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sábado, 15 de julho de 2017

Roberto Bitencourt da Silva: A trajetória do ex-presidente Lula e os dilemas e desafios do Brasil

Foto Stringer/Reuters

A condenação judicial do ex-presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, representa um novo e grave capítulo do movimento golpista empresarial-midiático-judicial, que destituiu ilegitimamente uma presidente eleita e rasgou a Constituição de 1988.

No momento, as consequências imediatas ao ex-presidente não ultrapassam os limites do aborrecimento e da vexação persecutória. Para o sistema político e demais círculos da institucionalidade brasileira, delineados na transição da ditadura à democracia representativa e normatizados na Carta Constitucional de 1988, os efeitos potenciais beiram a pá de cal.

As atitudes em resposta à arbitrária decisão do Judiciário foram heterogêneas, envolvendo amplíssimo leque de opiniões e predisposições políticas no País. Marcadas tanto por comemorações deliberadas, cínicas e irrefletidas, quanto por gestos de solidariedade a Lula. Em relação aos últimos, manifestações atravessadas por exaltações acríticas, como também por ponderações que não deixavam de lastimar as suas opções políticas.

Nesse sentido, considero que tende a imperar nas avaliações sobre o ex-presidente um misto de satanização, mistificação e ilusão, infrutíferos à compreensão da relevância histórica e política de Lula. Igualmente, tendentes a obscurecer as suas acentuadas limitações.

Em primeiro lugar, vale chamar a atenção para o fato de que a reflexão política e histórica apoiada exclusivamente no comportamento e nas escolhas de um indivíduo tem nula capacidade explicativa. O contexto que enreda o sujeito, sua formação política e suas redes simbólicas e materiais de sociabilidade, tem grande peso na ação individual.

Lula tem quase 40 anos de atividade política exercida no centro da cena nacional. O ex-presidente não deixa de constituir um amálgama de diferentes tempos, lutas sociais, expectativas e cosmovisões políticas brasileiras, também influenciadas pelos distintos panoramas internacionais.

Como líder carismático que é, a trajetória de Lula tem sido caracterizada como a de um depositário de esperanças, anseios e vicissitudes dos seus seguidores. A sua força ou fraqueza, lembraria a teoria sociológica de Max Weber, é, em boa medida, expressão dos atributos e predicados daqueles que investem em Lula a capa do carisma.

Tomando como premissa a feliz expressão utilizada para intitular a cinebiografia do ex-presidente (dirigida por Fábio Barreto), “Lula, o filho do Brasil”, destaco abaixo alguns traços da longa trajetória política de Lula, com vistas a assinalar algumas congruências, características, dilemas e limitações que entrecruza(ra)m o personagem e o País.

1)      Lula entrou no cenário nacional a partir da liderança sindical desempenhada na São Paulo das multinacionais. Um estado que alcançou hegemonia cultural, política e econômica no País, após o golpe de 1964.

2)      Era integrante de uma aristocracia operária. O capital estrangeiro concebido como variável importante para a geração de oportunidades de ascensão social dos trabalhadores. Nenhuma problematização acerca do perfil de atuação dos chamados investimentos externos na economia brasileira. A ditadura promoveu o ambiente ideológico entreguista favorável a tal percepção, precisamente por expurgar os nacionalistas do pré-1964, na seara partidária e nos movimentos sociais.

3)      Esse é um elemento decisivo do DNA político de Lula. Atravessa toda a sua trajetória. O filme de Leon Hirszman (“ABC da greve”, 1979) é muito ilustrativo. Não apenas demonstra a capacidade retórica e política de um tremendo galvanizador de vontades. Expressa também uma veia corporativista, de quem estava integrado ao sistema, na sua margem esquerda, sindical: o resultado das negociações com integrantes da Fiesp e do governo civil-militar foi a elevação dos salários dos metalúrgicos, mas assentada na determinação de reduções tributárias às empresas do setor.

4)      Nesse período de abertura, ao mesmo tempo em que Lula encontrava-se submetido à vigilância dos aparatos de poder, possuía espaço na grande imprensa para posicionar-se de maneira messiânica como líder da classe trabalhadora.

5)      Para o regozijo da Fiesp, das multinacionais, da burguesia doméstica e de muitos intelectuais uspianos, motivado por razões diferentes, a grande imprensa igualmente reservava espaço para Lula tecer considerações como a que segue: “A CLT é fruto do fascismo de Getúlio Vargas”. Pouco importava se a longa ditadura, então em erosão, havia sido instalada exatamente para silenciar os herdeiros políticos de Vargas.

6)      Uma teoria sociológica bastante influente, produzida na USP e operacionalizada por meio do uso de uma vaga e controversa categoria interpretativa – o populismo –, contribuiu para a criação da ambiência de ideias que permitiu construir notória legitimidade ao partido nascente de Lula. Denotando claro sabor europeizante, identificava na classe operária industrial o agente portador das mudanças sociais no País. Com efeito, Lula era símbolo maior. Mas, não importava se essa indústria era transplantada de fora. A questão nacional escanteada.

7)      No curso da década de 1980, a CUT e o PT participaram ativamente da organização e da mobilização de amplas frações da classe trabalhadora e da pequena burguesia, na cidade e no campo. Com isso, ofereceram importante contribuição para a reverberação e a introdução de direitos sociais na Constituição de 1988. Seguramente, Lula despontava como voz saliente nesse processo.

8)       Acompanhados de outros setores das esquerdas, especialmente do brizolismo, o PT e Lula deram grande colaboração na feitura de uma Constituição que ao menos buscasse compatibilizar, de maneira contraditória, os interesses e as aspirações dos de cima e de baixo da sociedade brasileira.

9)      Uma democracia enclausurada, nada afeita à participação popular nos processos decisórios, foi o fruto da correlação de forças políticas nesse período. Assegurando alguns direitos coletivos e sociais na carta magna e mantendo a CLT, contudo um pacto desigual e contraditório foi o resultado daquela correlação de forças.

10)   Direta ou indiretamente, em maior ou menor escala, todos os principais partidos políticos eram condicionados àquele ordenamento sistêmico. O PT não escapou à regra, como ficou bastante evidenciado posteriormente, nos anos de lulopragmatismo à frente do governo federal.

11)   O eleitoralismo foi prevalecendo, com a acomodação natural ao sistema político, à pauta midiática e aos contornos econômicos delimitados pela inserção subordinada, periférica e dependente do País na divisão internacional do trabalho.

12)   Especialmente no período de boom das exportações de bens primários – mais ou menos entre 2005 e 2012 –, o ex-presidente Lula foi alçado à posição de líder maior do sistema brasileiro capitalista subalterno e dependente. Expressão máxima, mais avançada, da conciliação de classes sustentada pela Constituição e da operacionalização de frutos econômicos nos marcos da dependência externa.

13)    Com isso, o grande capital nacional e internacional auferiu lucros extraordinários, sendo compatibilizados com a geração de empregos dotados de baixos salários e parca densidade educacional. O capitalismo periférico preservado, mas legitimado com oportunidades crescentes de trabalho assalariado e consumo popular.

