Nassif e FHC
"Como
diz Fernando Henrique Cardoso, a melhor maneira de consertar o rumo é,
primeiro, admitir o erro. Foi o que o Estadão começou fazer admitindo, em
editorial, que faltam rumos e propostas à oposição", escreve o jornalista
Luis Nassif; trecho do texto do jornal diz que "na prática, a oposição
ainda não apresentou ao País o que pretende construir no lugar das ruínas lulopetistas
– e não o fez pela simples razão de que não sabe o que quer"
Como
diz Fernando Henrique Cardoso, a melhor maneira de consertar o rumo é,
primeiro, admitir o erro.
Foi
o que o Estadão começou fazer admitindo, em editorial, que faltam rumos e
propostas à oposição.
A
trombada com a realidade se deu depois de um artigo de Sérgio Fausto, cientista
social lotado no Instituto Fernando Henrique Cardoso.
Assim
como seu pai, Boris, Sérgio Fausto é incapaz de um gesto populista. Não
abandonou o rigor acadêmico e a honestidade intelectual, mesmo em um mundo
midiático assolado pela demanda por rancor e ódio.
Poderia
ser a cara do PSDB. É reformista, defensor das boas políticas sociais, contra o
estatismo desvairado. Mas o PSDB preferiu ter a cara de Marco Antonio Villa,
aquele que chama os adversários de "cachaceiros". Cada partido tem a
cara que escolhe.
Diz
o Estadão:
"Na
prática, a oposição ainda não apresentou ao País o que pretende construir no
lugar das ruínas lulopetistas – e não o fez pela simples razão de que não sabe
o que quer. (...) O PSDB é hoje provavelmente o principal beneficiário da crise
do PT, mas carece de unidade e, portanto, de propostas concretas para o
"dia seguinte" ao fim da era petista. Sua única liderança capaz de
lhe dar rumo é Fernando Henrique, mas este não tem mais capital eleitoral.
Resta-lhe o papel de conselheiro, em meio a um cipoal de interesses divergentes
entre os caciques tucanos".
Não
para aí:
"Em
razão de disputas internas e de sua inaptidão para definir o rumo que pretende
tomar, o PSDB parece navegar ao sabor dos acontecimentos. Em razão disso, o
partido optou, em alguns casos, pela pura e simples irresponsabilidade, ao
ajudar a aprovar no Congresso medidas que sabotam o ajuste fiscal. Dizem os
adeptos dessa estratégia que, para minar o governo, vale tudo – inclusive
renegar conquistas importantes do governo de Fernando Henrique, como o fator
previdenciário.
É
graças a atitudes como essas que, como diz Fausto, os tucanos "hoje têm um
déficit de credibilidade, inclusive com seu eleitorado", razão pela qual
"a crise do PT não se traduz automaticamente num novo ciclo vitorioso do
PSDB".
Não
é pouco, tratando-se do jornal que, até agora, mais se alinhava com o PSDB.
Em
parte, deve-se à tentativa dos grupos paulistas de emplacar José Serra. Mas a
parcela maior é pela óbvia questão de que o PSDB tornou-se um partido a reboque
de manchetes, não de pensamentos e obras.
Os
Fausto têm uma admiração genuína por FHC. Não fosse por isso, concordariam que
o próprio Fernando Henrique nunca entendeu o projeto de país que ele próprio
conduziu.
Em
todo seu governo, FHC guiou-se pela inércia. Aceitou o jogo de interesses por
trás do financismo desvariado de seus economistas e deu-lhes carta branca para
a desregulamentação total do mercado financeiro. Mais que isso, permitiu a
montagem de grandes tacadas, como foi a política cambial do início do Real e as
jogadas em Foz de Iguaçu com as contas CC5, na era Gustavo Franco.
Nos
outros setores da economia, limitou-se a se deixar levar pelas ondas do
neoliberalismo acrítico trazidas para o país pelo governo Collor, que ele
aplicou sem um mínimo de criatividade. Foi incapaz de assimilar qualquer valor
do período, gestão, inovação, mercado de capitais popular, políticas sociais
liberais (como o Bolsa Família, por exemplo).
O
simples fato de parar a inflação trouxe para o nível do consumo milhões de
brasileiros. Não foi necessária nenhuma política pública. Tinha um vasto ativo
na mão - o novo mercado de consumo que emergiu com o fim da inflação -, um
movimento tectônico das multinacionais realocando suas fábricas ao redor do
mundo e encantadas com a China e o Brasil; um setor técnico com um turbilhão de
novas ideias e conceitos. Matou tudo com a política cambial e os juros
implementados pela equipe econômica, e pela absoluta falta de vontade política,
na qual pontificava o deslumbramento com as prerrogativas do poder, mas nenhuma
vontade transformadora.
Nada
fez, porque nunca teve a capacidade de entender as ideias-chaves, de chutar em
gol.
No
Summit do Etanol, que a Única promoveu em 2003, fui convidado para comentar as
palestras de uma mesa variada.
O
primeiro palestrante foi Felipe Gonzales, ex-primeiro MInistro da Espanha. Em
15 minutos ele traçou com maestria o que seria uma civilização do etanol na
América Latina. O segundo foi George Soros, que me lembrou em muito Walther
Moreira Salles - cuja frase preferida era "eu sei usar bem as poucas
coisas que aprendi". Em 15 minutos detalhou riscos e oportunidades do
continente, incluindo os efeitos sobre a apreciação cambial e a necessidade dos
investimentos em tecnologia.
Chegou
a vez de FHC. Uma longa palestra para tentar provar que Celso Furtado estava
errado, quando prenunciou que sempre haveria desequilíbrio nos preços relativos
entre produtos primários dos emergentes e os industrializados dos países
avançados.
Era
uma conversa velhíssima que remontava os anos 60, entre Rosentesin-Rodan e
Celso Furtado e que ressurgiu na primeira crise do petróleo. Detalhe: a fonte
de FHC era um artigo de Ilan Godfajn publicado naquele dia no Estadão.
Em
muito FHC lembra Dom Pedro 2o no famoso episódio em que o Barão de Mauá tenta
induzi-lo a empurrar um carrinho de pedreiro - para uma foto simbólica em favor
do trabalho - e ganhou a repulsa do imperador.
No
poder, o cientista social FHC nunca passou de um literato apreciador de obras
alheias.
Hoje
em dia, tem-se um PT arrebentado de um lado, sem diretrizes, sem comando e sem
bandeiras. Mas com o Instituto Perseu Abramo fervilhando de ideias e propostas
que, plantadas em solo fértil, poderiam um dia voltar a florescer.
Na
outra ponta, o PSDB loteando o Instituto Teotônio Vilella e o IFHC produzindo
ideias apenas para deleite pessoal do imperador.
Do
GGN