quarta-feira, 19 de julho de 2017

Bandeira de Mello: Moro não está habilitado para ser juiz

O jurista Celso Antônio Bandeira de Mello disse, em vídeo publicado no Youtube, que Sergio Moro não está habilitado para ser juiz, pois adotou uma postura parcial e partidária na Lava Jato, chegando a atuar como um "acusador".

"Esse juiz Moro é um homem, a meu ver, muito pouco habilitado para exercer a função de magistrado. A magistratura exige serenidade e sobretudo imparcialidade. Não pode ser uma conduta apaixonada. Mesmo que ele assuma um ar sereno, e assume, o comportamento dele não é de magistrado. O comportamento dele é de acusador."

Bandeira de Mello ainda disse que usar prisões preventivas para obter delações é digno de torturadores e avaliou o caso triplex como uma "perseguição" a Lula, para evitar que o ex-presidente tente disputar o Planalto em 2018. Confira o vídeo abaixo:

GGN

O julgamento de Mouro vem a jato: Especialistas organizam livro que desconstrói a sentença do triplex

Foto: Reprodução

Um grupo formado por doutores e professores de Direito decidiu organizar um livro que reunirá artigos sobre a sentença de Sergio Moro no caso triplex. Na semana passada, o juiz de Curitiba condenou Lula a 9 anos e meio de prisão por corrupção passiva e lavagem de dinheiro envolvendo o apartamento que está em nome da OAS.

Ao GGN, Carol Proner, professora de Direitos Humanos da Universidade Federal do Rio de Janeiro e uma das organizadoras do projeto, disse que a ideia é uma "reação imediata de juristas, professores de direito, advogados diante da longa sentença proferida pelo Juiz Sérgio Moro" contra o ex-presidente Lula, que é uma "sentença histórica" dado o nível de abusos cometidos durante o processo.

Segundo Carol, a proposta é fazer uma "compilação de pareceres enxutos sobre aspectos da sentença, textos curtos que escolhem a ênfase nos fragmentos da decisão, destacando aquilo que pode ser considerado revelador de um juízo em desacordo com o justo processo e as garantias elementares em qualquer ordem jurídica democrática."

"Para além de um registro histórico", disse a especialista, "o livro tem o propósito de esclarecer aqueles que não entendem as frequentes acusações de parcialidade atribuídas ao juiz de Curitiba, não raro chamado de 'juiz acusador'."

Ainda de acordo com Carol, o projeto já teve o êxito de conseguir, em menos de 24 horas, a adesão de "60 nomes fortes do direito brasileiro e, passado mais um dia, o número duplicou, já superamos os 120 autores e o número não para de crescer". Ela destacou que entre os autores constam "pessoas que não se alinham politicamente com o PT ou que provavelmente não apoiariam um projeto liderado pelo ex-presidente Lula, mas que sentem a obrigação de dizer o que pensam sobre um juízo histórico no qual, como a mídia não cansa de repetir, está em jogo a disputa eleitoral de 2018."

São cinco os organizadores do livro: Juarez Tavares, Carol Proner, Gisele Cittadino, João Ricardo Dornelles, Gisele Ricobom, todos doutores, professores de direito na UERJ, UFRJ, PUC-Rio e UNILA, "preocupados com a repercussão que uma sentença como essa possa ter no futuro do direito e da justiça no Brasil", adiantou Carol.

A coletânea será uma espécie de mosaico revelador do que alguns chamam o “indevido processo legal, uma forma de julgar que parece correr em paralelo ou que suplanta o que está estabelecido em lei e respaldado pela Constituição."

Cada autor, que deverá responder diretamente por sua própria opinião, também deverá superar o desafio de "criticar setores do poder judiciário como parte de uma engrenagem que desmonta o Brasil institucionalmente, economicamente, politicamente", algo que Carol classificou como "desconfortável".

"É algo extremamente constrangedor e que só se justifica pelo reconhecimento do abuso reiterado e implacável nas audiências e nos episódios lamentáveis a que assistimos, da condução coercitiva às escutas ilegais, a relação com a mídia e a seletividade de informações, provas, testemunhas, tudo isso tendo como alvo um ex-presidente e que é o favorito nas eleições de 2018, sendo inafastável essa condição de personalidade pública", disse.

Um dos principais eixos do projeto será destinado a desconstruir a sentença dada por Moro sem provas documentais robustas.

"O processo foi conduzido sem provas e a sentença é extremamente frágil. Destaco uma frase representativa de Afrânio Silva Jardim em artigo no Livro: 'Lula foi condenado por receber o que não recebeu e por lavagem de dinheiro que não lhe foi dado... Vale dizer, não teve o seu patrimônio acrescido sequer de um centavo!!! Não recebeu nenhum benefício patrimonial e por isso não tinha mesmo o que 'lavar' ...”

Outro destaque da obra será o esforço de Moro em rebater as acusações de que promoveu uma guerra jurídica contra Lula. O juiz de Curitiba dedicou pelo menos 25% da sentença com 238 páginas a rebater a defesa nesse aspecto.

"A impressão que fica é de alguém que veste a carapuça. Sentindo-se culpado, passa todo o tempo se justificando preventivamente, ou seja, antes de prolatar a sentença", comentou Carol. 

A invisibilização das mais de 70 testemunhas de defesa que atestaram a inocência de Lula também será abordada em artigos. "Foram ignoradas na decisão, tendo destaque as testemunhas de acusação e os delatores, sem contar problemáticas questões da forma da delação, o empréstimo de provas de outros autos, a questão da competência, da prevenção, questões técnicas que fragilizam dramaticamente a decisão, deixando o juiz em situação embaraçosa, para dizer o mínimo."

A obra deverá ser lançada no dia 11 de agosto de 2017, dia dos cursos jurídicos, na Faculdade Nacional de Direito, UFRJ, Rio de Janeiro, afirmou Carol.

GGN

terça-feira, 18 de julho de 2017

Princípio "in dubio pro societate" não existe no ordenamento jurídico de nenhum pais, dizem juristas

Foto: Wilson Dias/Agência Brasil


“In dubio pro societate”. Com esse jargão em latim, tribunais de todo o país negam recursos de defesa e se recusam a refutar acusações frágeis e absolver réus, muitas vezes produzindo condenações injustas, acusações sem base e prisões em massa no curso do processo. Em suma, pela lógica jurídica dos corredores forenses, afirmar esse “princípio” seria dizer que havendo dúvida de autoria ou de materialidade sobre inocência ou condenação do acusado ou da acusada em algum crime, ela deverá pender “em favor da sociedade”, como se ela estivesse interessada em processar pessoas com provas frágeis.

