quarta-feira, 18 de outubro de 2017

A Impressionante Ficha Corrida de João Doria (em 22 itens), por Eduardo Hegenberg

João Doria não esconde de ninguém que irá deixar no ano que vem o posto de garoto-propaganda da Prefeitura (já que o cargo de prefeito jamais assumiu) para disputar a presidência da república. Ambição à qual devemos expressar o nosso mais sincero respeito. Afinal, é preciso admitir, João Doria atende com distinção os requisitos para a posição: seu currículo é de causar inveja aos mais gabaritados sanguessugas do Planalto. Um natural sucessor ao presidente Michel Temer, sem nada a dever em matéria de sobreposição do público com o privado, associação com os piores estratos da elite empresarial e arsenal infalível de manobras para abafar as ilegalidades.
Para que não haja dúvidas sobre esta avaliação, confira esta impressionante “ficha corrida” que Doria já acumulou em poucos meses de atenção da Justiça e da imprensa, e que já faz dele um dos mais genuínos representantes da “velha política” da qual finge se diferenciar.

1. Em 1988, quando deixou a presidência da Embratur em cargo nomeado por José Sarney, foi acusado pelo Tribunal de Contas da União (TCU) de vários desvios de verbas e intimado a devolver os valores aos cofres públicos. (https://goo.gl/r4MkKG , https://goo.gl/bbGP1w)

2. Comprou uma “empresa de prateleira” do escritório Mossack Fonseca, no paraíso fiscal das Ilhas Virgens Britânicas, para adquirir um apartamento em Miami, em revelação dos Panama Papers. (https://goo.gl/dSeSTr)

3. Para se tornar o candidato à prefeitura pelo PSDB comprou votos e ofereceu benefícios a filiados nas prévias, de acordo com líderes do partido. (https://goo.gl/NAXvEs)

4. Com Geraldo Alckmin, cometeu abuso de poder e usou da máquina pública do Estado para obter vantagens ilegais nas eleições, conforme acusação do Ministério Público. (https://goo.gl/tBGB4O)

5. Recebeu cheque de R$ 20 mil de empresa investigada pela Lava-Jato, em suposta venda de quadro. (https://tinyurl.com/ybjq6449)

6. Em gravação da Polícia Federal, na Operação Boi Barrica, aparece dialogando com filho de José Sarney a respeito de indicação de cargo para diretoria na Eletrobrás. (https://goo.gl/Q9e6eg)

7. Em 2014 fez uma doação pessoal de R$ 50 mil para Rocha Loures, o famoso homem da mala da JBS. (https://goo.gl/NvofnW)

8. Omitiu e subvalorizou diversos bens em sua declaração à Receita Federal – que assim chegou a “apenas” R$ 179,6 milhões. (https://goo.gl/depy9c)

9. Entre 2014 e 2015 recebeu R$ 1,5 milhão em anúncios sobrevalorizados da Gestão Alckmin. (https://goo.gl/307sFi)

10. Já foi condenado em duas instâncias na Justiça do Trabalho por não pagar horas extras, salários, adicional noturno e verbas rescisórias a seus seguranças, que chegavam a se submeter a jornadas ilegais de 16 horas seguidas. (https://goo.gl/6VTQ8U)

11. Acumulou por 15 anos uma dívida com a Prefeitura que chegou a R$ 90 mil por recusar-se a pagar o IPTU de sua mansão nos Jardins, e quitou o valor apenas depois que o caso veio a público. (https://goo.gl/qHVCQE , https://goo.gl/ti6NeY)

12. Obteve em 2012 um favorecimento suspeito da Oi para instalação de antena em condomínio de luxo em Trancoso, onde tem uma casa, em revelação do Ministério Público. (https://goo.gl/4vffVS)

13. Cercou um terreno de uso público para anexar à sua mansão em Campos do Jordão e se recusou a devolver mesmo depois que a Justiça determinou a reintegração de posse para a Prefeitura. (https://goo.gl/UkYRW5)

14. Fraudou em sua gestão a concorrência para o patrocínio do carnaval de 2017 na cidade, como demonstram áudios divulgados pelo Ministério Público. (https://goo.gl/14Ycf2)

15. Promoveu em sua gestão parceria da prefeitura para que empresas ganhassem milhões em isenções fiscais doando remédios perto do vencimento para a população. (https://goo.gl/DOWxvz)

16. Intercedeu em benefício da esposa junto a chefe de agência no governo Dilma. Posteriormente Bia Doria obteve R$ 702 mil da Lei Rouanet para pagar exposição em Miami e livro sobre a própria obra. (https://goo.gl/pL9yxW e https://goo.gl/GqpfDC)

17. Para presidir a SP Negócios, órgão público do município responsável por parcerias e investimentos privados na cidade, nomeou o presidente da sua empresa (Lide), Juan Quirós, réu em acões trabalhistas e dono de um dívida de R$ 60 milhões, que tem os seus bens bloqueados pela Justiça por não cumprimento de contrato. (https://goo.gl/ZAmg6h)

18. Para liderar a principal subprefeitura, a regional da Sé, nomeou Eduardo Odloak, condenado em duas instâncias por improbidade administrativa. (https://goo.gl/aRbWgc)

19. Escolheu para liderar a Secretaria dos Transportes um réu em duas ações na Justiça por fraudes em licitações e contratos de trens do Metrô. Para a Secretaria da Saúde, nomeou investigado no Ministério Público por improbidade administrativa em transações com o Hospital das Clínicas, a Santa Casa e o Hospital do Servidor. (https://goo.gl/NbgdGv)

20. Contrariando orientações de sua equipe de transição, assim que assumiu o mandato de prefeito ordenou o rebaixamento do órgão da prefeitura responsável por fiscalizar a corrupção, a Controladoria-Geral do Município (CGM), a um mero departamento. (https://goo.gl/BvsiAy)

