sexta-feira, 9 de junho de 2017

A odiosa farsa do julgamento do TSE, Miguel do Rosário

(Foto: José Cruz/Agência Brasil)

É incrível que, diante das terríveis crises superpostas que vivemos, das quais sairemos somente através do exercício de nossos direitos democráticos, as instituições se mobilizem para remover esses mesmos direitos, únicos instrumentos que temos para superar as crises.

O julgamento no TSE é isso: uma odiosa farsa que visa ocultar o cadáver do golpe, ou seja, tirar da sala o corpo putrefato da democracia assassinada pelo impeachment.

O ministro-relator Herman Benjamin aparentemente se ofereceu, de várias maneiras, à corrupção do sistema: os jornalões cansaram de publicar matérias que eram, por si mesmas, propostas descaradas de comprar seu voto. Diziam, as matérias, que o sonho de Benjamin era ser indicado para o STF, e que o governo Temer poderia lhe acenar com essa possibilidade, caso ele votasse de acordo com a vontade do Planalto, a saber, condenando Dilma e liberando Temer. E Benjamin não foi o único alvo desse leilão de votos feito à luz do dia. Vários outros ministros, sobre os quais pairavam dúvidas sobre seus votos, receberam propostas similares.

Eu digo que o ministro “se ofereceu” porque essas matérias, profundamente ofensivas à moral de um juiz, jamais foram rechaçadas peremptoriamente por ele.

A Folha, o operador mais cínico e mais ardiloso do golpe, expôs a sexualidade do ministro Benjamin no título de um artigo, só para deixar bem claro do que seria capaz de fazer, caso o ministro ousasse fugir ao script determinado pelos barões da mídia.

Mas era tão evidente que o governo não iria cumprir a sua promessa, principalmente pelo fato do governo Temer mal se sustentar no cargo, sem condições de indicar mais nenhum ministro (mas também porque, se for indicar alguém ao STF, deverá leiloar esse cargo por preço altíssimo), que Benjamin desistiu de aceitá-la e optou por uma outra saída, igualmente oferecida pelo apparatchik golpista: transformar o julgamento de cassação num palco para criminalizar a campanha de Dilma Rousseff.

O julgamento no TSE não apenas é uma farsa: é uma agressão frontal à democracia. Os eleitores têm direito a uma breve defesa de seu próprio voto, no início do processo, através dos advogados da chapa de Dilma. Mas esse momento é neutralizado pelo tempo igual dado à chapa acusadora, de Aécio Neves, cujos advogados utilizaram o tempo para proferir um discurso extemporaneamente político, partidário e eleitoreiro. É aterrorizante pensar, a esta altura do campeonato, que o processo no TSE foi iniciado, pelo candidato derrotado, por pura pirraça, apenas para “encher o saco do PT”, como ele deixou escapar numa das gravações.

Mas o julgamento em si, quando a palavra passa para a corte, que detém a maior parte do tempo, se torna apenas um debate entre acusadores, e não entre juízes. Os argumentos dos ministros, manipulados como quem brinca de jogar e equilibrar várias bolas no ar, não trazem à baila, em nenhum momento, os mais de 140 milhões de votos que se manifestaram em 2014.

Não, Herman Benjamin subsidia seu voto com teorias estapafúrdias, como a de corrupção “acumulada”. Ou seja, na falta de provas sobre irregularidades na campanha de 2014, ele menciona corrupção em anos anteriores, que teria sido, segundo ele (apenas com base em sua conjectura) usada pela chapa na última eleição.

Ora, é o argumento mais delirante e idiota que alguém poderia usar para cassar uma campanha, pelo simples motivo de que poderia ser usado para cassar qualquer campanha eleitoral, em qualquer momento, em qualquer cidade, estado ou país, sendo, portanto, um argumento profundamente perigoso à democracia.

É um argumento que inviabiliza o próprio sufrágio universal.

Os outros argumentos são delações, tabelas, manuscritos, enfim, todo o rol de indícios inconclusivos, quando não abertamente forjados, que a Lava Jato levou para dentro do TSE, empurrada pelo movimento iniciado automaticamente pelas conspirações para derrubar Dilma.

E daí podemos falar de outro caso igualmente triste, o do ministro Gilmar Mendes, presidente do Tribunal.

Gilmar era o maestro desse movimento para levar, para dentro do TSE, todas as manipulações da Lava Jato. Era ele quem desenterrava o processo contra a chapa de Dilma toda semana, com vistas a reavivar a crise política, desestabilizar o governo e o país, e criar uma atmosfera irrespirável, propícia ao golpe.

E agora, como o golpe, do ponto-de-vista da remoção de Dilma e do PT do governo, foi um sucesso (embora se revele um fracasso moral cada vez maior), e a oposição derrotada ocupou, direta ou indiretamente, o Palácio do Planalto, os ministérios e o comando das estatais, Gilmar Mendes é forçado a dar um cavalo de pau e se tornar o paladino da estabilidade política. E liderar, com toda a agressividade que lhe é característica, o movimento para enterrar o processo de cassação, ou então transformá-lo num Frankstein jurídico, ou seja, cassando apenas Dilma, mas preservando Temer.

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Reitero a imagem que usei em outro post: se o TSE cassar Dilma e preservar Temer, terá feito uma cirurgia às avessas, eliminando o corpo são e deixando no paciente apenas o tumor.

Enquanto isso, o Supremo Tribunal Federal assiste a tudo não apenas impassível, mas quase que zombando dessa incrível paciência do povo brasileiro (que não é paciência, na verdade, apenas uma profunda e dolorosa perplexidade).

O ministro Luis Roberto Barroso é a expressão maior da hipocrisia, pusilanimidade e corrupção do Supremo Tribunal Federal (STF). Não é apenas com propina em dinheiro que se compra um juiz. Às vezes, a melhor maneira de corrompê-lo é através de sua vaidade.

Um juiz corrupto não é apenas aquele que aceita propina. Também o que aceita “prêmios” de grupos de mídia, ou o que se acovarda e se acomoda a uma situação profundamente injusta, esse também é corrupto.