14)   A fome, “retrato mais agudo do subdesenvolvimento”, como diria o bom e velho geógrafo Josué de Castro, combatida, entre outros, por intermédio de políticas oficiais de transferência de (pequenos) rendimentos. No interior sistêmico dos principais partidos, sobretudo Lula e o PT poderiam ter essa (tímida, mas importante) sensibilidade social.

15)   Grande respaldo popular de Lula no exterior, em particular na América Latina. Quem acompanhou o noticiário internacional e os posicionamentos de lideranças de nosso subcontinente pôde ter visto. Quem viajou até poucos anos atrás para alguns desses países, presenciou a imagem extremamente positiva de Lula entre nossos coirmãos.

16)   Um fenômeno que não era/é gratuito, em função da abertura da política externa brasileira ao Sul global, adotada por Lula e, um pouco menos, por Dilma, conferindo respaldo e credibilidade às ações de governos progressistas da região.

17)   Mesmo submetido aos parâmetros do capitalismo periférico e subordinado, o lulopragmatismo tentava de maneira “silenciosa” alternativas creditícias e comerciais ao centro capitalista: a participação na formação dos BRICS foi medida ousada, que pode(ria) incidir na correlação de forças internacionais. Especialmente deslocar o peso do FMI e do Banco Mundial enquanto fonte de empréstimos e condicionamentos.

18)   Contudo, não foram levadas a cabo medidas econômicas e políticas internas que dessem sustentação a uma participação mais sólida do Brasil no bloco.

19)   Por conseguinte, a adoção da tática do apassivamento popular, apostando nos mecanismos tão saudados da “governabilidade” possível, isto é, restringindo a participação política das classes trabalhadoras e de estratos da pequena burguesia ao ritual eleitoral, sob o influxo de negociações inter e intraelites.

20)   Nenhum caráter abertamente conflitivo frente ao grande capital nacional e internacional. Em meio à crise econômica derivada do refluxo das exportações, a presidente Dilma (PT) acenava para a agenda dos adversários conservadores, com apoio de Lula. Uma saída melancólica do governo, sem tensionar com a estrutura de poder, sem fazer qualquer apelo às camadas trabalhadoras e medianas. Sem qualquer medida de governo que oferecesse respostas à crise, pela via do atendimento das necessidades populares. Até hoje, aposta em algum milagre por cima, negociado.

Eis alguns traços muito esquemáticos da trajetória entrecruzada de Lula, seu partido e do Brasil das últimas décadas. Lula é um ator político complexo, ambíguo, controverso. Muito distante das costumeiras simplificações reducionistas, das avaliações unilaterais. Talvez consista na expressão mais saliente da solução de compromisso constitucional, hoje violada.

À esquerda do PT, particularmente entre os partidos que nasceram do seu desgarramento, as habituais denúncias de “traição” não convencem. Revelam muito mais as sofridas ilusões depositadas em Lula e no PT, por setores ditos socialistas que se desvincularam do PT. Como também o caráter colonizado, sobretudo eurocêntrico, das esquerdas brasileiras atuais.

Nos quadros de uma nação periférica, subdesenvolvida, convenhamos, um líder nascido da contraditória articulação entre questão social e apoio irrefletido ao capital estrangeiro, desde o início deveria indicar significativas limitações para as esperanças mudancistas. Talvez fosse a consciência política possível durante anos, entre as esquerdas, os movimentos sociais e sindicais. Deve, no entanto, urgentemente, ser superada. É ingenuidade.

Nos termos da tensão mais recente, ou a CLT ou a Fiesp (testa de ferro de multinacionais). Não há conciliação possível. Perdeu a CLT, “fascista”, como antigamente Lula e o petismo afirmavam. O grande capital, que visa o incremento da superexploração do trabalho, agradece.

A ruptura institucional em vigor, com o golpismo galopante, representa aguda guerra de classes imprimida pelas burguesias doméstica e forânea. A visão e a esperança mítica do petismo, em nossos dias, em torno da “salvação” nacional por meio de uma hipotética eleição presidencial de Lula, são componentes, no mínimo, questionáveis e ilusórios.

A habilidade negociadora do ex-presidente de nada serve no atual cenário. Ao menos, não para responder aos desafios da intensificação da dependência, de um neocolonialismo atroz, impostos pela agenda reacionária do bloco golpista.

O Brasil corre o sério risco de desintegração territorial, de alienação absoluta de qualquer laivo de soberania. E as burguesias associadas, de fora e de dentro da Nação, já demonstraram que esse é o seu projeto. A crise capitalista internacional, há alguns anos, em especial exemplificada pela atuação da “polícia” no mundo – os EUA –, responde, como alternativa, à violação sistemática do princípio da autodeterminação dos povos. Soberanias nacionais no Terceiro Mundo agredidas – com recursos hard ou soft –, almejando a expansão dos processos de mercantilização/comoditização. Absolutamente de tudo.

Por outro lado, as frações menores do capital nacional, setores da média e pequena burguesia, que tanto demonizam o ex-presidente, irrefletidamente jogam para escanteio o único líder que, mantendo os contornos do capitalismo periférico, atenderia aos seus interesses. Romper com as amarras do subdesenvolvimento, então, isso seria pedir muito a esses estratos de classe. Ciosos demais em garantir privilégios mesquinhos e portadores de um ultrajante colonialismo mental americanófilo. Servos voluntários do império.

Isso posto, na atualidade, a questão não é saber se Lula é “demônio” ou “salvador”. Não é uma coisa, nem outra. É saber se ele será completamente descartado pelo sistema em um avassalador processo neocolonizador, em que não há espaço para Lula, ou se será reincorporado, via solução de compromisso que mantenha a agenda neoconservadora prevalecente, com pequena atenuação, para resgatar um fiapo de credibilidade ao moribundo sistema político, institucional e econômico em processo de reconfiguração. Para pior.

Nesse caso, tenderia a exercer o papel de uma espécie de Perón dos anos 1970. Sem força, nem energia. Subjugado e rendido integralmente ao sistema. Por isso, entendo que o ex-presidente Lula e o seu partido já cumpriram os seus papeis históricos.

Para o Povo Brasileiro a única saída é organizar-se, formular e repercutir uma agenda antissistêmica, que vá além das linhas do subdesenvolvimento e do capitalismo dependente e periférico. Trata-se de uma luta de média e longa duração.

No momento, como ficou bastante evidente na fácil supressão das conquistas trabalhistas históricas, os agentes da mudança não apareceram. Mesmo a capacidade de resistência popular encontra-se frágil. Anos a fio de amplo apassivamento e desmobilização – sobretudo das centrais sindicais – não são superados em um estalar de dedos.

Ademais, os dilatados e a cada dia crescentes subemprego e desemprego, além de um sistema individualista e neoliberal de crenças, diuturnamente veiculado nos meios de comunicação, têm corroído duas matérias-primas centrais para as esquerdas, os movimentos sociais e a defesa dos interesses nacionais e populares: a solidariedade e a cooperação. Sem elas, não há mudança plausível. A emergência de alternativas e dos sujeitos da mudança irá requerer paciência, organização, mobilização, tempo e, em elevada medida, descolonização mental.

