quinta-feira, 20 de julho de 2017

Moro é um chicaneiro e um sádico, diz Eugênio Aragão

Eugênio Aragão: despacho de Moro que sequestra bens de Lula ‘é uma chicana’. “Moro é um juiz chicaneiro, não tem outra expressão”, diz ex-ministro da Justiça. “Isso mostra que Moro tem lado. Não é coisa que se faça com um réu comum. Ele está fazendo isso porque é o Lula”.

 “Ou Moro é um sujeito completamente desorganizado, ou está fazendo isso por chicana, ou por sadismo puro”.

São Paulo – O pedido de sequestro dos bens e o bloqueio de contas bancárias do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva pelo juiz Sérgio Moro, da 13ª Vara Federal de Curitiba, no âmbito da operação Lava Jato, “é um absurdo e uma chicana”, segundo o ex-ministro da Justiça Eugênio Aragão, que integrou o Ministério Público Federal de 1987 a 2017. Em despacho de 14 de julho, mas divulgado nesta quarta-feira (19), Moro ordenou o bloqueio, pelo Banco Central, de R$ 606.727,12 do ex-presidente e o sequestro de três apartamentos, dos quais o imóvel onde Lula reside. Todos os imóveis estão na declaração de bens de Lula quando de suas candidaturas à presidência em 2002 e 2006.

“O que ele está fazendo, em bom juridiquês, é uma chicana (“abuso dos recursos, expedientes e formalidades da Justiça”, segundo o dicionário Michaelis). A coisa mais absurda de tudo isso é, primeiro, que a própria sentença reconhece que não houve nenhum prejuízo à Petrobras. Em segundo lugar, reconhece que o apartamento não é do Lula. Afinal de contas, o que ele quer? O Lula tem que indenizar o quê? Em terceiro lugar, ele está lançando mão das verbas alimentares, o que é um absurdo em relação à pessoa física, num valor que o Lula nunca teve na vida, e ele sabe disso. Esse Moro é um juiz chicaneiro, não tem outra expressão”, diz Aragão.

Na semana passada, Moro condenou o petista a nove anos e seis meses de prisão. Em entrevista coletiva, o advogado Cristiano Zanin Martins afirmou que “a sentença despreza as provas da inocência” e “potencializa um espetáculo midiático-penal”.

“Se é uma medida de natureza executória, caberia na sentença condenatória, e não num despacho posterior, que é para dificultar a apelação”, comenta o ex-ministro. Segundo ele, dificulta a apelação porque, se Moro tivesse adotado a medida antes da sentença, caberia recurso em sentido estrito (artigo 581 do Código de Processo Penal). “Agora não cabe mais. Provavelmente, (a defesa) vai ter que entrar com mandadode segurança. Isso deveria ter sido resolvido na sentença, mas ele resolve como medida de execução provisória de uma sentença que ainda não foi confirmada no segundo grau”, aponta.

Para o jurista, Moro deveria ou ter colocado tal medida na sentença, ou ter resolvido o sequestro dos bens antes da sentença. “E então caberia recurso em sentido estrito. Mas fazer isso depois? Para ele ter por toda a semana os seus dez minutos de glória? Isso é tortura chinesa?”, ironiza.

Aragão diz que o despacho que bloqueia contas e sequestra bens “é uma teratologia” (“estudo das monstruosidades”, segundo o dicionário Aurélio). “Mostra que Moro tem lado. Isso não é coisa que se faça com um réu comum. Ele está fazendo isso porque é o Lula.”

Ele enfatiza que o pedido do juiz de Curitiba de sequestro de bens foi requerido pelo Ministério Público Federal (em 4 de outubro de 2016) muito antes da sentença proferida na semana passada. “Moro deixou isso encadernado lá, sem resolver. Foi arrastando esse pedido e agora resolve esse pedido depois da sentença. É um absurdo completo. Ou ele é um sujeito completamente desorganizado, ou está fazendo isso por chicana, ou por sadismo puro, para fazer as maldades aos pouquinhos.”

Nota da defesa
Em nota divulgada no início da noite de hoje, os advogados de Lula afirmam que a decisão de Moro é ilegal. “A decisão é de 14/07, mas foi mantida em sigilo, sem a possibilidade de acesso pela defesa – que somente dela tomou conhecimento por meio da imprensa, que mais uma vez teve acesso com primazia às decisões daquele juízo”, afirma o documento.

A defesa diz que vai entrar com recurso. “Somente a prova efetiva de risco de dilapidação patrimonial poderia justificar a medida cautelar patrimonial”, diz a nota assinada pelos advogados Cristiano Zanin Martins e Valeska Teixeira Martins.

O comunicado acrescenta ser contraditório Moro afirmar que o bloqueio de bens e valores tem o objetivo de assegurar o cumprimento de reparação de “dano mínimo”, mas a medida ter sido “efetivada um dia após o próprio Juízo haver reconhecido que Lula não foi beneficiado por valores provenientes de contratos firmados pela Petrobras”.

