Dia desses
participei de um debate sobre fake news. O outro debatedor
sustentava que a única saída para combater o fake news seria
com educação, significando educação formal, de melhoria do nível escolar.
Ponderei que a única maneira seria uma lei de regulação da mídia que
implantasse alguma diversidade de narrativas.
A razão é simples.
Existe um mercado de opinião e vários agentes influenciadores: educação,
política, religião e mídia, entre outros. De longe, a maior influência é da
mídia, inclusive sobre a educação. E nesse campo, existe uma cartelização, na
qual o cartel impõe o discurso.
Em qualquer campo
da economia, do comércio de ferro velho ao mercado financeiro, cartel sempre
significou um risco aos direitos dos consumidores e da concorrência. A
legislação antitruste está incorporada ao aparato jurídico de qualquer economia
de mercado.
O mercado de
opinião é mais estratégico até que o de combustíveis, pois mexe diretamente com
os destinos do país, influenciando a política, o sistema judicial, o aparato
repressivo, as representações sociais e empresariais, a política econômica. E,
no entanto, permitiu-se sua cartelização no país.
Vamos a uma análise
das implicações do discurso único na economia, através da CBN e Globonews,
tomando por tema a política de combustíveis de Pedro Parente e a greve dos
caminhoneiros.
Peça 1 - os impactos dos combustíveis
Ao lado dos
salários e do câmbio, energia é um dos preços chave da economia,
por impactar todos os custos.
Confira nesse
pequeno apanhado sobre as consequências da alta dos combustíveis e das cotações
diárias, dolarizadas, na economia e na vida dos cidadãos:
Segurança
jurídica – impacta diretamente o frete, pela
impossibilidade de fixação de valores para contratos de médio e longo
prazo.
Regressividade - Quanto menor o valor da carga transportada, maior o peso dos
fretes sobre ela. Quanto menor a renda, maiores os gastos com consumo.
Significa que a alta dos combustíveis afeta fundamentalmente a base da
pirâmide. E essa regressividade é ampliada pelos impactos no gás de cozinha e
no óleo combustível, que serve de energia elétrica para localidades distantes.
Competitividade - afeta a produção interna, em comparação com os importados. No
caso dos importados, o custo do frete incide apenas sobre a entrega final. Na
produção interna, incide sobre toda a cadeia de insumos cumulativamente, não
apenas no transporte, mas na produção.
Peça 2 - A lógica do pré-sal
Desde o Código de
Águas, no início dos anos 30, as riquezas do subsolo são consideradas bens
públicos, isto é, de propriedade do conjunto da nacionalidade. Sua exploração
requer a concessão do direito de lavra por parte do Estado, justamente para
preservar o interesse público.
Desde o segundo
choque do petróleo, no fim dos anos 70, foram feitos investimentos vultosos por
parte do Estado (acionista controlador) na capacidade de produção, refino, distribuição
e transporte. Seguiu-se a lógica da indústria do petróleo, de entrar em todos
os elos da cadeia justamente para poder arcar com suas responsabilidades, como
gestora de um insumo estratégico.
O pré-sal é a maior
riqueza natural da história, superior às reservas de ferro, bauxita e outros
minerais. Sua exploração foi conferida preferencialmente à Petrobras, visando
atender o objetivo maior, nacional, de distribuir os frutos pela população.
Em nome desse
objetivo, o Estado concedeu à Petrobras a exploração do pré-sal e concessões
não onerosas. Ou seja, patrimônio público foi doado a uma empresa de capital
misto para que cumpra um objetivo nacional. O controle estatal garantiu à
Petrobras acesso a financiamentos internacionais com risco soberano (de país),
muito mais baratos do que para empresas sob controle privado.
Recebeu as benesses
de uma empresa pública, para cumprir compromissos públicos. Foram fixadas três
contrapartidas para a busca do bem geral. De um lado, incrementar as cadeias
industriais e de serviços, e garantir o abastecimento nacional a preços
módicos. De outro, através dos royalties do petróleo, constituir fundos para a
educação e para a saúde..
Peça 3 – a lógica empresarial da Petrobras
Criou-se uma
racionalidade econômica capaz de casar o atendimento das prioridades nacionais
com a lógica empresarial e com a legislação sobre combustíveis. O custo do
combustível interno passou a ser um mix do custo de produção interna com o
custo das importações, evitando assim expor novamente o país a novos choques de
petróleo.
Suponha que o custo
interno do derivado (produção + refino) seja de 15 dólares o barril e a
produção corresponda a 70% do consumo; e o preço internacional seja de US$
80,00, respondendo por 30% do consumo. O mix de preços daria um custo final de
US$ 34,5 o barril. Caso as cotações internacionais despencassem para US$ 25,00,
o custo final cairia para US$ 18,00.
O que Pedro Parente
fez foi simples. Se os preços internacionais dão um salto, todo o combustível
da Petrobras – dos importados à produção interna – acompanham. Transfere para o
país o preço da especulação internacional e os lucros para os acionistas da
Petrobras, em um momento em que o mercado internacional está expostos a mais
uma onda de especulação com derivativos.
Se os preços
internacionais caem abaixo do custo de produção, passa a vigorar o custo de
produção.
Peça 4 – o jogo da desinformação
Aqui se entra no
centro do nosso Xadrez: o cartel da mídia impondo a narrativa única. De
repente, toda a lógica econômica por trás do modelo energético foi deixada de
lado.
Volte à tabela do
exemplo. A dolarização significou não apenas os importados, mas a produção
interna, acompanhar as cotações internacionais. Ou seja, se o barril de
petróleo salta para US$ 80,00, todos os preços internos, inclusive a produção
do pré-sal, acompanha os movimentos internacionais – hoje em dia, submetidos
novamente ao jogo especulativo dos derivativos.