Roberto Bitencourt da Silva – cientista político e historiador.  
GGN

sábado, 8 de julho de 2017

Lava jato: desmonte como autoproteção, por Marcelo Auler

O diretor-geral do DPF, Leandro Daiello, que ganhou o manto protetor costurado pela Força Tarefa da Lava Jato, agora faz o desmonte da mesma até para evitar punições.
Só os mais ingênuos é que estranharam o anúncio feito pelo Departamento de Polícia Federal (DPF) do desmonte do que restou da Força tarefa da Lava Jato na Superintendência Regional do DPF no Paraná (SR/DPF/PR). O desmonte, por um governo golpista repleto de investigados não só da Lava Jato, mas de outras operações policiais, era mais do que esperado. Lembremos que todos os que defenderam e lutaram pelo golpe que derrubou a presidente legitimamente eleita, Dilma Rousseff, entre outras causas para retirá-la alegavam que ela faria isso. Em 30 de maio de 2016, quando Eugenio Aragão assumiu o ministério da Justiça, na postagem Fantástico: Michel Temer coloca a raposa para cuidar do galinheiro, chegamos a republicar um trecho do artigo de Miriam Leitão com este tipo de acusação, oportunidade que a rebatemos:

“Minha colega e ex-chefe, Miriam Leitão, por exemplo, escreveu a coluna “O homem amigo“, em O Globo, acusando o então novo ministro de “buscar um pretexto para intervir na equipe da Lava-Jato. Mesmo sem ter tido sequer cheiro de vazamento, ele continuou. Circulam rumores de que ele tem uma lista das cabeças que cortará. O “Valor” ontem falou de duas dessas cabeças: Rosalvo Ferreira, superintendente da Polícia Federal no Paraná, e Igor Romário de Paula, diretor de combate ao crime organizado no Paraná. Além, claro, do diretor-geral da Polícia Federal, Leandro Daiello”.

O que as pessoas não percebem, mas é comentário solto no DPF em Brasília, é que o desmonte da Força Tarefa tem outros objetivos além de arrefecer as investigações no momento em que elas resvalam e tendem a descambar em “não Petistas”, o alvo maior da chamada República de Curitiba. Em sua coluna neste sábado (07/07) na Folha de S. Paulo, André Singer toca nesse ponto:

“E o que desejam os parlamentares, entre eles o próprio Maia, um investigado? Que a Lava Jato pare. Desde esse ponto de vista, não poderia ser mais conveniente a informação, também em todos os jornais, de que a Polícia Federal encerrou as atividades do grupo dedicado à operação em Curitiba. Convém lembrar, igualmente, que diversos processos foram tirados do juiz Sergio Moro nas últimas semanas.

Em outras palavras, pela primeira vez há sinais de arrefecimento do núcleo paranaense que lidera as investigações desde 2014, o que deve soar como música aos ouvidos dos congressistas”.

Leandro Daiello, o diretor-geral cujo futuro é desconhecido, ao desmantelar o grupo, na verdade tem um segundo – principal??? – objetivo: protegê-lo e proteger a si mesmo. Quer dificultar ao máximo que alguém – a nova Procuradora-geral da República, Raquel Dodge, por exemplo, que seria adepta de o MPF exercer mais fortemente o controle externo das atividades policiais  – caia na tentação de apurar as muitas irregularidades cometidas em nome do combate à corrupção.

Tais ilegalidades, na verdade, aconteceram com o objetivo maior de caça aos petistas, com a tentativa de acobertamento dos erros e crimes de tucanos, peemedebistas e de políticos de outros partidos, como o possível presidente interino, Rodrigo Maia (DEM-RJ).

Tanto o desmonte, como a não apuração – para evitar punição e, quem sabe, questionamentos e anulações em tribunais superiores de muito do que se fez – já ocorrem há algum tempo. A equipe da Força Tarefa começou a ser desfeita com a transferência de duas cabeças do grupo dentro da SR/DPF/PR: a delegada Érika Mialik, que em dezembro foi “promovida” e transferida para Santa Catarina; e Marcio Adriano Ancelmo, em fevereiro empossado como Corregedor do DPF do Espírito Santo, apesar das muitas suspeitas de, no mínimo, irregularidades que cometeu.

A “proteção” vem sendo armada na medida do possível. Um exemplo é o caso da  delegada Daniele Gossenheimer Rodrigues, chefe do Núcleo de Inteligência Policial (NIP), que respondeu a um Processo Administrativo Disciplinar (PAD) após uma sindicância refeita confirmar que ela ordenou a instalação de um grampo no fumódromo da Superintendência, sem autorização judicial. Queria bisbilhotar  quem criticava o trabalho da Força Tarefa, comandada por seu marido Igor de Paulo Romário, coordenador da Delegacia Regional do Combate ao Crime Organizado (DRCOR).

Porém, mesmo sendo considerada culpada de um suposto crime, sua punição limitou-se a uma “suspensão” que não gerou nem mesmo a perda do cargo de chefia, tal como narramos em: Para o DPF, grampo ilegal na Superintendência do PR é transgressão disciplinar.

GGN

quinta-feira, 6 de julho de 2017

PF deixa a força-tarefa de Curitiba

A Polícia Federal confirmou, nesta quinta (6), que encerrou o grupo exclusivo que atuava em Curitiba por conta da Operação Lava Jato. Em nota, a direção da PF admitiu que os grupos de trabalho dedicados à Lava Jato e à Carne Fraca serão dissolvidos e passarão a integrar a Delegacia de Combate à Corrupção e Desvio de Verbas Públicas (Delecor).

A informação foi disseminada na imprensa após a revista Época antecipar o fim do GT e afirmar que procuradores de Curitiba avaliaram a medida como uma tentativa de "asfixiar" as investigações.

"Não há dúvida entre os investigadores de que a produção de provas em processos altamente relevantes – como os dos ex-presidentes Lula e Dilma Rousseff, entre dezenas de outros – será severamente prejudicada. O mesmo vale para novas frentes de investigação sigilosas, envolvendo, entre outros, operadores e políticos do PMDB e do PSDB. Diante da escassez de recursos e pessoal, novas fases da operação podem nem sequer ser deflagradas, de acordo com procuradores da República e uma fonte no GT da polícia. 'É uma asfixia', diz um dos investigadores", disse o portal da Revista.

