domingo, 2 de julho de 2017

Lula desmente Folha sobre manifesto junto com Temer e Aécio

Ex-presidente chama de “balão de ensaio” e “falsas” informações de que advogados de ambos os lados estariam produzindo artigo em conjunto.
Foto: Valter Campanato/Agência Brasil

O ex-presidente, Luiz Inácio Lula da Silva afirma que a informação veiculada neste domingo (02) no Painel, da Folha de S.Paulo, de que os seus advogados, juntamente com os advogados de Michel Temer (PMDB), de Dilma Rousseff (PT) e Aécio Neves (PSDB) estariam elaborando um manifesto criticando a atuação da Justiça e do Ministério Público é mentirosa.

Segundo o jornal, os debates para a construção do manifesto "se desenrolam em um grupo de WhatsApp intitulado “Prerrogativas'", e a Ordem dos Advogados do Brasil estaria incluída no alvo das críticas.

"Nas discussões, tratam da confecção de texto que prega o fim do que chamam de 'Estado de exceção' e a 'retomada do protagonismo da advocacia'", completou a Folha na nota.

Lula desmentiu a informação usando a sua conta oficial no Facebook destacando que, "de tempos em tempos, o jornal Folha de S.Paulo publica, com base em fontes anônimas, balões de ensaio mentirosos como esse".

Veja a nota na íntegra: Lula - Facebook
"Jornalismo sério confirma os fatos e não se pauta por mentiras. A informação, na capa do UOL nessa manhã de domingo é pura invenção. De tempos em tempos, o jornal Folha de S.Paulo publica, com base em fontes anônimas, balões de ensaio mentirosos como esse. Primeiro, foi a reunião, que nunca ocorreu, entre FHC, Lula e Sarney, para discutir um acordo político. Agora, o jornal trata de uma costura entre Temer, Dilma e Lula que redundaria em manifesto "anti-judiciário". Daqui a pouco serão Lula, Neymar, Luis Suárez e Lionel Messi acertando a vinda deles para o Corinthians. Assim caminham as fofocas".

Do GGN

Xadrez dos atos estranhos do Ministro Fachin, por Luis Nassif

Nos últimos dias aconteceram vários episódios que, de certo modo, enfraquecem o Procurador Geral da República (PGR) Rodrigo Janot e dão algum alento à organização que tomou conta do Executivo. Mas não indicam  mudança radical na correlação de. Mesmo porque ainda há um enorme acervo de malfeitos de Michel Temer e seu bando a serem revelados.

O STF (Supremo Tribunal Federal) continua sendo uma incógnita.  Não  se sabe para que lado vai e o que motivou a mudança surpreendente de posição do Ministro Luiz Edson Fachin, relator da Lava Jato.

Há algo de podre no ar, mas ainda não há clareza sobre tamanho e consistência.
Nos últimos dias houve uma confluência de fatores que permitiu algum contra-ataque da turma de Michel Temer.

Passo 1 – críticas gradativas dos jornais aos métodos da Lava Jato, por aplicar o direito penal do inimigo nos amigos.

Passo 2 – o impacto da nomeação da nova Procuradora Geral da República, Raquel Dodge, marcando simbolicamente o fim da era Janot.

Passo 3 – Mudanças no comportamento do STF. Aumentou a intenção de enquadrar a Lava Jato nos limites da lei. Mas  não está claro se já começou, em definitivo, a operação pizza.

Passo 4 – movimentos de reação da Lava Jato contra Raquel Dodge, valendo-se de suas parcerias com a mídia. Não duraram meio dia. Foi a verdadeira batalha de Itararé, na qual Dodge venceu sem precisar combater. Dodge se consolida antes de precisar atuar.

Vamos entender em mais detalhes o que se passa.

Peça 1 – a mudança de Luiz Edson Fachin
Fiscaliza-se um juiz pela análise de suas sentenças.

Todo juiz tem direito à liberdade de julgar, de formar suas próprias convicções. Mas não o de usar um critério para cada caso. E quando usa dois critérios distintos para o mesmo caso, tem algo estranho no caminho.

Dr. Fachin era garantista com veleidades sociais. Depois se tornou um vingador impiedoso.

Um pequeno balanço de algumas decisões recentes dele :

No dia 26 de abril de 2017, investiu contra a libertação de presos da Lava Jato.

Mostrou-se indignado com a libertação de João Cláudio Genu, ex-tesoureiro do PP, e com a pena alternativa de prisão domiciliar para José Carlos Bumlai, ambos condenados por Sérgio Moro. Os jornalistas perguntaram se as decisões facilitariam outras medidas semelhantes. E Fachin respondeu: “Saí daqui ontem com vontade de reler o Ibsen, ‘Um Inimigo do Povo’ e a história do doutor Stockmann".

No dia 2 de maio de 2017 foi derrotado na votação que decidiu pela libertação de José Dirceu. Sua justificativa: “Eventual excesso na duração de prisões cautelares não deve ser analisado diante de prazos estanques, não se trata de uma questão aritmética. É indispensável que tal circunstância seja aferida de modo particularizado, à luz das peculiaridades de cada caso (...) Estamos aqui nesse caso a tratar em acusação, digo e repito, a tratar da criminalidade do colarinho branco”. Anote suas palavras.

No dia 4 de maio negou habeas corpus para Antônio Pallocci.  Fez mais: para impedir que a 2aturma revogasse sua decisão, decidiu levar a questão para plenário.

