Em entrevista a Aline Piva, do Nocaute, o pesquisador Mark
Weisbrot, do Centro para Pesquisas Econômicas e de Políticas Públicas,
think-tank de Washington, diz que a Operação Lava Jato é orientada pelo
Departamento de Justiça norte-americano; "os Estados Unidos estão
obviamente envolvidos nas investigações", diz ele; segundo Weisbrot, será
necessário realizar uma investigação independente para se descobrir qual a
dimensão do papel dos Estados Unidos no golpe de 2016, que derrubou a
presidente Dilma Rousseff ilegalmente e agora se fechou com a prisão de Lula;
Weisbrot diz esperar que, desta vez, a verdade apareça mais rapidamente do que
no tocante ao golpe de 1964.
Confira, abaixo, o vídeo e um trecho de sua entrevista:
Nocaute – O que
significa a perseguição a Lula?
Mark Weisbrot – Esse é o segundo estágio de
um golpe que começou, claro, com o impeachment de Dilma. Então ela foi sem um
crime real, e agora nós temos um ex-presidente que está sendo mandado para a
prisão sem evidência. Esses são dois aspectos do mesmo processo, organizado
pelas pessoas que nunca realmente aceitaram o governo do Partido dos
Trabalhadores como um governo legítimo, que é a elite tradicional do Brasil e a
mídia, claro, que é parte disso. Eles estão tomando o que eles não puderam
ganhar por 14 anos nas urnas, eles estão tomando isso de volta. Isso eu acho
que é o mais importante que está acontecendo. E o processo, claro. Eles estão
enfraquecendo o Estado de Direito, eles estão destruindo a independência do
Judiciário nesses casos políticos, e eles estão realmente criando uma forma
diferente, muito mais limitada, de democracia, onde eles podem decidir não só
se um presidente pode continuar no cargo, mas se outro candidato, um
ex-presidente, pode ser candidato – quem pode ser candidato nas eleições. Então
é realmente uma forma muito limitada de democracia. E é ainda mais perigoso que
isso, quer dizer, obviamente há muitas coisas que são reminiscentes do golpe de
1964, como essa violência do dia 27 de março, quando atiraram na Caravana do
Lula, em 17 de março você teve Marielle Franco, vereadora do Rio, que foi
assassinada, foi um verdadeiro assassinato político, e você não vê o governo
fazendo muito para investigar. Então isso está ficando mais e mais não só uma
forma limitada de democracia, mas algo que parece mais e mais com que violência
e repressão possam ter um papel ainda maior na maneira que essas pessoas
governam.
Os Estados Unidos estão
envolvidos?
É interessante como o papel dos Estados Unidos nunca é
discutido na mídia internacional quando eles falam sobre América Latina. Quer
dizer, América Latina está passando por essa enorme transformação, e se tornou,
no século XXI, mais independente dos Estados Unidos do que foi por 500 anos, e
agora está voltando atrás, de volta ao século XX. E falar dessas mudanças sem
os Estados Unidos é como falar da Ucrânia e não mencionar a Rússia. E é claro
que eles estão envolvidos. É interessante, quando perguntaram isso para o Lula
no Democracy Now, a primeira coisa que ele disse foi “bem, nos levou 40 anos
para descobrir o que os Estados Unidos fizeram no golpe de 1964”, então muito
disso não vai vir à tona. Mas você tem muita evidência, você tem a evidência,
claro, do apoio dos Estados Unidos ao impeachment de Dilma, como falamos
anteriormente, onde eles vieram, por exemplo, Aloízio Nunes, que estava à
frente do Comitê de Relações Internacionais do Brasil, veio aqui dois ou três
dias depois do golpe, e se encontrou com Tom Shannon, o número três no
Departamento de Estado. Há esses encontros e outras coisas, como a coletiva de
John Kerry em frente da Embaixada, em 15 de agosto, com José Serra. Essas
coisas, e as coisas que ele disse sobre o grande futuro que eles teriam… Há
maneiras de fazerem todos saberem que os Estados Unidos apoiaram o golpe.
Agora, o impeachment – e é claro que eu chamo de golpe -; agora, a segunda
fase, a perseguição a Lula, e aí, você vê, os Estados Unidos estão obviamente
envolvidos nas investigações. O Departamento de Justiça, por exemplo, o
procurador-geral, Kenneth Blanco, ele esteve em uma conferência aqui em julho
de 2017, e ele disse que era “difícil imaginar uma relação mais cooperativa na
história recente” do que aquela entre o Departamento de Justiça dos Estados
Unidos e os procuradores brasileiros. E um pouco mais à frente no mesmo
discurso, ele se vangloriou de como os procuradores do Brasil ganharam um
veredito contrário ao presidente Lula. Então ele está muito feliz com isso, e
ele não está tentando esconder isso nem um pouco. Então eu acho que
precisaremos alguma investigação para descobrir exatamente o que eles fizeram,
mas se você olha para a atitude deles em relação ao Brasil – e nós sabemos que
eles nunca quiseram o PT, todas as coisas que eles fizeram no correr dos anos,
as quais eu só arranhei a superfície, quer dizer, você tem tanta história em
todos os 14 anos dos Partidos dos Trabalhadores, e mesmo quando Lula estava
disputando as eleições em 2002. Então você tem muito motivo aqui, e você tem
oportunidade, porque aqui estão eles, envolvidos na investigação com Sérgio
Moro, e o que eles estão fazendo? Eles estão aí para garantir que seja uma
investigação imparcial? Eu não acho. Eu acho que eles são parte do governo dos
Estados Unidos. E eles estão fazendo o que outras partes do aparato de
segurança dos Estados Unidos, como é chamado, eufemisticamente, está fazendo.