Haveria três formas
de financiar a elevação das cotações internacionais de petróleo:
1.
A Petrobras praticar o mix de preços,
entre o custo da produção e o importado. Não perde. Apenas deixa de ganhar em
cima da especulação internacional.
2.
O consumidor paga.
3.
O contribuinte paga através de cortes
de gastos (na área social) ou aumento de impostos.
Os inacreditáveis
Samuel Pessoa e Mirian Leitão deram o berro: não se mexe nos lucros da
Petrobras. Não se está falando do lucro operacional da atividade, mas dos
ganhos especulativos decorrentes da alta dos preços internacionais. E todos
(repito: TODOS!) os comentaristas da Globonews passaram a entoar o coro em
uníssono, sendo acompanhados pelo cartel da mídia.
Com isso, seu
público não foi informado das contraindicações dessa política:
1.
Reduzir a competitividade interna.
2.
Penalizar os consumidores,
especialmente os de baixa renda.
3.
Encarecer os fretes de todos em um
país eminentemente rodoviário, penalizando as regiões mais distantes do centro.
Mais que isso. Todo
o discurso, aparentemente, era em defesa da Petrobras.
Mas o que foi a
gestão Pedro Parente:
1.
Praticou uma política de derivados
que abriu espaço para a importação e criou 25% de capacidade ociosa nas
refinarias da Petrobras. Fez a empresa perder mercado em benefício das
importações.
2.
Vendeu ativos, em pleno período de
queda nas cotações internacionais, para antecipar pagamento de dívidas.
3.
Mais que isso, integrado ao sistema
Petrobras os ativos teriam muito mais rentabilidade do que se operados
isoladamente. Significa que o preço obtido com a venda será muito inferior aos
resultados dos ativos com a rentabilidade Petrobras, de uma empresa integrada.
4.
Não foi divulgado nenhum estudo
comparativo sobre a rentabilidade desses ativos versus o custo dos financiamentos.
·
Suponha que o ativo gere uma Taxa
Interna de Retorno de 12% ao ano (o padrão da Petrobras é de 14%) e o custo da
dívida seja de 7%. Em 20 anos, a geração de caixa pagaria com sobra os juros
anuais e ainda permitiria acumular um saldo 260% superior ao principal,
preservando os ativos.
Nem Tribunal de
Contas da União (TCU), nem a Controladoria Geral da União (CGU), aparelhadas
para identificar as menores infrações administrativas, se deram o trabalho de
analisar a estratégia de venda de ativos públicos da Petrobras. Nem a própria
empresa tratou de divulgar os estudos demonstrando a consistência dessa venda
de ativos no longo prazo.
Peça 5 – o papel da ideologia
Tempos atrás,
conversando com um notável procurador da República, da área penal, ele
contestava artigos em que mencionava a ausência do interesse nacional nas
operações de cooperação internacional da Procuradoria Geral da República.
Dizia ele que o MPF
tem procuradores mais à esquerda, mais à direita, mas todos patriotas, buscando
o melhor para o país.
Acredito, com
exceção do ex-PGR Rodrigo Janot indo ao Departamento de Justiça dos EUA levando
elementos para que abrisse um processo contra a Petrobras. Repito o que escrevi
na época: quando se restabelecer a normalidade democrática do país, esse ato de
Janot não ficará impune. Será tratado como um ato de traição ao país.
Mas confira-se o
peso da ideologia.
Quando sobreveio o
impeachment, especialmente o MPF do Distrito Federal abriu uma enxurrada de
atos de ofício – isto é, de livre iniciativa do procurador – baseados nas
reportagens mais estapafúrdias divulgadas pela imprensa na época.
Criminalizou-se o
financiamento às exportações de serviços, os financiamentos do BNDES aos
campeões nacionais, a diplomacia externa, e até a ampliação do prazo de
concessões fiscais à indústria automobilística fora do Sudeste. Foi um festival
de ignorância crassa, criminalizando políticas de financiamento praticadas por
todos os países desenvolvidos, baseado justamente nos bordões praticados pelo
cartel da mídia.
Agora, se tem um
caso clássico de desrespeito à legislação dos combustíveis – privilegiando
acionistas em detrimento dos objetivos nacionais -, de queima de ativos, de
políticas comerciais claramente prejudiciais à Petrobras, e o MPF nada faz.
A LEI No 9.847, DE 26 DE OUTUBRO DE 1999 é
clara:
§ 1o O abastecimento
nacional de combustíveis é considerado de utilidade pública e abrange as
seguintes atividades:
I - produção, importação, exportação, refino,
beneficiamento, tratamento, processamento, transporte, transferência,
armazenagem, estocagem, distribuição, revenda, comercialização,
II - produção, importação, exportação, transporte,
transferência, armazenagem, estocagem, distribuição, revenda e comercialização
de biocombustíveis, assim como avaliação de conformidade e certificação de sua
qualidade;
Veja bem: é papel
do MPF a defesa das leis e da Constituição. E do TCU e AGU o de analisar o que
é feito com ativos públicos. Preferiram reinterpretar as leis à luz do que a
Globonews definiu como in ou out - com a
mesma profundidade de qualquer modismo.
Não é falta de
patriotismo. É ignorância crassa de um país institucionalmente subdesenvolvido,
cuja iniciativa penal se subordinou totalmente aos bordões rasos da ideologia
midiática.
A ignorância abriu
espaço para o maior processo de corrupção da história, nas leis, medidas
provisórias e na queima de ativos públicos. Mas, como a Globonews disse que
essa queima de ativos é atitude moderna, o MPF esquece que é guardião das leis
e da Constituição, e passa ao largo.
Do GGN
0 comments:
Postar um comentário