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segunda-feira, 27 de novembro de 2017

O STF e a bandidagem política, por Aldo Fornazieri

O atual Supremo Tribunal Federal é o mais indigno da história do país. Durante o regime militar, o STF teve ministros cassados e houve uma alteração imposta pela força militar para torná-lo um órgão subserviente ao poder armado. O atual STF não sofre nenhum constrangimento armado, mas resolveu galgar os pináculos da indignidade por vontade própria. Certamente existem alguns ministros sérios, honestos e responsáveis. Contudo, seja por decisões coletivas ou seja por decisões individuais, a fisionomia que o STF foi adquirindo não é a do tabernáculo das leis, a do guardião da Constituição, mas a de casamata de corruptos, de golpistas e de criminosos do colarinho branco.
​Quando o colegiado do STF se reúne, não resplandece de lá a luz da razão, a garantia da imparcialidade, a proteção legal da Nação, a segurança jurídica de um povo. Nessas reuniões, alguns dos ministros encapotados são expressão de entes sombrios, fautores de rituais malignos, assumindo o figurino de sacerdotes de templo luciferiano. Sim, porque dali o bem público não é protegido, os princípios e fundamentos da Constituição republicana e democrática são pisoteados e a sagrada função de exercer o controle constitucional dos abusos dos outros poderes é sacrificada no altar dos conchavos, da promiscuidade e da servilidade criminosa que se justifica nas teses, igualmente criminosas, da moderação, da conciliação e da harmonia dos poderes. São teses criminosas porque são capas ideológicas para disfarçar a falta de direitos para o povo, para acobertar a extorsão recorrente do Estado que tira dos pobres para dar aos ricos.
Esse STF não merece o menor respeito. Como pode ser respeitada uma Suprema Corte cujos ministros se reúnem na calada da noite com aqueles que devem julgar? Como merece respeito quando se sabe que alguns ministros assessoram um presidente ilegítimo e denunciado de cometimento de vários crimes? Como merece respeito diante do fato de que ministros mantêm relações promíscuas com senadores e deputados acusados de vários crimes? Como merece respeito em face da omissão diante de inconstitucionalidades graves de instrumentos legais a serviço da proteção de corruptos e criminosos? Como merece respeito ao abrir mão de um princípio fundamental da Constituição e de um direito de ser a decisão em última instância para salvar o mandato de um senador corrupto como Aécio Neves? Como merece respeito quando se tem ministros que não tem a cautela e nem a prudência, não têm o senso de proporção, ao não guardarem distância de políticos e empresários a quem poderão julgar futuramente? Numa democracia descente, alguns desses ministros deveriam ser julgados por sedição, por conspiração contra o Estado.
A salvação de Aécio Neves é um caso emblemático, já que ele expressa o apogeu da indignidade do STF. Naquele ato, o STF não atravessou o Rubicão, pois quando Júlio César o atravessou, foi um ato de coragem. A salvação de Aécio foi um ato de covardia. Foi como se a maioria dos ministros, presididos pela sacerdotisa do mal, abrisse as portas da cidadela para que os corruptos a tomassem sem luta, como se fossem convidados e entrar amigavelmente.
Aquela decisão abriu as portas para que deputados estaduais e vereadores criminosos se sentissem protegidos pelas suas Casas, por raciocínio análogo. A escandalosa, criminosa e inconstitucional libertação dos três deputados no Rio de Janeiro, por decisão da Assembléia Legislativa, está implicitamente autorizada pelo ato de salvação de Aécio Neves, mesmo que naquela resolução a extensividade para as instâncias inferires dos Legislativos não esteja escrita. O fato é que o STF transformou o poder político em poder judicial, destruindo o sentido manifesto da Constituição republicana.
O STF tornou-se a casa da incoerência: o que valeu para Delcídio, não valeu para Aécio e o que não valeu para Aécio agora poderá valer para deputados estaduais e vereadores. O STF é uma casa anarquizada: não há regra clara para definir as questões que podem ser julgadas por um ministro, por uma turma ou pelo pleno. O STF é a casa da protelação: um ministro pode pedir vistas a uma questão em julgamento sem nenhum prazo para o seu retorno. Assim, as vistas se tornaram ardis inescrupulosos, usados por ministros para atender interesses forasteiros e inescrupulosos de políticos, de empresários, de grupos econômicos.
Veja-se o escandaloso caso do pedido de vistas do julgamento do Foro Privilegiado, feito pelo ministro Dias Toffoli. Ele alegou ter dúvidas sobre o tema. Ora, Toffoli foi nomeado ministro em 2009. Será que de lá para cá não percebeu que o Foro Privilegiado é uma excrescência, um câncer da nação, um tridente empunhado por políticos e autoridades corruptos para garantir a sua impunidade? Sim, Toffoli, que se tornou ministro com méritos e virtudes duvidosos, deve saber disso. Mas decidiu usar uma espécie de experiente de obstrução, não cumprindo com o dever de dar celeridade e agilidade a um caso de alto reclamo popular. Toffoli é pago pelo erário do povo e o STF custa caro ao povo. É indigno, vergonhoso, usar esses expedientes para protelar decisões, criar ineficiência e proteger corruptos.
A falsa tese da independência dos poderes
A esperteza corrupta e escorchante das elites brasileiras e dos seus áulicos intelectuais criou a tese da independência e harmonia entre os poderes, algo que nunca foi um princípio da Constituição republicana moderna. Na verdade, o fundamento dessa Constituição é o da separação do poder em três ramos distintos e a definição de equilíbrios, pesos e contrapesos na relação entre esses três ramos, com a ingerência parcial de um poder no outro. Assim, a relação não é de independência e nem de harmonia. É de conflito e de controle mútuo. Existe vasta teoria sobre o assunto e basta ler os seus formuladores, destacadamente Montesquieu e, particularmente, os Federalistas.
O que espanta, no caso da crise brasileira, é que analistas de direita e alguns de esquerda se unem para defender a tese da independência dos poderes, que se traduz em tese da impunidade e de proteção de corruptos. Curiosamente, os analistas de esquerda que assumem essa excrescência acusam os militantes dos partidos de esquerda que defendem a punição do corruptos, a exemplo de Aécio e dos deputados peemedebistas do Rio de Janeiro, de serem moralistas ingênuos etc.
A exigência de moralidade pública é um preceito das Constituições republicanas e democráticas, uma demanda ética e moral da sociedade e um dever daqueles que se dispõem a servir o bem público. A corrupção é a negação do Estado Democrático de Direito, é incompatível com um posicionamento de esquerda e não pode ser aceita por aqueles que pugnam por uma sociedade mais justa, igualitária e livre.
A corrupção é uma podridão que apodrece as condutas, a eficiência e a prudência de quem governa. Nenhum governo corrupto se habilita para produzir inovações reformadoras profundas, nem o progresso e a grandeza dos povos e das nações. A corrupção, em todos os tempos, afundou os líderes no lodo da indolência, produzindo a desorganização dos Estados e a miséria dos povos.
Estados e governantes corruptos não geram a confiança necessária nas sociedades, o que termina gerando o extravio dos governos e das políticas públicas. Nenhum governo é bem sucedido se  carece da confiança social. Ser corrupto é roubar o que é do povo, o seu remédio, a sua saúde, a sua educação, a sua cultura. Numa democracia séria, os corruptos não podem governar e políticos corruptos devem parar na cadeia.
A militância de esquerda não pode confundir o combate necessário que se deve fazer a setores do Judiciário pela sua ação parcial e persecutória contra Lula com a necessidade de combater a corrupção. Diante do governo mais corrupto da história do Brasil, diante do PMDB que é um lodaçal de corrupção, diante da impunidade de Aécio Neves e diante das tragédias e ineficiências que a corrupção gera, a militância de esquerda deve empunhar a bandeira de combate a corrupção, pois ela é o grande mal que apodrece todas as repúblicas e mantém os povos na pobreza, sem acesso aos direitos fundamentais e aos bens básicos.
Aldo Fornazieri - Professor da Escola de Sociologia e Política (FESPSP).
GGN

