Ilustração
Na contramão
do mundo o Brasil abraça o entreguismo e se transforma em estado bárbaro. Um
Grito de Brasilidade contra a lei do sexagenário e a entrega da Nação. Denuncia
o senador Roberto Requião.
A saída do
Reino Unido da União Europeia; a eleição de Trump, nos Estados Unidos; a
liderança de François Fillon na disputa para a presidência da França; a
recente pesquisa indicando o avanço do Partido Social Democrata da Alemanha, na
hipótese de rompimento da aliança que hoje mantém com a chanceler Angela
Merkel; a derrota do primeiro ministro da Itália, Mateo Renzi, em um plebiscito
que mais rejeitou sua política econômica que as reformas administravas que
propunha; a crise espanhola que não ata e nem desata, impedindo há mais
de ano que o país tenha um governo com clara maioria no Parlamento;
a lenta, dolorosa agonia da Grécia são recorrências que têm uma mesma origem: a
reação à ditadura do capital financeiro global, cuja prevalência sobre os
interesses nacionais, sobre o trabalho, a produção , a ventura de vida , o bem-estar
e a felicidade dos homens desperta reações Planeta Terra afora.
Evidentemente,
como todo acontecimento político e social, não há rigorosa simetria em tais
reações, mas o denominador que os impulsiona é o mesmo: a saturação do
neoliberalismo, especialmente da financeirização da vida das nações e da
humanidade.
“Nenhum país
vai se desenvolver se não defender sua indústria e seus trabalhadores”. (Esta
frase é uma citação).
Qualquer um
das senhoras e dos senhores senadores, inclusive eu, desconhecendo sua autoria,
a colocaria à conta de um líder de esquerda, de um nacionalista de algum país
subdesenvolvido. Mas a frase é de Donald
Trump, presidente norte-americano que se elegeu não por causa de delírios
como o muro na fronteira com o México ou a política anti-imigração. E sim
porque prometeu fazer com que os interesses do povo norte-americano,
especialmente de seus trabalhadores, iriam se impor à globalização.
Certamente
não é meu herói, como não são os senhores François
Fillon, Martin Schulz ou a senhora Thereza May.
Da mesma
forma, não inscreveria entre as minhas inspirações a senhora Christine Lagarde, diretora-gerente do
FMI ou o senhor Jim Yong Kim, presidente do Banco Mundial. Mas tanto uma como
outro, frequentemente, tem espicaçado as políticas econômico-financeiras de
países como o nosso que, tristemente, mediocramente têm insistido em seguir a
trilha do fracassado modelo liberal.
Ainda agora,
o presidente do Banco Mundial declara: “É a primeira vez que vejo um governo
destruir o que está dando certo. Nós do Banco Mundial, o G8 e a ONU
recomendamos os programas sociais brasileiros para dezenas de países, tendo em
vista os milhões de pobres brasileiros que saíram da extrema pobreza nos
governos anteriores a esse.
Agora, a
fome vai aumentar consideravelmente em 2017. Cortar programas sociais que
custam tão pouco ao governo, como o Bolsa Família, é uma coisa que não tem
explicação”.
Tem
explicação sim, senhor Jim Yong Kim. A mesma explicação do porquê o Brasil foi
o derradeiro país a libertar os negros da escravidão. A mesma explicação do
porquê, comparativamente com Estados Unidos da América, as nossas elites
políticas, econômicas e sociais optaram pelo escravismo, pela dependência, pela
economia agroexportadora, pelo extrativismo, pelo rentismo, pelo arrocho
salarial, pela segregação e exclusão social, pelo golpismo.
Nesses tempos
de internet, onde é livre falar, é só falar, alguns ociosos, com parcos
neurônios, nenhuma leitura e a típica ousadia dos idiotas, costumam despejar
toneladas de preconceitos étnicos, morais e religiosos para explicar o
descompasso entre o desenvolvimento brasileiro e o desenvolvimento
norte-americano.
Ignoram eles
que, na segunda metade do século XIX, o caminho escolhido pelos Estados Unidos
para se desenvolver chamou a atenção dos maiores teóricos da economia política
da época, à esquerda, à direita, ao centro. Vou citar três dos mais expressivos
teóricos que se ocuparam a estudar os Estados Unidos.
Os
fundadores do comunismo, Marx e Engels, e Friedrich List, um homem de centro,
criador do chamado “Sistema Nacional de Política Econômica”. List vai se tornar
o formulador de política econômica mais traduzido até os meados do século XX, e
exerce forte influência sobre o pensamento econômico e político até os nossos
dias. Citaria entre seus discípulos John Maynard Keynes, Raul Prebisch e o
nosso Celso Furtado.
Marx e
Engels falam com admiração que os norte-americanos escolheram a via expressa
para o desenvolvimento, que optaram por fabricar fabricantes, criando
mecanismos para incentivar a produção industrial local, financiando-a e
protegendo-a da concorrência internacional.
List,
recolhe no exemplo dos Estados Unidos os elementos essenciais para formular seu
próprio sistema de política econômica.