Abaixo, a nota completa da PF:

1.   Tendo em vista que cada delegado do Grupo de Trabalho da Lava Jato possuía cerca de vinte inquéritos cada um, essa equipe, juntamente com o Grupo de Trabalho da Operação Carne Fraca, passou a integrar a Delegacia de Combate à Corrupção e Desvio de Verbas Públicas (DELECOR);
2.   A medida visa priorizar ainda mais as investigações de maior potencial de dano ao erário, uma vez que permite o aumento do efetivo especializado no combate à corrupção e lavagem de dinheiro e facilita o intercâmbio de informações;

3.   Com a nova sistemática de trabalho, nenhum dos delegados atuantes na Lava Jato terá aumento de carga de trabalho, mas, ao contrário, ela será reduzida em função da incorporação de novas autoridades policiais;

4.   O número de policiais dedicados a essas investigações chega a 70;

5.   A iniciativa da integração coube ao Delegado Regional de Combate ao Crime Organizado do Paraná, delegado Igor Romário de Paula, coordenador da Operação Lava Jato no estado, e foi corroborada pelo Superintendente Regional, delegado Rosalvo Franco;

6.   O modelo é o mesmo adotado nas demais superintendências da PF com resultados altamente satisfatórios, como são exemplos as operações oriundas da Lava Jato deflagradas pelas unidades do Rio de Janeiro, Distrito Federal e São Paulo, entre outros;

7.   Também foi firmado o apoio de policiais da Superintendência do Espírito Santo, incluindo os delegados Márcio Anselmo e Luciano Flores, ex-integrantes da Operação Lava Jato;

8.   O atual efetivo na Superintendência Regional no Paraná está adequado à demanda e será reforçado em caso de necessidade;

9.   Conforme nota divulgada no dia 21/05/2017, deve-se ressaltar que as investigações decorrentes da Operação Lava Jato não se concentram somente em Curitiba, mas compreendem o Distrito Federal e outros dezesseis estados;

10.  Desde o início, a Polícia Federal, de forma republicana e sem partidarismos, trabalha arduamente para o êxito das investigações, garantindo toda a estrutura e logística necessária para o esclarecimento dos crimes investigados.

GGN

quarta-feira, 5 de julho de 2017

Entendendo como Moro mantém Vaccari preso em Curitiba

A sentença proferida pelo desembargador João Gebran Neto contra a liberdade imediata de João Vaccari Neto, nesta quarta (5), resume a bola de neve criada pela Lava Jato para manter o ex-tesoureiro em Curitiba.

Em suma, para impedir que Vaccari recorra de suas condenações em liberdade, Moro usa o passado criminoso de outros delatores e os múltiplos processos contra o petista que seguem em andamento.

O imbróglio para que a absolvição de Vaccari no TRF-4 tenha força para derrubar a prisão preventiva passa pelas decisões tomadas por Moro entre a primeira sentença, dada em setembro de 2015, e a sentença de outro processo, este envolvendo o marqueteiro e delator João Santana, de fevereiro de 2017.

A PRIMEIRA SENTENÇA

O processo que o TRF-4 entendeu como condenação sem provas foi o mesmo que fez Vaccari ser preso, em abril de 2015, sob acusação de ter operado pagamento de propina ao PT (pouco mais de R$ 4 milhões).

Moro usou 5 delações para condenar o petista, em setebro de 2015.

Os empresário Augusto Mendonça (que ganhou "regime aberto diferenciado") e Eduardo Leite (que sequer foi denunciado nessa ação) só precisaram dizer que Vaccari pediu a eles, pessoalmente, doações ao PT por causa dos contratos de suas empresas com a Petrobras.

Os ex-diretores Paulo Roberto Costa (absolvido) e Pedro Barusco (regime aberto) alegaram que Vaccari conhecia o esquema na estatal e operava ao partido.

Alberto Youssef (cuja condenação foi suspensa por Moro) contou que entregou dinheiro vivo, a pedido da OAS, em um endereço que corresponderia ao da cunhada de Vaccari.

A defesa, à época, alegou que as delações não tinham provas documentais e que a devassa na vida de Vaccari havia demonstrado que ele não enriqueceu com desvios na Petrobras. Moro supervalorizou as delações e o condenou a 10 anos em regime fechado.

Vaccari, ao contrário de seus 5 delatores, está preso há mais de 2 anos.

A justificativa de Moro para impedir que Vaccari pudesse recorrer da sentença fora da prisão foram duas: (1) outros réus da Lava Jato usaram a liberdade para esconder dinheiro no exterior ou obstruir a Justiça, a exemplo de Renato Duque e Pedro Barusco. Só que o juiz não informou o que Vaccari teria a esconder e em qual conta secreta, já que os procuradores não encontraram nenhuma. O motivo 2 foram outros processos envolvendo o petista, em andamento.

"(...) a preventiva [é] um remédio amargo, mas necessário, para proteger a ordem pública e resguardar a aplicação da lei penal", disse Moro.

Pouco antes da sentença sair, Vaccari tentou aguardar o julgamento em liberdade. Mas o desembargador João Gebran Neto negou o pedido.

Só agora o TRF-4, por 2 votos a 1, advertiu Moro pelo uso de delações sem provas e derrubou a sentença contra Vaccari. Apenas João Gebran Neto - que hoje nega monocraticamente a liberdade imediata do ex-tesoureiro - foi a favor da sentença de Moro.

A SEGUNDA SENTENÇA

Se na primeira sentença, Moro usou 5 delações contra Vaccari, numa segunda, que saiu em fevereiro de 2017, ele usou 9.

Nesse processo, os delatores (também corréus) apontaram que Vaccari era quem procurava as empresas para receber doações oficiais ao PT e, quando os pagamentos não eram registrados à Justiça Eleitoral, o então tesoureiro indicava a forma como deveriam ser feitos.

Foi o que Mônica Moura, esposa de João Santana, e Zwi Scornick, operador do Grupo Keppel, alegaram que aconteceu após a descoberta de 4,5 milhões de dólares depositados para o casal no exterior.

Moro repetiu a dose: usou provas documentais de que parte das delações era verdadeira (afinal, o casal e Scornick tiveram de admitir as contas secretas para fechar o acordo) para valorar tudo o que foi dito pelos réus colaboradores. Inclusive contra Vaccari, ainda que as imputações a ele não tenham sido feitas com provas documentais.

No final, para impedir que Vaccari também pudesse recorrer dessa decisão em liberdade, Moro decidiu usar os argumentos da primeira sentença, estender a ação cautelar e, de novo, lembrar que o petista é investigado em outros processos.

"Considerando que a nova condenação confirma o papel central de João Vaccari Neto no esquema criminoso da Petrobrás e a prática habitual por ele de crimes de corrupção e lavagem, com danos até mesmo à integridade de uma campanha presidencial, estendo a prisão preventiva decretada na decisão de 13/04/2015, evento 8, do processo 5012323-27.2015.404.7000, a este feito, remetendo também aos demais fundamentos ali expostos. Assim e com base no art. 387, §1º, do CPP, João Vaccari Neto não poderá apelar em liberdade. Expeça a Secretaria novo mandado de prisão preventiva, com relação a este feito. Concomitantemente, expeça-se guia de execução provisória desta condenação, a fim de permitir, com a unificação da condenação na ação penal 5012331-04.2015.4.04.7000, que o condenado possa fruir dos benefícios do progressivo cumprimento das penas."

O que a defesa questiona é que, na canetada, Moro criou uma bola de neve não muito sólida, tendo em vista que ele usou a primeira sentença como um agravante da segunda, dizendo que ela "confirma o papel central" de Vaccari como operador de propina ao PT. Como esse argumento fica em pé se o TRF-4 entendeu não haver provas de participação de Vaccari no petrolão, para além de réus interessados em delatar e receber benefícios? Para piorar, a defesa confia em mais vitórias no TRF-4 pois Moro teria condenado Vaccari mais vezes apenas com base em delações.

