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segunda-feira, 17 de julho de 2017

A parcialidade do judiciário desmoraliza princípios básicos do direito. Opinião do Luís Nassif

Conheça as razões que fazem com que a maioria dos casos de grande repercussão no país tenham condenações com foco político. 
Em todo inquérito penal existe uma margem de flexibilidade para o juiz decidir, ou seja, em cima de um conjunto de dados um juiz pode ter uma interpretação, outro juiz pode ter uma segunda interpretação. Dependendo da maneira que decidem é possível identificar os juízes em dois grupos, basicamente: os garantistas e os conservadores. Os garantistas são aqueles que prezam acima de tudo os direitos individuais, então o crime precisa ser muito bem comprovado para poder haver a punição, e a punição depende de um conjunto de alternativas que não são, necessariamente, a prisão. Confira a opinião de Nassif no vídeo abaixo:
Já os penalistas, conservadores, ou o nome que se dê, são os juízes que acham que precisam ser bastante severos mesmo contrariando a consistência das provas. Além desses dois perfis básicos, a tomada de decisão depende muito da influência do setor do judiciário onde o magistrado trabalha. Por exemplo, a Justiça Trabalhistas aceita mais os depoimentos testemunhais, já o direito penal, onde está inserida a Lava Jato, é extremamente severo com a produção de provas. Ou seja, em toda a ação penal você precisa identificar, claramente, o crime de cada agente com provas. 

Geralmente, no tráfico e roubo os juízes que atuam tendem a ser mais severos com as penas aplicadas. Mesmo assim, no tráfico, se não tiver tudo comprovado não tem punição. Porém, quando você chega no caso do ex-presidente Lula e lê a sentença do juiz Sérgio Moro em relação ao Triplex, não existem provas. 

Alguns argumentam que o juiz tem o direito de interpretar e ser convencido, como fizeram advogados que querem agradar o diabo dos jornais e deus do respeito ao direito. Entretanto, não existe no direito penal esse padrão de se provar convicção em cima de delações onde está mais do que comprovado que os procuradores induzem os delatores a mencionar Lula em qualquer hipótese, mesmo sem ter a prova. Esse quadro é uma exceção. Ao mesmo tempo, quando você pega esse tipo de abuso e tenta dividir por grupos políticos percebe que com o PSDB isso nunca acontece, diferente do PT, onde alguns dos seus membros, como o João Vacari Neto, foram condenados em cima de delações, sem provas. 

Por que, então, o outro lado político não sofre os mesmos abusos? No Supremo Tribunal Federal, onde estão os processos dos políticos, ou seja, do pessoal com foro privilegiado, como Aécio Neves, José Serra e Geraldo Alckmin, tem um problema sério que são os sorteios dos processos para os ministros. Teoricamente, esse sorteio é baseado em um algorítimo que faz o cálculo das probabilidades e entrega o processo para o ministro com menos ações no momento. 

Mas há uma suspeita muito pesada de que acima desse algorítimo tem uma gambiarra que permite a uma pessoa, sem o conhecimento das demais, imputar os nomes dos ministros que vão ser sorteados. Ou seja, tem um determinado processo e quero que caia com o ministro Gilmar Mendes, ou com Alexandre de Moraes, então coloco o nome deles especificamente. Essa é uma suspeita que está crescendo muito e vai exigir, em um certo momento, que a presidente do Supremo, a ministra Carmem Lúcia, faça uma auditoria no sistema porque é impossível, probabilisticamente, o que está ocorrendo. 


Vamos tirar a prova nos próximos dias, com o caso de José Serra sob quem foi aberto um inquérito que entrou no Supremo. Vamos esperar quem será o sorteado para receber essa ação. No Tribunal Superior Eleitoral, também a mesma coisa: nas horas críticas os processos caem sempre com o Gilmar Mendes. Em outros tribunais não temos certeza se as mesmas suspeitas podem ser aplicadas. No caso da Lava Jato, por exemplo, todas as ações contra o ex-presidente Lula caem com o Desembargador Gebran Neto que é amigo do Sérgio Moro, endossador das teses do juiz que coordena na Lava Jato. 

Essas suspeitas, sobretudo sobre o Supremo Tribunal Federal, de que pode haver manipulação dos sorteios, são baseadas em indícios veementes. Estamos falando da instituição mais relevante, daquela que defende a Constituição. Essa suspeita vai aumentar e vai chegar o momento em que vai ter que se abrir a caixa preta - o que é obrigatório por lei - para auditar o que está acontecendo.

Além dessa questão, temos ainda a própria posição política de advogados, juízes e desembargadores. Neste final de semana, por exemplo, comentei sobre um advogado que saiu na Folha escrevendo sobre a Lava Jato de uma forma horrorosa porque admitiu que a condenação de Lula foi feita sem provas, por outro lado argumentando que o juiz Moro se convenceu. Então, no texto, achamos que o advogado endossa a tese de Moro, mas no meio do artigo, mais escondido, ele coloca uma ressalva contrária ao entendimento do juiz de Curitiba. 

Outro exemplo é de Luís Francisco Carvalho Filho, um grande advogado, um penalista fantástico da melhor estirpe. Ele sabe que está tudo imoral na ação do Moro contra o Lula. Ele diz que tem certeza que Lula não enriqueceu ilicitamente, por outro lado, acredita que o ex-presidente se beneficiou da amizade com os empreiteiros. Então, ele justifica que a saída de Moro é investir na sentença, já que não pode admitir os erros da falta de provas. Apesar de ser um grande cara, o Chico erra porque se o sujeito recebeu benefícios mínimos de uma empreiteira, é certo ele ser condenado como um corrupto? E, ainda, é certo condenar ele por reagir contra essa acusação? Não tem lógica defender isso, Luis Francisco! Você precisa pegar a sua função de grande penalista e fazer uma análise crítica real do que está acontecendo.

Então, até que ponto vai persistir esse engodo em relação ao judiciário? Até que ponto que um tribunal, que nem o TRF-4, vai endossar essa barbaridade, que declarou o Ministro Luis Roberto Barroso, de que estamos em um estado de exceção para combater a corrupção? Isso é uma desmoralização do direito. Os senhores são juízes, desembargadores, ministros, pessoas que devotam a vida a uma causa e, de repente, vão atropelar a causa por uma questão político-partidária? 

