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terça-feira, 14 de novembro de 2017

A Lava Jato propõe a delator trocar o pescoço do filho pelo de Lula, por Luis Nassif e Cíntia Alves

Na sexta matéria da série sobre a indústria da delação premiada da Lava Jato, feita em conjunto pelo Jornal GGN e o DCM, um passeio pela delação de Glaucos Costamarques e os deslizes da Lava Jato no tocante à Receita Federal e reais implicados. As outras matérias da série podem ser vistas aqui.
O poder absoluto conferido à Lava Jato, acabou por definir um modo de atuação arbitrário, especialmente quando envolve delação premiada.
No capítulo de hoje vai se mostrar um dos expedientes mais utilizados pela Lava Jato, com ampla parceria dos procuradores com o juiz de instruções que consiste dos seguintes passos:
Ameaças de envolvimento de familiares dos réus nas investigações.
Negociações para a inclusão nas delações de declarações que corroborem a narrativa e os interesses políticos da Lava Jato, mesmo sem acompanhamento de provas.
Benefícios, tais como fechar os olhos a contas no exterior e a lavagem de dinheiro já identificado.
Vamos à análise do primeiro caso, a compra do apartamento vizinho ao de Lula.
Lance 0 – Apresentando o jogo e os jogadores
Quando Lula ainda presidente, o governo alugava o apartamento vizinho ao seu, em São Bernardo do Campo. Em parte, para garantir a privacidade do presidente. Em parte, para abrigar o esquema de segurança.
Deixando a presidência, constatou-se que o apartamento estava à venda. Para preservar a privacidade de Lula, Paulo Okamoto, presidente do Instituto Lula, solicitou ao amigo José Carlos Bumlai que encontrasse algum conhecido com interesse em adquirir o apartamento e alugá-lo para Lula.
Bumlai conversou com o primo Glaucos da Costa Marques, um pecuarista que investia em imóveis, que topou a compra por perceber uma boa oportunidade de negócio.
A notícia veio à tona no dia 7 de setembro de 2016 e foi divulgada pela mídia no dia 08/07/2016 (clique aqui). Okamoto explicou que Lula passou a pagar o aluguel a Glaucos.
Lance 1 – A criação da narrativa pela Lava Jato
13/12/2016 – A PF lança sua narrativa
Segundo a narrativa da PF, (clique aqui)
o apartamento teria sido comprado por Glaucos da Costa Marques e alugado ao ex-presidente Lula, em um contrato celebrado no nome da ex-primeira-dama, Marisa Letícia. No entanto, de acordo com a investigação, nunca houve qualquer pagamento por parte do ex-presidente, que utiliza o imóvel, pelo menos, desde 2003.
A polícia diz que a operação foi realizada para ocultar o verdadeiro dono do imóvel. Para o delegado, o ex-presidente Lula é quem é dono do local, que também teria sido adquirido por meio de propina obtida junto à Odebrecht, com a intermediação de Palocci.
Glaucos sustentou que adquiriu o apartamento por ser bom negócio e por estar habituado a investir em imóveis.
Para a Lava Jato, a unidade, na verdade, foi adquirida com valores pagos pela Odebrecht como uma forma velada de beneficiar Lula. Glaucos teria recebido dinheiro da DGA Construtora que, por sua vez, teria sido repassado pela Odebrecht.
A acusação ficava no ar, sem nenhuma comprovação.
26/01/2017 – PF divulga inquérito em prazo recorde
Nesse dia, fica-se sabendo que há 8 meses a Polícia Federal investigava sigilosamente a compra do apartamento vizinho ao de Lula. Quatro dias depois de a denúncia ser aceita pelo juiz Sérgio Moro, a PF divulgou seu inquérito, sem jamais ter informado à defesa (clique aqui) sobre sua existência.
Lance 2 –Lava Jato consegue que Glaucos mude seu depoimento
Em 06/09/2017, a Lava Jato dá um lance ousado, induzindo Glaucos a mudar a versão inicial.
Na nova versão, reiterou que a compra do apartamento foi para garantir a privacidade de Lula. Disse que o imóvel custou R$ 504 mil e que assinou um contrato para locação diretamente com a ex-primeira-dama Marisa Letícia.
A partir daí, entra na narrativa acertada com a Lava Jato.
Sustentou que entre 1o de fevereiro de 2011 e novembro de 2015 não recebeu nenhum pagamento.
Transação concluída, Roberto Teixeira, advogado de Lula, teria pedido que Marques devolvesse o lucro que obteve com a compra de um imóvel para o Instituto Lula, que ele revendeu para a DAG, lucrando R$ 800 mil. E Glaucos se recusou.
Por fim, teria topado devolver R$ 650 mil – descontando R$ 120 mil de impostos mais despesas.
Glaucos sustenta que se recusou a pagar o lucro relacionado à compra de imóvel para o Instituto Lula, porque ele correu o risco. Mas aceitou devolver o que recebeu.
Mesmo no depoimento a Sergio Moro, Glaucos explica que também ficou sabendo do imóvel para o IL porque Bumlai disse que Roberto Teixeira tinha um "bom negócio" em vista, que serviria a uma manobra chamada de "flip" (quando se compra barato para revender barato, tirando uma pequena margem de lucro). 
Glaucos diz que, no final, não precisou desembolsar o montante envolvido na compra (cerca de R$ 6,5 milhões) porque assinou uma autorização (cessão de direitos) para que os primeiros proprietários vendessem o imóvel diretamente à DAG - empresa usada pela Odebrecht na triangulação. 
O primo de Bumlai admite ter lucrado R$ 800 mil nesse “flip” e relata que Teixeira ganhou cerca de R$ 234 mil em honorários. 
Moro até ironizou: "O senhor não acha que recebeu 800 mil reais sem fazer nada? Quero um advogado desses pra mim.”  
O problema para a Lava Jato é que a mudança no depoimento de Glaucos não é trunfo absoluto. A força-tarefa ainda não consegue esclarecer como o primo pode ter usado os R$ 800 mil que recebeu da DAG em dezembro de 2010 para custear a compra do apartamento por R$ 504 mil, realizada quatro meses antes.
Esse dado consta em relatório da Polícia Federal sobre o caso e na “fórmula matemática” que a equipe de Deltan Dallagnol desenhou e tratou de propagandear na grande mídia como se fosse o mapa da propina a Lula. Passou longe de ser, conforme o GGN já expôs. (Clique aqui)
Glaucos, portanto, não conseguiu apresentar provas das duas acusações mais graves:
Não conseguiu comprovar o não recebimento dos aluguéis, pois declarou todos os valores à Receita e ainda assinou recibos e trocou e-mails sobre os que são relativos ao ano de 2013, tudo exposto pela defesa de Lula
Não conseguiu comprovar a devolução do dinheiro, porque, segundo ele, teria sido feito em dinheiro vivo através de um carro blindado.
10/10/2017 – Glaucos muda depoimento para implicar filho de Lula
A grande incógnita é o que teria levado Glaucos a mudar o depoimento? Novas provas da Lava Jato, desqualificando a versão anterior, ou chantagem?
Lance 3 - Defesa de Lula entrega recibos do aluguel
Em 25/09/2017, a defesa de Lula dá o primeiro xeque na Lava Jato, apresentando cópias dos recibos de aluguel – em lugar dos originais.
Os advogados de Lula sustentam que pesquisaram nos guardados de dona Marisa e encontraram os recibos. Dois deles tinham datas inexistentes: 31 de junho e 31 de dezembro (clique aqui).
Lance 4 – O contra-ataque da Lava Jato
Há uma dupla reação das peças brancas, da Lava Jato:
06/10/2017 MPF garante que recibos são falsos
Procuradores da Lava Jato garantem que os recibos apresentados pela defesa de Lula são falsos “sem margem à dúvida” (clique aqui). E a perícia técnica é “imperativa”. Os advogados de Glauco sustentaram que os aluguéis só passaram a ser pagos "após visita do doutor Roberto Teixeira ao defendente”, quando este estava internado no Hospital Sírio-Libanês, em São Paulo, onde Glaucos se submeteria a intervenção cardiovascular.