Em seminário recente, realizado em Brasília, Barroso disse que “é impossível não sentir vergonha pelo que está acontecendo no Brasil e não podemos desperdiçar a chance de fazer com que o futuro seja diferente. Nós nos perdemos pelo caminho e precisamos encontrar um caminho que nos honre como projeto de País e nação”.

A frase de Barroso apenas seria honesta se ele a dirigisse a si mesmo, ao tribunal do qual participa e ao judiciário brasileiro, de maneira geral.

Ao não mencionar o judiciário e a mídia em sua argumentação sobre a “vergonha”, Barroso se torna um comentarista coxinha de portal de notícias, chamado vulgarmente de chorume.

Sim, Barroso, a situação brasileira dá vergonha, mas vergonha também por você. Shame on you!

Voltando a questão da justiça eleitoral, estamos vendo, nos últimos anos, um empoderamento excessivo e antidemocrático dos tribunais eleitorais, que vêm cassando prefeitos, governadores, e mandatos populares de forma geral, com um despudor impressionante. A grande imprensa, cúmplice do processo da criminalização da política, não exerce o que deveria ser o seu papel, de problematizar e questionar o poder do judiciário.

O internauta deve estar se questionando: então o que você quer, senhor blogueiro? Você quer preservar o mandato de Michel Temer?

Eu só posso responder o seguinte: não. Para mim, Temer é um usurpador, um golpista, e deveria estar preso, por conspiração contra a democracia.

O processo no TSE, por sua vez, nunca deveria ter existido. É triste ver ministros discutindo um processo de cassação eleitoral com base em “delações” arrancadas notoriamente sob tortura, ameaça e chantagem. Não há provas. João Santana e Monica Moura receberam dinheiro no exterior para campanhas no exterior, de empresas que tinham negócios e interesses no exterior. A “tabela” da Odebrecht, hoje isso está bem claro, não era exatamente propina: tinha propina, mas ela misturava também o dinheiro reservado para caixa 1. Não traz nada de conclusivo, portanto.

Foi encontrado algum dinheiro ilegal na campanha de Dilma? Não. Ao contrário, todas as investigações do TSE na campanha de Dilma jamais encontraram nada de errado.

Politicamente, o processo é ainda mais absurdo.

As principais forças do capital, no Brasil e lá fora, haviam se mobilizado contra Dilma Rousseff. O mercado financeiro do mundo inteiro atuava abertamente contra Dilma Rousseff. Não era preciso ser especialista para ver isso: toda vez que os institutos de pesquisa mostravam evolução positiva de Dilma, as bolsas caíam, e vice-versa. A grande mídia brasileira havia se engajado numa campanha violentíssima contra a vitória de Dilma Rousseff. A chapa derrotada, de Aécio Neves, nas primeiras semanas da campanha do segundo turno, começou a pagar pesquisas mirabolantes que a mostravam à frente de Dilma.

Tudo o que se pode chamar de “abuso econômico” estava ao lado da chapa de Aécio Neves.

Como é que o TSE cogita cassar a eleição de 2014 por abuso econômico da… chapa de Dilma Rousseff?

Por outro lado, entendo que as pessoas estejam torcendo pela cassação de Michel Temer, por puro instinto, para infligir algum mal a um governo que consideram ilegítimo e desonesto, ou por entenderem que ela abriria a possibilidade de eleições diretas.

Se os ministros do TSE usassem esses argumentos, aí sim, eu poderia concordar com a cassação eleitoral da chapa Dilma/Michel Temer. Mas infelizmente não usam. Os ministros estão comprometidos, até a raiz do cabelo, com o golpe. O que vemos é uma divisão entre os próprios golpistas, sobre a melhor maneira de levar adiante o assalto contra a democracia brasileira.

Cafezinho

Aragão a um certo “Simão”. A bem da verdade… senador Jucá!

Senhor Senador Romero Jucá,

Tenho respeito por Vossa Excelência como pessoa de inteligência incomum, enorme capacidade de articulação e homem de diálogo. Estivemos, quase sempre, em lados opostos, mas isso nunca impediu que conversássemos, porque os interesses de nossa população sofrida não permitem que agentes públicos se ignorem por razões de cosmovisão diferenciada. Sou um menino, comparado com o Senhor, no meu pendor intransigente por defender os excluídos e por não tergiversar no que respeita a minha consciência ética, política e ideológica. Mas aprendi consigo que, apesar das profundas divergências, há espaços de confluência que merecem nosso esforço de construir o consenso pontual.

Entristecido, li recente nota sua em que nega conhecer e ter tido amizade com nosso irmão comum Ângelo Goulart Villela. Vossa Excelência lhe atribui iniciativas contra si na Justiça Eleitoral de Roraima, como impeditivas de ter uma relação próxima dele. Foi, segundo a Coluna de Lauro Jardim, este o teor de sua nota pública:

“Por meio de sua assessoria de imprensa, Romero Jucá negou que tenha relação de amizade com Villela e ‘estranha como um procurador que já pediu a cassação de seu mandato por duas vezes possa ser próximo a ele’. Segundo Jucá, o fato de ele ter sido processado por Villela mostra ‘que não há qualquer ligação’ entre os dois.” (Coluna Lauro Jardim, 28/05/17 – vide reprodução). 
Infelizmente – e isso me pesa muito – vou ter que o desmentir. Faço-o, porém, com a paz na consciência de quem não tem nada a esconder, porque não se desviou das privilegiadas lições que recebeu em seu lar paterno: “esforça-te por ser como um livro aberto em que qualquer um possa folhear sem se escandalizar ou se indignar”. Sábias lições do egipciense João Guilherme de Aragão.

Para que não pairem dúvidas sobre o que vou dizer, contar-lhe-ei quem é Ângelo Goulart Villela, um dos quadros mais leais, honestos e brilhantes do Ministério Público Federal. Tão honesto que, mesmo admirando Vossa Excelência como um garoto admira um gigante da política, não se esquivou de processá-lo, quando o dever funcional não lhe deu outra escolha. A negação da amizade em sua nota é, em verdade, seu melhor testemunho do excepcional caráter dele.