Esse será o grande desafio daqui em diante. Acho que as reações contra esse abuso dessa ação do Triplex vão crescer. Tivemos essa incoerência em outros momentos, como no próprio mensalão. Ali você teve tantos abusos que o próprio Ives Gandra Martins se manifestou contra. Na época o foco da ação era José Dirceu, que já estava fora do combate do jogo político, mas agora Ives não irá se manifestar, porque estamos falando de Lula, que ainda está dentro do jogo. 

Se você desmoraliza os princípios básicos do direito, para quê tribunais, não é mesmo? Isso aí é o estado de exceção, efetivamente, é a zorra. Agora, tanto no mensalão, onde começou esse jogo, quanto nessa última ação da Lava Jato, temos o papel direto do Ministério Público Federal, não apenas do ex-procurador geral, Rodrigo Janot, como também do seu antecessor Antonio Fernando de Souza, e Joaquim Barbosa, ex-presidente do Supremo, e egresso do MPF. Isso traz para a linha de frente, daqui em diante quando se voltar a normalidade, uma discussão séria sobre todas as distorções que acometeu o Ministério Público, principalmente quando tinham pela frente governantes sem nenhuma noção de exercício no poder. 

Então vamos ver até que ponto esse jogo de cena vai continuar. 

 GGN

sábado, 15 de julho de 2017

Roberto Bitencourt da Silva: A trajetória do ex-presidente Lula e os dilemas e desafios do Brasil

Foto Stringer/Reuters

A condenação judicial do ex-presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, representa um novo e grave capítulo do movimento golpista empresarial-midiático-judicial, que destituiu ilegitimamente uma presidente eleita e rasgou a Constituição de 1988.

No momento, as consequências imediatas ao ex-presidente não ultrapassam os limites do aborrecimento e da vexação persecutória. Para o sistema político e demais círculos da institucionalidade brasileira, delineados na transição da ditadura à democracia representativa e normatizados na Carta Constitucional de 1988, os efeitos potenciais beiram a pá de cal.

As atitudes em resposta à arbitrária decisão do Judiciário foram heterogêneas, envolvendo amplíssimo leque de opiniões e predisposições políticas no País. Marcadas tanto por comemorações deliberadas, cínicas e irrefletidas, quanto por gestos de solidariedade a Lula. Em relação aos últimos, manifestações atravessadas por exaltações acríticas, como também por ponderações que não deixavam de lastimar as suas opções políticas.

Nesse sentido, considero que tende a imperar nas avaliações sobre o ex-presidente um misto de satanização, mistificação e ilusão, infrutíferos à compreensão da relevância histórica e política de Lula. Igualmente, tendentes a obscurecer as suas acentuadas limitações.

Em primeiro lugar, vale chamar a atenção para o fato de que a reflexão política e histórica apoiada exclusivamente no comportamento e nas escolhas de um indivíduo tem nula capacidade explicativa. O contexto que enreda o sujeito, sua formação política e suas redes simbólicas e materiais de sociabilidade, tem grande peso na ação individual.

Lula tem quase 40 anos de atividade política exercida no centro da cena nacional. O ex-presidente não deixa de constituir um amálgama de diferentes tempos, lutas sociais, expectativas e cosmovisões políticas brasileiras, também influenciadas pelos distintos panoramas internacionais.

Como líder carismático que é, a trajetória de Lula tem sido caracterizada como a de um depositário de esperanças, anseios e vicissitudes dos seus seguidores. A sua força ou fraqueza, lembraria a teoria sociológica de Max Weber, é, em boa medida, expressão dos atributos e predicados daqueles que investem em Lula a capa do carisma.

Tomando como premissa a feliz expressão utilizada para intitular a cinebiografia do ex-presidente (dirigida por Fábio Barreto), “Lula, o filho do Brasil”, destaco abaixo alguns traços da longa trajetória política de Lula, com vistas a assinalar algumas congruências, características, dilemas e limitações que entrecruza(ra)m o personagem e o País.

1)      Lula entrou no cenário nacional a partir da liderança sindical desempenhada na São Paulo das multinacionais. Um estado que alcançou hegemonia cultural, política e econômica no País, após o golpe de 1964.

2)      Era integrante de uma aristocracia operária. O capital estrangeiro concebido como variável importante para a geração de oportunidades de ascensão social dos trabalhadores. Nenhuma problematização acerca do perfil de atuação dos chamados investimentos externos na economia brasileira. A ditadura promoveu o ambiente ideológico entreguista favorável a tal percepção, precisamente por expurgar os nacionalistas do pré-1964, na seara partidária e nos movimentos sociais.

3)      Esse é um elemento decisivo do DNA político de Lula. Atravessa toda a sua trajetória. O filme de Leon Hirszman (“ABC da greve”, 1979) é muito ilustrativo. Não apenas demonstra a capacidade retórica e política de um tremendo galvanizador de vontades. Expressa também uma veia corporativista, de quem estava integrado ao sistema, na sua margem esquerda, sindical: o resultado das negociações com integrantes da Fiesp e do governo civil-militar foi a elevação dos salários dos metalúrgicos, mas assentada na determinação de reduções tributárias às empresas do setor.

4)      Nesse período de abertura, ao mesmo tempo em que Lula encontrava-se submetido à vigilância dos aparatos de poder, possuía espaço na grande imprensa para posicionar-se de maneira messiânica como líder da classe trabalhadora.

5)      Para o regozijo da Fiesp, das multinacionais, da burguesia doméstica e de muitos intelectuais uspianos, motivado por razões diferentes, a grande imprensa igualmente reservava espaço para Lula tecer considerações como a que segue: “A CLT é fruto do fascismo de Getúlio Vargas”. Pouco importava se a longa ditadura, então em erosão, havia sido instalada exatamente para silenciar os herdeiros políticos de Vargas.

6)      Uma teoria sociológica bastante influente, produzida na USP e operacionalizada por meio do uso de uma vaga e controversa categoria interpretativa – o populismo –, contribuiu para a criação da ambiência de ideias que permitiu construir notória legitimidade ao partido nascente de Lula. Denotando claro sabor europeizante, identificava na classe operária industrial o agente portador das mudanças sociais no País. Com efeito, Lula era símbolo maior. Mas, não importava se essa indústria era transplantada de fora. A questão nacional escanteada.