21. Após a descoberta da máfia da Cidade Limpa, envolvendo seis subprefeitos e três secretários nomeados por ele, ao invés de afastar os envolvidos demitiu a responsável pela investigação.  
(https://goo.gl/vhD894 , https://goo.gl/Zkn8kNhttps://goo.gl/eN3XjB)

22. Demitiu Gilberto Natalini, Secretário do Meio Ambiente, depois que ele denunciou à Controladoria-Geral uma máfia para fraudar licenças ambientais na cidade (https://goo.gl/6SphhM)

Bônus:
Sua gestão inflou dados aqui (https://goo.gl/PR15Yj), ali (https://goo.gl/B5iaem) e acolá (https://goo.gl/Yms5GV), maquiou dados oficiais sobre o aumento de mortes nas marginais (https://goo.gl/EHhESw , https://goo.gl/xfCPXp , https://goo.gl/RXDyCE) e escondeu reclamações da população (https://goo.gl/N2EdbP).

Doria já forjou apoio de celebridade (https://goo.gl/vKHTK6) e de especialista (https://goo.gl/PveCnR) a seus programas e adulterou documento para não se responsabilizar por trabalho escravo (https://goo.gl/t4jtBM). Já recebeu em suas empresas mais de R$ 10 milhões de governos tucanos. (https://goo.gl/nEMNbB).

Mas quando recebe críticas, ele põe seus advogados para intimidar com ameaças (https://goo.gl/USGVj7).