Curiosamente, como explica o Juiz de Direito em São Paulo e Professor na Universidade Presbiteriana Mackenzie Guilherme Madeira Dezem, o in dubio pro societate é uma afirmação dos tribunais brasileiros, mas que não encontra respaldo na doutrina – isto é, livros teóricos de direito respeitados academicamente – brasileira ou internacional, as quais reafirmam o in dubio pro reo (na dúvida, absolve-se o réu) – “Autores como Mauricio Zanoide de Moraes negam a existência deste princípio in dubio pro societate, sustentando ser o in dubio pro reo a regra até mesmo em casos envolvendo revisão criminal”.

De outro lado, explica Madeira, “a jurisprudência [expressão utilizada para denominar um conjunto de decisões judicias em um mesmo sentido] entende que há casos que se admite o in dubio pro societate como é o caso do recebimento da denúncia. (RHC 74510/MS rel Min Ribeiro Dantas j. 20.04.17)”.

O Professor na Universidade Federal do Rio Grande (FURG) Salah H. Khaled Jr. explica onde é possível encontrar a afirmação teórica desse famoso “princípio” jurídico dos tribunais brasileiros – “na doutrina arcaica, é possível encontrar sim. Na jurisprudência punitivista, também. Não terá tanta sorte se procurá-lo na Constituição ou em autores comprometidos com processo penal do cidadão. É típico de concepção fascista de processo penal do inimigo”.

A lógica do processo penal do inimigo significa dizer que a sociedade tem interesse em processar e condenar alguém com provas frágeis, que suscitem dúvidas. Em especial no Brasil esse desejo tem um contexto bem delimitado pela clientela preferida do Direito Penal – jovens, negros e pobres. Como explica o Promotor de Justiça do Ministério Público de São Paulo, Gustavo Roberto Costa – “Não se pode dizer que é do interesse da sociedade que alguém seja processado criminalmente sem base concreta. A não ser que seja aquela sociedade que sabe que citado princípio jamais a atingirá, pois feito somente para os outros – e nós sabemos bem quem”.

Inclusive, pela falta de pressupostos lógicos, parte da jurisprudência nega a existência desse princípio, como, por exemplo, a ministra do Superior Tribunal de Justiça Maria Thereza Assis Moura, que notabilizou em decisão a seguinte passagem: “A acusação, no seio do Estado Democrático de Direito, deve ser edificada em bases sólidas, corporificando a justa causa, sendo abominável a concepção de um chamado princípio in dubio pro societate” [STJ, HC 175.639, Rel. Min. Maria Thereza de Assis Moura, 6ª T., J. 20/03/2012].

Para discorrer mais profundamente sobre o tema, o Justificando convidou dois juristas de renome internacional para falarem sobre o tema. Veja as respostas:
Pergunta: Existe no ordenamento jurídico brasileiro o princípio “In dubio pro societate”?

Juarez Tavares, Professor Titular de Direito Penal da Universidade do Estado do Rio de Janeiro e na Universidade de Frankfurt am Main, na Alemanha: 

Não existe esse princípio na ordem jurídica. O princípio ‘in dúbio pro reo’ é uma consequência do principio da presunção de inocência, que deixou de ser um principio procedimental para se constituir numa pilastra do Estado de direito democrático. Nesse estado, o que se pretende é justamente limitar o poder de punir e não ampliar suas bases. Afirmar-se o ‘in dúbio pro societate’ é regressar ao estado despótico. Quando a Constituição do Brasil instituiu a proteção da dignidade humana como fundamento do Estado democrático já estabeleceu, nas relações jurídicas, o primado do sujeito sobre a sociedade. Essa opção do direito positivo não encampa outra interpretação. Mesmo ao dizer que compete ao Estado zelar pela segurança pública, tal programa político-jurídico tem como pressuposto a proteção da pessoa individual. A chamada proteção do estado e da sociedade é, na verdade, uma extensão da proteção do sujeito. Nesse sentido, na dúvida, a opção deve ser pela pessoa e não pelo estado ou pela sociedade.

Geraldo Prado, Professor de Direito Processual Penal na Universidade Federal do Rio de Janeiro. Em teoria o direito processual penal brasileiro não reconhece o in dubio pro societate como critério de resolução da incerteza. O critério vigente, que decorre da presunção de inocência, é o in dubio pro reo. Convém ressaltar que cada etapa do processo tem seu específico âmbito de conhecimento. Assim, no início do processo, por exemplo, a dúvida somente se refere à existência de indícios de autoria e materialidade. Se há dúvida quanto a existência desses indícios, a acusação deve ser rejeitada.

O caso é outro se na mesma etapa a dúvida versa sobre a inocência ou culpa do acusado, reconhecendo-se a existência de indícios. Se os indícios estão presentes, estar em dúvida sobre culpa ou inocência é algo que não se coloca na etapa inicial, cabendo acolher a denúncia para que as provas aí sim sejam produzidas. Isso nada tem a ver com o ‘in dubio pro societate’, também denominado ‘in dubio contra reum’, resquício de modelos autoritários de processo penal. Não é raro os tribunais confundirem a cognição sumária inicial com situações de ‘in dubio pro societate’ e acertarem no resultado, errando porém quanto ao fundamento. 

Do GGN

Moro admite que inventou acusação e forçou a barra para julgar Lula, diz o advogado de defesa Zanin Martins

Foto: Paulo Pinto/Agência PT

A defesa de Lula superou o teor hermético da sentença de Sergio Moro sobre o caso triplex e expôs, com base nas palavras do juiz, os abusos cometidos no processo. Nesta terça (18), em nota à imprensa, a defesa apontou que Moro praticamente admitiu que forçou a barra para ser o juiz da causa, não usou a denúncia do Ministério Público Federal para julgar Lula, tendo criado uma acusação própria, e ainda evidenciou que a condenação foi baseada em uma delação informal não corroborada por provas documentais.

Em despacho feito pela manhã, Moro havia rebatido os embargos de declaração da defesa de Lula reforçando alguns pontos de sua sentença de maneira mais contundente. Por exemplo, afirmou que o ex-presidente foi condenado não porque seria o titular oculto do triplex - algo que a Lava Jato não pôde provar - mas sim porque o valor das obras feitas no apartamento teria sido "abatido" de um caixa virtual que Leo Pinheiro afirma ter mantido em nome do PT, onde chegou a acumular R$ 16 milhões.