7)      No curso da década de 1980, a CUT e o PT participaram ativamente da organização e da mobilização de amplas frações da classe trabalhadora e da pequena burguesia, na cidade e no campo. Com isso, ofereceram importante contribuição para a reverberação e a introdução de direitos sociais na Constituição de 1988. Seguramente, Lula despontava como voz saliente nesse processo.

8)       Acompanhados de outros setores das esquerdas, especialmente do brizolismo, o PT e Lula deram grande colaboração na feitura de uma Constituição que ao menos buscasse compatibilizar, de maneira contraditória, os interesses e as aspirações dos de cima e de baixo da sociedade brasileira.

9)      Uma democracia enclausurada, nada afeita à participação popular nos processos decisórios, foi o fruto da correlação de forças políticas nesse período. Assegurando alguns direitos coletivos e sociais na carta magna e mantendo a CLT, contudo um pacto desigual e contraditório foi o resultado daquela correlação de forças.

10)   Direta ou indiretamente, em maior ou menor escala, todos os principais partidos políticos eram condicionados àquele ordenamento sistêmico. O PT não escapou à regra, como ficou bastante evidenciado posteriormente, nos anos de lulopragmatismo à frente do governo federal.

11)   O eleitoralismo foi prevalecendo, com a acomodação natural ao sistema político, à pauta midiática e aos contornos econômicos delimitados pela inserção subordinada, periférica e dependente do País na divisão internacional do trabalho.

12)   Especialmente no período de boom das exportações de bens primários – mais ou menos entre 2005 e 2012 –, o ex-presidente Lula foi alçado à posição de líder maior do sistema brasileiro capitalista subalterno e dependente. Expressão máxima, mais avançada, da conciliação de classes sustentada pela Constituição e da operacionalização de frutos econômicos nos marcos da dependência externa.

13)    Com isso, o grande capital nacional e internacional auferiu lucros extraordinários, sendo compatibilizados com a geração de empregos dotados de baixos salários e parca densidade educacional. O capitalismo periférico preservado, mas legitimado com oportunidades crescentes de trabalho assalariado e consumo popular.

14)   A fome, “retrato mais agudo do subdesenvolvimento”, como diria o bom e velho geógrafo Josué de Castro, combatida, entre outros, por intermédio de políticas oficiais de transferência de (pequenos) rendimentos. No interior sistêmico dos principais partidos, sobretudo Lula e o PT poderiam ter essa (tímida, mas importante) sensibilidade social.

15)   Grande respaldo popular de Lula no exterior, em particular na América Latina. Quem acompanhou o noticiário internacional e os posicionamentos de lideranças de nosso subcontinente pôde ter visto. Quem viajou até poucos anos atrás para alguns desses países, presenciou a imagem extremamente positiva de Lula entre nossos coirmãos.

16)   Um fenômeno que não era/é gratuito, em função da abertura da política externa brasileira ao Sul global, adotada por Lula e, um pouco menos, por Dilma, conferindo respaldo e credibilidade às ações de governos progressistas da região.

17)   Mesmo submetido aos parâmetros do capitalismo periférico e subordinado, o lulopragmatismo tentava de maneira “silenciosa” alternativas creditícias e comerciais ao centro capitalista: a participação na formação dos BRICS foi medida ousada, que pode(ria) incidir na correlação de forças internacionais. Especialmente deslocar o peso do FMI e do Banco Mundial enquanto fonte de empréstimos e condicionamentos.

18)   Contudo, não foram levadas a cabo medidas econômicas e políticas internas que dessem sustentação a uma participação mais sólida do Brasil no bloco.

19)   Por conseguinte, a adoção da tática do apassivamento popular, apostando nos mecanismos tão saudados da “governabilidade” possível, isto é, restringindo a participação política das classes trabalhadoras e de estratos da pequena burguesia ao ritual eleitoral, sob o influxo de negociações inter e intraelites.

20)   Nenhum caráter abertamente conflitivo frente ao grande capital nacional e internacional. Em meio à crise econômica derivada do refluxo das exportações, a presidente Dilma (PT) acenava para a agenda dos adversários conservadores, com apoio de Lula. Uma saída melancólica do governo, sem tensionar com a estrutura de poder, sem fazer qualquer apelo às camadas trabalhadoras e medianas. Sem qualquer medida de governo que oferecesse respostas à crise, pela via do atendimento das necessidades populares. Até hoje, aposta em algum milagre por cima, negociado.

Eis alguns traços muito esquemáticos da trajetória entrecruzada de Lula, seu partido e do Brasil das últimas décadas. Lula é um ator político complexo, ambíguo, controverso. Muito distante das costumeiras simplificações reducionistas, das avaliações unilaterais. Talvez consista na expressão mais saliente da solução de compromisso constitucional, hoje violada.

À esquerda do PT, particularmente entre os partidos que nasceram do seu desgarramento, as habituais denúncias de “traição” não convencem. Revelam muito mais as sofridas ilusões depositadas em Lula e no PT, por setores ditos socialistas que se desvincularam do PT. Como também o caráter colonizado, sobretudo eurocêntrico, das esquerdas brasileiras atuais.

Nos quadros de uma nação periférica, subdesenvolvida, convenhamos, um líder nascido da contraditória articulação entre questão social e apoio irrefletido ao capital estrangeiro, desde o início deveria indicar significativas limitações para as esperanças mudancistas. Talvez fosse a consciência política possível durante anos, entre as esquerdas, os movimentos sociais e sindicais. Deve, no entanto, urgentemente, ser superada. É ingenuidade.

Nos termos da tensão mais recente, ou a CLT ou a Fiesp (testa de ferro de multinacionais). Não há conciliação possível. Perdeu a CLT, “fascista”, como antigamente Lula e o petismo afirmavam. O grande capital, que visa o incremento da superexploração do trabalho, agradece.

A ruptura institucional em vigor, com o golpismo galopante, representa aguda guerra de classes imprimida pelas burguesias doméstica e forânea. A visão e a esperança mítica do petismo, em nossos dias, em torno da “salvação” nacional por meio de uma hipotética eleição presidencial de Lula, são componentes, no mínimo, questionáveis e ilusórios.

A habilidade negociadora do ex-presidente de nada serve no atual cenário. Ao menos, não para responder aos desafios da intensificação da dependência, de um neocolonialismo atroz, impostos pela agenda reacionária do bloco golpista.