Do GGN

A democracia ameaçada, segundo Pedro Serrano

A democracia ameaçada , segundo Pedro Serrano
Nos últimos anos, o jurista Pedro Serrano se converteu em um dos mais competentes analistas sociais do país. Através do estudo aprofundado das mudanças nas leis e nas constituições, Serrano entra no terreno da formação das ideias e princípios, das mutações na opinião pública, refletindo-se em um neoconstitucionalismo que visa erradicar os princípios humanistas que regeram as Constituições no pós-guerra.
Na segunda-feira passada, Serrano proferiu brilhante palestra na Escola de Governo.
Abaixo, uma síntese do que foi dito
A crise política atual não é apenas do modelo de Estado, mas do modelo de vida pós 2a Guerra.
No direito constitucional se confunde República com Democracia. República significa a periodicidade do mandato. É um conceito que explica toda a estrutura do Estado, das instituições, da estabilidade do funcionário público aos cargos de confiança, subordinando tudo ao grupo que foi eleito. Toda a estrutura foi pensada a partir dessa conceito.
Outra noção é da República a partir do conceito de bem público.
Ressurge, então, a ideia de democracia e da soberania popular, que refunda a ideia da República, a noção de bem público.
O primeiro ciclo democrático, logo depois das Revoluções francesa e americana definiam um contrato social anterior ao Estado, que precedia os governantes.
A idéia central do liberalismo político é que as pessoas têm o direito de se levantar contra o governante que não respeitem o contrato social.
Até então, a democracia significava o voto da burguesia, os que detinham a propriedade e a renda.
Por isso, as primeiras constituições do mundo visavam conter os ímpetos das revoluções populares. Foi assim com a Constituição francesa, limitando o coto censitário à burguesia; e a Constituição americana, visando conter as leis dos estados, muitas delas beneficiando os pequenos produtores.
Ao longo dos séculos houve transformações intensas através dos mecanismos de resistência, que levaram gradativamente as mulheres, os trabalhadores, os negros a conquistar espaço, marcadamente no final do século 19, criando a ideia da democracia universal e do bem público no sentido amplo.
Nesse período, as teorias política e jurídica democráticas tendiam a fortalecer a ideia da soberania popular: democracia é a decisão tomada pela autoridade investida para tal, que seguem determinados procedimentos, respeitando direitos das minorias etc. É um sistema que pressupõe a ideia de conflito social e político e visa compor os conflitos através de ideias regradas.
O bem público é tido como bem do Estado, titularizados pelas autoridades democráticas e guiados por determinados procedimentos e pelos limites de autoridade que a Constituição estabelece.
Até então, a Constituição ficava no mesmo patamar das leis comuns.
A era do humanismo
As tragédias da 1ª e 2ª guerra geraram grandes problemas para a humanidade. A 1ª Guerra Mundial foi causada pela democracia. A 2ª Guerra demonstrou o grande problema simbólico, de regimes totalitários que ascenderam pela via democrática. E irão se transformar em regimes autoritários pela via das leis aprovadas pelo Congresso e convalidadas pelo Judiciário.
Na Itália, várias leis produzidas na década de 20 levaram ao fascismo. Na Alemanha, três meses depois de eleito, Adolf Hitler promulgou a Constituição de Weimar que, no artigo 48 abria a possibilidade de decretação do estado de exceção. O Parlamento aprovou e o Judiciário aceitou.
Assim como no episódio do impeachment brasileiro, foi golpe no sentido material, mas não no sentido formal. O nazismo e o fascismo eram doenças da razão, movidos por ideias tidas como científicas e valendo-se dos instrumentos democráticos.
O pós-guerra trouxe para o homem ocidental a perda do sentido tanto da razão como da democracia, mostrando-se formas vazias que não necessariamente significavam melhorias éticas e sociais. 
Toda história do pensamento político e humano no pós-guerra, foi uma busca de resgatar esse sentido. No Direito, as Constituições do pós-guerra tentaram a recuperação dos princípios democráticos e republicanos.
A Constituição deixou de ser vista apenas como conjunto de normas que estipula autoridades e procedimentos e passa a ser conjunto de normas que estabelecem conteúdos, opções morais e políticas que não são colocadas à disposição das maiorias eventuais. E esses valores são os chamados direitos humanos, negativos e positivos: os negativos, de liberdades respeitadas e os positivos, das obrigações de realizar direitos sociais.
O bem deixa de ser visto como elemento material. Bem púbico passa a ser visto como elemento imaterial, de obediência aos direitos fundamentais. Deixa de ser público, no sentido Estatal, mas do bem comum.
No Ocidente desenvolve-se uma visão humanista da democracia como sendo a convivência comum. As pessoas passam a assimilar a subjetividade democrática, a tolerância, voltada para encontrar o senso comum, uma forma de vida compartilhada; por isso os direitos sociais. 
Não existe bem comum em uma sociedade com modos de vida diferentes, que não partilham das mesmas formas de vida.
E esses valores vão se espalhando nas relações pessoais, no respeito à divergência, na solidariedade com a dor, na benevolência com o adversário caído.
A truculência dos novos tempos
Agora, as novas formas do capitalismo levam a um divórcio entre liberalismo econômico e político. O Capital passa a ter outra conformação: capital financeiro-tecnológico-militar.
Necessita muito mais do Estado para poder se reproduzir. O Estado é o grande garantidor de todas as operações do mundo.
Esse modelo produz grandes desigualdades sociais e passa a exigir um Estado mais autoritário, com maior repressão. Coloca em crise todo o modelo de Estado do pós-guerra.
Introduz-se, então, o neoconstitucionalismo. Ingressa-se em um novo período no qual entra em crise a ideia da Constituição, da República como bem comum, de direitos sociais como fundamentais para a democracia.
É só conferir a ampliação do número de presos, de mortos. Aqui no Brasil se tem a polícia que mais Mara e morre no mundo, 3.500 assassinatos por ano, 60 mil mortos pela violência, 60% dos presos sem direito de defesa.
Não estamos mais na época dos governos de exceção, mas da nova forma, de medidas na democracia com viés autoritário. Leis e procedimentos democráticos são utilizadas para ampliar o estado de exceção. Aqui, o sistema de justiça é o autor soberano das medidas de exceção, tendo como base social de apoio a ralé que busca a ordem e os órgãos de mídia que reproduzem esse espírito.
Adota-se o direito anglo-saxão, que parte da ideia de nação única, que favorece o domínio da elite branca sobre o restante da Nação. Os demais grupos acabam não tendo representação no sistema de justiça, no sistema político.
Mudam-se os valores. Passa a imperar a força bruta, a intolerância, o preconceito.
Volta-se à Constituição de 1934 que, no artigo 139, estipulava a eugenia como mecanismo de criação da educação, estimulando o veto aos casamentos interraciais e inter-sociais, só integrando os brancos que vieram da Europa.
É o caso do Supremo, hoje, votando a favor do casamento homoafetivo, do aborto. Mas votando a prisão em segunda instância, justamente aquela que pega a periferia, em um momento em que o desenvolvimento da defensoria pública permite um mínimo de defesa jurídica para os de baixo.
 A Constituição corrompida
Por ser extensa, a Constituição brasileira amplia brutalmente o poder do Judiciário para avançar em todos os temas. Ela exige um Judiciário que se ligasse ao comum, que encontrasse no interesse público o significado da Constituição.
Mas ocorre uma corrupção do sentido da Constituição, como garantidora dos direitos fundamentais. Há um esvaziamento do sentido que levou à sua votação, o sentido do que é público: direitos sociais amplos, penal restritivo.
O Judiciário é o lugar da política interpretativa; o Supremo toma a decisão política institutiva, de instituir novas leis sem nunca ter sido votado.
Ou, então, de combater o crime. Nos sistemas democráticos, nunca foi papel do Supemo de combater o crime. Esse é papel do Ministério Público, da polícia. O papel do Judiciário é garantir que as decisões do campo penal obedeçam aos direitos constitucionais fundamentais.
Com isso, a ideia do bem comum como constituinte da República vai se esvaindo. É uma nova modelagem de Estado que esvazia a democracia.
A democracia é um estado de guerra, mas permeado por movimentos de diplomacia. É diálogo e é conflito.
Vivemos longo período de diálogo. Agora, estamos na guerra. E tenta-se consolidar o Estado de Exceção com teorias pretensamente científicas, similares ao do racionalismo alemão que levou ao nazismo.
No campo do direito, surge a teoria da bandidocracia, o direito penal do inimigo. São teorias fraudulentas do direito, que visam transformar a Constituição.
A democracia é um sistema vivo, no qual ora os direitos estão em expansão, ora em refluxo.
A efetividade da Constituição depende da lealdade de seus aplicadores aos princípios definidos. Em relação ao direito à moradia, quem interpreta melhor a Constituição? Os movimentos de direitos à moradia ou o Judiciário que ordena a retomada da posse? Os movimentos, óbvio. Quem é o titular da interpretação da Constituição éa população, não a autoridade. O centro do direito é o povo no exercício amplo de seus direitos.
Por isso, a única forma de defender e ampliar os direitos é através do confronto (não o confronto violento ou armado), da transgressão. Não há democracia sem que se permita certas formas de transgressão. No mundo anglo-saxão permite-se a transgressão como forma de assimilar conflitos.