Ângelo, um jovem procurador, deve ter, suponho, uns dez anos de carreira. Conheci-o ao ser chamado, como corregedor-geral do Ministério Público Federal, a resolver situação de conflito entre colegas em Roraima. Era, ele, procurador-chefe e pessoa muito preocupada com a harmonia no ambiente de trabalho. Seus colegas de geração tinham-no como liderança inconteste. Transitava muito bem, igualmente, na polícia federal. Conversei, à época, com o superintendente regional em Boa Vista e lá ouvi os melhores testemunhos, provas de sua integridade e correção. Ao mesmo tempo, notava que era uma pessoa com disposição de diálogo, qualidade rara num ministério público contaminado por mentalidade redentora e moralista. Enfim, revelou-me inteligência emocional muito acima da média de nossos colegas. Fiquei impressionado positivamente.

Procurei então me informar melhor sobre Ângelo e soube que é sobrinho-neto do ex-Presidente João Goulart, filho de membro do ministério público e com irmão no quadro do MPT. Muito jovem, ganhando bem e sem filhos, levava uma vida relativamente despreocupada, permitindo-se algumas extravagâncias dentro de seu limite de renda, como comprar bons vinhos, fazer turismo em lugares interessantes deste mundão de Deus e frequentar bons restaurantes e hotéis, práticas, aliás, comuns a muitos colegas em situação análoga e típicas de uma geração de jovens que se sentiram atraídos pela carreira por conta dos confortos que proporciona. Já fiz muita crítica a respeito disso e nem sempre entendida por seus destinatários.

Quando, em 2013, fui nomeado Vice-Procurador-Geral Eleitoral, convidei Ângelo para fazer parte de minha equipe. Estava, ele, lotado em Guarulhos. Fiquei preocupado com a possibilidade de seus colegas de unidade não o liberarem, porquanto a procuradoria local é uma das mais movimentadas do Brasil. Mas tive a grata surpresa de saber que os colegas não só o liberaram, como fizeram questão de expressar sua satisfação de ver um dos seus ascendendo para atuar num órgão da cúpula da instituição. Ângelo mereceu aplausos de seus pares.

Durante minha atuação junto ao Tribunal Superior Eleitoral, Ângelo foi meu braço direito, pessoa da mais estreita confiança e sabia se desincumbir muito bem de casos complicados e sensíveis, jamais se deixando levar por paixões, doutrinarismos ou tendências político-partidárias. Gozava de respeito dos atores políticos que acorriam ao tribunal e dos próprios ministros da Corte. A todos buscava atender com presteza e compreensão, sobretudo a Vossa Excelência. Nunca me deu motivos para desconfiar de qualquer desvio de conduta. Muito pelo contrário, exibia rigor na aplicação da lei.

Por sua capacidade de dialogar e articular politicamente, Ângelo despertou, também, a atenção do Procurador-Geral da República. Foi frequentemente incumbido de dar recados do chefe da instituição a parlamentares, inclusive a Vossa Excelência, Senador. Fazia o leva e traz. No seu gabinete – isso testemunhei pessoalmente – Ângelo era de casa, conhecido e estimado por boa parte de sua equipe. Conseguia agendar reuniões consigo sem dificuldades e, por isso, era usado não só pelo Procurador-Geral, mas, também, pela Associação Nacional dos Procuradores da República, de cuja diretoria passou a participar para facilitar a articulação parlamentar. Foi recebido pelo Senhor juntamente com o Doutor Robalinho, presidente da ANPR, para tratar de pautas legislativas, como se vê na foto abaixo.

Não sei se Ângelo cometeu algum ilícito no episódio em que foi exposto à sanha persecutória da mídia, numa sociedade doente como a nossa, pela intensa polarização política causada interesseiramente para desgastar os governos populares do Partido dos Trabalhadores. Na verdade, isso não me interessa. Nosso amigo haverá de se defender na instância própria e espero que receba a justiça que todos merecemos, coisa, aliás, difícil nos dias de hoje, quando o judiciário e o ministério público demonstram mais empenho de agradar a tal “opinião pública” do que garantir direitos dos jurisdicionados. Para mim, o que importa é manter-me fiel à máxima inglesa: “a friend in need is a friend indeed”, um amigo na necessidade é um amigo de verdade.

Ângelo está sendo trucidado por aqueles a quem serviu com denodo e fidelidade. Para ele, que aparentemente feriu a omertà ministerial, não vale a presunção de inocência. A palavra torta de um advogado metido em encrenca é suficiente para o Procurador-Geral taxá-lo publicamente de corrupto, sem qualquer exame mais acurado sobre a procedência da solteira acusação de que estaria a receber cinquenta mil reais por mês do Grupo JBS.

Tristes tempos! Para entrar numa fria no Brasil de hoje, basta estar no lugar errado, na hora errada. Sua vida está destruída. Nunca o Ministério Público Federal agiu com tanta ferocidade contra qualquer um dos seus. E olha que lá não tem só carmelitas de pés descalços! Todos o abandonaram à própria sorte. Todos dele querem distância como se fosse um leproso. Inclusive Vossa Excelência.

Pois não vou abandoná-lo. Aprendi a não julgar ninguém. Nem como procurador. Não sei se, acaso estivesse no lugar de um errante, agiria melhor do que ele. A vida não me colocou nessa prova. Cada um carrega sua cruz e dá seu jeito para cumprir a tarefa. Limito-me a verificar se certa conduta se subsume à hipótese de um tipo penal. Só isso. E procedo à aplicação da norma cum grano salis, pois, summum jus, summa injuria! Afinal, é sempre bom desconfiar de si mesmo, de seus impulsos e de suas emoções, pois ninguém é melhor que ninguém.

Ângelo foi vítima daqueles que o usaram. Ao assumir a tarefa de estafeta, foi útil para muitos colegas mais espertos e mais pusilânimes, zelosos de não se exporem. Ele estava no olho do furacão, na crise que tomou conta do país. É que o ministério público adora fazer bonito para o público e, para ficarem belos na fita, não faltam cúpidos colegas. Adoram se exibir na cruzada contra o mal, os arautos da moralidade. Mas o que eles escondem é que seu protagonismo político e social exige que consigam manter seu prestígio como carreira, com bons ganhos e crescentes poderes de ação. Tem-se aí um paradoxo: ao mesmo tempo em que batem em Vossa Excelência e em seus pares no parlamento, precisam ter alguém que os chaleire, que os cative, para que os seus sejam bonzinhos e não partam para a vindita, numa guerra intercorporativa. Há nossos bad cops e nossos good cops, os “canas” malvados e os “canas” gente boa. Um não vive sem o outro. Os Dallagnois e a patota de sua claque interna se adoram no papel de bad cops. São os que os tratam na chibata, para todo mundo ver e criar ojeriza a sua classe.