O Brasil corre o sério risco de desintegração territorial, de alienação absoluta de qualquer laivo de soberania. E as burguesias associadas, de fora e de dentro da Nação, já demonstraram que esse é o seu projeto. A crise capitalista internacional, há alguns anos, em especial exemplificada pela atuação da “polícia” no mundo – os EUA –, responde, como alternativa, à violação sistemática do princípio da autodeterminação dos povos. Soberanias nacionais no Terceiro Mundo agredidas – com recursos hard ou soft –, almejando a expansão dos processos de mercantilização/comoditização. Absolutamente de tudo.

Por outro lado, as frações menores do capital nacional, setores da média e pequena burguesia, que tanto demonizam o ex-presidente, irrefletidamente jogam para escanteio o único líder que, mantendo os contornos do capitalismo periférico, atenderia aos seus interesses. Romper com as amarras do subdesenvolvimento, então, isso seria pedir muito a esses estratos de classe. Ciosos demais em garantir privilégios mesquinhos e portadores de um ultrajante colonialismo mental americanófilo. Servos voluntários do império.

Isso posto, na atualidade, a questão não é saber se Lula é “demônio” ou “salvador”. Não é uma coisa, nem outra. É saber se ele será completamente descartado pelo sistema em um avassalador processo neocolonizador, em que não há espaço para Lula, ou se será reincorporado, via solução de compromisso que mantenha a agenda neoconservadora prevalecente, com pequena atenuação, para resgatar um fiapo de credibilidade ao moribundo sistema político, institucional e econômico em processo de reconfiguração. Para pior.

Nesse caso, tenderia a exercer o papel de uma espécie de Perón dos anos 1970. Sem força, nem energia. Subjugado e rendido integralmente ao sistema. Por isso, entendo que o ex-presidente Lula e o seu partido já cumpriram os seus papeis históricos.

Para o Povo Brasileiro a única saída é organizar-se, formular e repercutir uma agenda antissistêmica, que vá além das linhas do subdesenvolvimento e do capitalismo dependente e periférico. Trata-se de uma luta de média e longa duração.

No momento, como ficou bastante evidente na fácil supressão das conquistas trabalhistas históricas, os agentes da mudança não apareceram. Mesmo a capacidade de resistência popular encontra-se frágil. Anos a fio de amplo apassivamento e desmobilização – sobretudo das centrais sindicais – não são superados em um estalar de dedos.

Ademais, os dilatados e a cada dia crescentes subemprego e desemprego, além de um sistema individualista e neoliberal de crenças, diuturnamente veiculado nos meios de comunicação, têm corroído duas matérias-primas centrais para as esquerdas, os movimentos sociais e a defesa dos interesses nacionais e populares: a solidariedade e a cooperação. Sem elas, não há mudança plausível. A emergência de alternativas e dos sujeitos da mudança irá requerer paciência, organização, mobilização, tempo e, em elevada medida, descolonização mental.

Roberto Bitencourt da Silva – cientista político e historiador.  
GGN

terça-feira, 4 de julho de 2017

Cogita-se que Moro usará "domínio do fato" para condenar Lula, dizem interlocutores do juiz

Foto: Lula Marques

Menos de uma semana após ter a condenação imposta ao ex-tesoureiro João Vaccari Neto derrubada por juízes de segunda instância, Sergio Moro aparece em reportagem do Estadão, divulgada nesta segunda (3), como um magistrado "meticuloso" que vai redobrar os cuidados com a sentença de Lula no caso triplex.

Mas para condenar Lula sem que a Lava Jato tenha fornecido provas cabais da posse do triplex, Moro vai ter de recorrer à saída inaugurada e muito criticada à época do Mensalão: usar a teoria do domínio do fato.
Segundo o Estadão, "fontes próximas a Moro" disseram que essa alternativa é cogitada porque a absolvição de Vaccari "dificulta uma decisão contrária a Lula". "Elas avaliam que, para condenar o petista, o juiz teria de aplicar a teoria do domínio do fato, alegando que Lula tinha controle sobre tudo o que acontecia."

No caso triplex, Lula é acusado de receber propina da OAS por conta de 3 contratos com a Petrobras. Mas a defesa do petista entregou, nas alegações finais, prova de que o apartamento jamais poderia ser liberado para uso do ex-presidente sem que a empresa ou o próprio petista tivessem depositado o valor correspondente ao imóvel e às reformas em uma conta da Caixa Econômica Federal.

Para justificar a transferência do triplex, a Lava Jato disse que Lula era o chefe do petrolão. Seu papel era fundamental ao esquema de favorecimento a empreiteiras porque era o presidente quem avalizava os nomes indicados para diretorias da Petrobras. Sem provas dessa acusação, a turma de Deltan Dallagnol apelou para a teoria da abdução das provas. (Saiba mais aqui).

Ainda segundo o Estadão, além de apelar para o domínio do fato, Moro pode fazer com que Marisa Letícia seja a responsável pelas tratativas em torno do triplex. A ex-primeira-dama, morta em fevereiro em decorrência de um aneurisma cerebral, foi "quem decidiu comprar uma cota da Bancoop no prédio do Guarujá e quem mais vezes esteve no imóvel", publicou o jornal. Porém, em função da morte, Marisa não deve mais constar entre os réus.

GGN

sexta-feira, 30 de junho de 2017

O "feijão com arroz" do Ministério Público é condenar sem provas, diz Rogério Dultra

Foto: Agência EFE

"A operação Lava Jato não é necessariamente um ponto fora da curva do processo penal brasileiro. Ela, na verdade, comprova a completa falta de fundamento probatório no trabalho das instituições na persecução penal"

terça-feira, 27 de junho de 2017

Condenação de Pallocci é mais jogo sujo de Sergio Moro: por Miguel do Rosário

Vou poupá-los de tiques esquerdistas, como dizer que “não gosto de Palocci”, porque ele teria sido o fiador de uma política excessivamente neoliberal, que era amigo de empresários, etc.

Nada disso vem ao caso.

Vamos nos ater ao despacho de Sergio Moro, um calhamaço de mais de 300 páginas (ver íntegra aqui), que condena o ex-ministro a 12 anos de prisão.

É mais um texto grotesco, cheio de adjetivos, comentários políticos oportunistas e informações enviesadas.

Reproduzo apenas um trecho:

841. Não pode aqui evitar-se o contexto.

842. O caso trata de macrocorrupção, envolvendo conta corrente geral de propinas entre o Grupo Odebrecht e agentes do Partido dos Trabalhadores, com cerca de duzentos milhões de reais acertados, cento e trinta e três milhões de reais repassados e um saldo de propina do remanescente.