No dia 3 de junho de 2017, autorizou a prisão preventiva do ex-deputado Rodrigo Rocha Loures. Considerou que Loures, em liberdade, representaria risco às investigações: “o teor dos indícios colhidos demonstra efetivas providências voltadas ao embaraço das investigações, de modo que não é difícil deduzir que a liberdade do representado põe em risco, igualmente, a apuração completa dos fatos”. “Não é difícil deduzir” significa que os fatos não deixam margem a dúvidas.

Ai aparece uma pedra no caminho do nosso templário.

No dia 10 de junho de 2017 a revista Veja informou que a ABIN (Agência Brasileira de Inteligência) teria sido acionada por Michel Temer para investigar a vida de Fachin.

No mesmo dia, Fachin prosseguiu em sua sanha penalista, negando habeas corpus ao procurador da República Ângelo Goulart Vilella, acusado de levar propina da JBS, e preso há 45 dias sem sequer ter sido interrogado. “Tratando-se de decisão de natureza cautelar, eventual modificação do panorama fático-processual que autorize a sua revisão deve ser objeto de deliberação pela autoridade judiciária competente que, no caso em análise, não é mais o Supremo Tribunal Federal, mas o Tribunal Regional Federal da 3ª Região”.

Aí se entra o caso Loures.

O que é solicitado pela defesa 
Segundo consta da própria decisão de Fachin, os advogados de Loures solicitaram uma das três alternativas: prisão domiciliar, remoção para o 19o Batalhão Militar ou retorno ao presídio da Papuda.

O tempo de julgamento na Câmara 
Volte ao argumento de Fachin ao negar a libertação de José Dirceu.

Compare com o argumento utilizado para libertar Rocha Loures:

“A necessidade de se aguardar a autorização pela Câmara dos Deputados implica em alongamento da prestação jurisdicional que, neste momento, não merece ser suportada com a privação da liberdade. O tempo para o cumprimento da regra constitucional que impõe exame dessa autorização prévia não pode se converter em redobrado gravame ao ora denunciado”.

O que Fachin oferece a Loures 
Os advogados de Loures tinham requerido transferência para outros presídios ou prisão domiciliar. Fachin oferece mais do que isso, a liberdade:

a) recolhimento domiciliar no período noturno (das 20h às 6h) e nos  dias de sábados, domingos e feriados, a ser fiscalizado por monitoração eletrônica;

b) proibição de manter contato com qualquer investigado, réu ou testemunha relacionadas aos feitos a que responde;

c) proibição de ausentar-se do País, devendo entregar seu passaporte em até 48 (quarenta e oito) horas;

d) comparecimento em juízo para informar e justificar atividades sempre que requisitado, devendo manter atualizado o endereço em que poderá ser encontrado.

O álibi da isonomia 
Vale-se, para tanto, do uso escandaloso do conceito de isonomia.

Andrea Neves não tem cargo parlamentar, não tem proximidade com o grupo de Temer e foi detida por supostamente ter negociado o apartamento da mãe com a JBS. Do primo de Aécio, a única coisa que se sabe é que se ofereceu para servir de mula e transportar o dinheiro.

Loures é operador de Temer, homem da estrita confiança, foi gravado negociando propinas em troca de facilidades com o setor público.

No entanto, ele apela para a libertação de Andrea como álibi para libertar Loures.

Acompanhe a cronologia abaixo:

·       No dia 16 de março de 2017, Loures reuniu-se com Joesley Batista que lhe solicitou resolver negócio no Cade (Conselho Administrativo de Direito Econômico) envolvendo a venda de gás da Petrobras para a Âmbar, empresa do grupo. Na gravação, negocia 5% do lucro da operação para Temer.

·       No dia 13 de abril a Petrobras assinou o contrato com a Âmbar.

·       No dia 8 de junho o contrato é cancelado.

Tem todos os elementos de convencimento de um ato de corrupção:

1.     A indicação, por Temer, do seu homem de confiança para negociar com Joesley.

2.     A negociação entre Loures e Joesley Batista em torno dos interesses da JBS na Âmbar.

3.     Loures sai do encontro com uma mala de R$ 500 mil.

4.     Logo depois, a Petrobrás assina o contrato com a Âmbar.

Havia sinais nítidos de que Loures iria aceitar o acordo de delação.

Mesmo assim, Fachin esqueceu completamente o que escreveu menos de um mês antes.

A governabilidade
Em nenhum momento invocou-se o chamado periculum in mora, o risco da decisão tardia, para segurar o impeachment de Dilma.

O Supremo (ou seria apenas Fachin?) envereda agora, por um garantismo tardio, visando preservar o equilíbrio entre os poderes.

Ora, para se manter a organização criminosa controlando o Executivo, a condição essencial – justamente para evitar o periculum in mora seria manter detido o principal operador de Michel Temer. Enquanto o presidente permanece, pela necessidade de aprovação do julgamento pelo Congresso,  se mantém fora do jogo seu operador.

O fato é que Fachin voltou atrás radicalmente sem uma explicação plausível. Não havendo, há três hipóteses:

1.     Cedeu às ameaças do grupo de Temer.

2.     Foi seduzido por alguma conversa com o velho Rocha Loures, grande ex-presidente da FIEP (Federação das Indústrias do Estado do Paraná), conterrâneo de Fachin.

3.     Produziu um documento fake pelo fato de Loures ter concordado com a delação.

Não há hipótese benigna para o ato de Fachin.