28/09/2017 – Defesa de Glaucos apresenta como prova visitas em hospital
No documento apresentado pela defesa de Costa Marques a Moro (clique aqui) se admite:
A existência de um contrato de locação, razão pela qual os recibos foram exigidos.
A declaração dos valores dos alugueres na Receita. Mas tudo seria sido por influência de Roberto Teixeira, advogado de Lula.
E termina com um pedido:
Diante do exposto, requer-se a expedição de ofício ao Hospital Sírio-Libanês, na cidade de São Paulo, para que informe os dados relativos ao registro de JOÃO MESTIERI ADVOGADOS ASSOCIADOS 4 visitas ao hospital, referentes ao período de 22/11/2015, data da internação de GLAUCOS naquele hospital e 29/12/2015, data da alta hospitalar, com ênfase nos visitantes Dr. ROBERTO TEIXEIRA e Sr. JOÃO M. LEITE.
Naquele dia, comentaristas da GloboNews sustentam que “tem que haver mais que recibos”. Lula teria que comprovar sua inocência mostrando o “caminho do dinheiro”, comprovando a pouca familiaridade da imprensa com o Código Penal, que diz claramente que o ônus da prova cabe ao acusador.
Têm-se dois desafios postos, então: a discussão em torno da validade dos recibos; e as provas das visitas de Roberto Teixeira a Glaucos, quando hospitalizado.
02/10/2017 – Moro ordena que hospital entregue registro de visitas a Glauco
A determinação era para o Sírio Libanês informar se o advogado Roberto Teixeira e o contador João Muniz Leite estiveram no hospital (clique aqui)
O hospital não encontrou registro de visita específica de Teixeira a Glaucos. Em depoimento a Moro, o advogado já havia explicado que deu entrada no Sírio porque também enfrentava tratamento médico e o encontro que teve com o primo de Bumlai acontecera rapidamente, sem que o assunto do aluguel viesse à tona.
Lance 5 - Entra no jogo o cavalo da Receita Federal
Segundo dados da Receita, Glaucos da Costa Marques não teria renda para comprar o apartamento. E mostra que sua conta recebeu depósitos de seus próprios filhos.
"Há razoável suspeita de que em alguns anos (especialmente 2010, 2011 e 2013), além da possibilidade de sonegação de receitas, as contas bancárias de Glaucos da Costa Marques podem ter sido utilizadas apenas como interposição para passagem de expressivos valores de terceiros", diz o texto da Receita. Faltou explicar: laranja de quem?
Como apontou o GGN, o fio da meada era outro:
(...) quem se prestou a ler as 32 páginas do relatório descobriu que parte das movimentações financeiras estranhas de Glaucos está relacionada a empréstimos milionários que ele recebeu de seus filhos, ano a ano.
Em 2010, foram R$ 480 mil de Gustavo da Costa Marques e mais R$ 1,189 milhão de Fernando. Em 2011, o pai recebeu mais um total de R$ 3,1 milhões dos dois filhos. Em 2012, mais R$ 3,6 milhões. [O total passa dos R$ 8,3 millhões]
(...) em nenhum momento o relatório diz quem são os agentes implicados nessas movimentações.
(...) A análise da Receita sobre o comprador, o vendedor e a corretora imobiliária que intermediou a venda do apartamento 121, em São Bernardo, mostra que tudo ocorreu sem nenhum tipo de ressalva.
Lance 6 – Sírio desmonta movimento com visitas
Hospital confirma apenas a visita de contador do caso dos recibos de aluguel de Lula (clique aqui). Mas contador explica que recebeu pagamentos de Costa Marques por ter prestado serviços a ele de 2010 a 2015. Sustenta ter recebido periodicamente recibos relativos aos pagamentos de alugueis a partir de 2011. E informa ter colhido assinaturas de apenas alguns recibos. "Em apenas alguns meses, que embora tivéssemos os recibos, os mesmos não estavam assinados."
Lance 6 – Mate: Lula confirma ter recibos originais
O MPF estava questionando as cópias dos recibos. Lula informa, então, ter encontrado os recibos originais (clique aqui) e mais um conjunto de provas robustas
25/10/2017 – Defesa de Lula mostra e-mail que comprova pagamento
Conforme constatou o GGN, já havia vários elementos contradizendo Glaucos (clique aqui):
A defesa de Lula encaminhou à imprensa um e-mail em que Glaucos informa ao contador João Muniz Leite os valores do aluguel que recebeu ao longo de 2013, totalizando R$ 46,8 mil.
A pedido de Moro, a defesa de Lula apresentou comprovantes de pagamento de aluguel que abrangem os 4 anos de contrato.
Na audiência com Moro, Glaucos não disse em nenhum momento que os recibos em posse de Lula, referentes a 2015, foram assinados de uma vez só. No depoimento, ele só se preocupou em desqualificar a declaração do imposto de renda, que já estava em posse dos procuradores.
Em resposta a Moro e aos procuradores de Curitiba, o Sírio Libanês confirmou o depoimento de Roberto Teixeira, que negou em juízo ter ido ao hospital em 2015 para visitar Glaucos e tratar do aluguel. 
Além do e-mail trocado por Glaucos e o contador, há ainda um relatório feito a partir de dados da Receita Federal que mostram que não há nenhuma irregularidade na história da locação do apartamento em São Bernardo do Campo.
O que esse relatório revela, e foi completamente ignorado pela grande mídia, é o possível motivo para que Glaucos tenha resolvido mudar suas versões e colaborar com os investigadores.
O documento aponta que há movimentações suspeitas em anos em que ele recebeu empréstimos milionários de seus filhos. Em 2010, foram R$ 480 mil de Gustavo da Costa Marques e mais R$ 1,189 milhão de Fernando. Em 2011, o pai recebeu mais um total de R$ 3,1 milhões dos dois filhos. Em 2012, mais R$ 3,6 milhões.  
(...) Paulo Roberto Costa é um exemplo de delator que fez acordo e conseguiu imunidade processual para a família. Resta saber quais benefícios Glaucos - que vem mantendo um silêncio ensurdecedor a respeito dos recibos do aluguel - pretende obter nesta ação penal.
Lance 7 – Moro vira o tabuleiro
Quando percebeu que havia levado xeque mate na questão dos recibos, Moro acolheu pedido do Ministério Público e decidiu reabrir a fase de instrução, para interrogar de novo Glaucos da Costa Marques.
Ora, se houvesse dúvidas sobre a veracidade dos recibos, o papel do juiz seria ordenar uma perícia.
01/07/2016 – Depoimento de Gustavo da Costa Marques
E aqui se mostra o jogo de pressões e vantagens que tem sido a marca da Lava Jato.
Há indícios fortes de que Glaucos da Costa Marques era laranja, de fato. Mas de seu filho Gustavo da Costa Marques, Diretor de Relações Institucionais da Camargo Correia.
O cargo, lotado em Brasilia, é para contatos diretos com autoridades.
Gustavo depôs em 1o de julho de 2016 para Sergio Moro:
Conclusão - O jogo pesado da Lava Jato
A provável pressão colocada para Glaucos da Costa Marques foi simples. Se não ajudar a imputar a Lula a movimentação dinheiro em sua conta, a penalidade recairá sobre seu filho, podendo anular o acordo de delação premiada fechado com a Lava Jato.
Afinal, ou ele seria “laranja” de Lula ou seria do filho.
Com esse jogo, além de forçar uma acusação falsa contra Lula, a Lava Jato poderá estar livrando a cara não apenas do dono da conta laranja, mas também de todas as autoridades que foram subornadas com ele, através do laranjal montado pela diretoria de Relações Institucionais da Camargo Corrêa.
GGN