843. Antônio Palocci Filho era o principal administrador da conta corrente geral de propinas.

844. Embora os valores tenham sido utilizados com variados propósitos, parte substancial, inclusive a que é objeto específico da presente ação penal, foi utilizada para fraudar sucessivas eleições no Brasil, contaminando-as com recursos provenientes de corrupção.

845. Segundo a planilha, isso teria ocorrido nas eleições municipais de 2008 e na eleição presidencial de 2010.

846. Dinheiro de propina administrada pelo condenado também teria sido utilizado, segundo a planilha, para fraudar eleições no estrangeiro, em El Salvador em 2008 e no Peru em 2011.

847. Outros valores teriam sido repassados até no mínimo 2014 com outros propósitos.

848. Também destaque-se depoimento de João Cerqueira de Santana Filho, de que repasses similares, administrados pelo paciente Antônio Palocci Filho, já teriam ocorrido nas eleições presidenciais de 2006, embora não abrangidos pela planilha referida.

O despacho inteiro é cheio de abrobrinhas como essa, fundamentadas em fontes como a “planilha” (ou seja, numa planilha da Odebrecht que, evidentemente, não é prova de nada, até porque seu conteúdo se presta a qualquer tipo de interpretação) ou como o “depoimento” de João Santana, o qual sabemos muito bem como foi obtido: com tortura.

A acusação de que Pallocci era o “principal coordenador da conta corrente geral de propinas” é simplesmente surreal. Não se baseia em prova nenhuma.

Pallocci talvez fosse um intermediário entre as doações, de caixa 1 ou caixa 2, da Odebrecht, e o PT. Tudo o resto é especulação delirante de Sergio Moro.

O MPF e Moro jogam com teorias de conspiração sem base em nenhuma prova concreta e a mídia compra todas as histórias. É um jogo de cartas marcadas, que teve início na Ação Penal 470, ao qual a sociedade brasileira assistiu impávida, talvez ligeiramente perplexa, mas sem reagir. E aí criamos esse monstro.

A condenação se parece com uma reportagem da revista Época: “o dinheiro da propina administrada pelo condenado também teria sido utilizado, segundo a planilha, para fraudar eleições no estrangeiro, em El Salvador em 2008 e no Peru em 2011”.

Não dá nem para acreditar: Pallocci é condenado por fraudar eleições em El Salvador… É uma coisa surreal. Pallocci não tem interesse nenhum em El Salvador, não é de El Salvador. Não fez nenhuma campanha em El Salvador. O dinheiro da campanha não era dele.

Agora está bem claro o que fez a Lava Jato. Pegou uma planilha da Odebrecht (cuja veracidade contábil nunca foi comprovada), que tinha informações da empresa sobre doações, legais ou clandestinas, a partidos políticos, misturou tudo, temperou com muitos adjetivos e teorias mirabolantes e conspiratórias, adicionou “depoimentos” sem provas de João Santana e Monica Moura, e pronto: condenou e foi para a mídia gritar gol.

Ainda na mídia, lemos que Sergio Moro reduziu brutalmente as sentenças de João Santana e Monica Moura. A Lava Jato usa até mesmo as sentenças já decretadas como forma de ameaça e tortura. Pode-se delatar depois de condenado, como fará Pallocci, como esforço para mudar a pena. O que é, obviamente, uma distorção total da delação premiada. E não precisa contar a verdade nem apresentar provas.

Se considerarmos que tudo isso acontece em meio a vazamentos desenfreados, que servem tanto para fazer o jogo político como para acrescentar mais uma chantagem ao réu, fica bem claro o tipo de acordo sujo está fazendo a justiça brasileira.

Ainda no despacho, Moro afirmou que as declarações do ex-ministro Antonio Palocci de que ele “teria muito a contribuir” com as investigações “soaram mais como uma ameaça”, do que “propriamente como uma declaração sincera de que pretendia naquele momento colaborar com a Justiça”.

A interpretação de Moro é simples: como Pallocci deixou no ar a possibilidade de delatar a mídia e instituições financeiras, então isso é “ameaça”. Se o ex-ministro deixasse bem claro que estaria a fim apenas de delatar o PT, Lula, Dilma, etc, então isso demonstraria a sua boa vontade.

Não adianta o réu fazer diferente e fugir do script. É preciso corroborar as teorias de conspiração de Dallagnol e Moro. Caso contrário, qualquer colaboração será vista como “ameaça”. Foi assim com Cunha, foi assim com Pallocci.

A Lava Jato se tornou uma cloaca. Um antro sórdido de jogadas sujas, coordenado por Sergio Moro.

Do Cafezinho.

segunda-feira, 26 de junho de 2017

Os largos benefícios recebidos pelos delatores do ex-ministro Palocci e do ex-presidente Lula

Inquérito contra Palocci, ainda em outubro do último ano, indicava a estratégia desenhada para se chegar ao ex-presidente, que agora se concretiza na condenação do ex-ministro
  
O juiz da Lava Jato do Paraná, Sérgio Moro, mostrou as recompensar de se delatar contra o ex-ministro petista Antonio Palocci, no mesmo despacho que o condenou a mais de 12 anos de prisão. 

Enquanto a possível delação do ex-ministro foi analisada pelo magistrado de Curitiba como "ameaça", podendo desbancar a ponte criada pela força-tarefa da Operação para se chegar à mira final, no ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, aqueles que tornaram possível o encarceramento de Palocci e a tese que atinge Lula obtiveram benefícios.

Desde outubro de 2016, quando o ex-ministro da Fazenda do governo Lula e ex-ministro da Casa Civil no governo Dilma foi preso, o GGN revela a estratégia dos investigadores, que agora se concretiza. 

Entenda:

Somente o ex-diretor da Petrobras, Renato Duque, obteve uma redução de mais de 55 anos de prisão fechada. Isso porque o ex-diretor responde a 13 processos na Justiça Federal do Paraná, que significariam 61 anos e 7 meses totais de encarceramento.

Mas no despacho que condenou Palocci, Moro determinou que Duque sairá da prisão após cumprir somente 5 anos de regime fechado, com a condição de seu acordo de delação premiada, ainda em negociação com o Ministério Público Federal (MPF), for celebrado.