GGN

terça-feira, 17 de outubro de 2017

O Senado pode se impor moralmente sobre o Supremo, por Luís Nassif do Jornal GGN

Há uma boa possibilidade de que o Senado cumpra com seus deveres e vote contra Aécio Neves na votação desta terça feira.
A primeira razão é o fato do STF (Supremo Tribunal Federal) ter abdicado de suas obrigações de julgar e transferido a batata quente para o Senado. Será a oportunidade do Senado demonstrar que tem autorregularão. A degola de Aécio será uma demonstração irretorquivel da superioridade moral do Senado sobre o STF, afastando vez por todas os riscos da ditadura do Judiciário.
Ao contrário da Câmara, que se transformou em uma casa da mãe Joana, e do Supremo, que se transformou em uma Babel, no Senado ainda existe um grupo de senadores com responsabilidade institucional – mesmo entre aqueles que estão na linha de fogo da Lava Jato.
A segunda razão é que Aécio já era. Absolvido, será um cadáver político assombrando o Senado, cada passo seu sendo acompanhado pela opinião pública e cada aproximação com um colega sendo encarada com suspeição. Mantido no cargo, Aécio será um incômodo permanente, mesmo que não avancem as investigações sobre o helicoca.
Já o Supremo vive uma situação inédita de desmoralização. Se votasse pela cassação de Aécio, reforçaria os piores temores sobre a politização excessiva do órgão e sobre a caminhada na direção da ditadura do Judiciário. Não votando, salientou como nunca a ideia dos dois pesos, duas medidas: o voto que condenou Eduardo Cunha e Delcídio do Amaral é o que absolveu Aécio.
O voto estabanado da presidente Carmen Lúcia ampliou o desgaste da corte. Seu voto foi interpretado não como sinal de respeito por outro poder, mas como solidariedade ao conterrâneo: a Carminha salvando o Aecinho.
Fosse qual fosse a decisão sobre Aécio, o Supremo se enredou na armadilha da incoerência. Pressionado pelo clamor da turba, aprovou decisões, contra Cunha e Delcídio, que não passariam em um ambiente político “normal” – isto é, sem a presença do “inimigo”, no caso o PT. Abdicou de seus deveres constitucionais não por prepotência, mas por se curvar ao clamor das ruas.
Com isso, ficou prisioneiro dos seus atos.
No momento seguinte, não tem condições de sustentar a mesma posição, porque agora o alvo é alguém da banda branca. Por mais prudente e correta que seja a posição atual, de não confrontar o Senado, como justifica-la à luz das votações anteriores?
Não há mais o menor sinal de haver juízes no Supremo, ou seja, julgadores que se atenham aos fatos e saibam pesar todos os lados. Metade do Supremo é de vingadores em qualquer circunstância; metade é de garantistas em qualquer situação. E a presidente se achava indecisa, mas agora não tem muito certeza.
No pano de fundo, o esgarçamento total de princípios doutrinários, a fé na democracia, a defesa intransigente da Constituição, a busca do equilíbrio social, o combate às diferenças sociais e outros pontos centrais na Constituição brasileira. Hoje, o Supremo se permite Ministros dispostos a derrogar a Constituição sem terem recebido um voto sequer dos eleitores.
É nesse quadro que o Senado poderia assumir um papel relevante, de ser o coordenador institucional da volta à normalidade democrática. Basta ter a coragem de cortar a própria carne.
 GGN

segunda-feira, 16 de outubro de 2017

Do padrão Moro a tragédia do reitor e a de todos nós, por Reginaldo Moraes

Não nos iludamos, esse não é um confronto judicial, é um confronto político. Como se pode cortar as asas desses torturadores de novo tipo, esse Doi-Codi da ‘democracia’? Uma outra ‘redemocratização’ é necessária (Foto Charles Guerra/RBS)
Em meados de 2013, um ano antes do deslanche da Lava Jato, o assim chamado juiz Moro julgou outro processo, ou melhor, um outro evento político mal-travestido de judicial, a operação Agro-Fantasma. Sob alegação de irregularidades no Programa de Aquisição Alimentar, um grande numero de agricultores familiares foram presos. Mas foram declarados inocentes agora, em 2017. Fez-se a justiça, dirão alguns. Será? Afinal, com esses 4 anos de martírio, o processo mambembe destruiu a vida deles e sabotou o próprio programa.
É um padrão, não é um caso isolado. As ações do Sr. Moro não são feitas para durar – elas são como o amor do Vinícius, infinitas enquanto duram. Ou seja, são feitas para destruir algo. Se depois isso é revisto pela justiça, tanto faz, o estrago programado já foi feito.
Nada de novo, porque é esse, rigorosamente, o modo operante da Lava Jato. Para destruir o inimigo político vale tudo: prender até obter a “delação adequada”, divulgar informação falsa ou vazar seletivamente para manchar reputações e provocar julgamentos midiáticos- imediatos, o que for necessário para abater o inimigo e prestar contas aos mandantes.
A tragédia do reitor da Universidade Federal de Santa Catarina parece ser mais um desses episódios. Todos sabem o que ocorreu. Tosco, brutal, chocante. Uma delegada midiática e deslumbrada, deslocada da Lava Jato para chefiar outra operação, pede a uma juíza a prisão do reitor e professores, sob alegação, genérica e vaga, de que eles poderiam (sim, poderiam!) obstruir a justiça. Sempre se encontra um juiz que decida com base em vontades dessa natureza. Os professores foram presos – mesmo antes de qualquer diligência, antes de ouvi-los etc. A operação da delegada tem o nome engraçadinho (mais um) de “Ouvidos Moucos”. O que diremos dos ouvidos dela?
O reitor e os demais professores não foram apenas detidos ou chamados a alguma “condução coercitiva”. Bem mais do que isso, houve algo bem mais grave. Com base nessa vaga alusão, eles foram conduzidos ao xadrez, despidos e humilhados. No dia seguinte, uma juíza releu o processo e mandou soltá-los, pela simples razão de que não havia nenhum motivo comprovado para ter feito a prisão. A prisão sequer deveria ter ocorrido. Não importa, a prisão já tinha provocado o efeito que a delegada parecia desejar: jogara na mídia e na lama os detidos, independentemente de qualquer prova ou mesmo indício.
Requintes de falsidade – da delegada e da mídia, aparentemente. Falou-se em um desvio de “até 80 milhões” ou algo assim. Depois se noticia, com menos alarde, que esse era aproximadamente o valor total do programa supostamente fraudado. Um orçamento de uns dez anos! A diferença encontrada na contabilidade (desvio?) foi algo como 0,5% disso. É isso??? Bom, então estamos falando de uns 40 mil reais por ano – menos do que o salário mensal (acima do teto legal) que recebe o famoso juizinho de Curitiba. Fico me perguntando em qual obra pública ou privada (ou até numa simples administração de condomínio) um percentual desses não aparece? Fácil.
Todos esses episódios, muita gente já viu, compõem um quadro muito mais grave. Um policialismo não apenas “moralista” ou “rigorista”. Uma atribuição de poderes absolutos e absolutamente injustificados a gente que não demonstra o menor equilíbrio para julgar sequer seus filhos adolescentes. Delegados, procuradores, juízes, um sem numero de agentes públicos que passam por cima de qualquer lei ou mesmo qualquer regra de bom senso quando lhes dá na telha.
Pouco importa que nada disso se sustente do ponto de vista legal e que, lá pelas calendas gregas, isto desabe como um castelo de cartas. Nem processo se constitua, tantos os vícios. Pouco importa, porque no prazo imediato os efeitos já se fizeram sentir. E no longo prazo, diz a frase célebre de Keynes, no longo prazo estamos mortos. Neste caso, a frase soa macabra. Porque o longo prazo chegou de imediato, num shopping center.
O mínimo que deveria ocorrer, em tais circunstâncias, é um inquérito sobre delegada, juízes, procuradores que promoveram esse circo. Mas… quem fará tal coisa? E quem irá cobrar, dessa imprensa marrom, a destruição que já fez e que faz todo dia?
Não, não é um problema legal, não se resolverá em tribunais, nem em qualquer “conselho” que “supervisione” o judiciário. Ou de um “puxador de orelhas” para a polícia federal, que aliás, quer ser “independente”, sem responder a superiores! Um poder soberano dentro do Estado.
Não nos iludamos, esse não é um confronto judicial, é um confronto político. E se resolve na política, o espaço em que se combinam a persuasão e a força, necessariamente as duas. Como se pode cortar as asas desses torturadores de novo tipo, esse Doi-Codi da “democracia”? Uma outra “redemocratização” é necessária, porque a anterior, transada e regateada, deu no que deu, uma tutela que muda de farda, mas segue ativa.
Reginaldo Moraes - É professor da Unicamp, pesquisador do Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia para Estudos sobre os Estados Unidos (INCT-Ineu) e colaborador da Fundação Perseu Abramo. É colunista do Brasil Debate.