Rebatendo a defesa de Vaccari, Moro alegou que o petista ficará preso por mais motivos que excedem os que levaram a sua primeira condenação. Gebran Neto concorda. E até que o colegiado da 8ª Turma do TRF-4 analise o recurso de Vaccari, assim será.

GGN 

terça-feira, 4 de julho de 2017

Lava jato também distorce domínio do fato para condenar Lula, diz especialista, por Cíntia Alves

Segundo Rogério Dultra, o domínio do fato será utilizado "como fundamentação retórica para dizer que embora não se tenha prova contra Lula, como ele era presidente, ele deveria saber o que estava acontecendo. Da mesma forma que alguns ministros do Supremo argumentaram no Mensalão".
Imagem: Blog do Esmael

Jornal GGN - Assim como ocorreu na ação penal 470, mais conhecida como Mensalão, a Lava Jato em Curitiba também deve usar a teoria do domínio do fato de uma maneira distorcida e criticada até por seu próprio autor, o jurista alemão Claus Roxin.

Em entrevista ao GGN, Rogério Dultra, doutor em Ciência Política e professor de Direito da Universidade Federal Fluminense, avaliou que os procuradores liderados por Deltan Dallagnol e o juiz Sergio Moro - auxiliar de Rosa Weber no Mensalão - compartilham de uma "base intelectual que inova no processo penal brasileiro".

Essa base, explicou Dultra, "orienta o Ministério Público Federal a justificar a falta de provas sobre a participação de Lula e outros nos crimes apontados. Especialmente a ideia de que Lula seria o chefe de organização criminosa, ela só pode ser levada a sério se você cria uma teoria que atribui a responsabilidade sem a existência de comprovação fática."

Segundo Dultra, o domínio do fato será empregado "como fundamentação retórica para dizer que embora não se tenha prova contra Lula, como ele era presidente, ele deveria saber o que estava acontecendo. Da mesma forma que alguns ministros do Supremo argumentaram no Mensalão."

Na segunda (3), o Estadão publicou que "interlocutores" de Moro acreditam que ele vai condenar Lula invocando a teoria do domínio do fato. A reportagem foi feita após o magistrado ver a condenação que impôs a João Vaccari Neto ser derrubada pelo Tribunal Regional Federal da 4ª Região, sob a alegação de que as cinco delações usadas contra o petista não tinham provas correspondentes.

Nas alegações finais do caso triplex, a turma de Dallagnol também admite que provas documentais da participação de Lula no esquema na Petrobras não foram encontradas - embora tenha atribuído a ele o comando da organização criminosa pelo simples fato de que cabia ao governo distribuir os cargos na estatal.

Durante o julgamento, Moro deu sinais de que se importa com essa linha de raciocício ao perguntar a Lula se ele não se sentia responsável pelos desvios na Petrobras, uma vez que avalizou o nome dos diretores indicados pelos partidos políticos.

Para Rogério Dultra, é questionável que a Lava Jato não só lance mão de teorias na tentativa de justificar a precariedade da persecução penal, como também dê outro sentido a elas. É o que "fazem com a do domínio do fato, que foi relativizada por Dallagnol."

"Ela tem sido trabalhada como teoria do domínio do fato em virtude do domínio da organização, enquanto o teórico alemão Claus Roxin trabalha expressamente com a ideia de domínio da vontade, domínio da autoridade e domínio funcional - ou seja, o sujeito não precisa realizar a ação, mas precisa dominar a vontade de quem realiza a ação. Na Lava Jato, essa teoria ela é totalmente relativizada", disparou o especialista.

Dultra lembrou que muito se discutiu, depois, sobre "a má utilização da teoria do Claus Roxin e como isso foi prejudicial ao processo penal, para o direito de defesa, presunção de inocência. Isso dito pelo próprio Claus Roxin à época do Mensalão."

Da mesma forma, Dallagnol importou uma segunda teoria para explicar a falta de provas, a da abdução, de seu orientador em Harvard, o professor Scott Brewer. A tese que derivou do pensamento filosófico de Charles Peirce, na visão de Dultra, tem "problemas na raiz".

"Brewer usou isso [a teoria] para dizer que é possível transformar imaginação em fato consumado [e condenar alguém com base em hipóteses, não fatos], e Dallagnol reproduz isso aqui de forma muito temerária, dada a tradição do processo penal brasileiro que, embora seja autoritária, não é esdrúxula nem relativista a esse ponto."


GGN

sábado, 1 de julho de 2017

Cesare Beccaria, Lula e a presunção da inocência, por Eduardo José Santos Borges para o GGN

Os historiadores do período Moderno (entre os quais eu me incluo), fase tradicionalmente intercalada entre os séculos XVI e XVIII, tendem a caracterizar esse período histórico como o formador do pensamento contemporâneo. Homens como Voltaire, Maquiavel, Rousseau, Montesquieu, Montaigne, Hume, Hobbes e Cesare Beccaria, nos ajudaram cada um à sua maneira, entender as dinâmicas das sociedades e os passos dados pela humanidade na construção de um mundo melhor para se conviver. Esses homens nos ofereceram o Estado e algumas de suas principais instituições e formas de organização, mas também nos alertaram sobre as possíveis consequências decorrentes do mau uso destes instrumentos de poder.

Fiz essa introdução básica, apenas para criar um ambiente em torno do que pretendo escrever nos parágrafos que se seguem. A temática é o tão decantado processo contra o ex-presidente Lula e, mais recentemente, as alegações finais produzidas pelo ministério público. Diante da peça acusatória, emerge um tema que se impõe de maneira natural, a presunção de inocência. Na produção dos argumentos que se seguem irei recorrer, em determinados momentos, à companhia de um grande mestre do período moderno, o italiano Cesare Beccaria.

Para quem não conhece Cesare Bonesana, depois marquês de Beccaria, tratou-se de um grande pensador do Direito do século XVIII. Sua obra Dos Delitos e das Penas é uma interpretação filosófica da prática do Direito. O texto de Beccaria é um libelo pela liberdade, contra a acusação injusta, contra as penas infamantes e, principalmente, pelo uso da razão e da consciência na interpretação das leis.

De volta ao tema, o processo do Ministério Público contra Lula é por demais conhecido e dispensa maiores detalhes. Desde que foi feito a denúncia contra Lula, em 2016, o processo vem se arrastando e ganhando contornos kafkianos. No decorrer do processo os polos foram sendo definidos, de um lado, o ex-presidente e sua banca de advogados, e do outro, o doutor Deltan Dallagnol, os outros membros da força tarefa da Lava Jato e o juiz Sergio Moro. À primeira vista, se alguém estiver chegando recentemente de Marte, deve estar confuso diante da informação de que o Juiz está ao lado de um dos litigantes, afinal, pressupõe-se que cabe ao juiz o lugar de arbitro, ou seja, de quem esteja acima do conflito e sem envolvimento com um dos lados.