A premiação ocorreu porque, apesar de grande responsabilidade nos esquemas investigados, o ex-diretor "prestou algumas informações relevantes sobre o esquema criminoso por parte de terceiros". "Foi muito bom para ele, mas queremos mais e seguimos lutando", comemorou o advogado do ex-diretor da Petrobras, Antônio Basto.

Também foram compensados o presidente da Odebrecht, Marcelo. Pela delação com os procuradores da Lava Jato, conseguiu diminuiu 12 anos por apenas mais 6 meses de regime fechado, com dois anos e seis meses em regime domiciliar.

Os marqueteiros João Santana e Mônica Moura, que sentiram a pressão da Lava Jato nas testemunhas das campanhas petistas, sobretudo do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, resultou de 5 anos para mais 6 meses em regime fechado e quatro anos de prisão domiciliar. Também está prevista a progressão da pena, que é a redução desse tempo. 

Moro afirmou, no despacho de condenação de Palocci e dos outros réus, que "não se discute" a "efetividade" da colaboração do casal de publicitários das campanhas do PT.

O benefício se estendeu a todos os delatores que, de alguma forma, auxiliaram na condenação de Palocci e na criação da ponte para se incriminar o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva.

O ex-funcionário da estatal Eduardo Musa recebeu apenas 6 meses de prisão fechada e um a dois anos em regime aberto: antes havia sido condenado a 4 anos e 6 meses. O ex-presidente da Sete Brasil, José Carlos Ferraz, obteve a redução de 6 meses de sua pena, ainda perdoada com o pagamento de US$ 1,9 milhão em indenização.

Três executivos da Odebrecht do setor de Operações Estruturadas, Hilberto Mascarenhas, Fernando Migliaccio e Luiz Eduardo da Rocha Soares cumprirão a maior parte de suas prisões em casa, com a possibilidade ainda de progressão da pena. O acordo também reembolsou à União R$ 7,8 milhões por Mascarenhas e R$ 9,1 milhões por Soares.

Também do setor de Operações Estruturadas, Marcelo Rodrigues teve seus cinco anos de prisão perdoados para 4 anos e seis meses, sendo o primeiro em regime semiaberto, e o restante em regime aberto diferenciado e serviços comunitários.

O executivo da Odebrecht, Olívio Rodrigues Júnior, terá que ficar 9 meses em regime fechado, e mais um ano e três meses em domiciliar e outros cinco anos em semiaberto. Prestou delação e pagará R$ 7,3 milhões de multa.

GGN

sexta-feira, 23 de junho de 2017

Convicção não é prova, admite lava jato. Mas é indício e indício basta. Diz Folha de São Paulo

Folha publica hoje uma análise onde se indaga, no caso do julgamento do apartamento do Guarujá que a “Força Tarefa” da Lava Jato sustenta ter sido dado a Lula como “comissão” nos contratos da OAS na Petrobras, se  indícios são suficientes para condenar o ex-presidente.

Vale a leitura, mas falta dizer que os indícios existem, neste caso, a partir de uma convicção que nasceu lá atrás, com aqueles três promotores paulistas que processaram a Folha por chamá-los de “patetas” – que puseram o ex-presidente no “lote” de uma denúncia de malversação de recursos no acordo que transferiu para a  OAS um conjunto de prédios da cooperativa dos bancários de São Paulo.

Como se sabe, a Justiça arquivou a ação e absolveu os acusados. Menos um: Lula, sacado arbitrariamente do processo para ser submetido ao “tribunal especial” de Curitiba.

Então, as convicções foram se seguindo: se Lula visitou o apartamento, é porque ia ficar com ele. E se ia ficar com ele, claro que não ia comprar, ia ganhar da empreiteira. E se esta empreiteira tinha também contratos com a Petrobras, é lógico que isso era uma paga pelos contratos com a estatal.

E como os dirigentes que roubaram na Petrobras foram designados pelo Conselho de Administração da Empresa e o Conselho de Administração da empresa é nomeado por Lula, é lógico que ele nomeou os diretores para ganhar propina, em especial este apartamento no Guarujá.

Tudo se desenvolveu, durante mais de um ano, no terreno da hipótese e da suposição.

Não apareceu um documento que pudesse indicar que o apartamento foi ou estava sendo transferido para Lula.

Não havia, é óbvio, qualquer proporcionalidade entre contratos de bilhões e um mero apartamento de 240 metros quadrados. Não havia qualquer ligação objetiva entre estes contratos e o benefício alegado.

O que havia, além da visita ao prédio? Recibos de pedágio mostrando que Lula foi duas ou três vezes à baixada santista em cinco anos – certamente menos do que grande parte dos moradores de São Paulo, um porteiro de comportamento esquisito que diz que “todo mundo sabia” que o apartamento era de Lula e muita, muita convicção de que “tinha da ser de Lula”.

Então, à undécima hora, achou-se uma “prova testemunhal”. O ex-executivo da empreiteira, apodrecendo na cadeia, resolve confirmar tudo, apresentando fotos onde tomava “umas cachaças” com Lula e e-mails cheios de anotações de advogados sobre o que devia destacar. Ato contínuo, pediu ao doutor juiz um “desconto” polpudo em sua pena.

Qualquer um que tenha sido repórter de polícia lembra dos tempos em que o “doutor delegado” arranjava alguém, já bem atolado em outros crimes, para “assinar” mais um.

É este o resumo da ópera da “prova indiciária” neste caso, montado desde o início para “pegar o Lula”.

Como diz o promotor aposentado e professor de Processo Penal Afrânio Silva Jardim, escolheram o criminoso e passaram a procurar o crime.

Os promotores dizem que “faltaram explicações convincentes de Lula”, exatamente como definido pelo professor de Direito Penal Nilo Batista: “para quem deseja previamente a condenação do réu, a prova do processo é um mero detalhe” e, ao, passarmos à estranha situação de inversão de ônus da prova penal: eu tenho de comprovar que não matei Dana de Tefé ou Odete Roittman.

Este é um processo que tem o final pronto desde o início.

É político. não jurídico e, por isso, tem de ser enfrentado politicamente, mais que por meios jurídicos.