Ângelo tinha por função ser o good cop. Aquele que vem com papo agradável, diplomático; aquele que quebra galhos e oferece alguma previsibilidade aos ataques que estão por vir, para que a turma de Vossa Excelência possa se preparar. Afinal, a imagem para um político é seu principal ativo e ter algum insider que lhe ofereça alguma explicação sobre os sarrafos que está levando é mais do que útil, é necessário para se preservar minimamente.

Ângelo sabia que sua missão era necessária, também para preservar as conquistas corporativas do ministério público. Tinha que agir com extrema cautela, numa greta entre o lícito e o ilícito. Se os políticos são em sua maioria gente corrupta, como o ministério público dá a entender, negociar com eles benefícios da carreira beira à corrupção também. Mas não negociar é a certeza da perda de poder e de ganhos e privilégios.

Alguém tem que fazer esse papel de modo a não comprometer a classe dos limpinhos. Esse cristão tem que ser manhoso, simpático que nem todo estelionatário e conseguir manter as aparências de decoro. Mas Ângelo era bom no que fazia, porque não era um estelionatário. Era sincero, compreendia o mundo político como ninguém e, sobretudo, respeitava a soberania popular.

Não tenho dúvida que o papel que lhe foi cometido levou Ângelo a fazer o que fez. Sentia-se empoderado para isso. Negociar com gente controversa era sua vocação. E sempre agiu sozinho, pois os colegas, ainda que se beneficiassem, não queriam se meter nessa roubada. E, enquanto as tratativas de nosso amigo traziam frutos bons para a corporação, ele era festejado: “Graaande Ângelo”! Era que nem Blokhin, o fuzilador preferido de Stalin: era adorado e adulado pelo Vozhd, mas nunca o tinha em sua companhia ao executar suas vítimas, obedecendo a sua ordem de rastreliat.

Isso, claro, não justifica a entrega de documentos internos a uma parte investigada; mas a explica muito bem. Seu pecado foi achar que, na força tarefa, poderia agir solo, dentro do coletivo de prime donne, como o fazia na política.  Esqueceu de conversar com os russos, combinar o jogo. Não podia cativar Joesley e seus cúmplices sozinho, para aceitarem uma delação premiada que era a crème de la crème do bolo das vaidades.

Ângelo tornou-se uma pessoa trágica. Foi sugado interesseiramente e depois cuspido feito bagaço de laranja. Agora os amigos lhe viram as costas.

Senador, o Senhor não! Não tem esse direito. Ele muito se sacrificou por Vossa Excelência e pelos seus. Assumiu muitos riscos. Lembra-se, nos estertores do governo da Presidenta legtima e eleita Dilma Rousseff – aquela que vocês traíram junto com a democracia? Pois é. Era na casa de Ângelo Goulart que eu, como Ministro de Estado da Justiça, conversava com o Senhor para garantir tratamento digno à Chefe de Estado!

Era onde o Senhor se sentia melhor, mais protegido, não é? E agora diz que não o conhecia? Sinceramente, não esperava isso de Vossa Excelência.

Quem sabe, Senador, consiga verter lágrimas de arrependimento e vergonha que nem Simão Pedro, o pescador que episodicamente traiu seu Mestre?

Acredito nos humanos. Por mais perversas que possam ser suas atitudes, são filhos da luz e por isso são tão especiais, que nem Ângelo! Tenho responsabilidade por quem cativei e cumprirei com essa responsabilidade. Ele é e sempre será meu amigo. Afinal, não é qualquer um que brinca com meu filho na cama elástica da casa do Procurador-Geral da República.

Do GGN, Eugênio Aragão

Felipe Pena: Dois juízes e a conta! – Em abril, Temer foi à pizzaria

Michel Temer pediu o cardápio. Gilmar Mendes se antecipou ao amigo e o tirou da mão do garçom: "posso pedir vistas, presidente?"

- Claro, meretríssimo – respondeu Michel.

- De entrada, que tal um queijo Gonzaga com lascas de tomate?

- Ótima escolha, Gilmar. Mas esse prato demora muito. Os tomates só estarão maduros no dia 16 de abril. Se quisermos algo pra hoje, terá que ser esse outro aqui mesmo – disse, apontando para um queijo mais amargo.

- Calma, Michel. Quem está vendo o cardápio sou eu. Minhas vistas, minhas escolhas. Apenas obedeça.

- Obedecer-te-ei, meu caro. Mas estou com fome. Veja o que temos como prato principal, por favor.

- Taquilpa, Michel. Apressado come cru! Já disse que o pedido de vistas pode demorar o tempo que quisermos. A alta gastronomia é assim, lenta e conservadora.

- Vossa excelência frequenta a alta gastronomia há muito tempo. Eu o respeito. A escolha é sua.

- Então vamos pedir uma pizza de vieiras.

- Pizza? Mas esse é um prato rápido, Gilmar. E não tem nada a ver com a alta gastronomia.

- Só que a Vieira demora dois meses pra cozinhar. Fica pronta apenas em maio e dá um requinte especial à pizza.

- Mas será que podemos esperar tanto?

- Claro que podemos. Como disse, estamos apenas pedindo vistas, Michel.

- Muito bem. Então, deixa que eu pago a conta. Garçooom...!!!!

- Já está paga, Michel.

- Já está? Por quem?

- Olhe em volta, presidente. São eles que vão pagar.

E soltaram gargalhadas que ecoariam por todo o restaurante até o final de 2018.

****

Publiquei a crônica acima em abril, quando Michel Temer escolheu os ministros Admar Gonzaga e Tarcísio Vieira para substituir os pares que estavam prestes a deixar o TSE. Era uma previsão do que está acontecendo agora.

Nos últimos dias, liguei ou mandei mensagem para os assessores de sete parlamentares de oposição com o objetivo de perguntar sobre a atuação parcial de Gilmar Mendes no julgamento do TSE. Quase todos se recusaram a responder. Do que têm medo, afinal?