quarta-feira, 18 de outubro de 2017

A democracia ameaçada, segundo Pedro Serrano

A democracia ameaçada , segundo Pedro Serrano
Nos últimos anos, o jurista Pedro Serrano se converteu em um dos mais competentes analistas sociais do país. Através do estudo aprofundado das mudanças nas leis e nas constituições, Serrano entra no terreno da formação das ideias e princípios, das mutações na opinião pública, refletindo-se em um neoconstitucionalismo que visa erradicar os princípios humanistas que regeram as Constituições no pós-guerra.
Na segunda-feira passada, Serrano proferiu brilhante palestra na Escola de Governo.
Abaixo, uma síntese do que foi dito
A crise política atual não é apenas do modelo de Estado, mas do modelo de vida pós 2a Guerra.
No direito constitucional se confunde República com Democracia. República significa a periodicidade do mandato. É um conceito que explica toda a estrutura do Estado, das instituições, da estabilidade do funcionário público aos cargos de confiança, subordinando tudo ao grupo que foi eleito. Toda a estrutura foi pensada a partir dessa conceito.
Outra noção é da República a partir do conceito de bem público.
Ressurge, então, a ideia de democracia e da soberania popular, que refunda a ideia da República, a noção de bem público.
O primeiro ciclo democrático, logo depois das Revoluções francesa e americana definiam um contrato social anterior ao Estado, que precedia os governantes.
A idéia central do liberalismo político é que as pessoas têm o direito de se levantar contra o governante que não respeitem o contrato social.
Até então, a democracia significava o voto da burguesia, os que detinham a propriedade e a renda.
Por isso, as primeiras constituições do mundo visavam conter os ímpetos das revoluções populares. Foi assim com a Constituição francesa, limitando o coto censitário à burguesia; e a Constituição americana, visando conter as leis dos estados, muitas delas beneficiando os pequenos produtores.
Ao longo dos séculos houve transformações intensas através dos mecanismos de resistência, que levaram gradativamente as mulheres, os trabalhadores, os negros a conquistar espaço, marcadamente no final do século 19, criando a ideia da democracia universal e do bem público no sentido amplo.
Nesse período, as teorias política e jurídica democráticas tendiam a fortalecer a ideia da soberania popular: democracia é a decisão tomada pela autoridade investida para tal, que seguem determinados procedimentos, respeitando direitos das minorias etc. É um sistema que pressupõe a ideia de conflito social e político e visa compor os conflitos através de ideias regradas.
O bem público é tido como bem do Estado, titularizados pelas autoridades democráticas e guiados por determinados procedimentos e pelos limites de autoridade que a Constituição estabelece.
Até então, a Constituição ficava no mesmo patamar das leis comuns.
A era do humanismo
As tragédias da 1ª e 2ª guerra geraram grandes problemas para a humanidade. A 1ª Guerra Mundial foi causada pela democracia. A 2ª Guerra demonstrou o grande problema simbólico, de regimes totalitários que ascenderam pela via democrática. E irão se transformar em regimes autoritários pela via das leis aprovadas pelo Congresso e convalidadas pelo Judiciário.
Na Itália, várias leis produzidas na década de 20 levaram ao fascismo. Na Alemanha, três meses depois de eleito, Adolf Hitler promulgou a Constituição de Weimar que, no artigo 48 abria a possibilidade de decretação do estado de exceção. O Parlamento aprovou e o Judiciário aceitou.
Assim como no episódio do impeachment brasileiro, foi golpe no sentido material, mas não no sentido formal. O nazismo e o fascismo eram doenças da razão, movidos por ideias tidas como científicas e valendo-se dos instrumentos democráticos.
O pós-guerra trouxe para o homem ocidental a perda do sentido tanto da razão como da democracia, mostrando-se formas vazias que não necessariamente significavam melhorias éticas e sociais. 
Toda história do pensamento político e humano no pós-guerra, foi uma busca de resgatar esse sentido. No Direito, as Constituições do pós-guerra tentaram a recuperação dos princípios democráticos e republicanos.
A Constituição deixou de ser vista apenas como conjunto de normas que estipula autoridades e procedimentos e passa a ser conjunto de normas que estabelecem conteúdos, opções morais e políticas que não são colocadas à disposição das maiorias eventuais. E esses valores são os chamados direitos humanos, negativos e positivos: os negativos, de liberdades respeitadas e os positivos, das obrigações de realizar direitos sociais.
O bem deixa de ser visto como elemento material. Bem púbico passa a ser visto como elemento imaterial, de obediência aos direitos fundamentais. Deixa de ser público, no sentido Estatal, mas do bem comum.
No Ocidente desenvolve-se uma visão humanista da democracia como sendo a convivência comum. As pessoas passam a assimilar a subjetividade democrática, a tolerância, voltada para encontrar o senso comum, uma forma de vida compartilhada; por isso os direitos sociais. 
Não existe bem comum em uma sociedade com modos de vida diferentes, que não partilham das mesmas formas de vida.
E esses valores vão se espalhando nas relações pessoais, no respeito à divergência, na solidariedade com a dor, na benevolência com o adversário caído.
A truculência dos novos tempos
Agora, as novas formas do capitalismo levam a um divórcio entre liberalismo econômico e político. O Capital passa a ter outra conformação: capital financeiro-tecnológico-militar.
Necessita muito mais do Estado para poder se reproduzir. O Estado é o grande garantidor de todas as operações do mundo.
Esse modelo produz grandes desigualdades sociais e passa a exigir um Estado mais autoritário, com maior repressão. Coloca em crise todo o modelo de Estado do pós-guerra.
Introduz-se, então, o neoconstitucionalismo. Ingressa-se em um novo período no qual entra em crise a ideia da Constituição, da República como bem comum, de direitos sociais como fundamentais para a democracia.
É só conferir a ampliação do número de presos, de mortos. Aqui no Brasil se tem a polícia que mais Mara e morre no mundo, 3.500 assassinatos por ano, 60 mil mortos pela violência, 60% dos presos sem direito de defesa.
Não estamos mais na época dos governos de exceção, mas da nova forma, de medidas na democracia com viés autoritário. Leis e procedimentos democráticos são utilizadas para ampliar o estado de exceção. Aqui, o sistema de justiça é o autor soberano das medidas de exceção, tendo como base social de apoio a ralé que busca a ordem e os órgãos de mídia que reproduzem esse espírito.
Adota-se o direito anglo-saxão, que parte da ideia de nação única, que favorece o domínio da elite branca sobre o restante da Nação. Os demais grupos acabam não tendo representação no sistema de justiça, no sistema político.
Mudam-se os valores. Passa a imperar a força bruta, a intolerância, o preconceito.
Volta-se à Constituição de 1934 que, no artigo 139, estipulava a eugenia como mecanismo de criação da educação, estimulando o veto aos casamentos interraciais e inter-sociais, só integrando os brancos que vieram da Europa.
É o caso do Supremo, hoje, votando a favor do casamento homoafetivo, do aborto. Mas votando a prisão em segunda instância, justamente aquela que pega a periferia, em um momento em que o desenvolvimento da defensoria pública permite um mínimo de defesa jurídica para os de baixo.
 A Constituição corrompida
Por ser extensa, a Constituição brasileira amplia brutalmente o poder do Judiciário para avançar em todos os temas. Ela exige um Judiciário que se ligasse ao comum, que encontrasse no interesse público o significado da Constituição.
Mas ocorre uma corrupção do sentido da Constituição, como garantidora dos direitos fundamentais. Há um esvaziamento do sentido que levou à sua votação, o sentido do que é público: direitos sociais amplos, penal restritivo.
O Judiciário é o lugar da política interpretativa; o Supremo toma a decisão política institutiva, de instituir novas leis sem nunca ter sido votado.
Ou, então, de combater o crime. Nos sistemas democráticos, nunca foi papel do Supemo de combater o crime. Esse é papel do Ministério Público, da polícia. O papel do Judiciário é garantir que as decisões do campo penal obedeçam aos direitos constitucionais fundamentais.
Com isso, a ideia do bem comum como constituinte da República vai se esvaindo. É uma nova modelagem de Estado que esvazia a democracia.
A democracia é um estado de guerra, mas permeado por movimentos de diplomacia. É diálogo e é conflito.
Vivemos longo período de diálogo. Agora, estamos na guerra. E tenta-se consolidar o Estado de Exceção com teorias pretensamente científicas, similares ao do racionalismo alemão que levou ao nazismo.
No campo do direito, surge a teoria da bandidocracia, o direito penal do inimigo. São teorias fraudulentas do direito, que visam transformar a Constituição.
A democracia é um sistema vivo, no qual ora os direitos estão em expansão, ora em refluxo.
A efetividade da Constituição depende da lealdade de seus aplicadores aos princípios definidos. Em relação ao direito à moradia, quem interpreta melhor a Constituição? Os movimentos de direitos à moradia ou o Judiciário que ordena a retomada da posse? Os movimentos, óbvio. Quem é o titular da interpretação da Constituição éa população, não a autoridade. O centro do direito é o povo no exercício amplo de seus direitos.
Por isso, a única forma de defender e ampliar os direitos é através do confronto (não o confronto violento ou armado), da transgressão. Não há democracia sem que se permita certas formas de transgressão. No mundo anglo-saxão permite-se a transgressão como forma de assimilar conflitos.