Tijolaço

segunda-feira, 12 de junho de 2017

O sucesso do ex- presidente Lula nas pesquisas evidencia lava jato como principal oponente

Foto: Andrei Leonardo Pacher/Xinhua/Zuma Press/Fotoarena

O desempenho de Lula nas pesquisas de opinião ressalta que apenas a Lava Jato desponta como seu principal oponente. Isso porque o ex-presidente vence de todos os potenciais candidatos da eleição de 2018. Só na última Vox Populi, ele foi citado por 40% dos entrevistados na sondagem de voto espontâneo. Apesar disso, Lula corre o risco de não poder disputar o Palácio do Planalto por causa da força-tarefa da Curitiba.

Os procuradores liderados por Deltan Dallagnol estão determinados a obter a condenação do petista até em segunda instância. Para isso, chegam a levantar teses de "elasticidade das provas" no caso triplex, que é o mais adiantado. Às vésperas de ser concluído por Sergio Moro, o processo acabou virando, para o Ministério Público Federal, um pleito por reconhecer a dificuldade de provas os crimes imputados a Lula.
 

Carta Capital

A resiliência de Lula impressiona. Alvo preferencial da força-tarefa da Lava Jato em Curitiba, o ex-presidente continua a subir nas pesquisas, ao contrário de seus adversários citados em escândalos.

Encomendada pela Central Única dos Trabalhadores, a mais recente sondagem do instituto Vox Populi, divulgada na terça-feira 6, revela um candidato imbatível tanto no primeiro quanto no segundo turno.

O petista ostenta impressionantes 40% das intenções de voto espontâneo, quando não são apresentados aos entrevistados os nomes dos prováveis postulantes, seguido à larguíssima distância pelo ultradireitista Jair Bolsonaro (8%), pela ex-senadora Marina Silva (2%) e pelo juiz federal Sergio Moro (2%), mais um delírio da casa-grande em busca desesperada por um oponente viável.

Enquanto o petista escala nas preferências do eleitorado, as intenções de voto dos tucanos evaporam dia após dia. O ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, o governador de São Paulo, Geraldo Alckmin, e o prefeito da capital paulista, João Doria, figuram, cada um, com míseros 1% das menções espontâneas.

O senador Aécio Neves, afastado do mandato parlamentar por decisão do ministro Edson Fachin, relator da Lava Jato no Supremo Tribunal Federal, nem sequer chega a pontuar. Não causa surpresa, portanto, a relutância do PSDB em abandonar o moribundo governo de Michel Temer, assim como a enfática defesa do partido pelas eleições indiretas.

O repentino e cínico apego à norma constitucional, a entregar ao Congresso a tarefa de escolher um substituto em caso de vacância do poder, confunde-se com o pavor das urnas e a ausência de votos.

As respostas estimuladas apenas confirmam o favoritismo de Lula. Com Alckmin como candidato do PSDB, o petista tem 45% dos votos no primeiro turno, ante 29% de seus adversários somados. Bolsonaro (PSC) aparece com 13%, seguido de Marina (Rede), com 8%.

Alckmin e Ciro Gomes (PDT), empatados com 4%. Se o postulante tucano for Doria, o cenário é semelhante: Lula tem 45%, ante 30% de seus rivais. Nesse caso, Bolsonaro tem 12%, Marina, 9%, Ciro, 5%, e Doria, 4%.

O melhor cenário para Lula é, porém, ter Aécio como adversário. O tucano aparece com 1%, atrás de Ciro (5%), Marina (9%) e Bolsonaro (13%). Neste cenário, o petista chega a 46% das intenções de voto no primeiro turno, ante 28% dos rivais.

Em todas as projeções de segundo turno o ex-presidente amealha mais de 50% dos votos, muito à frente de Alckmin (11%), Doria (13%), Aécio (5%) e Marina Silva (15%). Ao todo, foram entrevistados 2.001 brasileiros com mais de 16 anos, em 118 municípios de todos os estados e do Distrito Federal, entre os dias 2 e 4 de junho. A margem de erro da pesquisa é de 2,2 pontos percentuais, para mais ou para menos.

Durante o 6º Congresso Nacional do PT, no domingo 4, quando a senadora Gleisi Hoffmann tornou-se a primeira mulher eleita para presidir o partido em 37 anos de história, as lideranças do partido reforçaram apoio incondicional a Lula na disputa presidencial.

Diante da ameaça de ter a candidatura inviabilizada por uma eventual condenação em segunda instância, a legenda demonstrou a disposição de partir para o enfrentamento político em vez de cogitar um plano B.

Uma das principais resoluções aprovadas pelos delegados foi a “posição inegociável pelas Diretas Já”, enfatizando que os parlamentares petistas não participarão de um eventual colégio eleitoral destinado a escolher, indiretamente, o sucessor de Temer em caso de renúncia, impeachment ou cassação de seu mandato.

Desta vez, Lula demonstra não estar disposto a repetir a estratégia de conciliação com as elites, que marcou os seus dois mandatos, de 2003 a 2010. “Neste momento, o PT tem de radicalizar o que puder na defesa do direito de as pessoas viverem com decência”, discursou na abertura do 6º Congresso do PT. “O ódio não vem de baixo. O ódio vem de cima, porque eles não querem que a gente suba nem um degrau na escala social.”

Segundo colocado na disputa pela presidência do PT, com 38% dos votos válidos, o senador Lindbergh Farias diz estar satisfeito com as teses aprovadas pelo Congresso do PT. “Busquei o confronto com aqueles que acreditam ser possível, hoje, repetir a estratégia de 2003.

Na verdade, devemos estar preparados para a guerra, para enfrentar esse golpe patrocinado pela burguesia brasileira, que rasgou a Constituição de 1988”, diz o parlamentar, reconduzido à Liderança do PT no Senado na noite da quarta-feira 7. “Precisamos de reforma profunda no sistema tributário, extremamente desigual, e rediscutir o sistema da dívida pública, que transfere 35% do Orçamento para os rentistas.

São pontos centrais, que foram aprovados pelo partido. Outro aspecto positivo foi a censura à política econômica vacilante que tivemos com o ministro Joaquim Levy, no segundo mandato de Dilma.”

Réu em cinco ações penais da Lava Jato, Lula reiterou à militância do partido ser vítima de uma perseguição política, fruto de uma articulação de setores do Judiciário com a mídia. “Já provei minha inocência, agora exijo que provem minha culpa. Cada mentira contada será desmontada”, afirmou. “Um dia o Willian Bonner vai pedir desculpas ao PT por tudo que fizeram.”