Peça 2 – a retórica afasta-de-mim este cálice
A Suprema Corte brasileira desenvolveu uma metodologia tupiniquim para não correr riscos desnecessários (para seus autores), embora essenciais (para a garantia constitucional).

O princípio do comigo-não-violão 
Um ou outro Ministro assume uma atitude, ainda que pequena, contra a unanimidade. Dada sua contribuição, ele faz mentalmente uma contagem de sacrifícios individuais em defesa da Constituição. E diz para si próprio: comigo não, violão, já cumpri a minha parte.

O álibi da referência jurídica 
Primeiro, desenvolve-se a tese que atenda aos interesses pessoais, políticos ou ideológicos da corte. Depois, busca-se uma referência jurídica para avalizá-la.

No caso do mensalão, o Ministro (e ex-procurador) Joaquim Barbosa adotou a “Teoria do Fato”, do alemão Claus Roxin para condenar acusados, pelo simples fato de estarem no comando de partidos ou do governo, sem a necessidade da busca de provas maiores.

A interpretação foi criticada pelo próprio  Roxin em entrevista á Tribuna do Advogado.

Agora, para bater em retirada, o bravo STF recorreu ao jurista português José Joaquim Gomes Canotilho. Durante duas semanas Canotilho foi servido ao molho pardo nas discussões do Supremo, para fortalecer a tese de que a casa deve exercer poder moderador, para evitar instabilidade política e confronto entre poderes.

E, depois de deglutir Canotilho com quiabo, decidiram – na competente descrição do jornalista José Casado – “reafirmar seu poder até o limite (...) em nome da confiança do Estado e da segurança jurídica”. Alvíssaras!

E chamam a debandada de “reafirmação de poder”.

A tilápia e a piranha 
Para embasar uma decisão esdrúxula, encontre um caso anterior qualquer e o trate como precedente para uma decisão de isonomia, mesmo que não tenha nada a ver com o caso presente. Tipo, posso liberar uma piranha para nadar no rio, porque há um precedente liberando a tilápia e, sendo ambos peixes, há que se garantir a isonomia de tratamento.

As interpretações a posteriori
A Constituição escolheu o modelo presidencialista. Por ele, não há maneira de tirar o presidente por problemas administrativos. Isso só ocorre no parlamentarismo, com o voto de desconfiança.

Depois de consumado o impeachment de Dilma, em entrevista à Globonews o Ministro Luís Roberto Barroso resolve “olhar retrospectivamente” para admitir o ataque à Constituição : “Olhando pelo retrovisor, eu penso que se utilizou um instrumento parlamentarista para a destituição de um chefe de governo no modelo presidencial, e, portanto, houve um abalo institucional”.

Pela manipulação política constante da interpretação jurídica, fica-se sem saber para onde sopra o vento do STF.

Peça 3 – o fim do estrelismo da Lava Jato
São promissores os primeiros sinais da futura gestão da nova PGR Raquel Dodge.

Mal foi indicada, já sofreu o primeiro ataque de procuradores da Lava Jato lotados na força tarefa da PGR.

O recado foi curto e grosso – mais grosso do que curto . Esses procuradores não gostam de Raquel Dodge, acreditam que não terão a mesma liberdade que tiveram com a falta de comando de Rodrigo Janot e, se não receberem atenção especial dela, pedirão demissão.

Valeram-se dos canais habituais que consolidaram na imprensa.

Na parte da tarde, soltaram uma nota oficial de apoio a Raquel.

De Brasília, provavelmente não restará ninguém da Lava Jato. No novo grupo que assumirá a PGR a opinião é que o grupo de Brasília foi montado às pressas, sem colocar especialistas. Os que entraram primeiro convidavam conhecidos.
 Em alguns casos, um procurador entrou porque a cônjuge foi convocada para um trabalho em Brasília.

Em reportagem do Valor Econômico, antes de ser indicada, Raquel Dodge resumiu o estilo que pretende implantar na PGR:

·       Mecanismos que permitam um controle maior sobre os inquéritos e dificultem os vazamentos.

·       Cooperação entre órgãos da administração pública para agilizar os acordos de leniência.

·       Diagnóstico das ações civis públicas, para impedir que a paralisação de uma obra, ainda que seja por questão de corrupção, não acabe sendo mais onerosa para o país do que o próprio custo da corrupção. “A obra foi paralisada, mas resolveu-se o problema do asfalto esburacado?”pergunta.

·       Criação de grupo de trabalho para monitorar o cumprimento, pelos delatores, do que foi acertado no acordo de delação.

·       Manter o sigilo das investigações para garantir a dignidade das pessoas envolvidas, já que vazamentos podem induzir a erros, como o de tratar uma testemunha como suspeito.

Foi um discurso não apenas para o pessoal de dentro, mas uma promessa de trazer o MPF de volta ao leito institucional e aios princípios que devem nortear a ação de um procurador – isenção, discrição, respeito aos direitos individuais, não-exibicionismo.

Não apenas isso.

A indicação de Raquel Dodge renovou as esperanças do Ministério Público suíço, de montar uma colaboração com o Brasil. 15 meses depois de anunciada a criação de uma força-tarefa conjunta, para investigar casos de corrupção, a proposta não andou, bloqueada pelo Ministério da Justiça do Brasil.

Talvez, aí, destrave as investigações sobre as relações de Ricardo Teixeira com a CBF (Confederação Brasileira de Futebol), que jamais avançaram no período Rodrigo Janot.