O trecho expõe a fragilidade da sentença de Moro de duas formas: primeiro, ao destacar que houve alteração da denúncia original, que dizia que Lula "efetivamente" recebeu o triplex como pagamento de propina da OAS, fruto de 3 contratos da Petrobras; segundo, pela inexistência de provas nos autos do caixa com R$ 16 milhões ao PT, usado para condenar Lula.

"A falta de correlação entre a sentença e a acusação revela a nulidade da decisão, uma vez que o juiz decidiu algo diferente da versão apresentada pelo órgão acusador, sobre a qual o acusado se defendeu ao longo da ação", disparou a defesa de Lula.

"Não há na sentença proferida em 12/07 ou na decisão proferida nesta data qualquer prova desse afirmado abatimento, simplesmente porque ele não ocorreu, ao menos para beneficiar o ex-Presidente Lula", acrescentou.

Em outra passagem, Moro escreveu: “Este juízo jamais afirmou, na sentença ou em lugar algum, que os valores obtidos pela Construtora OAS nos contratos com a Petrobras foram usados para pagamento da vantagem indevida para o ex-Presidente."

Para a defesa de Lula, isso confirma que o processo jamais deveria ter tramitado na Vara Federal de Curitiba, já que não tem qualquer relação com a Petrobras segundo a narrativa apresentada pelos procuradores.

A defesa ainda rebateu a comparação que Moro fez entre Lula e Eduardo Cunha, taxando-a de "descabida e reveladora de falta de critérios objetivos." 

Para o advogado Cristiano Zanin, autor da nota, Moro "coloca-se acima da lei em relação à parte e aos seus defensores, que foram tratados sem a devida urbanidade em diversas
oportunidades pelo juiz, como está registrado nos áudios oficiais, nos áudios registrados pela defesa de forma lícita e ostensiva e também pela imprensa."


Abaixo, a nota completa da defesa, assinada por Cristiano Zanin Martins.

1 - A defesa do ex-Presidente Luiz Inácio Lula da Silva recorrerá da decisão que foi proferida hoje (18/07) pelo juízo da 13ª Vara Federal Criminal de Curitiba no julgamento dos embargos de declaração apresentados em 14/07 nos autos da Ação Penal n. 504651294.2016.4.04.7000/PR, da qual ainda aguarda ser intimada.

 2- Sem prejuízo disso, com base nas informações já disponíveis, a defesa esclarece que:

 2.1 – Fica claro que o juízo de Curitiba forçou sua atuação no caso, como sempre foi dito pela defesa, pois o processo, além de veicular acusação absurda, jamais teve qualquer relação efetiva com a Petrobras. O seguinte trecho da decisão não permite qualquer dúvida: “Este juízo jamais afirmou, na sentença ou em lugar algum, que os valores obtidos pela Construtora OAS nos contratos com a Petrobras foram usados para pagamento da vantagem indevida para o ex-Presidente”.  A decisão proferida hoje, portanto, confirma que o processo jamais deveria ter tramitado perante o juízo da 13a. Vara Federal Criminal de Curitiba, que não tem qualquer relação com a narrativa apresentada pela acusação.

 2.2. O juiz deixa claro que criou uma acusação própria, diferente daquela apresentada em 16/09/2016 pelo Ministério Público Federal. Segundo o MPF, Lula teria “efetivamente recebido” o apartamento tríplex, comprado com recursos provenientes de 3 contratos firmados entre a Construtora OAS e a Petrobras. A decisão hoje proferida, no entanto, afasta qualquer relação de recursos provenientes da Petrobras e afirma que “a corrupção perfectibilizou-se com o abatimento do preço  do apartamento e do custo da reforma da conta geral de propinas, não sendo necessário para tanto a transferência da titularidade formal do imóvel”.  A falta de correlação entre a sentença e a acusação revela a nulidade da decisão, uma vez que o juiz decidiu algo diferente da versão apresentada pelo órgão acusador, sobre aqual o acusado se defendeu ao longo da ação.

 2.3. – Diante do questionamento da defesa, o juiz agora afirma que o suposto ato de corrupção que motivou a condenação de Lula teria ocorrido “com o abatimento do preço  do apartamento e do custo da reforma da conta geral de propinas”. Não há na sentença proferida em 12/07 ou na decisão proferida nesta data qualquer prova desse afirmado abatimento, simplesmente porque ele não ocorreu, ao menos para beneficiar o ex-Presidente Lula. O esclarecimento hoje prestado pelo juiz deixa ainda mais evidente a ilegalidade da condenação de Lula, que está 100% baseada no depoimento de Leo Pinheiro, que nessacondição depôs sem o compromisso de dizer a verdade e, ainda, pressionado pelas negociações com o MPF objetivando destravar um acordo de delação com o objetivo de tirá-lo da prisão. Além de ser réu na ação e candidato a delator, Leo Pinheiro está condenado a 23 anos de prisão apenas em uma ação penal, e sua palavra não merece qualquer credibilidade, especialmente em tais circunstâncias.

 2.4. Leia-se e releia-se os autos e não há um documento, um depoimento, além da palavra de Leo Pinheiro, que faça referência a esse afirmado “abatimento do preço do apartamento e do custo da reforma da conta geral de propinas”. Se a palavra de delator não é confiável para motivar uma condenação, como diz a lei e foi recentemente reafirmado pelo Tribunal Regional Federal da 4a. Região, o que dizer da palavra de um corréu que depõe sem o compromisso de dizer a verdade e quando negocia sua delação com o órgão acusador.

 2.5. Mesmo que fosse possível desconsiderar todos os elementos que comprometem a isenção do depoimento de Leo Pinheiro e a ilegalidade da sua utilização para basear uma sentença condenatória, a versão por ele apresentada é incompatível com outros depoimentos coletados no curso da ação. Por exemplo, Leo Pinheiro afirma que conversou sobre o afirmado abatimento de valores com os Srs. João Vaccari Neto e Paulo Okamotto, em 2009. O MPF não quis ouvir a versão de Vaccari, pois não o arrolou como testemunha nem mesmo nas diligencias complementares (CPP, art. 402). Okamotto, por seu turno, negou a conversa em 2009, assim como outras supostas conversas narradas por Pinheiro, admitindo que apenas conversou com ele em 2014. Sobre a utilização de recursos indevidos no empreendimento Solaris ou, ainda, na reforma da unidade 164-A, o depoimento de Pinheiro ainda é incompatível com diversos outros que constam nos autos, inclusive com o do ex-presidente da OAS Empreendimentos, proprietária do imóvel, o também correu Fabio Yonamine.