sábado, 28 de outubro de 2017

O elo entre a indústria da delação premiada e a máfia das falências no PR: a mulher de Moro, por Joaquim de Carvalho

Esta é a terceira reportagem da série sobre a indústria da delação premiada na Lava Jato, feita em parceria entre o Jornal GGN e o DCM e financiada através de crowdfunding. As anteriores estão aqui. Fique ligado.
Rosângela Moro e o marido, Sergio
Rosângela Maria Wolff de Quadros Moro é conhecida por sua atuação em defesa da APAE do Paraná, a ponto de ela mesma se anunciar em uma audiência pública no Congresso Nacional como representante do então vice-governador do Estado, Flávio Arns, do PSDB, que era (e é) presidente da federação das associações no Estado.
Isso antes da fama do marido, Sergio Moro.
Com a fama dele, a partir de 2014, alçado à condição de herói da Lava Jato, Rosângela também se tornou conhecida em promover o marido — criou no Facebook a página Eu MORO com ele, em que reproduz matérias elogiosas.
Pouco se sabe da atuação de Rosângela no sentido estritamente profissional do direito.
Ela apareceu na lista de advogados a quem o doleiro Rodrigo Tacla Durán fez pagamentos por serviços (não especificados) prestados, teve seu nome divulgado no site do escritório de um amigo de Moro, Carlos Zucolotto Júnior, como profissional da sociedade. Mas, no cadastro nacional da OAB, aparece como integrante de outro escritório de Curitiba, o Andrade Maia.
Ao portifólio particular de Rosângela, podem-se acrescentar serviços prestados também à família Simão, apontada em uma CPI de 2011 como integrante da Máfia das Falências do Estado, uma organização que se desenvolveu no seio do Poder Judiciário do Paraná.
Quem estava na linha de frente da defesa da família Simão é Marlus Arns, sobrinho do ex-vice-governador Flávio. A mulher de Moro também aparece como advogada de uma das massas falidas administradas pela família Simão, só que com menor destaque do que Marlus. É a da GVA, fabricante das famosas placas madeirit.
A GVA, ao quebrar, deixou as páginas de economia para entrar nas de polícia.
O presidente do Sindicato dos Trabalhadores nas Indústrias da Construção e do Mobiliário de Guarapuava, no interior do Paraná, Sirlei César de Oliveira, se lembra bem do caso da GVA, até porque até hoje luta para que os trabalhadores recebam algo das verbas rescisórias.
Marlus Arns
“Ninguém recebeu nada. A verba está depositada em juízo, mas eles não têm interesse em buscar a solução. Enquanto isso, vão administrando os bens e desviando o dinheiro que entra”, afirma.
O esquema da Máfia das Falências, revelado pela CPI, é engenhoso.
Pelas contas do então deputado estadual Fábio de Souza Camargo, presidente da CPI, pelo menos R$ 400 milhões foram desviados de empresas que quebraram e deveriam ser usados para o pagamento do Fisco, trabalhadores e credores.
A CPI foi encerrada antes do relatório por decisão da Justiça, mas Fábio e alguns deputados continuaram a investigar, com audiências públicas pelo interior do Estado, onde a máfia deixou rastro. Uma dessas audiências foi em Guarapuava, cidade da GVA. Marlus representou a família Simão.
Cobrado por não ter pago os trabalhadores, o advogado fez uma acusação séria. Disse que o sindicato tinha recebido honorários no valor de R$ 1,1 milhão, como adiantamento por honorários devidos — 10% sobre o valor da dívida total.
“Era mentira. O sindicato teria, sim, direito a honorários, mas assim que todas as verbas fossem quitadas, ou seja, 10% do total de R$ 11 milhões”, disse ao DCM.
Alguns meses depois de instalada, a CPI foi proibida de continuar funcionando pelo Tribunal de Justiça do Paraná, a pedido da Associação dos Magistrados do Estado. Na ação, a AMAPAR afirmou que agia em nome dos juízes de sua base, que estariam se sentidos ameaçados pelos parlamentares.
A AMAPAR não apresentou os nomes desses juízes. Ainda assim, como entidade de classe, teve o pedido de encerrar a CPI aceito pelo tribunal.
O argumento da associação é que a CPI foi criada sem que houvesse fato determinado que justificasse sua instalação. Para o presidente da Comissão, Fábio de Souza Camargo, era um pretexto. A CPI, segundo ele, estava chegando ao coração de uma verdadeira máfia.
Filho de um ex-presidente do Tribunal, desembargador Clayton Camargo, e irmão de uma juíza que atuava na vara de falências, Fábio disse que, ao contrário do que imaginava no início, a máfia não estava fora do Judiciário.
“Não era um esquema qualquer. Fosse um esquema montado com o fim exclusivo de fraudar os juízes e o Judiciário, um esquema ‘de fora para dentro’, ele já teria sido desmantelado. Ficou claro para mim, cada vez mais, que o esquema é de ‘dentro para fora’, ou seja, os operadores reais estão dentro das entranhas do TJPR”, escreveu ele, no livro “Poder, Dinheiro e Corrupção – Os Bastidores da CPI das Falências”.
Fábio diz que o livro, escrito e editado por ele, foi a alternativa que encontrou para revelar o que havia apurado na CPI. A obra chegou a ser proibida pela Justiça, e recolhida das livrarias, mas ainda assim é possível encontrar exemplares em alguns estabelecimentos.
Para esta reportagem, comprou-se um exemplar numa livraria da Universidade Federal do Paraná.
Rosângela Moro aparece como advogada da massa falida da GVA em pelo menos seis ações trabalhistas. Segundo o deputado Fábio, a contratação de advogados, com honorários a peso de ouro, era uma das formas utilizadas pela máfia para desviar recursos das massas falidas.
Não se pode afirmar que este tenha sido o caso de Rosângela.