A exceção ficou por conta do senador Roberto Requião, que conversou comigo ontem. Para Requião, muito pior do que Gilmar são os ministros Gonzaga e Vieira, recém-indicados para o cargo com o único objetivo de absolver quem os nomeou, o réu Michel Temer. Este é um absurdo cuja explicação é impossível: como pode um réu indicar os juízes que vão julgá-lo?

O senador Requião também comentou a possibilidade de o presidente barrar na Câmara a denúncia que deve ser aberta por Janot na semana que vem. Temer precisa de 172 votos e, segundo Requião, só a movimentação das ruas é capaz de evitar essa tragédia política, já que os deputados vivem em um mundo paralelo. "O congresso come pizza na Camelo" – disse o senador, em alusão à pizzaria onde Rodrigo Rocha Loures foi flagrado recebendo uma mala de dinheiro da JBS.

Pelo jeito, continuaremos a viver numa pizzocracia.

E, nesse sistema, seremos governados pelo trio de pizzaiolos formado por Gilmar Mendes, Henrique Meirelles e o capital financeiro.

A Temer restará apenas a cadeira. Sem poder, sem voz e com um pato amarelo na mesa da escrivaninha.


Felipe Pena é jornalista, escritor, psicanalista e professor da UFF. Doutor em literatura pela PUC-Rio, com pós-doutorado pela Sorbonne III, foi visiting scholar da NYU e é autor de 15 livros, entre eles o ensaio "No jornalismo não há fibrose", finalista do prêmio Jabuti.

Do GGN/Extra

A convicção do Juiz não é alcançada pelo mecanismo de controle do contraditório, Manoel Volkmer de Castilho

O processo penal está repleto de regras de procedimento, de tratamento das partes, da igualdade e de preceitos relativos à aplicação das penalidades cabíveis. Tais comandos naturalmente prestam reverência aos princípios constitucionais da ampla defesa, do contraditório processual e do devido processo legal, no sentido de que essas são medidas inafastáveis em caso do cidadão ser levado à Justiça Criminal, particularmente quando a lide penal se refere a episódios da chamada Operação Lava-jato e diz respeito ao ex-Presidente Lula.

Essas garantias, entretanto, reduzem-se muito na proporção em que os aplicadores da lei penal, em especial órgãos do ministério público e juízes se deixam persuadir por ideias próprias ou as professam deliberadamente, em particular quando encorajadas por fatos ou atos recolhidos na instrução processual.

Pesquisas recentes, aqui e no exterior, têm dado conta de que a magistratura é formada por juízes recrutados de determinadas camadas sociais cujos condicionamentos de classe, de família, de religião, de formação, de convicção politica-ideológica – o que são fenômenos normais e previsíveis – muito seguidamente infiltram em seus julgados pressupostos (não necessariamente ilegítimos), mas claramente insuscetíveis de controle por contraditório, pela ampla defesa, vulnerando dessa forma o devido processo legal substantivo.

A esse respeito, a Revista do Tribunal Regional Federal da 4ª Região (o mesmo que vai ler as provas e decisões desse processo criminal) produziu e publicou no seu número 31(07/1998) os resultados de uma pesquisa entre os magistrados (e o padrão encontrado a despeito das alterações pontuais aparentemente mantem-se, bastando conferir pesquisa realizada em 2014 pelo Conselho Nacional de Justiça com resultados no site respectivo).

O magistrado dessa Região era majoritariamente urbano, masculino, branco, de classe média/média alta, com família organizada e bens próprios, a indicar que seu perfil e extrato social poderiam ser facilmente identificados e rastreados e, com a mesma facilidade, os condicionamentos a que sua educação, instrução e atuação profissional ficaram seguidamente expostos.

Esse importante fator processual, nada obstante as ditas garantias constitucionais, não é alcançado pelo mecanismo de controle do contraditório ou dos recursos cabíveis, e assim, ao menos por essa perspectiva, o demandado, o acusado ou o réu, não têm como questionar ou defender-se, sobretudo quando, sem integrar o universo sociocultural dos “operadores do direito”, dele seja, ao contrário, crítico ou adversário.

Ora, a coleta da prova material, a orientação das inquirições das testemunhas, as do próprio interrogatório do réu e tantas outras medidas de natureza processual, e em especial as de cunho cautelar ou restritiva e limitativa de direitos, naturalmente se sujeitam a esse quadro de contingências subjetivas do magistrado para os quais a lei processual não oferece resposta formal.

A instrução processual, de outra parte, constitui, observadas as regras correspondentes, o método legal de formação da convicção do juiz que, por  essa razão, logicamente não se esgota numa suposta “livre apreciação da prova” embora o texto da lei ainda a abriga de modo antiquado (art. 155 CPP), a despeito de hoje por certo desqualificada, senão pela doutrina seguramente pela evidência de que afronta as garantias constitucionais.

Além disso, o conjunto dos elementos de prova pode propor uma conclusão afirmadamente objetiva, mas será indiscutivelmente será também apoiada em pressupostos e condicionamentos subjetivos os quais por sua vez podem inserir-se involuntária ou deliberadamente na formação das convicções do Juiz.

Nessa linha de compreensão, a sentença de mérito vai refletir as convicções formuladas à base desse mesmo conjunto probatório assim como  vai reproduzir os ditos condicionamentos de classe, de formação, de família, religião e, em muitos casos, os de caráter político-ideológico que ajudaram a construção da prova e das convicções dela resultantes.

A questão, todavia, não é simplesmente demonizar tais fragilidades que de qualquer sorte tendem a sobreviver pois não há cultura, política ou posições ideológicas “puras” enquanto obra humana. Entretanto, se essa é um universo  em que necessariamente se movimentam os agentes do processo é essencial que tais condutas sejam sempre e invariavelmente submetidas ao escrutínio do debate público ainda que seu critério de convencimento -- conquanto desprovido dos elementos da prova processual -- não é distinto daquele que empregam juízes e membros do ministério público na formulação de juízos condenatórios e, no caso, ainda enriquecido pela variedade e diversidade.

Resolver esse dilema perpétuo que se instala na causa penal principalmente nos casos de repercussão, reclama ao menos duas diretivas.