 2.6. – A descabida comparação feita na decisão proferida hoje entre a situação de ex-diretores da Petrobras que confessaram a prática de atos ilícitos e o ex-Presidente Lula: (i) reforça a intenção permanente do juiz Moro de agredir a honra e a imagem de Lula e sua consequente – e inescondível – parcialidade; (ii) mostra que o juiz Moro não sabe distinguir situações que são diferenciadas pelos fatos: depois de uma devassa, nenhuma investigação identificou qualquer conta de Lula com valores ilícitos, seja no Brasil ou no exterior. Diante do teor da sentença e da decisão ora proferida, a única referência à atuação da Petrobras na ação, que parece ter agradado ao magistrado, foi quando um dos advogados da petroleira pretendeu   interferir na nossa atuação profissional enquanto advogados de Lula, fato que mereceu o repudio de diversos juristas e defensores da advocacia independente e que não se curva ao arbítrio.

 2.7. Também se mostra descabida e reveladora de falta de critérios objetivos a referência feita na decisão hoje proferida ao ex-deputado Eduardo Cunha. A discussão sobre a titularidade de contas no exterior não existe em relação a Lula, mostrando a impossibilidade de ser estabelecido qualquer paralelo entre os casos.

 2.8 – O reconhecimento do juiz de que “jamais” afirmou que “valores obtidos pela Construtora OAS nos contratos com a Petrobras foram usados para pagamento da vantagem indevida para o ex-Presidente”, mostra o desacerto de sua decisão que admitiu a petrolífera como assistente de acusação no processo, com custos diretos para os acionistas e, indiretos para os brasileiros, por se tratar de sociedade de economia mista. Mostra, ainda, manifesto equívoco ao condenar Lula a reparar “danos mínimos” ao reconhecer que o ex-Presidente não foi beneficiado com valores provenientes dos 3 contratos envolvendo a petrolífera que estão indicados na denúncia.

 2.9 - Moro reforça sua animosidade para julgar Lula – situação incompatível com a imparcialidade e com a igualmente necessária aparência de imparcialidade – ao confirmar trechos da sentença (104 parágrafos) que revelam ter ele ficado profundamente afetado com o fato de Lula haver se utilizado dos meios legais para questionar atos ilegais praticados pelo magistrado e por outros membros da Lava Jato no curso da ação, um deles reconhecido expressamente pelo STF no julgamento da Reclamação 23.457. Coloca-se acima da lei em relação à parte e aos seus defensores, que foram tratados sem a devida urbanidade em diversas oportunidades pelo juiz, como está registrado nos áudios oficiais, nos áudios registrados pela defesa de forma lícita e ostensiva e também
pela imprensa.

Cristiano Zanin Martins

Do GGN

'A convulsão social já está ocorrendo', Aldo Fornazieri

Na opinião de professor de Filosofia Política da Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo (Fespsp) Aldo Fornazieri, "Temer está dando uma aula de como os profissionais de uma quadrilha reagem com força para se manter no poder". Para ele, "a esquerda está acomodada", Michel Temer “está quebrando o país mais do que já está quebrado”.

Em meio à maior crise política de sua história recente, o Brasil espera o fim do recesso parlamentar para conhecer a decisão, pelo plenário da Câmara dos Deputados, sobre o futuro de Michel Temer. A votação que pode ou não autorizar o Supremo Tribunal Federal a dar prosseguimento ao processo está prevista para o dia 2 de agosto, quando o peemedebista precisará de 172 votos para evitar esse desfecho e, na prática, o fim de seu governo.

Para Fornazieri o país já vive uma convulsão social. “Na verdade, a convulsão social está ocorrendo, mas não pela via política. Está ocorrendo na guerra civil no Rio de Janeiro, com a violência espalhada pelo país e a quebradeira geral dos serviços brasileiros pelo governo”, diz.

Para ele, o problema é que Temer até o momento tem sido bem sucedido em suas manobras e articulações para se manter no poder. “Do ponto de vista político não acontece nada. A esquerda está acomodada, o Lula é condenado e não vimos ainda manifestações contra a condenação. Por esse caminho não acredito em convulsão social.” A apelação do ex-presidente Lula da sentença do juiz Sergio Moro, que o condenou a 9 anos e 6 meses de prisão, será julgada pelo Tribunal Regional Federal da 4ª Região, em data ainda imprevisível.

Na visão de Fornazieri, Temer tem “grandes chances” de se salvar. “Ele está fazendo um jogo pesado para isso. Está dando uma aula de como os profissionais de uma quadrilha reagem com força para se manter no poder, gastando bilhões do dinheiro público. Não vejo mobilizações suficientes para tirar Temer do governo”, afirma Fornazieri.

Ele acredita que as manifestações dia 20 precisarão ser grandes para configurar um contraponto popular à mobilização parlamentar e articulação política do grupo palaciano. “Qual vai ser o tamanho e o alcance dessas manifestações? Até hoje as manifestações da esquerda na Paulista não passaram de piqueniques cívicos”, diz Fornazieri. Em sua opinião, as mobilizações teriam que envolver muito mais gente do que a militância organizada que faz parte das estruturas dos partidos e sindicatos.

Para se manter no poder, o presidente “está quebrando o país mais do que já está quebrado”. “E não se vê uma contrapartida das oposições nas ruas. As oposições são minoria no Congresso, mas estão se submetendo ao jogo puramente parlamentar, enquanto no contexto do golpe e do impeachment da Dilma foram mobilizadas milhões de pessoas nas ruas", afirma ainda o professor.

Na quinta-feira (13), a Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania (CCJ) da Câmara rejeitou, por 40 votos a 25, o relatório do deputado Sergio Zveiter (PMDB-RJ), favorável à autorização para abertura do processo contra Temer no STF.

Segundo a ONG Contas Abertas, o governo federal liberou em junho R$ 134 milhões em emendas parlamentares a 36 dos 40 deputados que votaram a favor de Temer na CCJ.Para Antônio Augusto de Queiroz, diretor de Documentação do Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar (Diap), os cenários na atual conjuntura são basicamente três: “a) renúncia, por exaustão do governo; b) a cassação, por decisão do STF, após autorização da Câmara dos Deputados; e c) a Sarneyzação do governo, ou a imagem do “pato manco”, com a equipe econômica e o Congresso fazendo o feijão com arroz, sem qualquer reforma relevante”. Na opinião do analista, o primeiro cenário “é realista, o segundo pessimista e o terceiro otimista”.