Vamos aguardar mais desdobramentos dos últimos capítulos antes de arriscar os desdobramentos desses dias imprevisíveis.

PS - Como o Ministro Marco Aurélio de Mello não é de panelinhas, preferi ter mais informações antes de analisar sua atitude em relação a Aécio Neves.

GGN

O STF não se dá o respeito, nem disfarça suas preferências, por ex-ministro Eugênio Aragão

Trecho do artigo do procurador aposentado e ex-Ministro da Justiça, Eugênio Aragão, no blog do Marcelo Auler:

Tristes tempos. Tudo leva a crer que o STF não se dá o respeito, nem disfarça suas preferências. Enquanto parecem “melar” qualquer reação ao golpe, dão suporte à turma de Curitiba que massacra o PT e Lula. O homem da mala de Temer é solto após quarenta dias; Vaccari, o tesoureiro do PT, porém, contra quem nada de concreto se conseguiu apontar, fica preso por dois anos, por conta de indícios criados com suposições e convicções sem base empírica. Laudatória a Vaccari? Nem pensar!

A decisão que favorece Aécio não está, no seu dispositivo, errada. De fato, nada há na Constituição da República que autorize o judiciário a afastar preventivamente um senador do exercício de seu mandato. Mas não é isso que vem ao caso.

O que escandaliza qualquer jurista que não tenha ainda perdido sua sanidade mental é a extrema politização por detrás da opção do julgador. Será que faria o mesmo se o afastado não fosse de sua predileção, ante tantos elogios pegajosos – e desnecessários – a Aécio Neves? Não seria ilegítimo supor que não.

Causa espécie que esse “neogarantismo” no STF vem no momento em que os golpistas de 2016 começam a ser chamados à responsabilidade. E olha que essa chamada também só se dá, por parte do MPF, por absoluta falta de alternativa, dado o vulto da sujeira posta a nu, difícil de ser escondida debaixo do tapete.


Tijolaço/Marcelo Auler

Joaquim de Carvalho: Banestado & Yousseff: como Sérgio Moro agiu para não perder a Lava Jato

Moro e os primeiros passos na construção de um ídolo

Esta reportagem faz parte do nosso projeto de crowdfunding sobre a Lava Jato. Outras virão. Fique ligado.

primeira reportagem da série, publicada na semana passada, contou como o juiz Sérgio Moro emparedou o ministro Teori Zavascki, em maio de 2014, e impediu que uma antiga investigação sobre lavagem de dinheiro fosse para o Supremo Tribunal Federal (STF).

De lá o processo seguiria para os fóruns adequados  — os chamados juízos naturais –, definidos por critérios previstos em lei. O primeiro deles é o local onde ocorreram os crimes. No caso de acusados por foro por prerrogativa de função – deputado, por exemplo –, a investigação ficaria com o próprio Supremo Tribunal Federal.

Enfim, a Lava Jato seguiria seu curso natural, atendendo ao princípio da impessoalidade da Justiça – não é à toa que seu símbolo é uma mulher com os olhos vendados. Vamos tratar agora de outros fatos, forjados para manter em Curitiba a operação que, enquanto se manteve exclusivamente nas mãos de Sérgio Moro, atingiu apenas o PT e seus aliados.

*****
O doleiro Alberto Yousseff tinha negócios e residência em Londrina, no Paraná, quando foi preso na operação Banestado – a lavanderia funcionou principalmente nos anos do governo Fernando Henrique Cardoso. Fez acordo de colaboração – quando não havia ainda a lei da delação premiada – e, em 2004, deixou a cadeia, com o compromisso de que não mais praticaria crime.

Só que a Polícia Federal continuou a monitorá-lo. Não só ele, mas também de pessoas ligadas ao seu principal cliente, o deputado José Janene, do PP. Por alguma razão ainda não clara no inquérito que deu origem à Lava-Jato, que é de 2006, interceptou ligação telefônica de um assessor de Janene, Roberto Brasiliano, e de seu advogado, Adolfo Gois.

Foi aí que o delegado Igor Romário de Paula, da Polícia Federal, descobriu que Beto, uma das formas como Janene e seus amigos chamavam Yousseff – a outra era Primo –, continuava no crime. O advogado conta para Brasiliano:

— Ontem mesmo tava o Beto lá, e começaram a falar o nome das empresas que depositaram na conta da outra lá, sabe? – diz o advogado, segundo a transcrição que foi para o juiz Sérgio Moro, como fundamentação para abertura de inquérito.

Na conversa, já se sabe que o cliente do Beto é Janene, então deputado federal, e isso obrigaria o juiz a remeter o processo para o Supremo Tribunal Federal.

Também se sabe que a investigação está relacionada a um desdobramento do inquérito do mensalão, em Brasília, para investigar a lavagem de dinheiro de Marcos Valério.

Mas Sérgio Moro, num despacho de próprio punho, com sua letra miúda, manda abrir inquérito e se considera seu juiz natural, por dependência ao processo em que Yousseff tinha obtido benefícios como colaborador.

Sérgio Moro considerou que Yousseff, por ter feito o acordo de colaboração com ele em outro caso, o do Banestado, dois anos antes, estivesse vinculado a ele. Por essa lógica, seria um vínculo eterno e faria de Moro dono de Yousseff.

Também chama a atenção o fato de Moro fazer o seu despacho à mão, o que indica que ele tinha pressa em abrir o inquérito.