GGN

O preço do impeachment e o valor do STF, por Jeferson Miola

Lúcio Funaro adicionou novas informações sobre o preço que Cunha, Temer, Padilha, Geddel e outros golpistas peemedebistas e tucanos pagaram para a aprovação doimpeachment fraudulento.

O operador da organização criminosa revelou que Eduardo Cunha lhe pediu R$ 1 milhão para comprar o voto de alguns deputados a favor da fraude, quando o processo já tramitava na Câmara.

Além deste valor, e antes disso, outras dezenas de milhões de dólares foram investidas na conspiração que derrubou a Presidente Dilma – sabe-se hoje, uma cifra bastante superior àquela "sobra"/"troco" de R$ 51 milhões guardados num apartamento pelo ex-ministro Geddel:

   - na eleição de 2014, boa quantia de dinheiro arrecadado [legalmente, via caixa 2 ou propina] pelo banco de corrupção de políticos foi apostado na compra da eleição de uma numerosa bancada anti-Dilma na Câmara.

  - outra montanha de dinheiro foi investida na compra dos votos de deputados para elegerem Eduardo Cunha à presidência da Câmara – passo que se demonstrou essencial na evolução da trama conspirativa e no funcionamento da engrenagem golpista.

Qualquer que seja o ângulo de observação da realidade chega-se à conclusão que o impeachment foi uma das mais burlescas farsas políticas da história do Brasil: [1] faltou-lhe fundamentação fática, legal e constitucional; porque não existiu e nunca foi demonstrado crime de responsabilidade, e [2] a maioria composta por 367 deputados que aprovaram a farsa em 17 de abril de 2016 foi comprada.

É notório que o impeachment só prosperou porque a Suprema Corte foi condescendente com esta farsa – ou cúmplice, na visão de alguns analistas.

Sobraram motivos, alegações e pedidos para que o STF interrompesse aquela violência perpetrada contra o Estado de Direito, porém os 11 juízes simplesmente lavaram as mãos, permitindo que o mandato conferido a Dilma por 54.501.318 votos fosse usurpado pela cleptocracia que tomou de assalto o poder.

Com obscurantismo jurídico, o STF se recusou a analisar o mérito do impeachment; optou por não se pronunciar quanto à absoluta inexistência de fundamentos jurídicos para o pedido acolhido pelo então presidente da Câmara em dissonância com a Constituição e as Leis do país.

Hoje sobram razões para se anular o golpe de 2016. Ao que tudo indica, todavia, mesmo com o robustecimento das provas, evidências e indícios da compra da maioria parlamentar que aprovou a fraude do impeachment, a Suprema Corte continuará onde sempre esteve: condescendente – ou cúmplice – com o golpe.

O preço do impeachment é conhecido, assim como é sabido o valor desprezível do STF na preservação da democracia e do Estado de Direito.

O sistema político-jurídico está inteiramente apodrecido. Além de eleições limpas para restaurar a democracia, é urgente uma Assembléia Nacional Constituinte com prioridade nas reformas política, tributária, do judiciário e para a democratização da comunicação e da informação pública. 