“Nós chegamos a bloquear alguns pagamentos de honorários”, recordou o presidente do sindicato dos trabalhadores, que se lembra de Marlus, mas não de Rosângela.
“Era o Marlus que comandava toda a assessoria jurídica da família Simão, informou o sindicalista. Segundo a CPI, Marlus respondia ao mesmo tempo pela assistência jurídica da massa falida da GVA e também da Gran Comp Insumos e Compensações, uma das empresas que celebraram contrato de arrendamento da massa falida, a preço vil, segundo o deputado.
O conflito de interesses era evidente.
O então deputado Fábio Camargo autografa seu livro, recolhido pela Justiça
Marlus estava no dois lados do balcão e, mais tarde, a polícia civil descobriu que a arrendatária representada por Marlus nos negócios jurídicos tinha como proprietário um motorista, possivelmente laranja da família Simão.
Massa falida, arrendatária e advogado formavam um bolo só.
Rosângela advogar para uma quadrilha que fraudava a administração de massas falidas não é, em si, crime. Advogados costumam trabalhar para pessoas acusadas de ultrapassar a linha da legalidade.
O problema está na sua relação com Marlus Arns. Criminalista, Marlus se tornou um dos principais advogados das delações premiadas homologadas por Sergio Moro, na Justiça Federal.
Ele entrou para esse ramo mesmo depois de criticar, publicamente, o expediente.
Segundo a Folha de S.Paulo, Arns criticava o instituto da delação premiada nas aulas que dava na Academia Brasileira de Direito Constitucional.
Arns se tornou especialista em delação sem ter conhecimento específico nesse tipo de negociação — como, de resto, ninguém tem —, assim como foi advogado de administradores de massa falida mesmo tendo como especialidade o direito criminal.
O que pode explicar o destaque de Arns tanto em uma quanto em outra especialidade é as relações que possui.
Marlus defende as APAEs em diversas ações no Tribunal de Justiça de Justiça. Não custa lembrar: a responsável pela procuradoria jurídica da Federação da APAE, presidida por Flávio Arns, é Rosângela.
O elo não termina aí. O irmão de Marlus, Luiz Carlos, é dono de um curso de especialidade em direito à distância, onde pelo menos um integrante da Força Tarefa da Lava Jato deu aula.
Com a revelação de que Marlus atuou na linha de frente da defesa de integrantes da Máfia das Falências e Rosângela Moro foi um das advogadas contratadas, o juiz Sergio Moro fica numa situação, no mínimo, incômoda.
O que o deputado Fábio Camargo descobriu e publicou em seu livro é que a Máfia das Falências teve origem na prática de indicar sempre os mesmos advogados para gerir as massas falidas — com ações que, segundo ele, consistiam em lesar credores, trabalhadores e o Fisco.
O deputado apontou cinco escritórios que controlavam a maior parte das massas falidas em todo o Estado — a família Simão, à qual Marlus era ligado, tinha o maior número.
Com as delações premiadas, acontece a mesma coisa.
Basta olhar para o quadro de advogados que têm sido bem sucedidos nas delações em Curitiba para descobrir que eles se contam nos dedos de uma única mão.
Marlus estava fora desse clube fechado até que Beatriz Catta Preta, de São Paulo, desistiu da Lava Jato depois de costurar a maior parte dos acordos.
Alegando ameaças, disse que deixaria o Brasil. Chegou a anunciar Miami como seu novo endereço, mas é vista em São Paulo e, segundo advogados, até atende alguns clientes.
O clube restrito de especialistas em delação lembra o das falências, mas isso não significa que, na Justiça Federal, haja práticas criminosas.
Para afastar esse risco, advogados entendem que seria prudente abrir a caixa preta das delações e definir um protocolo de acordos, com regras claras e transparência, para que amanhã não se descubra que o instituto foi excelente para advogados que buscam fortuna e péssimo para a Justiça.
Depois de aparecer na Máfia das Falências, os Simão protagonizaram outro escândalo. Fábio Zanon Simão, irmão de Marcelo, era alto funcionário do Ministério da Agricultura desde 2015, por indicação do PMDB, e foi preso na operação Carne Fraca.
A acusação contra ele: cobrar propina para conseguir facilidades no Ministério da Agricultura.
Em 2015, quando foram divulgadas por blogs uma suposta ligação de Rosângela Moro com o PSDB, ela foi ao Twitter para dizer, em mais de um post:
Atenção tuiteiros. Não sou, nunca fui advogada de partido político algum, seja do pt, psdb, pdt, pqp. Tampouco sou filiada a partido politico. Não sou, nunca fui advogada de qualquer político. Fui, em meados de 2009-2010, advogada da uma massa falida na área trabalhista, cujos síndicos, aliás, me passaram o calote, nunca pagaram os honorários, razão pela qual pedi renúncia em TODOS os processos.
Na época, ficou sem sentido a referência à massa falida. O que tem a ver massa falida com os partidos?
Mas agora se sabe: ela estava falando da GVA.
Rosângela disse que renunciou à defesa das ações trabalhistas da massa falida, mas Marlus continuou, firme, na defesa dos Simão.
Marlus e Rosângela ainda se encontraram profissionalmente nos caminhos jurídicos da APAE e agora, de uma forma indireta, na Vara de Sergio Moro.
Quando se olha para a família Simão, vê-se Marlus na sombra. Quando se olha para Marlus, é impossível não enxergar pelo menos o vulto de Rosângela Moro. No cenário onde os dois atuam, destacam-se os pilares da Justiça.
.x.x.x.x.
PS: Encaminhei e-mail para Rosângela Moro com perguntas para esta reportagem. Até agora, ela não respondeu.
 GGN/DCM

