tribunal
Federal da 4ª Região, a segunda instância de Moro.
Se
condenado lá – um dos comentaristas lembrou –, José Dirceu poderá ser preso
outra vez, já que o próprio Supremo Tribunal Federal, em outro julgamento,
considerou que, a partir da condenação em segunda instância, o réu poderá ser
recolhido à prisão.
Se
for absolvido depois, seja no Superior Tribunal de Justiça ou no Supremo
Tribunal Federal, se estará diante de um caso de inocente que cumpriu pena.
Mas,
nestes tempos estranhos, isso é o que menos importa.
Gilmar
Mendes mostrou coragem ao enquadrar os jovens da Lava Jato.
Não
é exagero imaginar que ele agiu assim se antecipando ao que pode acontecer
agora que as investigações se aproximam de seus amigos do PSDB.
Pode
ser.
Mas
julgamentos anteriores de Gilmar Mendes indicam que ele é um ardoroso defensor
da corrente que vê a liberdade como regra, a cadeia como exceção.
E
assim deve ser.
Quanto
à ameaça aos tucanos, o próprio Gilmar deve saber que, até agora, o risco de
algum dano é mínimo.
Citações
de tucanos envolvidos em corrupção raramente se transformam em inquérito e
inquéritos, até aqui, não costumam se transformar em denúncias.
E
denúncias, quando acontecem, não resultam em condenação.
Quer
um exemplo?
Robson
Marinho, conselheiro do Tribunal de Contas do Estado de São Paulo, foi
denunciado por corrupção no caso dos trens em São Paulo.
Está
livre, leve e solto, apesar da prova entregue por procuradores da Suíça à
Justiça brasileira: conta na Suíça, não declarada no Brasil.
Quer
outro exemplo?
Aécio
Neves e a irmã, Andrea, rei e rainha da estatal Furnas, citados como envolvidos
em corrupção há mais de dez anos, não foram incomodados.
Hoje,
Aécio prestou depoimento – falou por uma hora, e a notícia saiu no Jornal
Nacional sem imagem.
Uma
nota pelada, como se diz no jargão de TV.
Nota
sem vergonha seria uma definição melhor.
Imagina
se o depoimento fosse de Lula.
O
chefe da Lava Jato, Deltan Dellagnol, já explicou que não caça tucano porque
eles não eram governo e, portanto, não praticavam a corrupção.
O
que faziam antes de 2003, no governo de Fernando Henrique Cardoso?
Bem,
como diria o juiz Sérgio Moro, “não vem ao caso”.
Hoje,
o Supremo mostrou que Moro pode muito, mas não pode tudo.
O
Brasil pode ter começado a retomar o caminho do estado democrático de direito.
Justiça,
para ser digna, não pode ser dois pesos e duas medidas.
Do
DCM
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