Da RBA

Mídia alemã reconhece caráter político da sentença de Moro

A Der Spiegel nota que a própria promotoria reconheceu a falta de provas e diz que as evidências mostradas no processo são controversas

Enquanto a imprensa brasileira ensaia um coro único e fala de evidências sem mostrar nenhuma, o jornalismo alemão — como o de outros países — reconhece que a condenação de Lula ocorreu sem provas e que a sentença do juiz Sergio  Moro é política, não jurídica.

A Der Spiegel, uma das publicações mais respeitadas da Alemanha, nota que a própria promotoria reconheceu a falta de provas e diz que as evidências mostradas no processo são controversas. Em um artigo chamado "Estado na lama", lê-se: "Moro comprova com sua sentença o que críticos já lhe reprovavam há tempos: o julgamento do maior escândalo de corrupção da história do Brasil segue critérios políticos, não jurídicos". 

No Die Zeit, jornal de circulação nacional, a matéria é intitulada "O grande espetáculo da corrupção" sobre a recente condenação de Lula, diz o que a imprensa nacional tenta esconder: "Não há um único documento que apresente Lula como dono do apartamento". O Die Zeit lembra ainda que Lula é acusado de ser o chefão do esquema apelidado de Petrolão. "Prova disso não há nenhuma. Aí surge a questão do apartamento".

Já o suíço "Neue Zürcher Zeitung", jornal fundado em 1780, já dizia antes da condenação: "ainda mais questionável é se provas da culpa de Lula serão realmente encontradas".

Resta concordar com a Der Sipiegel: "O veredicto final sobre Lula virá dos historiadores, não do juiz Moro".

Do GGN

Xadrez da guerra final entre Temer e a Globo, Nassif

A ópera do impeachment vai chegando a uma segunda onda decisiva, com o vale-tudo que se instaurou envolvendo os dois principais personagens da trama: a organização comandada por Michel Temer; e a organização influenciada pela Rede Globo.

Do lado da Globo alinha-se a Procuradoria Geral da República e a Lava Jato. Do lado de Temer, o centrão, o Ministro Gilmar Mendes, do STF (Supremo Tribunal Federal), alguns grupos de mídia, como a Rede Record, e provavelmente políticos jogados no fogo do inferno, como Aécio Neves.

No pano de fundo, o agravamento da crise, com um plano econômico inviável aplicado por economistas radicais valendo-se do vácuo político. E, fora das fronteiras, ventos complicados ameaçando botar mais lenha na fogueira.

O caos – que irá se ampliar nos próximos dias – é resultado direto da quebra da institucionalidade, com a Lava Jato e o impeachment. No mínimo servirá para que cabeças superficiais, como o Ministro Luís Roberto Barroso, se deem conta da imprudência que cometeram ao cederem às pressões especialmente da Rede Globo.

Aliás, quando os pecados da Globo estiverem à mostra, não se espere do bravo Barroso nenhuma declaração de fé irrestrita no combate à corrupção e de apuração até o final, doa a quem doer. Voltaremos a conviver com um garantista, cuja sensibilidade em defesa dos direitos será enaltecida pela Globonews, o espelho, espelho, seu.

Os próximos capítulos contêm pólvora pura:

Peça 1 – a Globo sob pressão
Pela primeira vez, desde a redemocratização, a Globo encontra um poder à sua altura, isto é, sem nenhum prurido, disposto a se valer de todas as armas à mão para encará-la. Uma coisa foi aliar-se ao Ministério Público Federal (MPF) para conspirar contra Lula e Dilma e sua incapacidade crônica de se valer dos instrumentos de poder. Outra coisa, é enfrentar pesos-pesados, pessoas do calibre e da falta de escrúpulos de um Eliseu Padilha, Aécio Neves.

Temer e sua quadrilha tem a força da presidência. E quem os colocou lá foram justamente a Globo, a Lava Jato e a PGR. Agora, a mão e as verbas do Planalto estão por trás dos ataques da TV Record à Globo. Ou julgaram que o pior grupo político da história aceitaria ir para o patíbulo sem se defender?

Não apenas isso.

Ontem, a Justiça espanhola emitiu uma ordem de prisão e captura contra Ricardo Teixeira, ex-presidente de CBF, por corrupção praticada no Brasil. E, no centro da corrupção, a compra dos direitos de transmissão da Copa Brasil pela Globo, com pagamento de propina.

O carnaval feito pela Globo, com a delação da JBS, visou justamente abafar a divulgação de seu envolvimento com o escândalo, levantado pelo Ministério Público Espanhol e pelo FBI.

No “Xadrez de como a Globo caiu nas mãos do FBI” detalhamos esse caso, mostrando como, no início da Lava Jato, já havia indícios de que o FBI já tinha a Globo nas mãos, a partir da delação de J.Hawila, o parceiro da emissora na criação do know-how de corrupção de compra de direitos de transmissão, posteriormente levado por João Havelange para a FIFA.

Peça 2 – o nó da cooperação internacional e o PGR

Encrenca grande também aguarda o PGR Rodrigo Janot, em visita aos Estados Unidos.

Nos próximos dias deverão aparecer pistas de operações de cooperação com o FBI onde ficará mais claro a montagem de uma parceria supranacional que afronta explicitamente a noção de soberania nacional. É possível que o PGR tenha pedido ajuda do FBI contra um presidente da República. Se confirmado, cria-se uma crise aguda, com o atropelo inédito à soberania nacional, mesmo que na ponta investigada esteja um político desqualificado como Temer.

Além disso, exporá ainda mais a cumplicidade da PGR com a Globo, especialmente se nada for feito em relação a Ricardo Teixeira. Poderia um PGR entregar um brasileiro para ser julgado pela Justiça de outro país, por crimes cometidos aqui? Pelos princípios de soberania nacional, de modo algum.

Mas como se explicaria o fato dos crimes jamais terem sido apurados no Brasil, nem no âmbito da cooperação internacional? E, ao mesmo tempo, se ter valido da cooperação internacional contra presidentes da República?

Como se explicaria a enorme blindagem de Ricardo Teixeira que, no fundo, significa a blindagem às Organizações Globo?

Quando começou a ficar claro a falta de regras e de limites para a cooperação internacional, prenunciamos aqui que mais cedo ou mais tarde o PGR seria submetido a um julgamento por crime de lesa-pátria. O exemplo maior foi trazer dos Estados Unidos documentos destinados a torpedear o programa nuclear brasileiro.