O que
encantou teóricos comunistas e liberais no modelo norte-americano?
Encantou-os
três iniciativas:
1ª) Fixação
de tarifas alfandegárias elevadas e seletivas, para proteger a indústria local;
além da concessão de subsídios para favorecer o crescimento do setor.
2ª)
Investimentos públicos em infraestrutura: ferrovias, rodovias, hidrovias
portos, energia e saneamento.
3ª) Criação
de um banco nacional e de um sistema estatal de financiamento da produção.
Foi assim
que os Estados Unidos tomaram a via expressa para o desenvolvimento.
Vejam, por
quase um século, de 1860 à década de 1940, os Estados Unidos mantiveram a
política de tarifas alfandegária elevadas e seletivas, para proteger a sua
produção industrial. Ao mesmo tempo em que não abriu mão da política de
subsídios.
As bases
para essa política de desenvolvimento foram lançadas por Alexander Hamilton, um
dos pais fundadores dos Estados Unidos, logo depois da independência do país,
no século 18.
Até hoje eu
vejo pessoas de esquerda torcerem o nariz por causa de algumas observações nada
favoráveis de Marx sobre a parte inferior do continente americano, enquanto
manifesta admiração pela política de desenvolvimento industrial da parte
superior.
Parece que o
velho Marx tem razão, não é? Afinal, desde sempre, as elites brasileiras -e
latino-americanas por extensão- optaram claramente pela subordinação do
desenvolvimento nacional aos interesses do capitalismo internacional.
Quando os
Estados Unidos rompem com a metrópole londrina, voltam-se imediatamente a
“fabricar os seus fabricantes”, como observou Marx.
Quando o
Brasil livra-se de Portugal, faz aquilo que os Estados Unidos recusaram-se a
fazer: torna-se subordinado ao desenvolvimento industrial britânico.
Portugal, proibia-nos fabricar até mesmo sabão, velas e botões. Depois do grito
do Ipiranga, o Brasil continuou sem fabricar sabão, vela ou botões.
Os Delmiro
Gouveia, os Irineu Evangelista de Souza foram avis rara no pombal da Casa
Grande e, como exceções, não fizeram verão.
Da mesma
forma que, lá atrás, as nossas elites escravocratas e coloniais renunciaram
adotar o “Sistema Americano de Economia Política”, os atuais governantes, com o
apoio do sistema financeiro, de políticos e partidos conservadores,
globalistas, para não dizer colonizados, da mídia e dos economistas e
comentaristas da Globo, da Globonews, da CBN, expressões máximas do
influentíssimo analfabetismo pátrio, persistem hoje em fazer do Brasil o último
refúgio de um sistema que fracassou no mundo todo e que passa a ser repudiado
até mesmo nos centros econômicos mais avançados.
Na contramão
da história no alvorecer da nacionalidade, na contramão da história em uma das
mais graves crises do Planeta.
Enquanto
Donald Trump, Thereza May, François Fillon, Justin Trudeau, Martin Schulz,
Pablo Iglesias aumentam o tom contra a globalização financeira e defendem a
adoção de políticas protecionistas, para salvaguardar os seus povos da
voracidade de Mamon, os gênios pátrios anunciam toda sorte de franquias, de
aberturas, de concessões, de submissões para atrair os especuladores
internacionais e aqueles hipotéticos investidores que apreciam uma pechincha.
Vamos ao
roteiro da transformação do Brasil em um estado bárbaro, dependente, produtor
intensivo de produtos agrícolas voltados à exportação, fornecedor de matérias
primas e commodities, com a oferta em larga escala de mão-de-obra barata e
desprotegida de direitos.
Eis o roteiro em execução:
Destruição
do ainda precário Estado Social brasileiro, que estávamos construindo desde a
Revolução de 30 e que deu bons avanços entre 2003 e 2015.
Fim dos
direitos trabalhistas, com a prevalência do negociado sobre o legislado e com a
liberação irrestrita da terceirização do trabalho.
Reforma da
Previdência, que tem como senha a falsa alegação de déficit no setor, mas cujos
objetivos são o aumento do tempo de serviço dos trabalhadores e a privatização
da área.
Venda, a
preços irrisórios, como os próprios compradores festejaram, de reservas de
petróleo da camada pré-sal.
Fim da
política do conteúdo local; contratação no exterior de plataformas para a
Petrobrás; preterição das grandes empresas nacionais de engenharia, sob a
alegação de que se envolveram em corrupção ao mesmo tempo em que se contratam
empresas de engenharia estrangeiras, internacionalmente denunciadas por
corrupção.
Aperto do
torniquete da dívida em estados e municípios, exigindo como contrapartida a
privatização de empresas de energia elétrica, de água e de saneamento, o
arrocho salarial e previdenciário, cancelamento de programas sociais.
Aumento do
teto de financiamento do programa Minha Casa, Minha Vida, para privilegiar a
classe média alta.
Liberação do
saque do FGTS, para produzir um ilusório, fugaz e publicitário aquecimento da
economia, sacrificando e pulverizando a poupança dos trabalhadores.