GGN

A Suprema covardia do Supremo e suas conveniências, por Aldo Fornazieri

Aos golpes do oportunismo, do golpismo, da covardia, do sofismo e da falácia argumentativa, a maioria do STF derrubou a estátua da Justiça em praça pública, espatifou-a na frente da nação, rasgou a Constituição e, com ambas, estátua e Constituição, fez uma grande fogueira onde foram queimados os princípios da república, a igualdade perante a lei a punibilidade de políticos criminosos e a decência nacional. Cinco ministros, que não têm compromissos com a Constituição, mas com subserviência aos raposões corruptos do Senado, jogaram a gasolina. Carmen Lúcia acendeu o fogo e ainda jogou uma pá de cal sobre as cinzas, pintando o cinza o que já era cinza num país condenado a ser vítima de si mesmo por ser vítima de uma elite que não tem seriedade, que não tem responsabilidade e que não tem pudor.​

Carmen Lucia mostrou não ter condições de presidir um centro acadêmico de uma faculdade de direito. Para desgraça do Brasil, no entanto, preside aquilo que deveria ser a mais alta Corte Constitucional do país, cuja virtude primeira dos seus componentes deveria ser a coragem. A partir da semana passada, o STF, que já havia se curvado aos políticos da Câmara e do Senado no processo da derrubada da presidente Dilma, decidiu, em ato formal, tornar-se um poder subordinado, abrindo mão de ser a Corte que decide em última instância.

A decisão da maioria do STF fere a Constituição e não se trata de engano. Basta comparar os argumentos que os juízes usaram quando do afastamento de Eduardo Cunha e os que usaram na decisão do último dia 12. Fica claro que a maioria da Corte votou em função das conveniências políticas e não do espírito e da letra da Constituição. A OAB deveria analisar se estes cinco juízes, mais a Carmen Lucia, não cometeram crime de responsabilidade. Sob o disfarce do julgamento de uma Ação Direta de Inconstitucionalidade, o que decidiram foi o caso específico de Aécio Neves entregando ao Senado a prerrogativa de devolver-lhe o mandato. O mesmo Senado que não cumpriu a Constituição quando decidiu não investigar e não julgar Aécio.

O STF criou uma desordem constitucional. Para casos diferentes, mas com a mesma natureza jurídica, aplicou decisões ao sabor das conveniências: uma para Eduardo Cunha, outra para Delcídio do Amaral, uma terceira para Renan Calheiros e uma quarta para Aécio Neves. A sociedade não pode ter fé e respeito a um tribunal que age dessa forma.

Os magistrados deveriam dignificar o honroso cargo que receberam, alguns sem as competências e/ou as virtudes necessárias. Deveriam ser um exemplo para a sociedade e para os futuros juízes. Deveriam pensar em proporcionar biografias relevantes, pois o bom exemplo e a vida correta são os maiores bens que podemos deixar nesta vida. Mas quem não tem dignidade não pensa em biografia.

Um dos fundamentos adotados pela maioria do Supremo sustenta a tese de que somente os representantes podem decidir acerca de um mandato que emana da soberania popular. Para manter uma coerência lógica, as decisões que afetarem vereadores, deputados estaduais e governadores também precisariam de um aval da Casa legislativa correspondente sempre que uma decisão judicial afetar um mandato.

O STF se tornou um dos principais fomentadores da crise institucional. Note-se a absurda argumentação de Dias Tofoli: "O Supremo Tribunal Federal não pode atuar, portanto, como fomentador de tensões constitucionais, o que ao meu ver viria a ocorrer caso se suprimisse do poder Legislativo o legítimo controle político de restrições de natureza processual penal que interferem no livre exercício do mandato parlamentar".

A argumentação é absurda porque parte de um pressuposto falso: o STF deve julgar segundo a Constituição e não segundo se causa ou não causa tensões constitucionais. Ademais, em nenhum país  democrático o Legislativo tem a prerrogativa de fazer o controle político de restrições de natureza processual penal. Mesmo no processo de impeachment de um presidente, o Senado se transforma em tribunal para julgar politicamente, cabendo ao STF julgar a matéria de natureza penal.

A violação da Constituição
Para que uma Constituição seja democrática e republicana precisa fundamentar-se em alguns pressupostos: nenhum poder é ilimitado, nem mesmo a própria Constituição; Estado de Direito significa poder limitado, valendo isto para os três ramos do poder; os três poderes estão submetidos a uma relação de controles mútuos, de pesos e contrapesos, não existindo um poder soberano sem controle a acima dos outros; definidas as funções específicas de cada poder, com ingerências parciais um no outro, cabe ao tribunal constitucional as decisões últimas em matéria penal e no controle da constitucionalidade.

Uma Corte ou um tribunal constitucional são supremos exatamente porque têm a prerrogativa das decisões finais, indicadas no último item acima. Se não for assim, a Constituição deixa de ser  republicana e democrática. Foi este atentado, foi este crime contra a Constituição, que a maioria do STF perpetrou. A Corte constitucional tem a faculdade de interpretar o direito em vigor, a Constituição, as leis do Legislativo, com uma autoridade que estabelece uma obrigação constitucional dos outros dois poderes.

A prerrogativa de interpretação de uma Corte constitucional, porém, não é aberta e infinita. Ela tem dois limites: 1) a própria Constituição; 2) os princípios fundantes da Constituição republicana e democrática que não podem ser ultrapassados pelo poder constituinte soberano, por uma Corte Constitucional ou pelo poder que tem a prerrogativa de emenda constitucional - no caso, o Congresso. A maioria do STF violou a Constituição ao permitir que a Câmara e o Senado adquiram funções judiciais e possam tomar decisões finais acerca de atos delituosos de deputados e senadores.