E parece que tinha mesmo.

No dia seguinte à sua decisão, que abriu o inquérito que dará origem, oito anos depois, à Lava Jato, o Tribunal Regional Federal determinou que metade dos inquéritos até então tramitando sob a jurisdição de Moro deveria ser encaminhada a outra vara.

No seu despacho manuscrito, Moro vinculou este inquérito ao processo da colaboração de Yousseff e, assim, criou uma dependência do inquérito à sua jurisdição.

Outros inquéritos poderiam seguir para um colega de Curitiba. Mas este não.
Yousseff era dele. 
Manuscrito indica que Moro tinha pressa em decidir: estava às vésperas de perder o que viria a ser a Lava Jato.

“Uma das mais salientes garantias do cidadão no atual Estado Democrático de Direito apoia-se no princípio do juiz natural”, diz o criminalista Luiz Flávio Gomes, em um estudo sobre a impessoalidade da Justiça.

Mais uma vez, esta regra estava sendo desrespeitada na Vara de Moro.
Mas viria mais.

Em 2014, como desdobramento do inquérito que Moro segurou para si, o Ministério Público Federal presta informação falsa em uma representação a Moro.

Dá como endereço de Yousseff uma residência em Londrina, mas, desde 2009, a Polícia Federal, o próprio Ministério Público e juiz Sérgio Moro, sabiam que o doleiro já morava e tinha escritório em São Paulo.

Por que o endereço em Londrina?

A resposta óbvia é que o Ministério Público tentava forçar o vínculo com Sérgio Moro.

No caso da Lava Jato, os fatos mostram que a maior parte das ações descritas como crime ocorreu muito longe do Estado do Paraná, mas, com a informação falsa de que Yousseff residia em Londrina, se criava a ilusão de que o local para investigar e julgar os atos da Lava Jato era Curitiba.

Por que tanto interesse em segurar uma investigação?

É uma resposta que pode esclarecer muita coisa.

Mas o que está claro é que a Lava Jato só atingiu alvos fora do PT – Michel Temer e PSDB principalmente –, depois que Moro perdeu o controle sobre ela.

O que teria acontecido se, lá atrás, a Justiça tivesse agido com impessoalidade?
Dallagnol e o colega Lima 
MPF presta informação falsa: Yousseff já não morava em Londrina.

GGN

sábado, 1 de julho de 2017

Os privilégios dispensados a Aécio oficializam uma casta política no país, Eduardo Guimarães

“Mandato parlamentar é coisa séria e não se mexe, impunemente, em suas prerrogativas”, disse o ministro do Supremo Marco Aurélio Mello ao devolver o mandato de senador a Aécio Neves, quem tinha sido afastado do Senado pelo ministro Edson Fachin em maio.

O ministro Marco Aurélio ainda devolveu ao tucano todas as prerrogativas que lhe haviam sido suspensas por ordem de Fachin, tais como manter contato com outros investigados, testemunhas e, até, deixar o país.

De repente, nada aconteceu na vida de Aécio Neves. Gravações em áudio e vídeo, lista de nomes e valores apreendida em sua casa com a sigla CX.2 grafada no alto da página… Tudo isso desapareceu (!?)

O argumento para tomar uma medida como essa? O Supremo não pode afastar um senador do mandato porque “mandato parlamentar é coisa séria”. Só mandato parlamentar, é?

À luz dos últimos acontecimentos no país, a gente acaba achando que mandato parlamentar é coisa séria, mas mandato presidencial é brincadeira…

Entende, leitor?

Enfim, podemos até ceder ao argumento de Marco Aurélio. Se essa proteção aos mandatos populares – e não só mandatos parlamentares, queremos supor – valer para todos, sejam tucanos ou petistas, nada a objetar.

O que não dá para aceitar é o STF tratar petistas de um jeito e tucanos de outro. Aliás, o STF destituiu o presidente da Câmara dos Deputados, mas não destitui um simples senador?!

Nem estou questionando a medida tomada em relação a Aécio. Respeitar seu mandato parlamentar não significa que está absolvido. Após o recesso do STF seu pedido de prisão será julgado, inclusive.

Ah, mas postergaram por UM MÊS tal decisão. Enquanto isso, ele ficará livre, leve e solto para obstruir as investigações.

Perdoem-me a indignação, mas estou sendo perseguido pela República de Curitiba por acusação de ter “obstruído a Justiça”. Ver a Lava Jato Suprema dar instrumentos e liberdade a Aécio para ele atrapalhar investigações contra si faz com que meu estômago pegue fogo…

O que está em questão aqui, portanto, não é nem o respeito às prerrogativas constitucionais, não de Aécio, mas de um senador da República. Se ele tem direito a manter seu mandato enquanto não for julgado por seus pares, respeitemos a lei, a Constituição.

Qual é o problema, então, Eduardo?, você vai perguntar. O problema, caro leitor, é que o que valeu para o senador Aécio Neves não valeu, por exemplo, para o senador Delcídio do Amaral quando ele ainda integrava o PT e foi preso porque, como Aécio, uma gravação o revelou cometendo um crime.

E nem vamos lembrar como a Lava Jato prende gente a torto e a direito por muito menos que Aécio, mas, com ele, medida cautelar nenhuma se sustenta.