Peça 3 – a desmoralização final da República

E, agora, como ficará a PGR ante a exposição da Globo a diversas acusações? Do lado da Espanha e do FBI, o caso CBF-Copa Brasil. Do lado de Temer, os ataques às jogadas fiscais da Globo. E, de sobra, as suspeitas de que a Lava Jato estaria impedindo a delação do ex-Ministro da Fazenda Antônio Palocci, justamente por poder atingir a aliada Globo.

A impunidade da Globo significará a desmoralização final do MPF, da Justiça e de qualquer veleidade de se ter uma nação civilizada, na qual nenhum poder é intocável. O enfrentamento da Globo, mesmo por uma quadrilha como a de Temer, trinca a imagem de intocabilidade da empresa. Finalmente, quebrou-se o tabu.

Por outro lado, uma eventual vitória de Temer significará a entronização, no poder, de uma organização criminosa.

Finalmente, um acordão significaria um pacto espúrio que não passaria pela garganta da opinião pública.

Não há saída boa.

Todo esse lamaçal foi ocultado, até agora, pelo estratagema de construção de um inimigo geral, Lula e o PT. Foi a repetição de um golpe utilizado em vários momentos ultrajantes da história, do incêndio de Reichstag ao macarthismo, dos processos de Moscou ao golpe de 1964: a criação de um grande inimigo externo, para justificar todos os abusos do grupo vencedor.

Agora o álibi se desgastou como um balão furado, com o nível do rio baixando e expondo todos os dejetos.

A sentença de Sérgio Moro condenando Lula não foi endossada publicamente por ninguém.

Na Folha, o corajoso Elio Gaspari precisou colocar uma enorme ressalva - de que nos Estados Unidos Lula estaria condenado – para admitir que o Código Penal brasileiro não autoriza a condenação de Lula. Esqueceu de lembrar que nos EUA as estripulias de Moro e do MPF não teriam passado da primeira rodada.

Já o advogado Luiz Francisco Carvalho competente penalista, admitiu que não há nenhuma prova sustentando a sentença de Moro, aceitou que Lula não é corrupto. Em vez da condenação dos abusos de Moro, preferiu concentrar-se nas críticas às reações de Lula. Ou então a demonstração de equilibrismo de Carlos Ari Sundfeld, que não é nem contra, nem a favor, muito pelo contrário.

Todas as deformações trazidas pelo golpe ficarão claras, agora.

As ondas trazidas pela quebra da institucionalidade criaram movimentos incontroláveis.

O grupo do impeachment esfacelou-se em mil pedaços, o grupo de Temer, o grupo da Globo, um PSDB partido ao meio, um PGR que enfiou o MPF em uma aventura irresponsável, a Lava Jato esvaindo-se nos seus próprios exageros.

E agora, José? No inferno, Eduardo Cunha dá boas gargalhadas e prepara seu tridente.

Do GGN

Fernando Horta: Com Supremo, com tudo

Em março de 2016 vazava uma conversa entre o ex-presidente Lula e a presidenta Dilma Rousseff em que Lula dizia, em alto e bom som, que temos uma “suprema corte totalmente acovardada”. Não vamos rediscutir a ilegalidade do vazamento, a falta de punição aos agentes públicos que vazaram o áudio ou ao fato de que os governos de Lula e Dilma terem indicado quase todos os ministros desta corte. De fato, se Dilma tivesse continuado seu governo e a PEC da Bengala não tivesse sido aprovada, Lula e Dilma teriam indicado 10 dos onze ministros do STF. Apenas Gilmar Mendes seria a exceção.
Este cenário também deve ser levado em conta para entender a inércia da corte quanto ao golpe.

Mas para quê, afinal, serve o STF?

Existem estimativas de que o STF custe R$ 1,7 milhão de reais por dia ao povo brasileiro. Um tribunal caro para um judiciário que está entre os mais caros do mundo, chegando ao valor anual de quase 80 bilhões de reais, o que representa algo como 1,3% do PIB. Segundo números do judiciário, ele próprio arrecadou apenas R$ 45 bilhões, sendo deficitário, portanto.

Não são todos os países do mundo que tem um Superior Tribunal de Justiça como uma última instância do judiciário em linha normal e, acima dele, um Supremo Tribunal Federal. Algo um pouco além do que a mera justiça. Algo diferente. É o reconhecimento, feito por nossos legisladores, de que o judiciário, por si só, não faz justiça. Pode fazer numa demanda entre o indivíduo A e o B, ou entre a empresa A e o indivíduo C, mas nada substitui a política. Esta aliás, foi uma das lições tiradas das discussões no século XVIII, quando da formação dos EUA. Os “pais fundadores” de lá reconheciam o caráter subjetivo da lei e mais ainda da aplicação desta lei, e sempre criaram formas de o executivo não ficar escravo do judiciário. A própria Suprema Corte norte-americana exerce-se com um comedimento imenso, evitando se intrometer onde a política deve prevalecer. Quando houve um aumento da atividade jurídica dela por sobre a política por lá (durante o governo Obama) a própria Hillary Clinton falou abertamente que os senadores estavam “chocados” com o assanhamento da suprema corte. A palavra “assanhamento” é minha, não de Hillary Clinton.

No Brasil, há algum tempo, o STF vem se assanhando. Legislando nas brechas do congresso, mudando a constituição quando lhe convém (e tem ocorrido bastante esta conveniência), definido os espaços de atuação da Democracia ou permitindo e retirando atores do jogo político sem uma regra clara. Apenas a título de curiosidade o mesmo Gilmar Mendes que afrontou a tudo e a todos dando liminar contra a nomeação de Lula para ministro, deu liminar para que o senador Cássio Cunha Lima do PSDB fosse empossado por cima da lei da ficha limpa. Nos últimos tempos o STF se tornou tudo o que um tribunal não deveria ser: o centro das atenções.

Entretanto, todos os efeitos ruins deste tribunal seriam bem aceitos se ele estivesse contribuindo com o país. É preciso entender que o STF não foi pensado para ser última instância de processos de polos enriquecidos que conseguem, com boa retórica, transformar qualquer coisa em “questão constitucional”. As funções jurídicas do STF têm se alargado imensamente nos últimos tempos. E a corte tem deixado de lado suas originais funções.