Fernando Horta: O cidadão contra a Lei

O cidadão contra a Lei
Desde o Império Romano se tem claro que o Estado dispõe de tantos meios e recursos que é preciso dar-lhe um limite. Lá, no Velho Continente, depois da Revolta do Monte Sagrado (494 a.C.) os plebeus ganharam o direito de terem um representante seu no Senado. A figura recebeu o nome de “Tribuno da Plebe”, também para que ficasse claro que ele não era (nem nunca poderia ser) senador. As fontes falam em algo entre 4 e 10 representantes da plebe. O número jamais faria frente ao número de senadores, mas o Tribuno tinha dois importantes poderes: tinha poder de veto e sua casa era inviolável. O poder de veto dava ao Tribuno uma oportunidade de barganhar em favor da plebe e a inviolabilidade de sua casa o protegia das artimanhas do Estado e de opositores.
Esta percepção, da possibilidade do abuso do poder, vai e voltar durante a Idade e Média e Modernidade, tornando-se sólida apenas após a Revolução Francesa. Era preciso proteger o cidadão do Estado. Os direitos individuais, tornados, ao longo do século XIX e XX, pétreos e, em seguida, aumentados para os “direitos humanos”, têm por função também tal proteção. Para dizer pouco, esta é a pedra-de-toque da construção de todo o arcabouço político e social norte-americano.
Thomas Hobbes, por exemplo, defendia o direito do cidadão se rebelar contra o Estado no caso deste estar-lhe ameaçando a vida. John Adams, um dos “pais fundadores” dos EUA, em discussões sobre o arcabouço jurídico de lá, lembrava que se a constituição não provesse meios institucionais para proteger o cidadão das arbitrariedades do Estado ou não fosse seguida, “sempre existiria a solução armada”.
Ainda hoje, apenas o viés político diferencia uma “guerra de resistência” de populações “submetidas à violência do Estado” de uma sedição ilegal. Muitas discussões na ONU são travadas neste sentido. Populações que se levantavam contra a “opressão” do presidente X são tratadas como oposição legítima e precisam ser “defendidos”. Outros grupos, que pediam independência na Espanha, na Escócia ou mesmo no Canadá e nos EUA, são tratados como criminosos que buscam a divisão do país. Semana passada mesmo, o plebiscito na Catalunha, tão ilegal aos olhos constitucionais do país, foi tratado como “um absurdo”, ao passo que a mesma ilegalidade na Venezuela – na mesma página de jornal – era incentivada como uma manifestação lícita de resistência. Pelo Estado, as leis são torcidas, consideradas ou desconsideradas segundo a política.
Desde as questões legais, econômicas até o monopólio legítimo da força, o Estado tem uma pluralidade de ferramentas à sua disposição, que fazem o cidadão simplesmente incapaz de resistir. As constituições deveriam ser uma regra dura a ser seguida como limite ao poder, exatamente por conta desta disparidade. Mas, no Brasil, a constituição é letra morta e o poder judiciário avança sobre o cidadão com uma voracidade nunca vista na história do país. Se, durante a ditadura civil-militar de 64-85, tivemos um judiciário que se rebelava constantemente, hoje parece que foi formado um coro e conservador punitivista, observado de longe por aqueles que discordam. Quase sempre em silêncio. Poucas e valorosas vozes têm se levantado contra o abuso. E têm sofrido por isto.
A verdade é que depois de mais de três anos de investigações, quebra de sigilos fiscais, financeiros, vazamentos, escutas legais e clandestinas sobre Lula, sua família, seus advogados e sabe-se lá quem mais, tudo o que o Estado conseguiu foi uma delação premiada feita por retificação. Num primeiro momento, Léo Pinheiro tinha dado depoimentos semelhantes a tantas outras testemunhas, no sentido de afirmar a não participação de Lula em nada. Então, jogando a constituição no lixo junto com mais de 200 anos de tradição do liberalismo, Moro condena Pinheiro a mais de dez anos de cadeia e o tribunal vai elevando a soma das penas para mais de 26 anos. Concomitantemente, este mesmo e pernicioso Estado, libera, por exemplo, o doleiro Yousseff para “prisão domiciliar”, assim como tantos outros “colaboradores”.
Jogando com uma teia de mentiras impossível de ser verificada (pois não existem provas), delatores, testemunhas, delegados, promotores e tantos outros trabalhando por seus próprios interesses, participam de um teatro mal encenado em que prevalecem interesses privados sobre qualquer noção de justiça. Moro escolhe discricionariamente ao que dar crédito e o que desconsiderar, conforme seu conservadorismo atávico. E se esconde atrás do Estado, jogando com a cumplicidade de vários setores que, por anos, também usaram o Estado como seus escritórios de gerenciamento.
Para mim, uma prefeitura jogar água em cidadãos em situação de rua, ameaça-os de morte. Para mim, não pagar salários e deixar os servidores sem condições de sobreviver, ameaça-os de morte. Para mim, ordenar violência policial em manifestações públicas, com armas proibidas até em convenções sobre guerra, ameaça o povo de morte. Perseguições jurídicas, como a levada a cabo por Moro, ameaça a todos nós cidadãos. Enquanto perseguem uns, matam tantos outros de fome, frio ou com tiros mesmo. Estamos sitiados e Hobbes, no século XVII, já admitia o direito à rebelião contra um Estado sem limites.
Do GGN

Advogados explicam porque bloqueio de bens de Lula é ilegal e abusiva

Foto: Lula Marques

A defesa do ex-presidente Lula enviou uma nota à imprensa explicando porque o sequestro dos bens do petista por Sergio Moro é "ilegal" e "abusiva", além de não ter sido honesta em sua argumentação e transparente com os advogados.