Devia ser assim mesmo? Talvez. Os constitucionalistas que se manifestem. Mas convenhamos que parece uma tramoia danada, convenhamos que a sociedade fica indignada como ao menos parte dessa “sociedade” ficou com a soltura de José Dirceu – contra quem, aliás, só existem delações sem provas.

Delcídio está solto, Dirceu também, mas amargaram cana dura antes disso. Dirceu cumpriu uma pena de dois anos “preventivamente”. E Vaccari Neto, ex-tesoureiro do PT, que ficou cerca de dois anos preso por provas que a segunda instância da Justiça considerou INEXISTENTES?!

Não importa se Aécio é senador e Vaccari é sindicalista, ambos são cidadãos brasileiros e não existem castas no Brasil – ou não deveriam existir.

Segundo o Capítulo I, artigo 5º da Constituição Federal, no que tange Direitos e Deveres Individuais e Coletivos, “Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza”.

A lei maior do país, portanto, veta a existência de castas, de privilégios a poucos.

Os privilégios concedidos a Aécio se chocam frontalmente com o tratamento dado a outros cidadãos submetidos a condições iguais perante a lei, só que opositores do grupo político de Aécio Neves.

Pela segunda vez desde 2015 o STF faz uma deferência inédita a outro acusado de corrupção. Naquele ano, quando o ex-presidente do PSDB Eduardo Azeredo estava para ser sentenciado pelo mensalão tucano, a Corte devolveu o caso dele à primeira instância, para começar tudo de novo.

Desde então, o caso dele está parado lá em Minas Gerais.

Apesar de tudo que Aécio Neves fez e está comprovado em áudios, vídeos e documentos, ele obteve um tratamento que só é dispensado pela Justiça brasileira a membros de um partido político, o PSDB. Nem grandes empresários têm tal regalia.

Uma “casta” tucana acaba de ser instituída “oficialmente” por um membro do Supremo Tribunal Federal. Espera-se que os outros desfaçam essa injustiça.

Ora, mas que novidade há em o Brasil ser um país de castas? Quem é branco e de classe média tem mais direitos do que quem é negro e de classe baixa, no Brasil, e não é de ontem – é de  sempre. O problema é que o caso de Aécio oficializa um tipo diferente de casta, a casta política.

Nem queiram saber quanto mal castas políticas, raciais e religiosas podem fazer a um país. E o Brasil tem os três tipos.

PS: após vazar a cumplicidade entre Gilmar Mendes e Aécio Neves houve uma reviravolta e o STF passou a tratar o tucano como rei.

Blog da Cidadania

A cruzada contra o Ministério Público mineiro e a mão invisível dos Neves, por Cíntia Alves do GGN

O xeque-mate no promotor Eduardo Nepomuceno - do helicóptero do Perrella e aeroporto de Cláudio - levanta dúvidas sobre o caráter político de seu julgamento e revela que outros membros do Ministério Público mineiro estão sob constante vigilância.
Foto: Agência Senado

Era uma vez um promotor que tentava desnudar as falcatruas por trás de escândalos que ameaçavam engolir políticos poderosos e intocados pela Justiça. Até que um dia o promotor sentiu o peso de uma mão invisível - atribuída à família Neves - e foi removido à força do cargo que ocupava há 14 anos, na Promotoria incumbida de zelar pelo patrimônio público.

Longe da imaterialidade dos contos de fadas, a história do promotor Eduardo Nepomuceno talvez seja o caso mais exemplar do que pode acontecer com quem tenta investigar desvios em Minas Gerais. Ele foi julgado pelo Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP) por “ausência de racionalidade e de desrespeito à dignidade das pessoas submetidas a investigações que duraram anos sem que houvesse, desde o início, a presença de justa causa para a instauração [do inquérito]”. 

O processo levanta dúvidas sobre o caráter político do julgamento e revela que outros promotores do Ministério Público de Minas Gerais estão sob constante vigilância exercida por meio do CNMP.

Hoje presidido por Rodrigo Janot, o CNMP tem seus conselheiros avalizados pelo Senado.

Uma fonte do MP mineiro explicou ao GGN, sob condição de anonimato, os bastidores do xeque-mate em Nepomuceno e como isso impactou nos trabalhos da Promotoria. O relato expõe o suposto uso do CNMP para sufocar promotores.

"É uma vergonha que o Conselho Nacional do Ministério Público tenha submetido a instituição a interesses políticos escusos", disse a fonte.

Ventila-se que a devassa em Minas surtiu tanto efeito que matou na raiz o acordo de delação premiada de Marcos Valério, que prometeu delatar Andrea Neves por lavagem de dinheiro, em esquema envolvendo a Babycare. A redação não conseguiu localizar a defesa do publicitário para comentar o assunto.

A CRUZADA CONTRA O PROMOTOR

Foi em maio de 2014, ano em que Aécio disputaria a Presidência da República, que Zezé Perrella anunciou no Senado que havia acionado o CNMP com uma representação disciplinar contra Eduardo Nepomuceno - que, a título de exemplo, investigou o caso Copasa, o aeroporto de Cláudio e o helicóptero apreendido com quase meia tonelada de pasta de cocaína.

Mas Perrella "é só uma ponta em toda essa história. Ele quer faturar em cima desse afastamento, mas os interesses são vários." Eles partem, de um lado, de dentro do próprio Ministério Público e, de outro, da família Neves.