segunda-feira, 9 de outubro de 2017

Youssef tentou usar acordo com Moro para anular condenação em Maringá, Cíntia Alves do GGN

Entre 1993 e 1996, Youssef participou de esquema que desviou mais de R$ 15 milhões da Prefeitura de Maringá. O julgamento só ocorreu em agosto deste ano, mais de duas décadas após o escândalo. O principal argumento do doleiro para não ser condenado foi o acordo que fez com Sergio Moro no Banestado. 
Fotos: Agência Brasil
O acordo de delação premiada que Sergio Moro fez com Alberto Youssef em meados dos anos 2000, no âmbito do caso Banestado, foi usado pelo doleiro como argumento contrário a uma nova condenação, agora pelo desvio de R$ 15 milhões da Prefeitura de Maringá. A sentença, proferida pelo juiz Joaquim Pereira Alves, da 3ª Vara Criminal de Maringá, saiu em agosto passado, e estabelece mais de cinco anos de regime fechado a Youssef, sem nenhuma das regalias que ele recebeu na Lava Jato.

O julgamento do esquema de corrupção já se arrastava há mais de 10 anos. O Ministério Público ofereceu em 2002 a denúncia relativa aos desvios praticados na Prefeitura entre 1993 e 1996. Mas o caso só foi aceito em 2009. De lá para cá, dois dos principais acusados (o então prefeito Said Felício Ferreira e seu secretário de finanças, Luis Antonio Paolicchi) já faleceram.

Na sentença, o juiz Joaquim Alves anotou que Youssef citou o acordo com Moro na tentativa de evitar mais uma condenação. O doleiro afirmou "que quando fez o acordo com o Sérgio Moro, em 2003, acabou englobando um acordo geral, englobando municípios e governo do estado." Youssef alegou que já havia colaborado com a Justiça e, inclusive, cumprido pena relativa aos desvios em Maringá.

Moro, à época do Banestado, concedeu benefícios a Youssef mesmo com o doleiro declarando que movimentou "cerca de R$ 245 milhões" em recursos ilícitos em apenas um ano, destacou Alves.

"O acusado Alberto Youssef, em sede de alegações, pleiteou alternativamente pela: a) suspensão da presente ação penal, pelo prazo de 10 (dez) anos, nos termos de colaboração premiada; b) declaração judicial de que o acusado já está cumprindo a pena, e de consequência a extinção da punibilidade; c) reconhecimento da atenuante da confissão espontânea."

Mas o juiz decidiu que o acordo de Youssef com Moro não acrescentou nada ao processo em tela.
Além disso, o juiz entendeu que Youssef não cumpriu pena nenhuma em relação aos crimes praticados em Maringá. E não só isso: "(...) conforme afirma o Ministério Público, o acordo foi rescindido com a reiteração delituosa do acusado Alberto Youssef na denominada Operação Lava Jato."