De fato, é cada vez mais cristalino o empenho da República de Curitiba em tirar o petista da corrida eleitoral. Na sexta-feira 2, a equipe de procuradores liderada por Deltan Dallagnol apresentou as alegações finais ao juiz Sérgio Moro contra Lula no caso do triplex do Guarujá.

Além de pedir a condenação do ex-presidente em regime fechado, o Ministério Público requer o pagamento pelo petista de uma multa de 87 milhões de reais. Embora Lula seja apontado como beneficiário de 3,7 milhões de reais na forma da aquisição e reforma do imóvel e também do armazenamento de seu acervo pessoal, Dallagnol e sua equipe querem que o ex-presidente pague o vultoso valor, relativo a todos os desvios apurados em contratos da OAS com a Petrobras, a partir da tese de que ele é o suposto “comandante” do esquema de propinas da OAS com a Petrobras.

São ecos da teoria do domínio do fato, entendimento que permitiu a condenação do ex-ministro José Dirceu no caso do “mensalão”. A conexão com o julgamento comandado por Joaquim Barbosa em 2012 é reforçada pelos próprios procuradores da Lava Jato, dispostos a adular Moro com suas próprias teses. Nas alegações finais contra Lula, os procuradores mencionam um dos votos da ministra Rosa Weber no “mensalão”.

Na ocasião, a magistrada defendeu a “maior elasticidade da prova de acusação” e chegou a comparar o crime de corrupção com o de estupro. “No estupro, em regra, é quase impossível uma prova testemunhal, possibilitando-se a condenação do acusado com base na versão da vítima sobre os fatos (...). Nos delitos de poder não pode ser diferente.”

Não é circunstancial a menção ao voto de Rosa Weber: No processo do “mensalão”, Moro foi o assessor jurídico da ministra, e teve grande influência na tese da admissão elástica de provas no caso. A partir da mesma perspectiva, os procuradores pedem 87 milhões de reais como multa para sustentar sua tese de que Lula era o “comandante do esquema”.

Provas cabais? Nenhuma, como os próprios procuradores reconhecem. Nas alegações, eles afirmam que “a solução mais razoável é reconhecer a dificuldade probatória e, tendo ela como pano de fundo, medir adequadamente o ônus da acusação”. Parece um deboche ao Estado de Direito, como se o dever de provar uma acusação pudesse ser relativizado.

A confissão de elementos probatórios frágeis explica a obsessão do Ministério Público em recuperar decisões do “mensalão”, primeiro capítulo no qual o Judiciário decidiu abrir mão de provas substanciais com o intuito de condenar integrantes do PT.

Os argumentos levantados pelos procuradores foram alvo de críticas do advogado Cristiano Zanin Martins, defensor de Lula. De acordo com ele, as acusações seguiram “a absurda lógica do PowerPoint”, uma referência à apresentação da denúncia contra Lula por Dallagnol em 2016.

Na ocasião, o procurador apontou Lula como “comandante máximo” e reforçou sua “convicção” ao expor um slide em que o nome do petista surgia ao centro, circundado por 14 razões pelas quais o procurador o considerava principal beneficiário do esquema.

A má vontade com Lula contrasta com a benevolência com que é tratado seu delator. Léo Pinheiro, da OAS, nem sequer tem um acordo de colaboração premiada com a Justiça, mas foi beneficiado com um pedido do Ministério Público para ter sua pena reduzida pela metade por ter “prestado esclarecimentos” à Justiça.

Por “esclarecimentos” entenda-se a mudança de versão para se beneficiar. Em seus primeiros depoimentos, o empreiteiro afirmou que as obras da OAS no triplex e no sítio de Atibaia foram uma forma de agradar Lula, e não contrapartidas a algum benefício que o grupo tenha recebido.

Em abril deste ano, Pinheiro passou a atribuir a Lula a posse do apartamento e ainda afirmou que o ex-presidente o orientou a destruir provas do pagamento de propinas ao PT. Argumentos sob medida aos inquisidores da Lava Jato.

Ameaçado pelas delações da JBS, Temer mobiliza a sua base para avançar nas reformas prometidas ao mercado. Na terça-feira 6, conseguiu aprovar a reforma trabalhista na Comissão de Assuntos Econômicos do Senado, ainda que por um placar apertado: 14 votos a 11.

Com ou sem a liderança do atual mandatário, o setor patronal não quer perder a oportunidade de aprovar as impopulares medidas, razão pela qual os promotores do impeachment nem querem ouvir falar de eleições diretas caso Temer perca o mandato. Dessa forma, seria possível escolher alguém “confiável” para tocar a agenda de retrocessos.

Aprovada pela Comissão de Constituição e Justiça do Senado, uma emenda constitucional prevê a realização de eleições diretas em caso de vacância do poder nos três primeiros anos de mandato.

A atual base de Temer evoca, porém, o artigo 18 da Constituição Federal para impedir que o povo retorne às urnas ainda em 2017. “A lei que alterar o processo eleitoral só entrará em vigor um ano após sua promulgação”, diz o texto.

Articulador da Frente Parlamentar pelas Diretas Já, lançada na quarta-feira 7, o senador João Capiberibe, do PSB do Amapá, enfatiza que as eleições indiretas não foram regulamentadas pelo Congresso, e a interpretação sobre a aplicação da emenda, imediata ou não, compete ao STF.

“Sinceramente, duvido muito que os ministros da Corte irão retirar do povo o direito de escolher seu representante.” O colega Roberto Requião, do PMDB do Paraná, não é tão otimista, mas observa que os humores da população podem alterar o cenário no Parlamento, já entregue aos conchavos por eleições indiretas.

“Não podemos desconsiderar a constante mutação de fatores. ‘A política é como nuvem. Você olha e ela está de um jeito. Olha de novo e ela já mudou’. Poético, não?”, diz Requião, ao evocar a máxima atribuída a Magalhães Pinto, chanceler do ditador Costa e Silva.

A pesquisa CUT/Vox Populi revela que 89% dos brasileiros desejam escolher sem intermediários o sucessor de Temer, caso ele venha a renunciar ou perder o mandato. No próximo dia 30, as centrais sindicais preparam uma nova greve geral, contra as reformas e pelas Diretas Já.

Se o desejo captado pelas pesquisas refluir para as ruas, será cada vez mais difícil os congressistas ignorarem os apelos da população, aposta Capiberibe.

Do GGN