Uma, de que na análise de qualquer dos fatos, atos ou circunstâncias da causa penal, sempre e incondicionalmente, qualquer dúvida ou inconsistência seja obrigatoriamente interpretada em favor do réu ou acusado, pois essa é uma consequência igualmente obrigatória da salvaguarda constitucional da presunção de inocência ou da não culpabilidade, até o trânsito em julgado, observado em qualquer hipótese o processo justo.

Outra, a de que ao magistrado condutor do processo, também por essa superior razão constitucional, deve, sempre e invariavelmente, despir-se de suas condições pessoais mediante autocritica reiterada e, portanto, como requisito mínimo desse despojamento obrigatório, oferecer à parte demandada, garantindo-as, todas as oportunidades de manifestação e de participação nos atos do processo.

Tanto é certo isso quanto é certo ser ilimitada a disposição constitucional garantidora do exercício da ampla defesa donde remanesce claro que não há paridade de armas no processo penal se se leva as garantias constitucionais do réu às consequências logicamente compatíveis.

O nosso regime processual penal constitucional é, ou deve sê-lo, declaradamente em favor do réu e a jurisprudência histórica da Alta Corte do país tem seguido essa concepção de justiça processual exatamente porque sendo muitas e imperceptíveis as variáveis na formação e formulação da convicção dos magistrados criminais, cabe controla-las através da intransigência no rigor da produção das provas e da benevolência na interpretação delas em respeito à presunção da inocência, donde ressai que a condenação de alguém não resultará de convicções senão de certezas objetivas e que ante a menor dúvida irrelevam.

As razões finais do órgão do Ministério Público Federal no Caso Triplex, dadas a público há poucos dias e que vão subsidiar a decisão judicial, quando submetidas a esse quadro de considerações, ao invés do pretendido pela acusação, ressaltam a procedência dessas criticas.

Afirma-se no resumo introdutório das razões que “[e]m vez de buscar apoio político por intermédio do alinhamento ideológico, LULA comandou a formação de um esquema criminoso de desvio de recursos públicos destinados a comprar apoio parlamentar de outros políticos e partidos, enriquecer ilicitamente os envolvidos e financiar caras campanhas eleitorais do Partido dos Trabalhadores – PT em prol de uma permanência no poder assentada em recursos públicos desviados. A motivação da distribuição de altos cargos na Administração Pública Federal excedeu a simples disposição de cargos estratégicos a agremiações políticas alinhadas ao plano de governo. Ela passou a visar à geração e à arrecadação de propina em contratos públicos.”.

E mais adiante,

“Os presentes autos partem da revelação de um cenário de macrocorrupção para além da PETROBRAS, no qual a distribuição dos altos cargos na Administração Pública Federal, incluindo os das Diretorias da PETROBRAS, funcionava como instrumento para a arrecadação de propinas, em benefício do enriquecimento de agentes públicos, da perpetuação criminosa no poder e da compra de apoio político de agremiações a fim de garantir a fidelidade destas ao governo federal, liderado à época por LULA. Nesse contexto, a distribuição, por LULA, de cargos para políticos e agremiações estava, em várias situações, associada a um esquema de desvio de dinheiro público e pagamento de vantagens indevidas. Trata-se de um complexo esquema criminoso praticado em variadas etapas e que envolveu diversas estruturas de poder, público e privado”

Como a denúncia em apreciação refere tão só o episódio do apartamento Tríplex, a guarda de volumes e correlatos, tais conjeturas  tentam buscar consistência a partir de diversas afirmações oriundas de “delação premiada” em outros processos que notoriamente envolvem comportamentos de caráter estritamente político ou de cunho administrativo externos aos fatos em questão nesta causa.

Como evidenciado pelo conjunto dos fatos desse modo reunidos, é inviável destacar um de outro ato do então Presidente da República no correspondente campo de atuação, de modo que a deliberada generalização, como mostra o texto acima reproduzido, além de converter-se em pressuposto indiscutível a iluminar as ponderações subsequentes, transforma ex-Presidente, por definição, em “vértice comum dos casos de corrupção”.

Assim apropriadas pelo MPF, resulta daí um complexo de condutas interelacionadas com grande número de outros envolvidos e outros interesses diversos, que passa a ser severamente perturbador de uma instrução límpida, clara, e objetiva, bastando ver, pela voz do próprio MPF que são crimes de difícil elucidação onde a lógica comum autoriza a atenuar a rigidez da valoração e a maior elasticidade na admissão da prova de acusação.

Esse quadro pré-valorizado e pleno de pressupostos subjetivos revela de modo claro a insistência dessa generalização que, inclusive, termina por responsabilizar o réu pela “devolução” de R$ 87.624.971,26 embora tenha supostamente recebido e lavado tão só R$ 3.738.738,01.

Ora, conquanto em determinadas situações criminosas seja admissível aceder a uma flexibilização como ponderado pela acusação, no ambiente de disputa eleitoral ou marcadamente politizado, ao contrário, essa inteligência acaba revestindo-se de um caráter autoritário em tudo contradizendo as garantias e direitos do processo penal democrático.

Aliás, toda a construção acusatória, diz-se confessadamente indiciária e, à base da afirmação de que são crimes de difícil elucidação, propõe implicitamente, na prática, uma virtual e injusta inversão do ônus da prova. De fato, pela invocação de “teoremas” ou “teorias” racionalistas impregnadas de ideias de origem anglo-saxônica, estranhas ao nosso costume e história, destinados a justificar teoricamente uma condenação, tais indícios bastariam sem prova real precisa.

Contudo, mesmo a pretendida probabilidade, para além do standard de uma “reasonable doubt,” a legitimar em certos casos as presunções e indícios, aqui não se compadece com o regime constitucional brasileiro, dados os limites expressamente referidos no art. 5º da Carta, de acordo com os quais o pressuposto para uma condenação criminal justa é a ausência de dúvida e a necessidade de certeza objetiva, tanto que aplicação das teorias de domínio do fato ou de culpa objetiva, no campo penal, em geral, afrontam diretamente os fundamentos éticos e axiológicos do regime adotado pelo direito brasileiro.

Resumindo, a presunção de autoria pelo domínio do fato e a certeza da materialidade, autoria e dolo, decorrentes apenas de indícios, ao revés, na verdade completam um quadro de violação de direito.