Não vou me deter nas funções jurídicas do STF, tem gente muito mais qualificada para isto no cenário nacional. E que está já fazendo esta crítica. Vou me deter nas funções políticas dele. O STF foi pensado, em primeiro lugar, para ser um amortecedor da imensa liberdade que foi dado aos juízes de piso no nosso sistema. Liberdade, diga-se de passagem, sem o contraponto da prestação de contas à sociedade. Na prática, nossos juízes podem olhar para o céu e decretar que estão vendo ele verde com bolinhas rosas. Sentenciar assim e ponto final. O segundo grau foi organizado ser uma primeira barreira contra estes abusos, mas, com o passar do tempo, a segunda instância virou meramente burocrática, para a imensa maioria dos processos. Pesquisas atuais mostram que o grau de deliberação da segunda instância é pífio e só existe quando há interesse político ou financeiro em algum dos lados da demanda. O STF deveria, pois, conter o próprio judiciário.

A segunda função do STF é ser um dos “freios e contrapesos” entre os poderes. Desde Montesquieu, a ideia de poderes independentes e de mesma envergadura precisa ser pensada na prática. Como só um poder limita outro, ficou estabelecido que os poderes teriam mecanismos para se conterem mutuamente. Nos EUA, por exemplo, o impeachment é usado contra juízes de primeiro grau. No Brasil, uma das únicas formas do executivo agir sobre o judiciário é o STF. Algumas vozes têm defendido uma mudança na escolha do STF. Não sei se por ignorância ou má fé falam em “concursos” ou “indicação legislativa”, retirando o poder atual do executivo. A indicação de um ministro da suprema corta deveria ser algo de extrema importância. De novo, voltando aos EUA, por lá são feitos meses de entrevistas com os candidatos, análises das suas últimas decisões, de sua produção na vida e etc. Os governos progressistas no Brasil acreditaram que deveriam ser “republicanos” indicando ministros com critérios insondáveis. Estamos onde estamos.

A terceira função política do STF é evitar a conflagração social. Alguns nomeiam de “Poder Moderador”, lembrando o tempo do império. Uma palavra que deveria se basear na lei e moderar a vida do país quando em situação de risco. Este poder moderador serviria sempre como apaziguador, mas teria que ser ativo. Teria que se pronunciar e não se calar omitindo-se, como faz o atual STF. Não sei se a experiência do regime militar (quando três ministros não aceitaram o golpe e foram trocados pelos militares sem que a corte tomasse qualquer atitude) ainda é presente, mas desde então o STF se tornou um carimbador de pequenos, médios e grandes golpes. A corte procura se eximir da sua função de moderação. Protegem seu status pessoais sem incorrer em muitos riscos. É sempre providencial o pedido de vista indefinida, com que os ministros evitam até que o assunto seja debatido em plenário. Qualquer tentativa de reverter este descalabro encontra a voz corporativa da “independência do judiciário”. Defendem o direito de engavetarem decisões pelo tempo que interessar a eles individualmente. E dizem que isto é “independência” do poder que – em princípio – a teoria apontava que deveria ser como uma segurança para a sociedade, e não para os próprios membros.

Agora, se o STF se furta de ser um amortecedor do judiciário, quase sempre em função do corporativismo. Se se furta decidir em momentos-chave para evitar conflagrações sociais e se o executivo o livrou de ser um dos freios e contrapesos (porque indicou com base em critérios não definidos), então este STF não serve ao país. Não serve para mais nada. Esta situação ocorreu sim, em parte, por inação do executivo. Entretanto, outra significativa parte ocorre porque sim, temos uma suprema corte acovardada. Uma suprema corte em que o único que ruge como um leão no plenário e na frente das câmeras fala como um gatinho ao telefone com senadores de determinado partido. Lula estava certo em seu julgamento. É um escárnio terem votado o processo do Collor quase 20 anos depois do impeachment. E é um escárnio que os processos de Dilma Rousseff caminhem a mesma senda. Uma corte que só grita para defender os seus.

O país não precisa se onze supremas autoridades, protegidas social e politicamente, regiamente pagas, nobiliarquicamente tratadas, artisticamente filmadas em sessões para que eles deixem, por conveniência, a “história seguir seu curso”. É muito caro ter um STF que engaveta o que de mais importante existe para o país, enquanto põe em pauta um recurso da empresa X contra fulano de tal e passa horas debatendo sobre uma questão minúscula com ares de importância magistral enquanto o país se liquefaz.

Do GGN

segunda-feira, 17 de julho de 2017

A Frente Brasil de Juristas pela Democracia condenam Moro no caso Lula: “parcial e político”

A Frente Brasil Juristas pela Democracia divulgou uma nota crítica sobre a sentença proferida pelo juiz Sergio Moro, da 13ª Vara de Curitiba, contra o ex-presidente Lula. O movimento destaca a "inexistência de provas minimamente razoáveis" para condenar Lula no caso do triplex no Guarujá e ressalta que a decisão do magistrado "ofende a Constituição".

A sentença de 9 anos e meio de prisão contra o ex-presidente, na avaliação dos Juristas pela Democracia, "expõe de forma clara a opção do julgador pelo uso do Direito com fins políticos, demonstrando nítida adoção do processo penal de exceção, próprio dos regimes autoritários, deixando a descoberto a fragilidade da técnica jurídica e demonstrando a insegurança que permeia os atos praticados nos processos promovidos contra o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva", dizem ainda.

Leia abaixo a íntegra:
NOTA POLÍTICA A SENTENÇA E O DESMONTE DA DEMOCRACIA

A Frente Brasil de Juristas pela Democracia – FBJD -, intransigente na defesa do Estado Democrático e Constitucional de Direito, bem como, demarcando sua convicção em respeito aos princípios elementares de humanidade e cidadania, reitera a preocupação com o resguardo e segurança jurídica com um processo justo, equilibrado e constitucionalmente embasado, vem se manifestar sobre a sentença proferida pelo magistrado da 13ª Vara Criminal da Justiça Federal, no Estado do Paraná, Juiz Sergio Moro.

A sentença, prolatada com 238 laudas, expõe de forma clara a opção do julgador pelo uso do Direito com fins políticos, demonstrando nítida adoção do processo penal de exceção, próprio dos regimes autoritários, deixando a descoberto a fragilidade da técnica jurídica e demonstrando a insegurança que permeia os atos praticados nos processos promovidos contra o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva.

O magistrado, neste momento de déficit democrático, transforma a sentença penal proferida numa espécie de manifesto contra a corrupção, passando ao largo e esquecendo sua primordial função jurídica: decidir com imparcialidade. Entre vários, um exemplo representativo é o item 795 que registra a intenção política da sentença ao atribuir e justificar seu viés na suposta responsabilidade do governo Lula pela não apresentação de uma Emenda Constitucional para permitir o início da execução da pena antes do trânsito em julgado.