GGN

domingo, 9 de julho de 2017

Reflexões: A eleição para a Esquerda como vencer e governar, por Alexandre Tambelli

Foto: Agência Brasil

A eleição para a esquerda: reflexões sobre como vencer e governar

Justifico, antes de tudo, a presença deste texto sobre o comportamento adequado das esquerdas em uma campanha eleitoral e nos governos (discurso e ação) porque não vejo no horizonte atual uma chance expressiva de serem abortadas eleições diretas antecipadas (mais remota as chances em começo de julho de 2017) ou em outubro de 2018. O fracasso do Golpe e do Governo Temer são notórios e a imensa maioria dos brasileiros quer uma nova Eleição Direta para Presidente (a) e Congresso. Ela virá.

E não existem as condições reais de retirar as esquerdas e os progressistas do pleito de 2018, é acionar uma bomba que pode explodir no lugar indesejado pelos golpistas e antes da hora. Com ou sem Lula teremos nosso(s) candidato(s).

São ideias, não fechadas e para diálogo e reflexão dentro das esquerdas de caminhos exitosos eleitorais e práticos. Acredito que a organização de caminhos a seguir em busca de um novo Governo Federal de esquerda exitoso no Brasil deve levar em conta três partes indissociáveis que formam um indivíduo:

1) O Ser social (o coletivo e a inserção na sociedade);

2) O Ser individual (a interioridade exclusiva e os desejos particulares);

3) O Ser espiritual e sua religião particular ou não (ateus; espiritualistas, mas sem religião).

Não vamos produzir um resultado governamental satisfatório se pensarmos só o Ser social ignorando as duas outras partes elencadas e indissociáveis de um indivíduo.

No Brasil com a religiosidade muito presente e o individualismo muito arraigado pela Educação meritocrática em casa, via meios de comunicação e na escola não podemos realizar uma campanha eleitoral com discurso segregador, discurso que afaste do campo de voto das esquerdas as pessoas com ideias outras sobre temas diversos no campo dos direitos civis, das convicções religiosas, da visão do papel central do Estado na sociedade brasileira em desenvolvimento (conscientes ou inconscientes deste papel), dos programas sociais (conscientes ou inconscientes), etc., porém, solidárias e capazes de compaixão humana para com as injustiças sociais e outras injustiças, até de cunho pessoal.

Exemplo aglutinador. A questão do aborto e sua descriminalização.

Trabalhar o tema corretamente em campanha, para que um dogma religioso cristão e a opção do aborto por parte de uma mulher, que não é cristã, não afaste a opção de voto no mesmo candidato de esquerda. Ao invés de fugir do tema aprofundemos o problema, entremos na seara da questão da saúde pública e do Estado Laico. Não nos deixemos simplificar e cair no discurso de campanha que torna inimigos figadais quem é a favor ou contrário ao aborto e incomunicáveis no voto.

Política é um processo Educativo, aglutinador e não calculista e fugidio.

Também não podemos nos contentar apenas com um discurso no campo do Social.

Deve haver mediação e observação contínua das palavras e dos discursos.

Não podemos mais perder o voto parlamentar recebendo apenas o voto no Executivo porque a nossa proposta não abarcará as/ tentará anular as reformas neoliberais da Previdência e do Trabalho, porque temos propostas inclusivas economicamente para o todo da sociedade e seus trabalhadores.