Se esse mesmo turista, que chegou recentemente de uma longa viagem por Marte, estiver achando que estamos sendo leviano com o magistrado vip de Curitiba, vamos a alguns fatos que falam por eles mesmos. Em um levantamento básico na imprensa via site de busca, encontramos os seguintes exemplos da “magistratura morana” vamos a eles acompanhados de pequenos adendos analíticos: “prisão provisória de 3 anos”, acho que nesse caso existe um erro de semântica com a palavra provisório. “Condução coercitiva de investigado sob a alegação de que estava protegendo o investigado”, justificativa mais esdruxula, contraditória e inverossímil, impossível. 

“Televisionamento ao vivo de audiência sob sigilo legal”, enquadramento perfeito no demagogo discurso de prestação de conta à opinião pública. “Vazamentos de conversas sigilosas para redes de televisão”, repete-se a explicação anterior, com a ressalva da seletividade de vazamentos ou, indo no popular: para os amigos tudo, para os inimigos a lei. “Manifestação via redes sociais solicitando apoio da população à sua cruzada moralista”, eu sou do tempo em que discrição era o outro nome que se dava a um Juiz. E, finalmente, o mais absurdo de todos eles: “O próprio juiz se posiciona como chefe de força tarefa e de operação policial, ocupando o mesmo lado do acusador”, já não seria isso um clássico caso de antecipação de sentença?

Retornando ao processo kafkiano, digo, de Lula, vamos refletir um pouco sobre a grande peça teatral que ele se tornou. Já identificamos os atores envolvidos e a temática central da trama, falta, portanto, o desenrolar do roteiro. Desde a denúncia, um personagem tem se sobressaído ao buscar para si, insistentemente, os holofotes, refiro-me ao procurador Deltan Dallagnol. O que se espera do Ministério Público em um processo penal? Recorro a quem mais conhece, o promotor Marcio Berclaz apontou os caminhos. Dele se espera a abertura de uma acusação a partir de “critérios de tradição, coerência e integridade, e, ainda assim, paradoxal e contraditoriamente sempre aberto a revisar ou desconstruir a própria pretensão acusatória”¹. Mais à frente, diz o doutor Berclaz que cabe ao órgão e seus representantes, promover “justiça e não condenações estatísticas ou matemáticas”. Por mais que possamos entender que o Ministério Público, de certa forma, será sempre uma das partes de um processo, dele se espera o cumprimento do dever de maneira equilibrada, visando se aproximar ao máximo do que podemos entender como uma atuação neutra e baseado pelas evidências, de preferência irrefutáveis, que saiam sempre, em última instância,  exclusivamente das provas.

Como, entretanto, se comportou e se comporta o Ministério Público no processo contra o ex-presidente Lula? Vamos aos fatos. Acelerando os ponteiros do processo, pulando fase inicial de investigação, acusação e defesa, vamos ao famoso Power Point do doutor Dallagnol e sua pirotecnia escatológica. Sobre a apresentação, muito já se falou, e sobrou apenas a conclusão, já transformada em “clássico do Direito”, de que se não temos prova, temos convicção.

O Power Point do doutor Dallagnol é daqueles espetáculos que entram para a história como exemplos de como a democracia e o Estado de Direito podem ser manipulados a depender da motivação de quem o manipula. Em tempos de clichês, inevitavelmente temos que recorrer a um deles, o citado procurador empreendeu uma vigorosa “construção de narrativa”. Costumo dizer aos meus alunos que com um pouco de esforço consigo vincular em uma trajetória linear o romano Júlio Cesar ao inefável Donald Trump. Com um bom encadeamento de fatos é possível construir uma narrativa que até consiga a condenação do Papa Francisco.

Ao fazer uso do Power Point como instrumento argumentativo, o doutor Dallagnol adaptou-se perfeitamente ao que tem sido chamado criticamente de “cultura do Power Point”. Uma profusão de slides e de montagens de palavras chaves encobre a incapacidade do apresentador de ser detalhista nos argumentos, e cria a sensação, no espectador, de estar diante de algo cientificamente rigoroso e irrefutável. No fundo, são só jogos de palavras e imagens, que podem fazer sucesso nas orquestradas e previsíveis apresentações de auto ajuda, mas que é uma grande irresponsabilidade ética, quando utilizada em uma peça acusatória do campo jurídico.

Não satisfeito com o frágil e débil Power Point o doutor Dallagnol nos apresentou, em suas alegações finais, uma narrativa que seria cômica, não fosse tão trágica. Suas alegações finais contra o ex-presidente Lula, trataram-se, simplesmente, da tradução em texto, da frágil estrutura argumentativa do Power Point. Contudo, diferente da linguagem do Power Point, o texto escrito exige um pouco mais em termos de detalhamento argumentativo, o procurador manteve a essência da “temos convicção, ainda que as provas sejam frágeis”, mas teve que fazer um esforço hercúleo para justificar suas mais de trezentas páginas. Vejamos o que nos diz o citado documento produzido pelo Ministério Público.

No capítulo identificado como “Pressupostos Teóricos”, o doutor Dallagnol pretendeu embasar teoricamente sua tese. Pareceu querer demonstrar que ele é muito mais do que um simples calouro que disfarça seu nervosismo e pouco domínio do assunto, se escondendo atrás de um Power Point. Mas o digníssimo procurador, não vai além dos argumentos de um quase formando que precisa impressionar a banca. Principia com um profundo desconhecimento de como funciona o presidencialismo de coalizão no Brasil, vejamos: “Nesse contexto, a distribuição, por LULA, de cargos para políticos e agremiações estava, em várias situações, associada a um esquema de desvio de dinheiro público e pagamento de vantagens indevidas. Trata-se de um complexo esquema criminoso praticado em variadas etapas e que envolveu diversas estruturas de poder, público e privado.”

Com esse argumento, o procurador condena não só Lula, mas todos os que estão exercendo cargo de executivo no país. A distribuição de cargos para aliados é prática comum em um sistema político que funciona sem construção de maiorias prévias e sem fidelidade programática. Não concordo com essa prática, acho que devemos mudar o sistema, mas vai uma grande distancia transformá-lo em argumento jurídico sem a devida prova do fato. Entretanto, Dallagnol não tem dúvida a atribuir essa prática no governo Lula como um “complexo esquema criminoso”. Nos governos municipais e estaduais, cuja prática também é realizada, imagino que o procurador acredite que todas aconteçam dentro do mais perfeito republicanismo.

Não satisfeito, diz o autor através do documento: “A análise dos fatos engloba a existência de um cartel que se relacionava de forma espúria com diretorias da maior estatal do país por mecanismo de corrupção que era praticado com elevado grau de sofisticação” Não adianta o procurador saber que os diversos delatores da Lava-Jato afirmaram que a corrupção da Petrobras antecede em muito o governo Lula. Não adianta o procurador saber que uma auditoria, feita pela KPMG, não identificou participação do ex-presidente Lula na corrupção da Petrobras. Isso pode até ser uma prova, mas não suficiente para abalar a convicção de Dallagnol.