"Andrea Neves mandou muito tempo no Ministério Público de Minas Gerais. Com a nomeação dos procuradores-gerais, conseguiu um feito histórico: não existe um inquérito instaurado por procurador-geral no Estado contra os governos tucanos", disse a fonte no MPE. Ao contrário disso, há casos em que antigos chefes do MPE avocaram inquéritos que brotaram nas Promotorias só para arquivá-los.

Perrella - apontado como "laranja" dos Neves - usou politicamente o trancamento de um inquérito instaurado por Nepomuceno em 2004 para apurar diversas irregularidades envolvendo a gestão do Cruzeiro, envolvendo a compra e venda de jogadores e evasão de divisas.

Nesse mesmo inquérito, a possível relação promíscua de Perrella com o auditor Euler Nogueira Mendes - que caiu na Lava Jato sob suspeita de lavar a propina da JBS a Aécio Neves - já havia sido questionada. Mas esse braço da investigação não prosperou porque o Cruzeiro conseguiu derrubar na Justiça a obrigação de fornecer ao MP dados financeiros do clube.

Em 2007, Nepomuceno enviou para a Polícia Federal outra parte substancial do inquérito que poderia atingir Perrella, e ficou na expectativa de que a instituição abastecesse o que restou em suas mãos com informações que pudessem viabilizar ao menos uma ação na esfera cível pelo prejuízo aos clubes.

Mas a PF não deu retorno e o que restou com Nepomuceno não foi suficiente para fundamentar uma denúncia. O pedido de arquivamento do caso foi submetido ao CNMP e o conselheiro Rogério Felipeto concordou.

A reclamação disciplinar apresentada por Perrela (nº 000735/2014-47) foi distribuída à Corregedoria do CNMP em 12/05/2014. O vídeo em que o senador dispara contra Nepomuceno foi publicado um dia depois. 
 
Em junho de 2015, a cúpula do próprio Ministério Público de Minas Gerais - então comandada por Carlos André Bittencourt, nomeado por Antonio Anastasia (PSDB) - decidiu instaurar, pela Portaria n.º 30/2015, um procedimento disciplinar contra Nepomuceno. Ao longo dos meses, a comissão sofreu várias mudanças em virtude do pedido de seus membros para abandonar a apuração.

Quem acompanhou o processo avalia que, ao analisar a reclamação de Perrella, em outubro de 2015, o CNMP decidiu avocar o processo 30/2015 contra Nepomuceno porque na esfera estadual não seria tão fácil condená-lo.

O Procedimento Avocado nº 1.00424/2015-30, no CNMP, teve diligências em abril de 2016.

O julgamento final saiu em 13 de dezembro de 2016: Nepomuceno foi condenado à remoção compulsória da Promotoria do Patrimônio Público.

O CNMP concluiu que restaram comprovados "a paralisação e o atraso no andamento de inquéritos civis, por longos períodos e sem motivação adequada", além da "ausência de racionalidade na condução de procedimentos de investigação", entre outras acusações.

Em 11 de janeiro de 2017, Nepomuceno entrou com recurso no Supremo Tribunal Federal. Em 9 de fevereiro, Dias Toffoli negou o recurso. Nos corredores do MPMG também circula que interlocutores do ministro admitiram lobby contra Nepomuceno na Suprema Corte. E que Rodrigo Janot negou-se a receber o promotor.

O promotor agora trabalha na 12ª Promotoria de Justiça Criminal.

A FISCALIZAÇÃO NO MP MINEIRO

Em paralelo ao julgamento de Nepomuceno no CNMP, em dezembro de 2016, a Corregedoria decidiu fazer uma "Correição Extraordinária" na 17ª Promotoria de Justiça de Belo Horizonte.

Com isso, lançou tentáculos sobre Nepomuceno e mais outros 5 promotores, incluindo a responsável por um inquérito sobre os desdobramentos do Mensalão em Minas.

A insperação ocorreu em dezembro de 2016, sob supervisão do corregedor-geral Cláudio Henrique Portela do Rego.

O trabalho de Nepomuceno foi comparado quantitativamente ao dos outros 5 promotores. A avaliação que foi exatamente a mesma para todos. O CNMP copiou e colou seis vezes o seguinte comentário sobre problemas nos procedimentos e falta de "clareza na linha investigativa adotada".
Contrariando a base do julgamento de Nepomuceno no CNMP, duas informações chamam atenção no relatório:

A primeira é que ele foi o promotor que mais preencheu as expectativas da Corregedoria em termos de "ações civis ajuizadas e medidas resolutivas aplicadas" em 2016.
A segunda informação é sobre a promotora Elisabeth Cristina dos Santos Reis Vilella que, pelo relatório, é a responsável por investigar esquema de corrupção envolvendo Marcos Valério e os R$ 20 milhões. O inquérito, instaurado em 2005, ficou parado entre 2008 e 2013. Segue sem resolução até hoje.  
Embora os 6 promotores tenham tido a mesma avaliação, com destaque para a inconclusão do inquérito de Marcos Valério, só Nepomuceno foi sancionado por arrastar processos.

No final, a Corregedoria propôs a continuidade da marcação acirrada sobre os 6 promotores, individualmente, por no mínimo um ano.

Estão na mira do CNMP João Medeiros Silva Neto, Geraldo Ferreira da Silva, Julio Cesar Luciano, Raquel Pacheco Ribeiro de Souza e Elisabeth Cristina dos Reis Villela, além de Nepomuceno, cuja fiscalização permanente foi mantida mesmo após a troca de Promotoria.