A parcialidade do Magistrado se manifesta na clara opção pela condenação, mesmo diante da inexistência de provas minimamente razoáveis para ensejar uma condenação penal, apoiando-se basicamente em delações e ilações. Enquanto que, a defesa apresenta provas robustas da inocência do Ex-Presidente. Condenar alguém, seja o ex-presidente ou qualquer cidadão, sem lastro probatório robusto, significa relativizar princípios basilares do Direito Constitucional, Direito Penal e do Processo Penal e mais, atacar o cerne da democracia. A sentença proferida ofende diretamente a Constituição Federal, nulifica as regras internacionais que o Estado Brasileiro se comprometeu a cumprir e, confiamos, será reformada em instância de segundo grau.

Conforme já destacado em outras notas da FBJD, é dever do magistrado agir com responsabilidade e isenção, sob pena de transformar o processo penal e a sentença proferida em um manifesto persecutório, em peça acusatória que se confunde com o papel do ministério público. A sentença judicial, uma vez reformada em segundo grau restabelecerá a confiança na prestação jurisdicional, na imparcialidade da Lei e da Democracia.

17 DE JULHO DE 2017
FBJD – Frente Brasil de Juristas pela Democracia

Do GGN

Silêncio do Supremo diante de abusos virou um escudo para Moro, Cíntia Alves para o Jornal GGN

Juiz de Curitiba mostra que não aprendeu nada com a reprimenda quase solitária do ministro Teori Zavascki no episódio do vazamento de áudio de Dilma e Lula.
Foto: Lula Marques

A sentença do caso triplex mostra que o juiz Sergio Moro não aprendeu nada com a reprimenda sofrida pelo então ministro Teori Zavascki no episódio do vazamento de conversa de Lula com figuras com foro privilegiado, como Dilma Rousseff e Jaques Wagner, em março de 2016.

Mais do que isso: Moro usou o silêncio dos ministros - com a exceção de Marco Aurélio Mello e do próprio Teori - diante de eventual abuso como uma espécie de escudo. Ele ainda afirmou que se não cabia à primeira instância revelar "o segredo sombrio dos governantes", o Supremo deveria fazê-lo.

À época, Zavascki e Mello apontaram que Moro afrontou a Constituição ao deixar gravar e levantar o sigilo de interceptações que envolviam políticos diplomados.

Pouco mudou na postura dos demais membros da Corte após a queda de Dilma Rousseff. O destaque fica por conta de Gilmar Mendes e a aparente defesa do novo governo em exercício.

Moro comenta o ocorrido no extenso trecho da sentença do caso triplex dedicado exclusivamente a rebater a tese da defesa de Lula sobre lawfare, ou seja, o uso dos meios jurídicos para fazer perseguição política contra o ex-presidente.

No trecho a seguir, extraído da sentença, o juiz de Curitiba fala do silêncio do Supremo e usa em seu próprio benefício o fato de não ter sofrido nenhuma sanção por ter vazado o grampo em Lula à emissora da Rede Globo.

"É certo que o eminente Ministro Teori Zavascki, na decisão datada de 13/06/2016 na Reclamação 23.457, quando concedeu liminar para avocar o processo de interceptação, utilizou palavras duras contra a decisão do Juízo de levantamento do sigilo sobre os autos. 

Entretanto, quando, em seguida, submeteu a liminar à ratificação do Plenário do Supremo Tribunal Federal, não mais fez qualquer referência à suposta atuação arbitrária do magistrado ou à necessidade de qualquer espécie de responsabilização. No mesmo sentido, nada foi afirmado a esse respeito pelos seus pares, os demais eminentes Ministros do Supremo Tribunal Federal quando da ratificação da liminar em 31/03/2016.

E, ao final, por decisão de 13/06/2016 na mesma Reclamação, o eminente Ministro Teori Zavascki devolveu ao Juízo os processos relativos ao ex- Presidente, inclusive a interceptação telefônica, não reconhecendo a competência do Egrégio Supremo Tribunal Federal para processá-los. Na ocasião, igualmente não fez qualquer referência à necessidade de providências disclipinares."

Em suma, se não houve imposição de limites por parte da mais alta corte do País, não há margem para se falar em abuso nem lawfare, insinua Moro.

Na sequência, o juiz diz que, no seu "entendimento", apesar da crítica de Teori, não existiu nenhum problema em ter vazado o grampo. O único problema foi a convulsão social ocasionada pela revelação da conversa de Lula e Dilma. Na tese da Lava Jato e entusiastas, Lula usaria o cargo na Casa Civil para obstruir a Justiça.

"No entendimento deste julgador, respeitando a parcial censura havida pelo Ministro Teori Zavascki, o problema nos diálogos interceptados não foi o levantamento do sigilo, mas sim o seu conteúdo, que revelava tentativas do ex-Presidente Luiz Inácio Lula da Silva de obstruir investigações e a sua intenção de, quando assumisse o cargo de Ministro Chefe da Casa Civil, contra elas atuar com todo o seu poder político ('eles têm que ter medo')."

Sustentado que tampouco caberia ao Supremo engavetar o conteúdo daquele grampo, Moro afirmou:

"Não deve o Judiciário ser o guardião de segredos sombrios dos Governantes do momento e o levantamento do sigilo era mandatório senão pelo Juízo, então pelo Supremo Tribunal Federal."

Segundo o juiz, "ainda que, em respeito à decisão do Supremo Tribunal Federal, este julgador possa eventualmente ter errado no levantamento do sigilo, pelo menos considerando a questão da competência, a revisão de decisões judicias pelas instâncias superiores faz parte do sistema judicial de erros e acertos."

No final, Moro ainda disse que a interceptação telefônica contra Lula durou "por menos de trinta dias" e o "levantamento do sigilo sobre o conteúdo das interceptações, ainda que se possa questionar este último pela questão da competência, não é nada equivalente a uma 'guerra jurídica'."

À época do vazamento, juristas apontaram que a decisão de Moro de dar publicidade ao conteúdo das conversas contrariava a lei de interceptações telefônicas, que determina o sigilo sobre o material que interessa às investigações. O que não interessa deve ser, por outro lado, destruído. 

Na semana passada, o GGN mostrou que Moro não descartou conversas irrelevantes de Lula e familiares que foram captadas no grampo da Lava Jato. Ao contrário disso, mantém esse material em sigilo e disse que se fosse sua intenção "expôr" o ex-presidente, teria determinado o fim do segredo de Justiça. Leia mais aqui.

Do GGN