Segundo a denúncia, uma auditoria na Prefeitura mostrou que empréstimos eram tomados junto à Caixa Econômica Federal e declarados ao Tribunal de Contas do Estado de maneira fraudulenta.

Enquanto isso, os recursos eram desviados com ajuda da equipe que controlava a secretaria de finanças. O titular da pasta usava empresas ligadas a Youssef para lavar o dinheiro. Em três anos (1993-1996), R$ 15,4 milhões sairam dos cofres públicos - o equivalente a 21% da arrecadação anual do município. 

Arquivo

GGN

terça-feira, 12 de setembro de 2017

Áudios de Joesley Batista – JBS desnudam o projeto de poder do Ministério Público Federal, por Ali Mazloum

Existe certo padrão na atuação dos operadores do Direito. Conhecê-lo tem sido crucial para a sobrevivência na carreira do magistrado que vela por sua imparcialidade.
O Ministério Público Federal não convive bem com a oposição de ideias, sendo este um padrão de todos conhecido. Contrariar suas pretensões persecutórias pode levar o opositor ao opróbrio. Daí a existência de tantos juízes, na verdade tartufos togados, que simplesmente preferem chancelar até os piores desatinos formulados pelo órgão acusador.
Têm sido cada vez mais frequentes, lamentavelmente, persecuções penais midiáticas, marcadas pela indigência probatória, mas cercadas do aplauso passadiço das ruas.
Falta coragem para enfrentar o desejo de vingança que tomou de assalto o devido processo legal. Para cada caso, uma receita processual diferente.<
A vulgarização do instituto da colaboração premiada demitiu o investigador do dever de investigar. E, sabe-se que a condição de colaborador é conquistada somente com a delação de determinados alvos.
O acordo premial celebrado entre a Procuradoria-Geral da República e os irmãos Batista situa-se nesse standard, mas contém ingredientes que fogem ao padrão-MPF.
O episódio envolvendo o presidente da República, dissemos à época, retratava o chamado flagrante preparado e revelava uma tentativa rocambolesca de plantar provas.
Afora o impacto provocado pelas delações no meio social, político e econômico, nada havia em termos de prova. Podia-se divisar no acordo, todavia, uma imensidão de irregularidades, dentre elas até mesmo possível crime de responsabilidade atribuível ao chefe do MPF.
Os termos extremamente generosos do acordo de colaboração, contrariando o padrão-MPF, suscitaram fundadas desconfianças e deveriam ter merecido a total repulsa de todos.
Impende lembrar, a despeito das contundentes críticas, o Procurador-Geral da República foi de encontro até mesmo ao grosso da imprensa (o que também foge ao padrão-MPF), procurando vender seu produto como algo altamente vantajoso para o Brasil.
As conversas recuperadas pela Polícia Federal em equipamento de gravação utilizado por Joesley Batista, agora demonstram o total acerto das críticas àquele acordo e a necessidade imperiosa de investigar, com profundidade, os motivos ou o que haveria por trás desse trato mal feito.
É preciso rever imediatamente sua homologação pelo Judiciário, sendo o acordado passível de anulação ante a aparente combinação entre investigador e delator, o que retiraria o pressuposto da voluntariedade exigida pelo instituto, ou considerar sua rescisão pelas mentiras e omissões de outras tantas infrações praticadas pelos “colaboradores” (artigo 4º da Lei 12850/2013).
Muito estranha a repentina saída da carreira de um procurador da República que agora se sabe atuou nos dois lados da negociação. Altas autoridades já haviam chamado a atenção para sua contratação por escritório que cuidava dos interesses da JBS, pairando em torno disso a movimentação de alguns milhões de reais.
Surgiram nessas mesmas conversas recuperadas, dentre outras, que “o Janot não vai concorrer mais ao cargo. Ele faz parte do nosso escritório”. Ele falou: “Janot vai sair e vai advogar com esse mesmo escritório. Mesmo escritório que ele está hoje”.
O que veio à tona com a gravação desvelada não representa apenas graves ataques às instituições democráticas do país (e à sociedade), colhe-se dela fragmentos de um projeto de poder que há tempos é nutrido pelo MPF.
A intimidade que demonstram os delatores com membros do MPF, naquilo que foi até agora desnudado, não impressiona tanto quanto a deplorável conivência de procuradores com o intento dos colaboradores em destruir os Poderes da República.
Isso está claro em diversas passagens das conversas, sendo exemplo: “(Joesley) Ricardinho, eles vão dissolver o Supremo… Vou entregar o Executivo e você vai entregar o Zé… O Zé vai entregar tudo? ... Nós só vai entregar o Judiciário e o Executivo.... A Odebrecht moeu o Legislativo, nós vamos moer… Eu falei para o Marcelo [Miller, ex-procurador da República, que se demitiu do MPF para trabalhar para a JBS]: você quer pegar o Supremo, pega o Zé”.
A escandalosa descoberta não mereceu, de início, o devido enfrentamento. O chefe do Parquet preferiu antecipar-se à revelação feita pela perícia da Polícia Federal para promover insinuações desairosas contra ministros do STF. Optou-se por conceder entrevistas coletivas para analisar as reações do público em geral.
Não dissipadas as suspeitas que recaem sobre a atuação do MPF, decidiu-se, como se diz no jargão futebolístico, atacar para se defender. Ainda não se deu por descumprida a negociação com os delatores, ainda que estejam a alardear ou chantagear que têm ainda gravações escondidas.
Serodiamente está sendo retomado o curso das investigações dos diversos crimes perpetrados, em tese, pelos “colaboradores”. Ao lado dessa curial medida, sem o padrão-MPF, empreendem-se buscas domiciliares (estas quase uma semana depois da malsinada coletiva do PGR) e prisões temporárias de alguns dos envolvidos na negociação premiada.
A injustificada omissão e demora, porém, bem como o conteúdo das conversas desvendadas, não isentam o chefe do Parquet e seu staff de uma criteriosa investigação, especialmente diante da comprovada utilização deliberada de provas ilícitas para promover denúncias.
De toda essa lama que se espalha, três pontos ficaram bastante claros: é preciso desconfiar das 10 medidas “moralizadoras” apresentadas pelo MPF; deve-se rever o instituto da colaboração premiada, buscando seu aprimoramento, especialmente, formas de repressão à sua utilização publicitária; e, urge aprovar o projeto legislativo do crime de abuso de poder paralisado no Congresso Nacional, abrindo-se a possibilidade de o próprio ofendido promover a ação penal.
Ali Mazloum é juiz federal em São Paulo, mestre em Ciências Jurídico-criminais, especialista em Direito Penal, pós-graduado em gestão pelo Insper, professor de Direito Constitucional.