Então sim, eu acho que eles estão envolvidos e eu acho que nós vamos ter mais
evidência. Espero que nós consigamos mais investigação aqui sobre o que eles
estão realmente fazendo.
O que significa a
prisão de Lula para, o Brasil, América Latina e o mundo?
Bom, eu acredito que, de imediato, a prisão do Lula e o uso
do sistema judicial para impedir que ele concorra à presidência, impedir que o
Partido dos Trabalhadores retorne ao poder – é que eles estão tentando fazer.
Eu acho que isso obviamente tem um efeito terrível em qualquer tipo de
democracia. E, claro, não é só a democracia em abstrato, é o que eles querem
fazer com esse poder. Nós vemos o que a direita está fazendo em termos de
cortar gastos sociais, a tentativa de cortar as aposentadorias, educação. É a
agenda usual da direita, de criminalizar o MST, por exemplo. Então há isso, e
há também parte do que está acontecendo na América Latina. Tem acontecido essa
grande virada à direita e, como eu disse, a perda da soberania nacional e
independência. E aqui você vê os Estados Unidos usando esses novos governos de
direita, que eles ajudaram a chegar lá – e na Argentina, eles intervieram
bastante na Argentina para piorar os problemas do balanço de pagamentos,
bloqueando empréstimos no Banco Mundial, no Banco Interamericano de
Desenvolvimento, e os Estados Unidos retiraram o apoio a isso depois que Macri
assumiu o cargo. E aí você tem o sistema judicial dos Estados Unidos, como no
Brasil, onde o sistema judicial dos Estados Unidos usado internacionalmente;
quando o sistema judicial dos Estados Unidos foi usado para exacerbar o balanço
de pagamentos na Argentina também. A Corte de Nova Iorque decidiu que os
credores da Argentina não poderiam ser pagos até que os fundos abutres fossem
pagos. Então eles fizeram todas essas coisas, e aí, claro, eles removeram todas
as coisas que eles fizeram para a Argentina quando eles já tinham o governo de
direita. E nós poderíamos ir país por país. Obviamente, Venezuela é o exemplo
mais proeminente. Lá nós temos Estados Unidos abertamente fazendo um chamado
para um golpe militar e fazendo tudo que eles podem para garantir que isso efetivamente
aconteça. Eles têm sanções financeiras contra o país, as quais são ilegais sob
a Carta da OEA e outras convenções internacionais que os Estados Unidos são
signatários. E eles estão tentando estrangular o país economicamente. Eles está
até ameaçando com ainda mais sanções. E nesse momento, ninguém nem sabe sobre
isso porque a mídia quase não está reportando sobre isso. Eu acho que a Reuters
está reportando nos Estados Unidos, e eles são basicamente os únicos que estão
prestando atenção a isso: os Estados Unidos está realmente tentando impedir que
uma eleição presidencial aconteça, porque eles querem um golpe. Mesmo se um
candidato da oposição ganhe, eles não querem nem tentar a sorte nisso, porque
eles querem o candidato deles. Então esse é o estado a que chegamos quando
temos governos de direita, nem tanto de direita, mas realmente pró-Estados
Unidos. Quero dizer, Brasil, Argentina, Colômbia… Santos foi independente por
algum tempo; você tinha outros governos independentes, e agora todos esses governos
se tornaram subservientes à política externa dos Estados Unidos no hemisfério
de maneira que não haviam sido em décadas. E nós nunca tivemos ninguém como
Luis Almagro na Organização dos Estados Americanos por uma década. Ele tem uma
cruzada fanática contra a Venezuela e ele está até apoiando mais sanções
petroleiras contra a Venezuela. Então isso é algo – e você tem México também,
que costumava ter uma política externa independente que data da Revolução
Russa. Eles foram praticamente o único país que se recusou a cooperar com os
Estados Unidos sobre Cuba depois da Revolução Cubana. E eles estão nos bolsos
da política externa dos Estados Unidos também. Então isso é um grande
retrocesso, que os Estados Unidos usem a terminologia dos mineradores de carvão.
Isso é o que sempre eles quiseram, desde 20 anos atrás, simplesmente se livrar
de qualquer governo de esquerda que você possa. E é isso que eles estão
tentando fazer agora.
Do 247