É que, percorrendo as 300 e tantas páginas das razões finais da acusação não fica claro em momento algum qual a exata e efetiva conduta do ex-Presidente, com autoria, materialidade e dolo precisamente descritos e provados que caracterizassem a figura típica da corrupção passiva e a lavagem de ativos, de pouco valendo as referências a casos julgados pelos Tribunais pois quando vistos de perto são distintas as condutas de cada caso, e não há, no adágio popular, dois casos iguais.

Ademais, a suposta lavagem de ativos (de suposto crime anterior de corrupção) convertidos em um apartamento supõe a titularidade do imóvel mas até o momento não se esclareceu jurídica e formalmente sequer do ponto de vista civil a propriedade do mesmo que, é intuitivo, se prova pela transcrição ou registro e matrícula respectivos.

Por isso, as seguidas indicações na peça em questão de que o ex-Presidente “orquestrou o esquema de arrecadação de propinas” e ainda “atuou para que seus efeitos se perpetuassem” porque era ele o responsável pelo provimento e distribuição de cargos da administração pública, “voltados a perpetuação no poder”, e adiante descrevendo as diversas movimentações político-partidárias como se fossem única e exclusivamente manobras da “organização criminosa”, constitui expediente para envolver e transformar condutas singelas provocando repercussão artificiosa.

Não se trata de negar fatos ou evidências delituosas e até mesmo circunstâncias conhecidas e provadas de caráter indiciário (art. 239 CPP) que por certo existiram, impõe-se, todavia, recusar a simplificação e a generalização baseadas em premissas elas próprias fundadas em suposições derivadas de suas conclusões, de resto ainda exaradas em tonalidade raivosa e agressiva, quiçá revanchista.

Talvez por isso tenha o réu razão ao afirmar que não é ele que está em julgamento mas seu governo, e pelo modo com que as razões finais do MPF se referem aos fatos e os relacionam sempre a uma “organização criminosa” extrai-se a sensação notória de que, acusações e suspeitas, convergem para uma crítica condenatória à pessoa do titular da Presidência na impossibilidade de atingir sua administração o que, descabido nessa fase, de qualquer sorte requereria mais e melhores razões.

Essa ilação, repita-se, torna-se tanto mais evidente (e por isso questionável) quanto, ao longo dessas 3 centenas de páginas, é perceptível a insistência do MPF na menção e referencia a condutas relacionadas com outros casos, em outras circunstâncias e envolvendo outras pessoas, com isso mostrando muito pouco do caso ora em apreciação seja com respeito ao apartamento do Guarujá, seja da guarda dos pertences presidenciais, sejam ainda outros episódios correlatos raramente mencionados ao longo da peça, o que mostra ser propósito deliberado da acusação, mais do que condenar o réu, destruir seu patrimônio politico e a história da sua administração – aliás, passando assim inconstitucionalmente da pessoa do réu -- ao invés de propor a ação penal pessoal, clara, precisa, democrática e pleitear uma sanção penal justa de uma conduta individual certa e imputável. 

Todo esse espiolhar de ilicitudes no afã de incriminar o réu não se amolda ao regime constitucional processual e penal sempre resguardados pela presunção de inocência e protegidos pelos direitos constitucionais de ampla defesa e contraditório útil mediante devido processo legal justo.

  Cuida-se, pois, não de exculpar rasamente os réus mas de expungir das acusações esse ranço politico e ideológico em que se transformou a operação policial cada vez mais concertada em juízo como uma verdadeira “caça às bruxas”.

Esse não é um processo que legitime um veredicto justo e não é assim que se constrói a convicção do juiz.

Do GGN, Manoel Lauro Volkmer de Castilho - é Juiz do TRF 4ª Região aposentado; ex-Consultor-Geral da União

Brasil 247: Tirania Michel Temer destrói J&F e prepara o dossiê contra o ministro do STF Edson Fachin


Prestes a ser denunciado como chefe de quadrilha, corrupto e também por obstrução judicial pelo procurador-geral Rodrigo Janot (saiba mais aqui), Michel Temer pode ter cometido novos crimes de responsabilidade, ao colocar toda a máquina do estado para agir em seu benefício pessoal.

Segundo aponta a colunista Lydia Medeiros, do jornal O Globo, foram montadas forças-tarefa em órgãos públicos para destruir a J&F, holding controlada pelo empresário Joesley Batista, que delatou Michel Temer.

Ontem, a Petrobras também rasgou um contrato com uma usina termelétrica da J&F (leia aqui) e a Caixa Econômica Federal cobrou antecipadamente empréstimos feitos ao grupo (leia aqui).

Em paralelo, a tropa de choque de Temer no Congresso começou a preparar um dossiê contra o ministro Edson Fachin, do Supremo Tribunal Federal.
O golpe dos corruptos, que derrubou a presidente legítima Dilma Rousseff, agora se volta contra empresários e qualquer um que ouse colocar em risco a permanência de Temer no poder.

Ao falar sobre o vexame protagonizado pelo Brasil no mundo, o escritor Boaventura Sousa Santos, um dos maiores intelectuais da atualidade, disse em entrevista exclusiva ao 247, que Dilma Rousseff, a presidente mais honesta da América Latina, foi afastada pelos políticos mais corruptos da América Latina (leia mais aqui).

Leia, abaixo, as notas de Lydia Medeiros:

Crise política

Há “forças-tarefa” montadas em órgãos como Carf e Cade — além dos processos abertos na CVM para investigar ganhos com o mercado de câmbio — destinadas a examinar a JBS e seus donos com potentes lupas. Já foram apurados, por exemplo, casos de apropriação indébita de contribuição previdenciária em alguns frigoríficos do grupo. A CVM investiga também as empresas de auditoria que prestam serviços à JBS no Brasil e no exterior, como KPMG e a BDO RCS. Advogados procuram brechas nas decisões do STF, enquanto parlamentares aliados do presidente afirmam que há um “dossiê Fachin” ganhando corpo a cada dia.

Depois do furacão

A artilharia do governo contra a JBS pode desencorajar novos acordos de colaboração premiada.