Governar daqui para frente será preciso ter estas três partes do indivíduo elencadas bem compreendidas para mudar o quadro atual de um Parlamento não ser composto de uma maioria aliada ideologicamente com o Executivo eleito.

O voto no Brasil para o Executivo, se pensarmos bem, não segue a lógica do voto para o Legislativo.

No Legislativo o voto é personificado e dado a quem o Pastor indica, ao que representa o movimento católico X, Y e Z, à personalidade midiática, ao político que simplesmente é contra o político X, Y e Z, ao político aliado da mídia, empresário e/ ou patrocinado pelo Poder econômico, ao militante do LGBT, ao que aparece no santinho ao lado do candidato que se decidiu votar no Executivo sem prévia descoberta de quem ele é pelo eleitor, ao candidato aventureiro que vai ter 500 votos no máximo para Deputado Federal/Estadual em um Estado como São Paulo, ao candidato do sindicato X, Y ou Z, ao candidato em defesa do meio-ambiente, ao candidato do “bandido bom, é bandido morto”, ao candidato que faz o churrasco de confraternização na época eleitoral e promete reformar o posto de saúde e colocar uma creche no bairro, etc.

Não é feita a associação necessária: Executivo + Legislativo pela maioria do eleitorado para a boa Governabilidade e as propostas do Executivo terem a possibilidade de ser implementadas de maneira mais segura.

Busquemos caminhos para o voto ideológico, universal (visando toda a população) no Legislativo ser mais contemplado do que o voto utilitarista, classista e personificado, sabendo de antemão e sem ingenuidade da minha parte, que há toda uma força opositora na mídia hegemônica em favor do 1% mais rico e não da sociedade como um todo, um conservadorismo de costumes e de religião em parcelas da sociedade e radicais de extrema-direita aflorados nestes últimos anos no pré-Golpe e no Golpe em si.

Lembrando, com a destruição da imagem da Política produzida de forma pensada, quando o Sistema e seu modelo neoliberal precisa (ou) retomar o Poder e mantê-lo à força, o voto branco, nulo e as abstenções crescem. É o tal de combate à corrupção, que entra em evidência e massifica, controla o noticiário e as discussões políticas entre os brasileiros!

Ainda mais hoje, neste Brasil dividido em frações e que está fortalecendo um ódio à Política e uma intolerância a qualquer diversidade, se torna necessário pensar em um discurso outro, que não separe e ao mesmo tempo possa ser tolerante com as diferenças.

Não dá mais para fugir, também, de uma campanha eleitoral voltada a uma Educação Política e que ela seja sem a predominância da marquetagem, buscando fortalecer uma consciência coletiva da importância de erradicação da profunda desigualdade social entre classes sociais, problema crônico no Brasil e causador central da violência cotidiana que nos acostumamos a conviver, para combate da desigualdade e da violência com apoio do brasileiro médio às medidas efetivas e progressistas.

Coloquemos acima da vontade particular de um revolucionário (por exemplo, a implementação de um modo de produção socialista), a consciência de que há um brasileiro existente, para além desta Revolução justa, que é educado dentro do e para o Capitalismo + a meritocracia + o individualismo + o empreendedorismo particular e, principalmente, para o consumo e distante está do ideário do socialismo das esquerdas clássicas. Sem contar a Teoria da prosperidade, que hoje, atinge até 50 milhões de evangélicos brasileiros.

Este brasileiro existente não pode ser esquecido em nenhum programa/discurso eleitoral de campanha e nas ações governamentais, é um fato a ser ponderado, senão, o discurso, que é teórico, na prática não surte resultado, não se transforma em apoio efetivo às ideias e ações práticas.

O brasileiro existente nem sabe sobre o que um revolucionário de esquerda discursa, no fim de tudo não rende votos, se rendesse, partidos de extrema-esquerda como o PCO e o PSTU teriam votos, ao menos, para elegerem uma dezena de parlamentares e sequer 1 parlamentar elegem no Brasil.

A transformação do modo de produção é uma tarefa que só surtirá efeitos numa mudança radical do modelo educacional brasileiro, para esta mudança ser possível e efetiva a Eleição de Congresso e Governo Federal progressistas continuadamente se fazem necessários.

Sem um modelo Educacional diverso do atual e consciência social e política coletiva dos brasileiros não se faz uma Revolução, como a desejada pela extrema-esquerda nem se consegue produzir uma consciência coletiva para a criação de um Projeto de Nação soberano, desenvolvimentista e inserido no concerto das nações pela porta da frente.

Unamos forças em uma candidatura progressista e em defesa dos interesses nacionais e vamos à Luta! Mesmo que na mídia, no horário eleitoral e nos debates predomine o tempo para a direita e a extrema-direita podemos chegar com nosso discurso e nossas propostas de formas variadas ao eleitorado, se bem organizados estivermos e unidos. Temos de ir onde o eleitor está.

A intolerância e divergência clássica e continuada dentro das esquerdas, também, precisam ser minimizadas, os interesses do Brasil e seu povo estão acima dela e acima das propostas individualizadas de correntes políticas dentro da esquerda política brasileira.

O discurso do candidato das esquerdas precisa ser Educativo, ensinar a importância da Política e do voto no Executivo e Legislativo casados para a confecção de um Brasil outro e melhor de se viver e contemplar na propaganda eleitoral, nos comícios, nas abordagens ao eleitor as três partes indissociáveis elencadas que formam o indivíduo.

Não há temas tabus e medos, porque se acreditou até agora que determinados temas não devem ser discutidos em períodos eleitorais e nem por Governo de esquerda eleito, porque supostamente podem gerar perda de votos e apoio popular.

O que perde votos e apoio popular, penso eu, é não deixar claro o que se pretende fazer no Governo. É aceitar uma campanha idêntica, via marqueteiro, das campanhas da direita política. É deixar a direita e a extrema-direita se mostrar próximas em Ideologia e propostas de um Governo das esquerdas, por medo de um embate mais aprofundado dos temas tabus e dos modelos socioeconômicos de desenvolvimento possíveis para a construção das relações sociais entre diferentes.

Podemos definir em campanha a temática e os posicionamentos diante das três partes indissociáveis do indivíduo.