GGN

terça-feira, 5 de setembro de 2017

O Xadrez do canto de cisne de Janot, por Luís Nassif

No início da Lava Jato, trouxe aqui algumas previsões óbvias.

A primeira, que o excesso de poder corrompe. E por corromper não se entenda apenas o crime da corrupção lato sensu, mas também a onipotência de caminhar fora das regras.

A segunda, que à medida em que for terminando a fase de glória, os destroços viriam à tona, seja para aproveitar os últimos momentos de fastígio, seja pela percepção do fim da exposição pública.

O caso recente mais notório do Ministério Público Federal foi a aposentadoria do Procurador Geral Antônio Fernando de Souza. Para preparar o pós-aposentadoria, Souza negociou com Daniel Dantas, do Banco Opportunity. Em troca da retirada de seu nome da AP 470, o “mensalão”, ganhou um enorme contrato de advocacia da Brasil Telecom, na época controlada por Dantas, que era o principal financiador do valerioduto.

O MPF preferiu varrer o caso para baixo do tapete.

Marcelo Miller, o procurador que atuou para a JBS é filho direto dessa fragilização ética do MPF.

Peça 1 – entendendo Janot
Não há nenhum elemento, até agora, que lance dúvida sobre a idoneidade de Rodrigo Janot, stricto sensu. Assim como outros colegas de MPF, a melhoria substancial de salário trouxe deslumbramento de novo rico, consumo de bens de status e esse exibicionismo boboca de se especializar em marcas de vinhos, em mencionar lojas da moda em Londres e Nova York e comprar ternos em Miami.

Quando teve início a Lava Jato, era papel do PGR impedir os excessos da parceria procuradores-mídia, que pudessem ter consequências para a estabilidade do país.

Janot cumpriu seu papel por pouco tempo.

No dia 5 de dezembro de 2014, uma capa da IstoÉ – “As articulações de Janot que podem livrar o governo” – foi o ponto de não-retorno. Ali, Janot piscou. Depois da capa, mudou o comportamento. Cada vez mais o controle da instituição passaria a ser conduzido pela tropa barra pesada da Lava Jato de Curitiba.
Depois do baque inicial, Janot relaxou e aproveitou. Passou a usufruir das delícias da onipotência, do vale-tudo sancionado pela mídia, que logrou criar o clima do “ame-o ou deixe-o” do início dos anos 70, inibindo tribunais superiores e mesmo as críticas internas da corporação do MPF.

De repente, em vez de defensores da Constituição, o que se via eram procuradores em passeatas pelo impeachment, em militância pelas redes sociais, em um desvirtuamento amplo das atribuições que lhes haviam sido conferidas, do qual o símbolo mais humilhante foi um Janot, com um sorriso apalermado, carregando o cartaz “Janot, você é a esperança do Brasil!”.

A divulgação dos áudios finais da JBS mostra o resultado final dessa leniência moral, um bom exemplo da imagem real do MPF:

Do lobista Ricardo Saud, segundo furo da Veja:

“Cara, eu vou te contar um negócio, sério mesmo. Nós somos do serviço, né? (A gente) vai acabar virando amigo desse Ministério Público, você vai ver. Nóis vai virar amigo desse Janot. Nóis vai virar funcionário desse Janot. (risos). Nós vai falar a língua deles. Você sabe o que que é?”, questiona Joesley.
“A língua… domina o país… dominar o país”, completa Saud. Na sequência, Joesley dá a deixa: “Você quer conquistar o Marcelo? Você já achou o jeito. Cê quer conquistar o Marcelo? Você já achou o jeito. É só começar a chamar esse povo de bandido. Esses vagabundo bandido, assim”.

Peça 2 – para entender os últimos vazamentos
A entrevista de Janot, ontem à noite, visou exclusivamente limpar sua barra antes da posse de sua sucessora, Raquel Dodge.

Tudo indica que infiltrou dois procuradores junto à JBS: Marcelo Miller (que depois cuidou do acordo de leniência) e Ângelo Goulart Vilela, que foi preso depois da informação de que recebia pagamento mensal da JBS.

Ocorreu o mesmo fenômeno que acomete soldados do Exército, quando colocados para combater o narcotráfico: acabam expostos à corrupção. Aliás, o pior pesadelo de Janot ainda está por vir, quando Ângelo resolver contar o que sabe sobre seu trabalho de infiltrado. Ontem, foi em vão a tentativa de Janot de esquentar a “descoberta” das novas conversas da JBS. Sua tentativa final de tentar escandalizar a mera menção a Ministros do STF pelos auto grampeados é a pá de cal em suas pretensões.

É sintomático que a Globonews tenha dedicado mais espaço à morte de Rogéria do que ao caso Janot. 
Em defesa de Janot saliente-se que um dos trechos da gravação expõe as negociações da JBS com ele, mostrando que havia um jogo de pôquer não combinado entre ambos (clique aqui).

Há muitas razões para se prever um pente fino no trabalho de Janot: a própria Raquel Dodge foi vítima do jogo de Janot com a mídia.

Em um caso, havia indícios veementes de que aparelhos de escuta pudessem ter sido colocados em seu gabinete. Em outro, uma armação de Janot com setoristas do MPF, em uma reunião do Conselho Superior do Ministério Público, tentando classificar Raquel como inimiga da Lava Jato.