247

quinta-feira, 8 de junho de 2017

Xadrez da indústria da leniência e do compliance, Luis Nassif

Cena 1 – o procurador que mudou de lado
Marcelo Miller era procurador de ponta no Ministério Público Federal. Bem formado, com visão liberal da economia, conhecimento do mundo dos negócios e das offshores, conduziu a Operação Norbert que, atrás de um casal de doleiros no Rio de Janeiro, acabou identificando contas da família Neves em Liechtenstein.

Indicado Procurador Geral, um dos primeiros atos de Rodrigo Janot foi trazer Miller para sua assessoria pessoal, envolvendo-o também nas investigações da Lava Jato.

Causou surpresa a notícia de que, no início de março, largou o MPF por um contrato de advogado na Trench Rossi Watanabe, um dos maiores escritórios de advocacia do país, representante do influente escritório nova-iorquino Baker McKenzie.

O escritório defende a SAAB-Scania, alvo de uma operação do MPF conduzida pelo próprio Miller, visando apurar as circunstâncias da licitação FX da FAB. Apesar de ter sido conduzida de forma transparente, a licitação caiu nas garras do MPF e transformou uma denúncia vazia em um contrato de bom valor para a Trech Rossi Watanabe.

Vamos entender um pouco melhor esse jogo e como a indústria da leniência se transformou no negócio do momento para os escritórios de advocacia.

Cena 2 – a indústria dos acordos de leniência
As práticas jurídicas, acordos de leniência, acordos de delação, estimularam uma disputa feroz entre escritórios de advocacia e empresas de auditoria em todo mundo.

É uma indústria em franca expansão, na qual as estratégias consistem em se aproximar de órgãos públicos, cooptar procuradores, advogados com influência nos órgãos de controle, empresas de auditoria, atuando muitas vezes nas três pontas: nas empresas acusadas de corrupção, nas empresas vítimas da corrupção e nos governos nacionais.

É um mundo pouco conhecido, mas que mereceria um holofote em cima, para ser melhor entendido. E o caminho é analisar alguns episódios recentes envolvendo o mais influente dos escritórios do gênero, o Baker McKenzie.

Cena 3 – o acordo de leniência da Embraer
Confira-se o que ocorreu com a Embraer.

Em outubro de 2016, a Embraer assinou um TAC (Termo de Ajustamento de Conduta) com o Ministério Público Federal. Era a finalização de um caso envolvendo corrupção em diversos países.

Nos Estados Unidos, a Embraer pagou mais de US$ 200 milhões de multa. No Brasil, a multa foi bem menor. Os termos do acordo geraram desconforto no MPF.

O procurador do caso era Marcelo Miller. O escritório que representava a Embraer, a Trench Rossi Watanabe; o escritório para os EUA, o Baker McKenzie.

Aqui (https://goo.gl/z8TFVb) as referências a Miller, no Brasil, e à Baker McKenzie nos Estados Unidos.

Cena 4 – o acordo de delação da JBS
A JBS decide fazer um acordo de delação com a Procuradoria Geral da República (PGR). Seu escritório é o mesmo Trench Rossi e Watanabe.

Desde fins de 2016, a JBS vinha se preparando para uma delação-bomba, que lhe permitisse arrancar um grande acordo de delação com a Procuradoria Geral da República brasileira, ao mesmo tempo em que negociava um acordo de leniência com o Departamento de Justiça dos Estados Unidos.

Um dia antes das gravações de Joesley Batista, da JBS, no presidente Michel Temer, o procurador pede afastamento do Ministério Público Federal e vai trabalhar na Trench Rossi e Watanabe.

Aqui, a forma de saída de Miller e a maneira como convenceu Janot a aceitar a delação (https://goo.gl/ubAHLX).

Miller foi contratado com salário de R$ 30 mil mensais mais bônus anual garantido de U$ 450 mil. Pouco aparece no escritório Trench Rossi Watanabe. O escritório saiu do acordo de leniência, mas continua trabalhando para a JBS em casos bastante lucrativos. O referral fee (o pagamento recebido pela indicação do cliente) do contrato é de Miller.

Nos EUA, a JBS conseguiu um acordo de leniência com o Departamento de Justiça sendo representada pela... Baker McKenzie, é claro (https://goo.gl/BiHVh4).

O procurador geral da Divisão do Ministério Público Norte Americano responsável pelo caso JBS é Trevor McFadden (https://goo.gl/jDWDBK). Onde Trevor trabalhava antes de assumir essa função? Até janeiro de 2017, na Baker McKenzie (https://goo.gl/kII9lv).

Cena 5 – as investigações na Petrobras
Odebrecht e Braskem são grandes clientes da Trench Rossi Watanabe e da Baker McKenzie. Essas informações foram omitidas da Petrobras, quando contratado para conduzir as investigações internas na empresa.

É um custo bastante alto, também omitido do site da empresa, provavelmente bem maior do que os valores recuperados pela Lava Jato.

A mesma Baker McKenzie foi contratada pela Braskem para celebrar a leniência nos Estados Unidos (https://goo.gl/vwEf7t).

Já em 2014, a Trench Rossi Watanabe foi contratada para investigações internas na Petros, o fundo de pensão da Petrobras. Nada encontrou sobre a JBS. Quem a assessorou foi a empresa de auditoria EY, autora de relatório controverso sobre a Eldorado Celulose, no qual não identificou nenhuma irregularidade (https://goo.gl/xiGvSv). Posteriormente, na delação o próprio Joesley admitiu as irregularidades (https://goo.gl/9H7afW).

Um de seus advogados era Dalton Miranda, ex-conselheiro do CARF (https://goo.gl/eUwKZI), denunciado em fevereiro de 2017 na Operação Zelotes (https://goo.gl/bifJKb). A sócia administrativa da Trench Rossi Watanabe é Simone Musa, que também contratou Marcos Neder, advogado bastante influente e controvertido que, a exemplo de Miller, passou a advogar para empresas investigadas por ele (https://goo.gl/FIId7).

Conclusão
Puxa-se uma pena, vem a galinha toda, já dizia o preclaro Ministro Gilmar Mendes.

Os dados acima são as penas e algumas partes da galinha. Indo mais a fundo, é capaz de aparecer o galinheiro completo.

Do GGN, Luís Nassif