1) Na parte Social:

Deixar clara a diferença entre modelos socioeconômicos de esquerda e de direita (neoliberalismo, socialdemocracia, socialismo, etc.); falar das funções do Estado, porque devemos valorizá-lo e da sua importância como indutor e organizador das relações sociais; discutir as reformas trabalhista e previdenciária didaticamente mostrando os interesses divergentes entre as forças do Capital (diminutas pessoas) e a classe (gigante em número de pessoas) dos trabalhadores; falar da importância do desenvolvimento industrial com valorização do investimento em Educação + Ciência e Tecnologia por parte do Estado para geração de empregos qualificados e bem-remunerados; da importância da soberania do Estado brasileiro em um mundo globalizado; da importância de lutar pela defesa de nossos recursos naturais, das reservas indígenas/ parques ambientais, dos biomas brasileiros e lutar contra os desmatamentos em florestas discutindo o tema poluição, a água como bem público, etc.; da importância de uma relação harmônica da sociedade com o meio-ambiente; falar abertamente da questão da dívida pública e dos juros altos (prejudiciais à industrialização); da quase metade do PIB direcionada aos bancos e sobre a economia não produtiva almejada pelos banqueiros; sair em defesa de uma auditoria da dívida pública e em defesa de uma Reforma Tributária com impostos progressivos; falar abertamente da importância de uma Reforma Agrária, da violência no campo por parcela de latifundiários e da Agricultura Familiar; discutir e defender posições claras sobre Direitos Humanos, sobre o Sistema Prisional brasileiro, sobre a existência ou não de uma Polícia Militar; falar da importância de uma democratização dos meios de comunicação implementando uma mídia plural e prestadora de serviços à comunidade, que valorize a cultura nacional em sua diversidade de manifestações e que contemple diferentes modos de compreensão da realidade abrindo espaço para diferentes grupos sociais se manifestarem e propagarem suas ideias/bandeiras: religiosos, LGBT, movimentos de afrodescendentes, grupos empresariais, artísticos, indígenas, dentre outros; abordar a questão de uma política nacional de combate ao tráfico de drogas; discutir a questão da Justiça que garanta uma defesa plena de cada indivíduo baseada em provas e não na “convicção” e seletividade conforme a Ideologia politica e classe social do indivíduo, Justiça validada dentro da Constituição e das Leis e, assim, por diante.

2) Na parte do Ser individual:

Estabelecer um diálogo franco com o eleitorado abordando temas tabus como aborto, LGBT, homossexualidade, questões de gênero, pena de morte, armamento/desarmamento da população, descriminalização do uso da maconha, exploração da imagem de pessoas em situações vexatórias, de pessoas sendo levadas presas, etc. de forma aberta, se posicionando com clareza sobre cada tema e explicando com inteligência questões importantes como o Estado Laico, o aborto como uma questão de saúde pública, e, assim, por diante.

3) Na parte do Ser espiritual:

Ser capaz de dialogar com todas as religiões, falar abertamente sobre a tolerância aos diversos credos, ao direito de cada religião, inclusive as religiões de origem afrodescendentes, exercer suas atividades, da necessidade de respeito ao diverso a sua religião, respeito aos ateus, aos espiritualistas, mas sem religião e, assim, por diante.

Claro é, não iremos agradar a todo mundo e nem queremos, radicalismos a parte, consciência político-social pode trazer votos seguros e duradouros e votos transformadores da sociedade e do quadro social de intolerância, de não aceitação das diferenças e de violência dos tempos atuais. Torna-se voto por convencimento e não o voto anti alguma coisa, tradicional no Brasil. É o voto da vitória com chances de modificar, sem mais Golpe, a estrutura de castas da sociedade brasileira e fórmula inteligente de convergir posicionamentos diferentes para um centro irradiador de um Projeto de Nação, de País e de desenvolvimento soberano com Justiça Social e tolerância entre os diferentes.

Quando a gente pensa em um brasileiro e eleitor hoje, ele pode ser uma contradição ambulante.

Ele pode ser um indivíduo com contradições mais ou menos assim:

Ser admirador do Bolsonaro e ser Cristão;

Ser favorável a internação compulsória de viciados em crack e votar no Lula;

Pode querer pagar poucos impostos, até não pagar e achar que o Estado não está investindo em Saúde e Educação;


Pode, em não concorrendo Lula votar numa segunda opção sua: Dória.

Sem dar um tratamento seguro para estes contraditórios não adianta pensar em uma transformação social brasileira significativa.

O voto precisa da lucidez particular e não da influência externa de meios de comunicação aliados do Capital na defesa intransigente de uma sociedade apenas para o benefício financeiro do 1% mais rico da população brasileira.

Por isto, defendo menos João Santana mais Educação Política.

Não nos esqueçamos.

Pressão popular no Brasil é feita pelas mesmas pessoas de antes do Impeachment: movimentos sociais e trabalhadores sindicalizados e a classe média e médio-alta de esquerda, maioria de formação universitária.

O trabalhador comum (brasileiro médio) não é organizado e nem tem, ainda, Educação Política para pressionar parlamentos, governos, ele baseia muitas das suas convicções políticas e sociais via velha mídia em especial a partir da Rede Globo e dos “datenas” da vida.

Claro que existiu uma nova pressão popular nascida da apropriação das manifestações do MPL em 2013 pela direita midiática (não podemos negar), o que levou um povo de classe média e classe médio-alta tradicional às ruas, povo que foi capaz até de se acostumar com as ruas e provocar o Impeachment de Dilma, público cativo da Globonews, do Jornal da Globo e leitor da Veja. Aqui assistimos manifestações de rua classista e meio anárquicas, não em busca de uma sociedade mais tolerante com as diferenças religiosas, culturais, étnicas, de opção sexual, sem preconceitos, com Justiça Social e desenvolvida. Foi e é defesa de interesses socioeconômicos particulares.

Hoje, com os comícios pelas Diretas-Já e o Fora Temer! organizados pela classe artística, talvez, se esteja produzindo um crescimento da “militância” nas ruas, para além das esquerdas tradicionais; do MPL, secundaristas e as horizontalidades; e das manifestações classista. Ainda é cedo para afirmar, esperemos estudos universitários e pesquisas para saber quem foi nestes eventos do Fora Temer! E das Diretas-Já.

Para o novo eleitor existir ele precisa ser apresentado ao novo modo de se fazer Política eleitoral e de como se comunicar com ele da Esquerda brasileira.

Lembremos, a imensa maioria da população brasileira pode votar nas esquerdas no Executivo, pensando no bolso, não por ser candidatura de esquerda, o que cria, por exemplo, eleitor capaz de votar no Pastor Everaldo/no Bolsonaro (extrema-direita) para o Legislativo e em Lula/Dilma (centro-esquerda) no Executivo ao mesmo tempo.
Para ser um voto consciente e não pelo bolso apenas modifiquemos a forma de fazer Política, de discursar para o eleitorado, lembrando sempre da sua infinita diversidade e, hoje, intolerância a qualquer diversidade de pensamento.

E, não esqueçamo-nos de pensar primeiro no eleitor tripartite que temos (Ser social, Ser individual e Ser espiritual), no que ele deseja socialmente e nas suas crenças e desejos pessoais, para quem sabe transformá-lo, tornando parte significativa do eleitorado continuadamente progressista sem preconceitos, tolerante ao diverso e com comprometimento social.

Busquemos gerar uma população que possa ver manifesto seu desejo por uma coletividade mais humana e solidária sem necessariamente sentir que seus desejos particulares não possam ter espaço para progredir.