Em 29 de janeiro, o jornal O TEMPO publicou a seguinte nota:

"Em Belo Horizonte, a mensagem intimidante já parece surtir efeito. Nessa quarta-feira, 25, saiu no “Diário Oficial” a transferência de uma colega de Nepomuceno, Raquel Pacheco Ribeiro de Souza, que pediu para sair do setor. Há rumores de que pode ainda haver mais defecção na malquista promotoria."

Arquivo

Do GGN

A morte do jornalista Paulo Nogueira, por Luís Nassif

Quando iniciei a série sobre a Veja, quase dez anos atrás, me surpreendeu a anomia total da categoria jornalística. Veja enveredara pelo antijornalismo mais pernicioso, atropelando os princípios mínimos de técnica, ética e seriedade.

Afetava a maneira como cada um de nós, jornalistas, exercíamos a profissão.

Desmoralizava o trabalho duro dos que tentaram praticar jornalismo no período.

Da Abril, de vez em quando, recebia informações vagas de que havia pelo menos um diretor inconformado com aquele jornalismo. Era Paulo Nogueira, que ocupava um cargo relevante na editora, próximo ao cappo Roberto Civita.

Quando Veja cometeu o absurdo de um secretário de redação, Mário Sabino, publicar uma resenha consagradora sobre seu próprio livro, foi Paulo quem me passou a informação de como as publicações de respeito, como o Financial Times, colocavam em seus manuais de redação a maneira dos jornalistas tratarem seus próprios livros.

Até então, de Paulo sabia ser filho de Emir Nogueira. E do pai lembrava a cena inesquecível da assembleia do Sindicato dos Jornalistas, na Casa de Portugal, em que Emir, por sua postura ponderada, foi alvo de uma sessão de linchamento. Reagiu pouco falando, mas com tal dignidade que, nas eleições seguintes, seria eleito presidente do sindicato enquanto o agressor falante desapareceria de vez da atividade sindical.

Paulo Nogueira tinha feito um trabalho relevante na Veja São Paulo e na Exame. Na queda do diretor Mário Sérgio Conti, foi um dos nomes cogitados para substituí-lo. Também fui e só descobri após um almoço com Civita e outro diretor, supostamente para analisar um projeto de Internet que tinha encaminhado para Otávio Frias – e ele recomendou que apresentasse para a Abril, na época sócia da UOL. Só após o almoço, o Paulo Moreira Leite me telefonou me informando dos boatos e entendi melhor as perguntas estranhas que me fizeram.

Só conheci de fato a competência de Paulo quando assumiu a direção da revista Época. Foi a única vez, desde que foi instaurado o estilo jornalismo de esgoto na imprensa brasileira, que vi um laivo de bom jornalismo. Aliás, de muito bom jornalismo.

Carta Capital, de Mino, era, de longe, a publicação que praticava o melhor jornalismo, mas sem o fôlego financeiro das demais. Por isso, o crescimento da Época era a última tentativa do bom jornalismo, de encontrar espaço nos grupos tradicionais.

Em uma viagem ao nordeste, encontrei um correspondente da revista, que me contou um dos segredos de Paulo. Depois que enviava sua reportagem, antes da publicação recebia a reportagem editada e não publicada ainda, para conferir se não havia nenhum erro de interpretação ou de edição.

Aí consegui entender a razão de Roberto Civita ter escolhido Tales Alvarenga para a sucessão  na Veja e, depois, Eurípides Alcântara, ambos de uma mediocridade nítida, em detrimento de Paulo. Acontece que Roberto tinha decidido se tornar não apenas o publisher, mas o diretor de fato da revista. E ter um jornalista de fôlego à frente da publicação significaria desgaste para ele, na hora de exercitar o esgoto amplo. Como foi no período Mino, de Guzzo-Gaspari e de Conti-Moreira Leite.

Comecei a elogiar a Época no blog. Para minha surpresa, passei a receber a revista todo sábado de manhã, providenciada por Paulo e entregue por um motoqueiro. Ali, tive a intuição da sua solidão na Editora Globo. Dentro das Organizações Globo não havia quem se dispusesse a valorizar o bom jornalismo, a perceber as diferenças entre o jornalismo competente e o jornalismo fake que avançava avassaladoramente. Percebi que era questão de tempo para Paulo ser trocado.

E os grupos de mídia usavam sempre a mesma fórmula no caso Franklin Martins e no meu próprio: ataques de um colunista de Veja, que servia especificamente para essas jogadas combinadas.

De fato, pouco tempo depois Paulo saiu e a Época deixou de lado os compromissos com a notícia para se alinhar totalmente aos interesses políticos e empresariais da casa.

Tempos depois, no DCM, Paulo descreveria um pouco o ambiente de lisonja, de submissão à empresa que encontrou na Globo, que de certo modo se tornou a marca registrada dos grupos de mídia quando, em 2005, liderados por Roberto Civita, decidiram romper com o jornalismo.

Paulo recomeçou na Internet, como Paulo Moreira Leite, Tereza Cruvinel, Helena Chagas, Paulo Henrique Amorim, Marcelo Auler, o próprio irmão Kiko, e outros órfãos do breve período de ouro do jornalismo, os 15 anos pós-ditadura, no qual a mídia, na defensiva pelo apoio à ditadura, apostou um pouco mais na pluralidade e na capacidade de inovação...

Morre tendo sido, simbolicamente, o último oficial maior a resistir nas trincheiras do jornalismo contra o avanço do jornalismo fake.

GGN