A lista das
tais “reformas”, todas elas para atrair investimentos estrangeiros ou estimular
que os empresários brasileiros troquem o rentismo pela produção, estende-se ao
infinito.
Fez-se e
faz-se terra arrasada de toda e qualquer proteção ao trabalho, aos
desamparados, aos mais pobres, aos idosos e ao empresariado nacional.
Parafraseando o presidente do Banco Mundial: nunca se destruiu tanto, em tão
pouco tempo.
E a cereja
nesse bolo neoliberal vem agora, com a permissão da venda de terras aos
estrangeiros. O ministro Meirelles disse que quer ver aprovada a novidade em 30
dias, porque, segundo ele, a venda de terras atrairá grandes investimentos
internacionais.
Oh, Senhor
Deus! Misericórdia, Senhor!
Sua
excelência, o senhor ministro da Fazenda, depois de quase um ano de idas e
vinda erráticas, improdutivas, espera agora uma enxurrada de dólares, com a venda
de terras?
Que será
depois? A água? O aquífero Guarani, como insinuou o agora blindado
ministro Moreira Franco? Na sequência o ar? A casa da sogra? Quê mais?
Aliás, a
reação do ministro da Agricultura, Blairo Maggi, à proposta de seu colega
Meirelles constitui-se no melhor argumento contra a venda de terras.
Disse
Blairo: “Tudo bem, desde que não se vendam terras onde plantamos soja e milho,
do contrário, os estrangeiros vão manipular o plantio, conforme a cotação
internacional dos produtos”.
Desculpe-me,
ministro Blairo, que terras, então, os estrangeiros vão comprar? Para plantar o
quê? Hortaliças? E como o governo vai impedir que os estrangeiros comprem
terras onde se produzem soja e milho? Quer dizer que nós vamos vender terras
para eles e determinar o que eles podem ou não plantar? Sendo assim, que
interesse eles teriam em comprar terras aqui?
Por fim, vou
voltar a 132 anos atrás, ao ano de 1885, para constatar que o tempo passa, o
tempo voa e as nossas elites governantes, as nossas classes conservadoras, como
se dizia antigamente, continuam mediocremente as mesmas.
No dia 28 de
setembro de 1885, foi aprovada a Lei da Gargalhada, também conhecida como lei
Saraiva-Cotegipe ou Lei dos Sexagenários.
No fervor da
luta contra a escravatura dos negros, os conservadores aceitaram aprovar uma
lei que libertasse escravas e escravas com mais de 60 anos. Na verdade, só
ficavam imediatamente livres as negras e os negros com mais de 65 anos. Os com
menos, deveriam indenizar os seus donos, trabalhando mais três anos, sob o
chicote dos feitores.
Essa
incrível lei ficou conhecida como a Lei da Gargalhada, pois foi assim que a
receberam os abolicionistas e os brasileiros com um mínimo de senso de
humanidade. E senso do ridículo!
Não por
causa da obrigação de o escravo com 60 anos ter que trabalhar mais três, para
indenizar o seu dono. Não.
A amarga
gargalhada foi porque a vida média dos escravos brasileiros era de 30 anos!
Trinta anos! Logo, praticamente não havia vivo quem a lei beneficiasse!
Como são
insaciáveis em sua crueldade, as classes dominantes! Pois não é que 132 anos
depois, produzem uma contrafação, um pastiche da Lei Saraiva-Cotegipe.
Que é a
reforma da Previdência? Como a Lei da Gargalhada não alcançava nenhum
beneficiário vivo, a reforma da Previdência vai beneficiar trabalhadores quando
eles não existirem mais.
Leio na
edição desta quarta-feira do Jornal do Senado que o presidente Eunício recebeu,
dia 21, representantes da indústria, que vieram lhe entregar as principais
reivindicações do setor. Duas se destacam: um Projeto de Decreto Legislativo
que prevê o fim de normas do Ministério do Trabalho sobre segurança em máquinas
e equipamentos, e a terceirização total e irrestrita da mão-de-obra.
Como se vê,
é inesgotável a capacidade de se reinventar a escravidão de nossos
trabalhadores.
Emprego,
salário, aposentadoria, desenvolvimento industrial, produção agrícola, inovação
e tecnologia, soberania nacional, segurança, saúde e educação públicas de
qualidade, moradia digna, direito ao lazer e à felicidade, proteção à infância
e aos idosos. É o queremos, é o que basta. Mas nada disso será possível com um
governo que vende até as nossas terras e que ressuscita a Lei da Gargalhada.
Como
discursou o nosso genial Raduan Nassar: tempos tristes, tempos sombrios os
tempos de hoje.
Mas, se a
capacidade dos vende-pátria, vende-soberania, vende-terras, vende-petróleo,
vende-água, vende-dignidade, vende-vergonha parece inexaurível, mais cresce a
responsabilidade dos nacionalistas, dos democratas e dos progressistas em
resistir à destruição do Brasil como Nação.
Rebelar,
resistir, desobedecer, é o nosso dever. Já!
Do Vi o Mundo