Existe um caminho para convivência compartilhada das três partes indissociáveis que formam um indivíduo: o Ser social, o Ser individual e o Ser espiritual.

Não existe o eleitor imagem e semelhança a nós mesmos, existe o eleitor.

Se quisermos, enquanto esquerdas, vencer e transformar a sociedade brasileira para valer e de forma duradoura; saiamos da comodidade do que a tecnologia e o dinheiro podem oferecer, saiamos de projetos de Poder em que o voto, a promoção individual ou de um grupo de pessoas e a continuidade no Poder estão em primeiro lugar e vamos de encontro à Educação Política da população, e que deve ser contínua, indo muito além do período eleitoral, adentrando no dia a dia dentro e fora dos Governos eleitos.

A esquerda e seus candidatos devem ir de encontro ao eleitor nos bairros periféricos, nas escolas, nas associações de bairro, nas igrejas, no campo, nas pequenas cidades do interior, na internet, etc. e não se acomodarem, apenas, na Política de gabinete e de apoios eleitorais em troca de algo, pensando acima da transformação social do Brasil, na manutenção pura e simples, de cargos no Executivo e Legislativo.

E, relembrando, produzir uma campanha eleitoral educativa e didática, sem preconceitos e intransigências, aberta a temas tabus e cuidadosa do vocabulário e linguagem para a aproximação precisa com eleitores (diferentes entre si - lembremo-nos das três partes constituintes e indissociáveis do Ser) para aglutinar e não dividir e segregar diferenças conciliáveis na hora do voto, quando estas diferenças forem minimizadas para a produção do bem comum, da sociabilidade e da paz social.

A maioria do eleitorado pode ser susceptível a votar em candidaturas progressistas, de esquerda e em defesa dos interesses nacionais e da Justiça Social, precisa esta maioria de informação qualificada de como se construir um Brasil outro, mais justo e prazeroso de se viver para casar voto e transformação possível da realidade brasileira.

Enfim, informação precisa, conhecimento largo do mundo em que vive e suas contradições e reflexão podem levar a maioria do eleitorado ao voto consciente e progressista e ao apoio às medidas tomadas pelo governante de esquerda e pelos congressistas eleitos e teremos, finalmente, a chance de contemplar discurso de esquerda e prática governamental, saindo do jogo do toma lá dá cá da Política eleitoral e pós-eleitoral vigente no Brasil. E reaproximar a juventude do sem partido, dos movimentos horizontais da Política partidária da consciência de que é através do Executivo e Legislativo progressistas, que se promove uma transformação social, cultural, atrativa à juventude e efetiva.

GGN

sábado, 8 de julho de 2017

Os ratos que a Democracia permite, por Fernando Horta

Os ratos

Comparar frações é uma das coisas mais complicadas de se fazer sem uma metodologia própria. O que é menor 7/8 ou 6/9? 7/12 avos ou 3/5? Fica sempre muito difícil sem um parâmetro, uma metodologia que nos possa servir para tornar as coisas “comparáveis”. Michel Temer é uma fração de presidente, Rodrigo Maia outra fração, como presidente da Câmara. Qual o menor?

Temer, da última vez que concorreu como candidato às proporcionais (em 2006), recebeu 99.046 votos para deputado por São Paulo. Ficou em 54º lugar naquelas eleições. Só conseguiu entrar pelo famoso “quociente eleitoral”. Seu recorde foram 252.229 votos na eleição de 2002, quando ficou em sexto mais votado por São Paulo.

Rodrigo Maia é um dos tantos “herdeiros políticos” que estão no nosso parlamento. O filho do ex-prefeito do Rio de Janeiro César Maia, começou sua carreira na Câmara em 1998 recebendo 96.385 votos. Depois, em 2002 teve 117.229, em 2006 198.770, e em 2010 caiu para 86.162 votos apenas. Nas eleições de 2014, afundou mais ainda com apenas 53.167 votos. Ficando apenas em 29º lugar entre os eleitos do RJ. Elegeu-se, também, pelo famoso quociente eleitoral.

Enquanto o PMDB de Temer é oriundo da “oposição ao regime militar”, Maia é do antigo PFL (Partido da Frente Liberal) que teve sua sigla tão desgastada por escândalos de corrupção e pela defesa do neoliberalismo que precisou mudar de nome. O PFL é uma das ramificações da ARENA (Aliança Renovadora Nacional), o partido apoiador da ditadura civil-militar. A verdade é que enquanto a ARENA, na ditadura, era um bloco monolítico de apoio aos governos ditatoriais, o PMDB juntou gente de todos os matizes políticos em seu bojo (desde os partidos comunistas até o antigo Partido Social Democrático que representava as elites latifundiárias que apoiavam Getúlio Vargas). O PMDB sempre foi, portanto, uma “colcha de retalhos”, oferecia apoio por cargos. A História diz que, durante a ditadura, o PMDB era o partido do “Sim” e a ARENA do “Sim, senhor!”.

Michel Temer tem 76 anos. Nenhuma aspiração política que envolva eleições. Da presidência partirá ao esquecimento, se antes não der uma passada na Papuda. Como acaba sua carreira política, nada teme de fato. Não deve obediência a eleitores (que de fato não tem), nem tem qualquer preocupação com as “próximas eleições”. Rodrigo Maia, tem 47 anos, e teria ainda – em tese – uma carreira política. Sob este aspecto, penso que Maia pode ser mais responsivo às ruas, já que tem efetivamente preocupação com as próximas eleições. O problema é que o espectro político que vota nele tem pouco apreço pela democracia. Especialmente uma democracia com povo. O DEM é sempre muito refratário a qualquer ampliação de participação política. Penso que Maia não é exceção.

Temer está envolvido, até o fundo, na corrupção crônica brasileira. Toda sua curruela mais próxima também. Claramente seu governo é uma quitanda para quem lhe puder oferecer apoio político que lhe salve a pele. Temer não tem vergonha de leiloar cargos, leis, medidas e tudo o mais que ele puder fazer de valor no Brasil, para barrar as investigações sobre corrupção. As reformas nunca foram um “programa de governo” seu. Foram a moeda de troca que ele usou para blindar seu grupo. O “Botafogo” (com o perdão dos alvinegros cariocas), como Maia é chamado nas planilhas da Odebrecht, também é investigado pela PF por corrupção em diversos inquéritos. Os valores são muito menores do que Temer ou Cunha, Maia sempre foi “baixo clero”. Nunca teve qualquer projeto de Brasil, e assumiria a presidência como um boneco de ventríloquo. Não sabemos que lhe manipula as cordas. Uns apostam no financismo, mas eu creio que nem para isto Maia teria capacidade.

De fato, a troca de Temer por Maia significa mais alguns minutos de oxigênio que os perpetradores do golpe tentam para aprovar as reformas e, ao mesmo tempo, saciar o apetite da Globo. Temer se mostra muito ralo e sem condições mínimas de levar o país a qualquer lugar. Suas malfadadas peripécias internacionais, combinadas com seus atos-falhos deixam ainda mais patente a posição de pária político. Nem as manipulações do PIB, nem a senhora “Bela, recatada e do lar” foram capazes de promover qualquer mudança na aceitação de Temer.