Em outra página, o trecho mais perturbador, por ser o mais perigoso: “Se é extremamente importante a repressão aos chamados delitos de poder e se, simultaneamente, constituem crimes de difícil prova, o que se deve fazer? A solução mais razoável é reconhecer a dificuldade probatória e, tendo ela como pano de fundo, medir adequadamente o ônus da acusação, mantendo simultaneamente todas as garantias da defesa”. Veja a parte grifada, percebeu o perigo, Dallagnol admite a dificuldade das provas, não me restando alternativa que não seja recorrer ao maior jurista da história deste país, meu conterrâneo Rui Barbosa: “A acusação é sempre um infortúnio enquanto não verificada pela prova.” Portanto, na métrica do doutor Dallagnol, o  ônus da prova não é de quem acusa, pelo contrário, quem acusa, pode se dar ao luxo de acusar justamente pela dificuldade de se adquirir as provas. Acho que agora, aquele turista que esteve em Marte, está começando a entender as coisas.

Ainda sobre provas - é estranho, mas nesta peça acusatória do Ministério Público, provas é o que menos interessa – vamos ao século XVIII dar voz ao mestre Cesare Beccaria: “quando a força de várias provas depende da verdade de uma só, o número dessas provas nada acrescenta nem subtrai à probabilidade do fato: merecem pouca consideração, porque, destruindo a única prova que parece certa, derrubais todas as outras. Mas, quando as provas são independentes, isto é quando cada indício se prova à parte, quanto mais numerosos forem esses indícios, tanto mais provável será o delito, porque a falsidade de uma prova em nada influi sobre a certeza das restantes”². Traduzindo Beccaria, diríamos que o Ministério Público, não só não tem várias provas independentes contra Lula, como sua única “prova” - que se destruída derruba todas as outras – é simplesmente a admissão de ausência de provas.

Nas páginas que se seguem do documento, o procurador, para demonstrar conhecimento teórico e embasar suas teses, passa a citar uma série de autores e de exemplos em que todos tendem a  reconhecer que não há diferença de natureza entre prova direta e indireta. Esquece ele de que prova, é prova aqui e em qualquer lugar do mundo. É a vida de um ser humano que está em jogo, e, como acontece em um jogo de futebol, quando um pênalti precisa ser visto várias vezes para termos certeza de que foi pênalti, o olhar de condenação tem que ser condescendente com o árbitro.

No capítulo intitulado: “Modernas técnicas de análise de evidências”, o documento do Ministério Público recorre ao probabilismo, na vertente do bayesianismo, e o explanacionismo. Não tenho as credenciais intelectuais para analisar tais técnicas, mas indico o excelente e didático artigo do professor Lênio Streck, sobre o tema³. Antecipo uma precisa e lapidar assertiva de Lênio Streck sobre o tema em questão: “O agente do MPF nos deve accountability. Deve ser imparcial. Não pode dizer o que quer. Há uma estrutura externa que deve constranger a sua subjetividade. Essa estrutura é formada pela Constituição, as leis, as teorias da prova, as teorias sobre a verdade, enfim, há uma tradição acerca do que são garantias processuais.” O doutor Dallagnol e sua trupe desconhecem o que significa “constranger a sua subjetividade”, em outras palavras, falta-lhe a grandeza de perceber e submeter-se à outra frase mestra do Direito: o juiz é apenas aquele que erra por último.
  
Diante desse impasse metodológico e da completa falta de capacidade de se constranger, por parte do procurador, não podemos nos esquecer de que existe o outro polo do processo sofrendo, diretamente, o fundamentalismo moralista e cruzadista de alguns membros do Ministério Público. Ao outro polo, no caso o ex-presidente Lula, resta-lhe apegar-se à essência básica do Direito de que todos são inocentes até que se prove em contrário e apostar na objetividade da presunção de inocência.

Filha da Revolução Francesa, a presunção da inocência foi um avanço fundamental em termos de direitos humanos. De acordo com o artigo 9º da Declaração dos Direitos do Homem e dos Cidadãos, de 1789, “Todo o acusado se presume inocente até ser declarado culpado e, se se julgar indispensável prendê-lo, todo o rigor não necessário à guarda da sua pessoa, deverá ser severamente reprimido pela Lei”. Essa passou a ser a premissa básica que forjou as relações humanas nas sociedades contemporâneas. O cidadão é o centro do poder e para seu bem estar deve convergir as leis e os governos. Vejamos o que escreveu Beccaria sobre questão semelhante: “Sejam públicos os julgamentos; sejam-no também as provas do crime: e a opinião, que é talvez o único laço das sociedades, porá freio à violência e às paixões. O povo dirá: Não somos escravos, mas protegidos pelas leis.” Esse é o sentimento que deve permear um processo conduzido por um órgão como o Ministério Público, o réu deve sentir-se protegido pela lei, mas o que vemos é a lei sendo usada pelo agente público para constranger o réu.

A forma como vem sendo conduzido o processo do ex-presidente Lula fica evidente o permanente flerte com a politização da justiça. Em tempos de redes sociais com seus “juízes” de plantão sempre prontos a julgar e condenar a partir do mais simplório argumento, o doutor Dallagnol, com seu Power Point, virou a estrela do espetáculo. O ex-ministro da Justiça, Eugênio Aragão, foi de uma felicidade sutil e precisa ao afirmar que “lugar de procurador não é em púlpito de Igreja, palco de show ou em congressos para se vangloriar de seus feitos”.

Utilizar probabilidades e algoritmos para decidir sobre a liberdade de um cidadão é deixar a sociedade a mercê de interpretações jurídicas demasiado abertas. O Direito deve ser exercido no limite entre a liberdade e a pena. Ao agente, operador do Direito, cabe  o bom senso de não se sentir acima do próprio Direito. Vejamos o que podemos aprender com Beccaria sobre as interpretações da lei: “O juiz deve fazer um silogismo perfeito. A maior deve ser a lei geral; a menor, a ação conforme ou não à lei; a consequência, a liberdade ou a pena. Se o juiz for constrangido a fazer um raciocínio a mais, ou se o fizer por conta própria, tudo se torna incerto e obscuro.”

A forma instrumental e tendenciosa como vem sendo conduzido, pelo Ministério Público, o processo do ex-presidente Lula tem sido eivado de raciocínios incertos e obscuros. Defender maior lisura e neutralidade no julgamento do ex-presidente, não significa fechar os olhos para possíveis erros cometidos por um agente público eleito para governar de maneira correta e honesta.  Defender maior lisura e neutralidade no julgamento do ex-presidente Lula, é defender o respeito ao Estado de Direito e a própria democracia. É defender o avanço civilizatório da sociedade, fruto das lutas populares e das cabeças brilhantes dos grandes pensadores iluministas a exemplo do mestre Cesare Beccaria.

Eduardo José Santos Borges - Doutor em História Social – Professor de História Moderna da UNEB.
¹ http://justificando.cartacapital.com.br/2016/03/28/qual-e-o-lugar-do-ministerio-publico-no-processo-penal/
² http://livros01.livrosgratis.com.br/eb000015.pdf.
³ http://www.conjur.com.br/2017-jun-22/senso-incomum-exoticas-teorias-usadas-mpf-seriam-chumbadas-cnmp2

GGN

terça-feira, 27 de junho de 2017

Joaquim de Carvalho: Como Sergio Moro emparedou Teori e o STF para consolidar poder

Moro venceu a queda de braço com Teori e consolidou a Super Vara de Curitiba

Esta reportagem faz parte do nosso projeto de crowdfunding sobre a Lava Jato. Outras virão. Fique ligado.