O Brasil vive hoje uma situação insuportável do ponto de vista político, institucional e moral. Do ponto de vista político, o sistema e as instituições estão sem legitimidade e desacreditados junto à sociedade. Do ponto de vista institucional, há um  golpe em andamento, um presidente ilegítimo, o Congresso desacreditado com dezenas de políticos denunciados e um STF que viola a Constituição e não faz aquilo que as suas prerrogativas determinam. Do ponto de vista moral, o Brasil é governando por um presidente denunciado duas vezes e por um governo criminoso, que destrói os fundamentos éticos, as condições de futuro do país e  afronta a dignidade das pessoas.

O STF precisa responder à sociedade como é possível que o país seja governando por um presidente e por um governo sobre os quais recaem, não acusações vagas, mas provas evidentes de que se trata de entes delinquenciais. Nenhum país do mundo, minimamente sério e democrático, teria um governo que é expressão de inominável indignidade. O STF precisa responder à sociedade como é possível que ministros delinquentes continuam ministros; como é possível que  deputados e senadores corruptos continuam em seus cargos.


Deputados e senadores só são invioláveis, civil e penalmente, pelas suas opiniões, palavras e votos, diz a Constituição. Não o são por atos criminosos. Quando cometem crimes, precisam ser punidos na mesma condição dos demais cidadãos. Se não for assim, isto é contra os fundamentos e os princípios da Constituição. Se em algum lugar a Constituição garante proteção a políticos criminosos, isto é contra os fundamentos Constituição e o STF precisa pronunciar-se e adotar providências. Se não é assim, a nossa Constituição não é nem democrática e nem republicana. É uma Constituição refém de covardes, de sofistas e de corruptos.

GGN

As lições do juiz italiano das Mãos Limpas ao pretor de Curitiba Sergio Moro., por Kiko Nogueira

Gherardo Colombo
Estadão entrevistou o ex-juiz Gherardo Colombo, um dos protagonistas da Operação Mãos Limpas, referência para a Lava Jato.

Ele trabalhou na força tarefa do grupo que provocou “um “terremoto político na Itália”.
Ex-ministro da Corte de Cassação, o equivalente ao Supremo Tribunal, Colombo dedica-se hoje a dar palestras a jovens estudantes sobre a importância da luta contra a corrupção.

Suas observações seriam muito úteis a Sergio Moro, caso este, atualmente, não estivesse convencido de que inventou o Direito no mundo.

Vinte e cinco anos depois de Mãos Limpas, um condenado por corrupção vai para a cadeia na Itália? Cumpria pena atrás das grades?

Muitos foram os condenados. Alguns foram para a cadeia. Mas muitos empresários – devo dizer que não sei se o nosso sistema corresponde ao de vocês – fizeram acordos e conseguiram a suspensão condicional da pena. E, portanto, não foram para a cadeia. Depois, progressivamente, nosso legisladores – nossos processos e investigações duraram 13 anos – modificaram alguns crimes, como o de falsificação de balanços e o favorecimento administrativo, reduzindo o prazo de prescrição; modificaram os valores das provas, retirando o valor de atos processuais que antes tinham valor como prova, razões pelas quais depois o número de condenações diminuiu bastante.

Quanto caiu o número das condenações caíram na Itália?

É difícil de dizer. Aqui em Milão, posso fazer um cálculo aproximado desse fenômeno. Nós pedimos que fossem julgadas cerca de 3,7 mil pessoas. Dessas, foram absolvidos 20%, cerca de 750. Cerca de 40% dos casos prescreveram, ou seja, cerca de 1.500. Das outras 1,5 mil, cerca de mil fizeram um algum acordo. Esse é um cálculo que faço de memória. Foram condenados cerca de 700 pessoas, sendo que alguns ainda puderam gozar da suspensão condicional da pena.

E quantos desses foram condenados a até 3 anos e, portanto, puderam fazer serviços sociais em vez de ir para a cadeia?

Eu creio que uma grande parte. A maioria. Além disso, na Itália, existe a possibilidade para pessoas particularmente idosas de cumprir a pena em prisão domiciliar. Para cárcere foram poucas pessoas. Sobretudo em razão das reformas legislativas que um pouco restringiram os crimes e um pouco reduziram o valor das provas.

O senhor acredita que um acusado de corrupção deve ser mantido em prisão preventiva na cadeia?

Bem, eu pelo que compreendo, e não conheço completamente o sistema processual brasileiro, porém, chegam notícias, e se lê e deve levar em consideração o meu nível de informação sobre o sistema brasileiro. Porém, o nosso sistema, o sistema italiano, prevê que a custódia cautelar seja possível somente para evitar o perigo de fuga, o perigo de destruição de provas ou perigo de reiteração do crime do mesmo tipo.

Ora, não existe na Itália um sistema para a corrupção similar ao vosso da delação premiada. Não existe. A delação premiada é um termo que não se pode usar. Nós falamos de colabores de Justiça no campo da Máfia e do terrorismo. A Máfia e o terrorismo são tratados geralmente de um modo muito particular. Não se pode pôr na cadeia uma pessoa para fazê-la falar. Ok? Para contar fatos dos outros. Ainda que esse seja uma distinção muito sutil porque, se uma pessoa se torna não confiável ao sistema de corrupção do qual ela provém, então não se justifica mais a custódia cautelar.

