Homem com a perna
dissecada torturado até a morte, relações sexuais em ambiente coletivo e presos
com doenças mentais misturados aos demais detentos. E a conclusão: o governo do
Maranhão tem sido “incapaz” de coibir a violência.
O cenário de terra sem
lei no complexo prisional de Pedrinhas, na capital, São Luís, foi descrito em
um relatório do juiz Douglas Martins, do CNJ (Conselho Nacional de Justiça),
após visita ao local no dia 20.
O governo maranhense
confirmou 59 mortes neste ano em Pedrinhas –já o CNJ aponta 60. Na última
rebelião, em 17 de dezembro, três detentos foram decapitados.
O complexo, projetado
para 1.700 homens, abriga 2.500, segundo o CNJ.
Nesta sexta-feira,
Roseana Sarney mandou divulgar uma nota oficial. No texto, iforma que criou uma
“Direção de Segurança dos Presídios do Maranhão.” O organograma de cada
presídio incluirá uma diretoria comandada por um oficial da Polícia Militar. A
providência apenas reforça a conclusão do doutor Douglas: o governo do Maranhão
é “incapaz” de deter o descalabro.
A nota divulgada a
mando da governadora carrega um trecho desconexo: “O agravamento da situação no
Sistema Penitenciário ocorreu depois que foram tomadas medidas saneadoras, como
a reestruturação das unidades prisionais, a mudança de comando nas Polícias
Civil e Militar e na Secretaria da Justiça e Administração Penitenciária
(Sejap).”
O documento foi
entregue na sexta (27) ao ministro do STF (Supremo Tribunal Federal) Joaquim
Barbosa, que preside o conselho. O relatório reproduz o apelo feito ao ministro
pela OEA (Organização dos Estados Americanos) de que o governo brasileiro
precisa agir para garantir a integridade dos presos no Maranhão.
Uma cena chocante é
citada no documento: um vídeo, que, segundo Martins, foi enviado pela direção
do sindicato dos agentes penitenciários, com o registro da morte lenta de um
detento em Pedrinhas.
O vídeo é “a cena mais
bárbara que já vi”, nas palavras ditas à Folha por Martins, juiz
experiente em visitas a presídios pelo país.
A imagem mostra um
preso ainda vivo tendo a pele da perna dissecada. A tortura expõe músculo,
tendões e ossos.
A Folha teve
acesso ao vídeo. As imagens são muito fortes.
Clique AQUI para assistir ao vídeo.
ATENÇÃO: imagens fortes
A primeira explicação
no relatório para o caos encontrado é o excesso de presos. “As unidades estão
superlotadas e já não há mais condições para manter a integridade física dos
presos”, além dos familiares e dos que atuam em Pedrinhas.
Soma-se à superlotação
o método do governo maranhense de misturar no mesmo espaço presos do interior e
da capital. A reunião motiva a guerra entre facções: o Bonde dos 40, de
criminosos da capital, e do Primeiro Comando do Maranhão, do interior.
Quem chega a Pedrinhas
precisa aderir ao sistema, diz o relatório. “Presos novos são obrigados a
escolher uma facção quando ingressam nas unidades.”
O juiz do CNJ presente
na visita cita ainda que os responsáveis pela segurança já não são capazes de
conter os presos. Para um agente entrar em pavilhões, é preciso ter o aval de
líderes de facções.
Como não há celas no
CDP (centro para presos provisórios) e nas duas penitenciárias (para os já
condenados), todos circulam livremente. O modelo, para o CNJ, “inviabiliza a
garantia de segurança mínima para os presos sem posto de comando”.
ESTUPROS
A insegurança para
esses detentos novatos, na base da hierarquia das facções, se estende às suas
mulheres. O documento aponta que, como o ambiente é coletivo, é no mesmo espaço
que ocorrem os encontros íntimos.
A livre circulação, diz
o documento, “facilita o abuso sexual praticado contra companheiras dos presos
sem posto de comando”.
Martins argumenta ainda
que o governo do Maranhão “tem se mostrado incapaz de apurar, com o rigor
necessário, todos os desvios por abuso de autoridade, tortura, outras formas de
violência e corrupção praticadas por agentes públicos”.
Procurado, o governo do
Maranhão não se manifestou. Em reportagens anteriores, informou que criou uma
direção de segurança dos presídios, sob comando da Polícia Militar, a fim de
reforçar a segurança.
O governo já havia
afirmado também que sempre agiu em conjunto com setores da defesa dos direitos
humanos e que “o agravamento da situação” ocorreu após o Estado ter tomado
“medidas saneadoras”, como mudanças de comando e reestruturação dos presídios.
Da Folha de São
Paulo