A investigação que deu origem à Lava Jato começou em 2006, quando a Polícia Federal, autorizada por Sérgio Moro, investigava um caso de lavagem de dinheiro decorrente do processo do mensalão.

A PF interceptou ligação telefônica entre um assessor do então deputado José Janene e o advogado dele. O assessor, Roberto Brasiliano da Silva, o Braz, conversa com o advogado, Adolfo Gois, sobre um depoimento que iria prestar na Polícia.

O advogado diz que ele não deve ir à delegacia enquanto a defesa não tiver acesso aos demais depoimentos e documentos no inquérito.

— Nós temos o direito de ver os documentos, enquanto ele não der, não vai. Se ele ficar insistindo, nós vamos, só que eu vou meter um habeas corpus – diz o advogado, que se gaba de orientar toda a estratégia de defesa do chefe de Brasiliano, o deputado José Janene.

— Zé falou: “eu sigo o que você falar”.

E Brasiliano responde que todos no escritório de Janene ficaram desesperados com a pressão do delegado sobre as testemunhas:

— Vocês não vão, então some daqui que eu vou me virar – teria respondido Janene ao questionamento dos funcionários.

A PF grampeava Brasiliano em razão do uso de recursos oriundos do mensalão – pouco mais R$ 1 milhão na época –, que estariam sendo lavados através de investimento em uma empresa instalada no distrito industrial de Londrina, a Dunes.

Na interceptação, a PF descobriu que o doleiro Alberto Yousseff continuava operando para Janene, mas já não morava em Londrina, no Paraná. Ele estava com escritório e residência em São Paulo.

Yousseff era um velho conhecido de Moro. Alguns anos antes, ele o prendeu, no curso da investigação do escândalo do Banestado – o mega esquema de lavagem de dinheiro que funcionou nos anos de Fernando Henrique Cardoso na presidência.

Moro o soltou, depois de um acordo de colaboração, em que Yousseff entregou clientes para quem lavava dinheiro sujo e se comprometeu a não mais delinquir.

A investigação da PF mostrava que Yousseff não cumprira o acordo. Ainda assim, Moro o deixa em liberdade.

Na democracia, o Estado não investiga pessoas, mas crimes.

Só em 2014, oito anos depois, é que Yousseff vai para a cadeia, juntamente com onze pessoas, entre elas Paulo Roberto Costa, ex-diretor da Petrobras.
Àquela altura, a investigação já não tinha nada a ver com sua origem, a lavagem de dinheiro do mensalão.

A investigação envolvendo Brasiliano não avançou, mas Moro começou a determinar prisões em série quando, através de Yousseff, a Polícia Federal foi levada ao esquema de corrupção na Petrobras.

Era uma operação com nome fácil de memorizar, Lava Jato, e tinha atingido o coração de um antigo esquema de corrupção na estatal.

As prisões se sucederam até chegar a Lula, que em 2016 teve a casa revirada por agentes da Polícia Federal, foi conduzido à força para prestar depoimento no aeroporto de Congonhas e até celulares e tablets de seus netos foram apreendidos.

Uma imagem que define bem o que aconteceu nos mais de dez anos dessa investigação é a de Yousseff como um cachorrinho preso na coleira por Sérgio Moro.

Desde 2006, já havia crime em curso, mas Moro deixa Yousseff solto, como se estivesse convicto de que, através dele, seria levado para um alvo pré-determinado.

“Isso é ilegal, isso é um tribunal de exceção, foge aos mais elementares princípios da impessoalidade da Justiça”, diz o advogado Anderson Bezerra Lopes, que defende Paulo Okamotto, presidente do Instituto Lula.

Anderson fez parte da primeira equipe de advogados que defendeu Paulo Roberto Costa, a que conseguiu libertá-lo em maio de 2014, numa decisão do ministro Teori Zavascki, do Supremo Tribunal Federal.

A Lava Jato teria outro destino ali, não tivesse sido colocada em prática a estratégia de vazamentos seletivos e o uso da mídia como aliada de um tipo de justiça que tem alvos definidos.

Era uma noite de domingo, 18 de maio de 2014, quando Teori, analisando um pedido de habeas corpus feito pela defesa de Paulo Roberto Costa, assinou um mandato em que se mostra convencido de que a Lava Jato era uma operação ilegal.

Pela decisão que Teori tomou em 2014, constata-se que o processo deveria ter saído das mãos de Moro em 2006, quando as interceptações mostraram que havia um deputado federal, José Janene, envolvido na suposta prática de crime.

O destino natural, previsto em lei, era o Supremo Tribunal Federal, único tribunal competente para julgar autoridades com prerrogativa de foro.
Entretanto, Sérgio Moro não só reteve a investigação como, analisando suas decisões posteriores, ele passa a omitir o inquérito do Ministério Público Federal – quando ainda não era representando por Deltan Dallagnol e equipe.

Alegando sempre urgência nas decisões, Moro autoriza todas as quebras de sigilo solicitadas pela Polícia Federal, já comandada por Igor Romário de Paula, atual coordenador da Lava Jato.

O juiz toma suas decisões sem ouvir a procuradora que atuava em Curitiba. Algumas vezes, dá ciência posterior e, em pelo menos um caso, não atende às determinações do Ministério Público Federal.

Urgência em uma investigação que só teria as primeiras prisões e denúncias oito anos depois.

Teori tentou acabar com esse abuso em sua decisão de 18 de maio de 2014, ao determinar que a Lava Jato fosse enviada para o Supremo e os presos pela operação fossem colocados em liberdade.

Pela decisão de Teori, não seria o fim da Lava Jato, mas a investigação seria destinada ao que, pela lei, é definido como juiz natural dos casos.

É esse princípio que impede a Justiça de se tornar instrumento de perseguição.

Moro soltou Paulo Roberto e, ao mesmo tempo, a imprensa teve acesso a um ofício que mandou de volta a Teori Zavascki.

No texto, Moro pergunta se Teori quer mesmo que solte todos os presos, pois, alerta o juiz de Curitiba, entre eles está o traficante Reni Pereira da Silva, que também lavava dinheiro com Yousseff.

Veja online publicou a reportagem com o título: “STF manda soltar acusado de tráfico internacional de drogas”.

A repercussão foi grande.

Não dia seguinte, o Jornal Nacional, da Rede Globo, noticia que Teori havia voltado atrás.

“O ministro do Supremo Tribunal Federal Teori Zavascki voltou atrás e decidiu manter na cadeia onze presos da Operação Lava Jato”, diz Patrícia Poeta, na abertura do noticiário da TV Globo.
Moro teve na imprensa importante aliada no recuo de Teori

Paulo Roberto continuaria solto, mas os demais presos não sairiam da cadeia. E o processo continuaria nas mãos de Moro.

Na prática, Moro emparedou Teori e o Supremo Tribunal Federal, fazendo prevalecer a sua decisão.

Com isso, avançou na estratégia de se tornar responsável por uma Super Vara de Justiça ou, como dizem seus críticos, um tribunal de exceção, que, como tudo agora indica, sempre buscou destruir o PT e seus aliados.

DCM