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Agência EFE
"A
operação Lava Jato não é necessariamente um ponto fora da curva do processo
penal brasileiro. Ela, na verdade, comprova a completa falta de fundamento
probatório no trabalho das instituições na persecução penal"
Doutor
em Ciência Política e professor de Direito da Universidade Federal Fluminense,
Rogério Dultra disse, em entrevista exclusiva ao GGN, que pela primeira vez na
história o Ministério Público - no caso, o Federal - usou uma teoria
“absolutamente esdrúxula” - a da abdução das provas - para pedir a condenação
de um réu (Lula) por corrupção passiva e lavagem de dinheiro (triplex). Ele
ressaltou, contudo, que demandar condenação sem provas é o “feijão com arroz”
das instituições que fazem persecução penal no Brasil e, nesse aspecto, a Lava
Jato em Curitiba não é nenhum “ponto fora da curva.”
Dultra
explicou que a abdução das provas é uma tese desenvolvida por Scott Brewer a
partir dos ensinamentos do filósofo Charles Peirce e emprestada pelo procurador
Deltan Dallagnol após sua passagem por Harvard, em 2013. Segundo o professor de
Direito da UFF, o problema é que a teoria de Brewer tem “problemas na origem”
porque admite que uma hipótese criada para explicar um fato qualquer pode ser
tomada como verdadeira, embora isso não seja passível de comprovação.
“Com
essa argumentação esdrúxula da abdução de provas - de você imaginar a prova e
condenar alguém com ela - é a primeira vez que o Ministério Público pede uma
condenação. Mas certamente não é a primeira vez que o Ministério Público - seja
ele estadual ou federal - pede condenação sem provas. Esse aí é o feijão com
arroz da instituição no nosso processo penal. Temos 1 milhão de pessoas presas
no Brasil por causa disso”, disparou Dultra.
Autor
de um estudo sobre o excesso de prisões provisórias no Brasil (veja aqui),
concluído em 2015, em parceria com o Ministério da Justiça e o Ipea, Dultra
apontou que nos casos de furto, roubo e tráfico, mais de 90% das prisões foram
feitas a partir de um flagrante da Polícia Militar. “Em Juízo, em 90% dos casos
ou mais, essas prisões são chanceladas sem prova. Isso acontece obviamente
porque a clientela do sistema repressivo não tem condições de se defender com
um bom advogado. A maioria só tem a declaração do policial. O sistema penal
brasileiro funciona pela prisão provisória, o flagrante, não pela produção de
provas”, afirmou.
É
a partir desse contexto que, na visão de Dultra, fica mais fácil entender
porque, num processo tão complicado como o da Lava Jato, “o sujeito precisa criar
uma teoria tão estapafúrdia para justificar a falta de produção de provas”.
“Sistematicamente”,
continuou, “o processo penal brasileiro funciona sem a necessidade de provas. A
operação Lava Jato não é necessariamente um ponto fora da curva no processo penal
brasileiro. Ela, na verdade, comprova a completa falta de fundamento probatório
no trabalho das instituições na persecução penal.”
Os professores
Douglas Guimarães Leite e Rogério Dultra dos Santos, respectivamente, autores
do livro “Excesso de prisão provisória no Brasil: um estudo empírico sobre a
duração da prisão nos crimes de furto, roubo e tráfico”, lançado pela UFF.
Foto: Divulgação

“A
conclusão é que a persecução penal no Brasil, por independer de prova, é uma
persecução penal que tem fundamento basicamente político. Quando você tem esse
outro tipo de réu, que é o réu com dinheiro para se defender, o Ministério
Público não sabe o que fazer. Então inventa uma teoria para dizer que não
precisa de provas.”
COMPULSÃO PUNITIVA
Responsável
por importar a tese da abdução das provas e aplicá-la inicialmente no caso
triplex, Dallagnol teve uma troca de e-mails com um colega de Harvard publicada
pelo Estadão, explicando porque decidiu estudar nos Estados Unidos e o que
buscava aprender com o professor Scott Brewer.
“Meu
objetivo (com o mestrado) é conhecer uma cultura processual penal um pouco mais
equilibrada (aqui no Brasil há uma cultura que é chamada de ‘garantismo
hiperbólico monocular’, uma exacerbação da defesa dos direitos dos réus), e
contribuir com a mudança da cultura brasileira”, escreveu o procurador.
Para
Dultra, “um sujeito que vai aos EUA procurar teorias que ajudem ele a violar ou
restringir o direito dos réus no Brasil não sabe o que é cidadania ou
Constituição, porque a ele não interessa nada disso. É o famoso ‘O Alienista’,
de Machado de Assis. Ele quer saber de prender todo mundo até não sobrar
ninguém na cidade.”
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