Porque não há mais o risco de reincidência, pois os outros não confiam mais nela e não há perigo de fuga porque já confessou e, geralmente, quem resolve contar o que sabe recebe normalmente uma pena que não é grave. E não há mais risco de destruição de provas, pois a prova já foi feita. E em um sistema (delação) no qual não basta que as pessoas sejam corretas mas é sempre necessário esse, para a sentença, para a condenação, é sempre necessário que existam também comprovações do que foi dito, como a prova da passagem do dinheiro por meio financeiro e assim por diante. E isso vale também para a custódia cautelar. Em relação às pessoas contra quem foram aplicadas a custódia cautelar na Itália por parte dos magistrados, há uma outra particularidade que, para mim, é importante, e torna impossível fazer paralelos entre Mãos Limpas e Lava Jato.

Existe uma diferença notável sobre o perfil do controle dos magistrados. Na Itália existe o Ministério Público que faz a investigação. Existe o juiz da investigação preliminar que controla a atividade do Ministério Público e que emite todos os procedimentos que restringem em qualquer medida a liberdade como a custódia cautelar na cadeia, as interceptações telefônicas e por aí vai. Quando a investigação termina, um outro juiz, um juiz para a audiência preliminar, decide se vai mandar a julgamento o investigado ou mesmo se recusa a abertura do processo. Mas não é ele que condena porque a condenação só pode ser emitida por um tribunal, que um juízo diferente e para os casos de corrupção é o juízo de um colegiado, composto por três pessoas.

E por isso alguns advogados brasileiros dizem que aqui no Brasil o juiz tem um papel de super-homem no processo.

Notei que o juiz que fez a investigação no processo contra Lula (Sérgio Moro) era o mesmo que fez a sentença e isso me deixou um pouco surpreso porque aqui na Itália isso não poderia acontecer.

Um sistema assim no Judiciário, como seria julgado pela Corte Europeia de Direitos Humanos?

Eu tenho dificuldade para dizer-lhe. Posso dizer que na Itália, o juiz que faz a investigação, não podia condenar nem mesmo com o Código de Processo Penal que era de 1930. O juiz de então podia somente decidir se aceitava ou não a denúncia. Se decidisse pela abertura do processo, o processo era feito por outro. O articulo 6 da Convenção das Salvaguarda dos Direitos do Homem para o Conselho Europa diz que cada pessoa tem direito que sua causa seja examinada imparcialmente, publicamente e em um tempo razoável por um tribunal independente e imparcial constituído por meio de lei que decidirá etc.

No caso, se fala somente de um tribunal independente e imparcial. Mas aquele que faz a investigação pode em alguma medida ser influenciado por aquilo que descobriu, tanto que, na Itália, o juiz que decide não pode conhecer o conteúdo dos atos processuais senão por meio do debate no tribunal.

Quer dizer que o juiz decide baseado no que acontece diante dele. Outra coisa que existe em Itália: um juiz tem a obrigação de abster-se de antecipar um juízo, ou seja, dizer o que pensa a propósito do processo. Não sei se isso existe. Nós tivemos um grande cuidado além do que estava previsto no Código de Processo Penal na Itália. Durante o curso de Mãos Limpas sempre evitamos de nos exprimir sobre a situação de réus em particular. Falávamos da corrupção, mas sempre evitamos falando sobre a posição dos denunciados, mesmo trabalhando como procurador e não como juiz (na Itália o Ministério Público faz parte da magistratura).

E mesmo durante as entrevistas coletivas?

Eu nunca falei sobre a situação de um acusado, mas somente sobre atos judiciários. Eu pessoalmente evito falar de pessoas que foram meus acusados, mesmo depois do processo. Quando vou às escolas, eu procuro evitar falar de acusados, mesmo depois de passados dez anos, 15 anos. É uma questão que, pelo que me diz respeito, que vai além do texto legal.
Moro vê seu ator preferido no cinema: ele mesmo
(…)
Pelo que o senhor me disse, o senhor seria favorável ao uso dos colaboradores de Justiça nos casos de corrupção?

Eu tenho muitas reservas com os colaboradores de Justiça. Para que não se cometam crimes, é preciso que exista entre o cidadão e o Estado a confiança. E, para mim, cooperar – eu prometo uma pena menor se você conta quem são seus comparsas – é uma coisa que, em vez de promover confiança, de algum modo, você a tolhe. Creio que algumas vezes se cometem crimes realmente graves, como no caso da máfia, que dissolve crianças no ácido, e por isso, algumas vezes, é necessário recorrer a instrumentos que, infelizmente, em si não são educativos, que não educam a cidadania.
Deve ser uma medida (colaboradores de Justiça) limitadíssima e, por isso, eu não a introduziria no campo da corrupção, mas existem muitas pessoas que pensam de modo contrário. Mas, em vez disso, há uma coisa que se precisa fazer aquilo que eu lhe disse antes: um fenômeno tão espalhado como a corrupção na Itália não pode ser combatido com o processo penal. É necessária outra coisa. Prometer a alguém a redução de pena se fala, essa medida está no processos penal, mas não serve ao processo penal.

O que é necessário fazer é operar a dois campos, que são a educação e a prevenção. Na Itália, espero que se for possível, ir adiante do ponto desses pontos de vista. Eu acredito que a situação mudará. Para prevenir a corrupção são necessárias duas coisas: que as empresas adotem procedimentos para todas as suas atividades, pois, quando há um procedimento de modo que tudo deixe traços tudo se torna transparente, pois tudo se torna verificável,  como quem tomou cada decisão, por que a tomou, por quais motivos.

E esse é o segundo ponto de vista: a transparência. E que tudo isso seja público. Do ponto de visto educativo é necessário para acompanhar as pessoas para saber que a corrupção faz mal até para quem a comete, pois desregula as instituições. Evidentemente que nesse meio tempo é necessário descobrir quem participa da corrupção, mas não porque alguém colaborou, mas porque o contexto social no qual as pessoas se encontram se rebela e reage, quem assiste a um crime de corrupção denuncie. No caso de corrupção é difícil que as pessoas aceitem testemunhar.

DCM