Rodrigo Maia tem também sua vaidade. É preciso considerar que em uma democracia verdadeira ele jamais teria condições de se eleger para qualquer cargo executivo, que dirá Presidente da República. Tanto Temer quanto Maia são exemplos gritantes do fracasso de nossa democracia, de nossos sistemas representativos. Mas se Maia seguir seu normal político e golpear Temer, ambos ficarão com suas fotografias como “Presidentes do Brasil”. Como historiador me sinto chocado em escrever isto. Em que mundo Temer e Maia poderiam se ombrear – sob qualquer aspecto – com Lula, FHC, Getúlio Vargas e Kubistchek, por exemplo? É o “déficit de representação”, de que falam os cientistas políticos, dando um tapa com a “mão invisível” na nossa cara. Duas vezes.

Enquanto a aliança que sustenta Temer está em direção à cadeia, a de Maia dirige-se ao “lixo da história”. Quaisquer políticos que venham a compor este arremedo de “frente nacional” ficarão marcados por terem feito parte de um momento tão baixo e mesquinho da história brasileira. O problema é que o nível do “baixo e mesquinho” é, talvez, bastante alto e aceitável para o tipo de gente que apoiar Maia. E Maia terá a foto na galeria onde figuram os governantes do Brasil. Se pudermos travar as reformas, a troca é seis por meia dúzia com o benefício de deixar Temer na condição de ser preso, e Maia evidenciando o atoleiro em que nos metemos. Se não pudermos barrar as reformas, não faz diferença quem será abandonado pelo capital, logo em seguida, se Temer ou Maia. Penso que Maia tem mais a perder e quase nada – além de sua vaidade – a ganhar. Mas ele me parece estúpido o suficiente para fazer a escolha errada.

Maia e Temer, se somados os votos das últimas vezes em que se elegeram, teriam 152.213 pessoas que lhes hipotecaram apoio. Isto representa 0,28% dos 54.501.118 que Dilma recebeu. Quem quiser entender o recado, que entenda. E mande para o STF, por favor.

GGN

quarta-feira, 5 de julho de 2017

Carla Guimarães: Democracia virou estorvo para a classe dominante brasileira

Há um homem sentado na cadeira de presidente do Brasil. A cadeira, no entanto, não lhe pertence. Um golpe de sorte, ou simplesmente um golpe, colocou-o onde está e ele não quer se levantar. Esse lugar é seu, tem o direito de estar lá. Ou assim ele pensa. O que o homem não sabe, ou ainda não sabe, é que a cadeira está infestada de cupins, como a da famosa história de Saramago. Por fora parece firme e sólida, mas por dentro está praticamente oca. A cadeira está prestes a cair aos pedaços e o único destino possível para esse homem é a queda.

Quando ainda não ocupava a cadeira, o homem escreveu uma carta em que dizia estar se sentindo um vice-presidente decorativo. A presidenta era uma mulher e no Brasil, como em muitos países, ser decorativo é mais próprio do sexo feminino. Ou nisso acreditava ele e muitos como ele. A carta foi o primeiro passo para ficar com a cadeira. Antes do ataque final, uma revista de grande tiragem fez uma reportagem sobre sua esposa. “Bela, recatada e do lar”, assim foi descrita. A “quase primeira-dama”, 43 anos mais jovem do que o “quase presidente”, era o modelo a seguir. O erro de ter uma mulher na cadeira presidencial estava prestes a ser solucionado. Em um dos episódios mais sombrios da recente democracia brasileira, o vice-presidente decorativo tornou-se presidente. Meses depois, escândalo após escândalo, o homem continua sentado na cadeira. Com o dedo em riste, grita “não renunciarei”. Mais do que um monarca em seu trono, parece um refém amarrado com cordas a um assento.

O homem ganhou a cadeira com a promessa de realizar um dos maiores processos de destruição de direitos experimentos pelo país. O pequeno avanço em igualdade dos últimos anos foi demais para a classe dominante brasileira. Em muito pouco tempo, um Congresso notavelmente conservador aprovou leis que deixaram desprotegidos os mais pobres e lançaram por terra algumas das mais importantes conquistas dos trabalhadores brasileiros. Se os deputados continuarem trabalhando nessa velocidade, acabarão por anular a Lei Áurea, que aboliu a escravidão no Brasil.

O mais impressionante em toda essa história, no entanto, são os escândalos recorrentes que os jornais ilustram sem cessar. Os brasileiros acordam todos os dias com novas delações, gravações incriminatórias e prisões preventivas. Sobre o homem sentado na cadeira e alguns de seus principais aliados pesam acusações duríssimas. A suposta cruzada contra a corrupção, que removeu a presidenta de sua cadeira, ironicamente levou ao poder um grupo de réus atuais e futuros. Todos dizem que são inocentes, mas são tantas as acusações e tantos os membros do Governo afetados que o anormal, o impressionante, o extraordinário, seria nos depararmos com a notícia de que existe um homem honesto em Brasília.

O homem sentado na cadeira se sentia um vice-presidente decorativo, mas é um presidente decorativo. Talvez ainda não o saiba, mas nessa cadeira podia estar ele ou qualquer outro. O importante é executar com precisão e diligência um programa de Governo que não foi respaldado pelas urnas, mas decidido por uma ínfima parcela da população. O plano “dos descendentes dos senhores de escravos”, como dizia o sociólogo Darcy Ribeiro, pode ser levado a cabo por qualquer um. Nesse caso, a figura de presidente é tão decorativa como a de um rei europeu. O homem está sentado na cadeira e ao mesmo tempo em queda livre e ao mesmo tempo no chão. O espaço temporal entre a primeira posição e a última não importa. Como na história de Saramago, seu destino já está decidido. Por isso milhares de pessoas saíram às ruas das principais cidades do país para exigir novas eleições.

Somente o voto popular pode dar legitimidade a um futuro governante. As forças que colocaram o homem na cadeira tentarão evitá-lo a todo custo. Nos últimos anos a democracia tornou-se um estorvo para a classe dominante. A cadeira, no entanto, não pertence ao presidente, mas aos brasileiros. São eles, e mais ninguém, os que devem decidir quem pode sentar-se nela. No caso de a elite conseguir o que pretende e continuar seu impopular programa de Governo com outro fantoche, é a democracia que se tornará um elemento meramente decorativo.

*Carla Guimarães, jornalista e escritora, publicou este artigo na edição brasileira de El País.

Tijolaço

terça-feira, 4 de julho de 2017

Brasil não tem alma, não tem caráter, não tem dignidade e não tem um povo, por Aldo Fornazieri


Um país que não tem dignidade não sente indignação

O presidente da República foi flagrado cometendo uma série de crimes e as provas foram transmitidas para todo o país.