De qualquer forma, todos esses episódios serão reinterpretados nas próximas semanas, de acordo com as preferências políticas de cada ano, tendo como grande foco 2018.

Peça 3 – o jogo com as eleições de 2018
Há mudanças significativas entre o quadro político-jurídico do impeachment e o de agora.

O novo velho MPF
A cada dia que passa amplia-se a reação técnica interna no MPF contra a politização dos últimos anos.

No Distrito Federal, o procurador Ivan Marx devolveu credibilidade aos inquéritos, ao se limitar a analisar as provas dos autos, nas delações de Delcídio do Amaral e de insistir em analisar operações da JBS junto ao BNDES. Uma no cravo, outra na ferradura, mostrando que a missão do MPF é se ater aos autos.

Em São Paulo, uma procuradora exibicionista, frequentadora das passeatas do impeachment, assumiu o comando da Lava Jato paulista e saiu desfilando pela avenida, dando entrevistas a torto e a direito. Comprovando que, com todos seus defeitos, São Paulo não é uma província, como Curitiba, houve uma reação ao seu exibicionismo e ela acabou por se demitir, com o cargo indo para as mãos de um procurador discreto e técnico.

São sinais dos novos tempos trazidos pelo final da era Janot. Mas, também, o fim da pesada blindagem midiática da opinião média do MPF, que impedia os procuradores mais críticos de se manifestar.

Não se espere, portanto, do MPF nenhum lance a mais de corroboração às jogadas políticas.

O velho novo STF
Há um jogo extremamente delicado ocorrendo nas entranhas do STF.

Numa ponta, as estripulias de Gilmar Mendes, que desmoralizam qualquer poder. De outro o espírito de corpo da instituição que acredita que, abrir a guarda para qualquer movimento contra Gilmar, significará abrir a guarda para um efeito dominó que derrubará um a um os demais Ministros.

A preservação do STF interessa a todos os lados, inclusive aos lulistas. Afinal, a condenação de Lula pelo TRF 4 é jogo de cartas marcadas. O STJ (Superior Tribunal de Justiça) dificilmente colocará a mão no fogo. Assim, a esperança de uma eleição com Lula ainda reside no STF, apesar da enorme incógnita representada por Luiz Edson Fachin.

É evidente que o legalismo de Gilmar é de última hora e visa defender os seus. Mas cria-se esse paradoxo de ter que se defender Gilmar, para preservar o STF, vendo no Supremo a esperança tênue de voltar a garantir a legalidade. E sabendo-se que, na hora crucial, chegando ao Supremo, os factoides jurídicos para boicotar a candidatura de Lula serão manobrados por Gilmar, o Ministro que desenvolveu a incrível capacidade de se tornar borboleta e voltar a ser larva a qualquer momento.

A lava jato
Aberta a caixa de Pandora é possível que comece a vir à tona a história oculta da Lava Jato e o papel do primeiro-amigo Carlos Zucolotto.

Na primeira metade dos 2.000, o juiz Sérgio Moro foi alvo de escutas no Paraná. Enfrentava uma quadrilha barra-pesada, chefiada por Toni Garcia, que chegou a disputar o governo do Estado. No meio do caminho desconfiou que estaria sendo grampeado e ordenou a investigação sobre os suspeitos, mas mantendo-se no caso e com pleno controle sobre as provas levantadas. O procurador era Carlos Fernando dos Santos Lima, da Lava Jato.

Terminou negociando um acordo de delação com Tony Garcia, pelo qual chegou ao advogado Roberto Bertholdo e aos arapongas. Recuperou seis minifitas com horas de gravação. Nas fitas, havia apenas grampos selecionados, de interesse dos arapongas: conversas com procuradores, desembargadores e com o primeiro-amigo Carlos Zucolotto – o mesmo que recebeu pagamentos do doleiro Tacla Duran. Qual seria o teor da conversa entre Moro e Zucolotto a despertar interesses dos arapongas?
Moro ficou até o final das investigações, apesar de parte interessada, e abriu mão das gravações, alegando que não eram relevantes para a apuração do grampo, já que o mandante havia confessado e grampeado Bertholdo. Até hoje não se sabe o teor dos grampos.

Podem ter sido conversas banais, podem ter sido conversas comprometedoras, mas não necessariamente sobre atos ilegais.

A questão é que, assim como no caso do pagamento do doleiro a Zucolotto e à senhora Moro, o conteúdo das conversas e do contrato foi mantido sob estrito sigilo.

A velha mídia escondeu o episódio do pagamento do doleiro a dona Rosângela Moro. Mas a bomba ficou guardada para uso em caso de necessidade.

O fator Globo
A Globo está atuando em duas frentes para brecar Lula.

Uma, a frente em vigor, de criminalização de Lula através da Lava Jato. Por isso é importante, neste momento, a preservação de Moro.

A segunda, é um movimento de construção de imagem do presidente da Câmara, Rodrigo Maia, para a apresentação de uma proposta de reforma política que jogaria as eleições para 2020.

Por isso mesmo, há um conjunto de armas na mesa, a serem utilizados pela Globo de acordo com as circunstâncias, incluindo a possibilidade de ataques aos Ministros individualmente.

Janot é mais previsível que o ratinho de Pavlov.
Assim como em 2015, bastaram algumas publicações e blogs de direita acusarem-no de petista – como fez o Ministro Gilmar Mendes – para o ratinho reagir pavlovianamente.

Enfraquecido, denuncia Lula, Dilma, Palocci, Edinho e o PT como sendo uma organização criminosa, com um linguajar que não deve nada aos truculentos da Lava Jato. E, pagando o óbulo, tenta reconquistar o apoio da mãe Globo.

Tão óbvio e previsível que o nome do arquivo com a denúncia é "quadrilhãoPT", para Janot provar a Gilmar que não é petista. Perto desses primários, Gilmar é o próprio Pelé enfrentando o Jabaquara.

GGN