Com exceção de um protesto aqui, outro ali, a vida seguiu em sua trágica normalidade.

Em muitos outros países o presidente teria que renunciar imediatamente e, quiçá, estaria preso.

Se resistisse, os palácios estariam cercados por milhares de pessoas e milhões se colocariam nas ruas até a saída de tal criminoso, pois as instituições políticas são sagradas, por expressarem a dignidade e a moralidade nacional.

Aqui não.

No Brasil tudo é possível.

Grupos criminosos podem usar as instituições do poder ao seu bel prazer.
Afinal de contas, no Brasil nunca tivemos república.

Até mesmo a oposição, que ontem foi apeada do governo, dá de ombros e muitos chegam a suspeitar que a denúncia contra Temer é um golpe dentro do golpe.

Que existem vários interesses em jogo na denúncia, qualquer pessoa razoavelmente informada sabe.

Mas daí adotar posturas passivas em face da existência de uma quadrilha no comando do país significa pouco se importar com os destinos do Brasil e de seu povo, priorizando mais o cálculo político de partidos e grupos particulares.

O Brasil tem uma unidade política e territorial, mas não tem alma, não tem caráter, não tem dignidade e não tem um povo.

Somos uma soma de partes desconexas.

A unidade política e territorial foi alcançada às custas da violência dos poderosos, dos colonizadores, dos bandeirantes, dos escravocratas do Império, dos coronéis da Primeira República, dos industriais que amalgamaram as paredes de suas empresas com o suor e o sangue dos trabalhadores, com a miséria e a degradação servil dos lavradores pobres.

Índios foram massacrados; escravos foram mortos e açoitados; a dissidência foi dizimada; as lutas sociais foram tratadas com baionetas, cassetetes e balas.

A nossa alma, a alma brasileira, foi ganhando duas texturas: submissão e indiferença.

Não temos valores, não temos vínculos societários, não temos costumes que amalgamam o nosso caráter e somos o povo, dentre todas as Américas, que tem o menor índice de confiabilidade interpessoal, como mostram várias pesquisas.

Na trágica normalidade da nossa história não nos revoltamos contra o nosso dominador colonial.

Ele nos concedeu a Independência como obra de sua graça.

Não fizemos uma guerra civil contra os escravocratas e não fizemos uma revolução republicana.

A dor e os cadáveres foram se amontoando ao longo dos tempos e o verde de nossas florestas foi se tingindo com sangue dos mais fracos, dos deserdados.

Hoje mesmo, não nos indignamos com as 60 mil mortes violentas anuais ou com as 50 mil vítimas fatais no trânsito e os mais de 200 mil feridos graves.

Não nos importamos com as mortes dos jovens pobres e negros das periferias e com a assustadora violência contra as mulheres.

Tudo é normal, tragicamente normal.

Quando nós, os debaixo, chegamos ao poder, sentamos à mesa dos nossos inimigos, brindamos, comemoramos e libamos com eles e, no nosso deslumbramento, acreditamos que estamos definitivamente aceitos na Casa Grande dos palácios.

Só nos damos conta do nosso vergonhoso engano no dia em que os nossos inimigos nos apunhalam pelas costas e nos jogam dos palácios.

Nunca fomos uma democracia racial e, no fundo, nunca fomos democracia nenhuma, pois sempre nos faltou o critério irredutível da igualdade e da sociedade justa para que pudéssemos ostentar o título de democracia.

Nos contentamos com os surtos de crescimento econômico e com as migalhas das parcas reduções das desigualdades e estufamos o peito para dizer que alcançamos a redenção ou que estamos no caminho dela.

No governo, entregamos bilhões de reais aos campeões nacionais sem perceber que são velhacos, que embolsam o dinheiro e que são os primeiros a dar as costas ao Brasil e ao seu povo.

No Brasil, a mobilidade social é exígua, as estratificações sociais são abissais e não somos capazes de transformar essas diferenças em lutas radicais, em insurreições, em revoltas.

Preferimos sentar à mesa dos nossos inimigos e negociar com eles, de forma subalterna.

Aceitamos os pactos dos privilégios dos de cima e, em nome da tese imoral de que os fins justificam os meios, nos corrompemos como todos e aceitamos o assalto sistemático do capital aos recursos públicos, aos orçamentos, aos fundos públicos, aos recursos subsidiados e, ainda, aliviamos os ricos e penalizamos os pobres em termos tributários.

Quando percebemos os nossos enganos, nos indignamos mais com palavras jogadas ao vento do que com atitudes e lutas.

Boa parte das nossas lutas não passam de piqueniques cívicos nas avenidas das grandes cidades.

E, em nome de tudo isto, das auto-justificativas para os nossos enganos, sentimos um alívio na consciência, rejeitamos os sentimentos de culpa, mas não somos capazes de perceber que não temos alma, não temos caráter, não temos moral e não temos coragem.

Da mesma forma que aceitamos as chacinas, os massacres nos presídios, a violência policial nos morros e nas favelas, aceitamos passivamente a destruição da educação, da saúde, da ciência e da pesquisa. Aceitamos que o povo seja uma massa ignara e sem cultura, sem civilidade e sem civilização.

Continuamos sendo um povo abastardado, somos filhos de negras e índias engravidadas pela violência dos invasores, das elites, do capital, das classes políticas que fracassaram em conduzir este país a um patamar de dignidade para seu povo.

Aceitamos a destruição das nossas florestas e da nosso biodiversidade, o envenenamento das nossas águas e das nossas terras porque temos a mesma alma dominada pela cobiça de nos sentirmos bem quando estamos sentados à mesa dos senhores e porque queremos alcançar o fruto sem plantar a árvore.

Se algum lampejo de consciência, de alma ou de caráter nacional existe, isto é coisa restrita à vida intelectual, não do povo.

O povo não tem nenhuma referência significativa em nossa história, em algum herói brasileiro, em algum pai-fundador, em alguma proclamação de independência ou república, em algum texto constitucional, em algum líder exemplar.

Somos governados pela submissão e pela indiferença.

Não somos capazes de olhar à nossa volta e de perceber as nossas tragédias.
Nos condoemos com as tragédias do além-mar, mas não com as nossas.
Não temos a dignidade dos sentimentos humanos da solidariedade, da piedade, da compaixão.

Não somos capazes de nos indignar e não seremos capazes de gerar revoltas, insurreições, mesmo que pacíficas.

Mesmo que pacíficas, mas com força suficiente para mudar os rumos do nosso país.

Se não nos indignarmos e não gerarmos atitudes fortes, não teremos uma comunidade de destino, não teremos uma alma com um povo, não geraremos um futuro digno e a história nos verá como gerações de incapazes, de indiferentes e de pessoas que não se preocuparam em imprimir um conteúdo significativo na sua passagem pela vida na Terra.

*Aldo Fornazieri é Professor da Escola de Sociologia e Política de SP

Do Viomundo