"Na prática a decisão retira de Lula a disponibilidade de todos os seus bens e valores, prejudicando a sua subsistência, assim como a subsistência de sua família. É mais uma arbitrariedade dentre tantas outras já cometidas pelo mesmo juízo contra o ex-Presidente Lula", aponta a defesa.
Moro determinou o bloqueio de bens e ativos de Lula no dia 14, dois dias após condená-lo no caso triplex e um dia após o ex-presidente responder à sentença lançando-se candidato ao Planalto em 2018.

Só que o pedido, feito pelo Ministério Público Federal em outubro de 2016, não tem conexão com o caso triplex. Estava guardado na gaveta de Moro há mais de 9 meses, e foi despachado em sigilo. A defesa só ficou sabendo através da imprensa, cinco dias depois.

Assim como fez com o triplex para condenar Lula, Moro também substituiu os argumentos do Ministério Público por outros de sua autoria. No caso do bloqueio de bens, a Lava Jato em Curitiba havia apontado que Lula deveria perder uma fortuna de R$ 192 milhões, que equivale à propina que a OAS poderia ter pago por contratos na Petrobras. Não há provas desses pagamentos e o montante foi estimado com base no cálculo de 3% sobre todos os contratos da OAS com a estatal.

Moro, por sua vez, achou mais conveniente bloquear até R$ 10 milhões de Lula usando como base para estipular esse teto a sentença do triplex, onde o petista foi acusado pelo juiz de se beneficiar de até R$ 16 milhões. O valor é o que um delator afirma que a OAS pagou somente ao PT por causa de contratos com a Petrobras.

"Somente a prova efetiva de risco de dilapidação patrimonial poderia justificar a medida cautelar patrimonial", disse a defesa de Lula. "O Ministério Público Federal não fez essa prova, mas o juízo aceitou o pedido mais uma vez recorrendo a mera cogitação ('sendo possível que tenha sido utilizada para financiar campanhas eleitorais e em decorrência sido consumida')", explicaram os advogados Cristiano Zanin e Valeska Teixeira.

Os defensores ainda apontaram que Moro não deveria decretar o confisco dos bens de Lula alegando prejuízo à Petrobras se o próprio magistrado reconheceu, em sua sentença, que não há provas de que o esquema desvendado na Lava Jato beneficiou diretamente o ex-presidente.

"O juízo afirmou que o bloqueio de bens e valores seria necessário para assegurar o cumprimento de reparação de dano mínimo, que foi calculado com base em percentual de contratos firmados pelos Consórcios CONPAR e RNEST/COONEST com a PETROBRAS. Contraditoriamente, a medida foi efetivada um dia após o próprio Juízo haver reconhecido.

que Lula não foi beneficiado por valores provenientes de contratos firmados pela Petrobras (Ação Penal nº 5046512-94.2016.4.04.7000) e que não recebeu efetivamente a propriedade do tríplex — afastando a real acusação feita pelo Ministério Público Federal na denúncia."


A defesa ainda taxou a medida de Moro de ilegal e abusivo, e disse que vai recorrer.

"É ilegal e abusiva a decisão divulgada hoje (19/07) pelo Juízo da 13ª. Vara Federal Criminal de Curitiba determinando o bloqueio de bens e valores do ex-Presidente Luiz Inácio Lula da Silva. A decisão é de 14/07, mas foi mantida em sigilo, sem a possibilidade de acesso pela.

Defesa — que somente dela tomou conhecimento por meio da imprensa, que mais uma vez teve acesso com primazia às decisões daquele juízo. A iniciativa partiu do Ministério Público Federal em 04/10/2016 e somente agora foi analisada. Desde então, o processo também foi mantido em sigilo. A defesa irá impugnar a decisão."



GGN

quarta-feira, 19 de julho de 2017

Lula tira Moro da normalidade processual, Helena Chagas

Sérgio Moro e Luiz Inácio Lula da Silva.

Não é muito comum que, mesmo depois de uma condenação, réu e juiz continuem batendo boca, mas o midiático duelo Lula-Moro, agora travado em recursos da defesa e nas respostas negativas a esses recursos, tem mesmo tudo para ser inusitado. A luta pelos corações e mentes da opinião pública continua, e os dois titãs vão, cada vez mais, se afastando dos papéis tradicionais de réu condenado e de juiz, mantendo-se protagonistas de um embate cada vez mais pesado e político – o que é bom para Lula e ruim para Moro.

Ao rebater ponto por ponto as alegações de incoerência e falta de provas feitas pela defesa, Moro, chamado por Lula de “czar”, poderia ter sido apenas técnico. Mas foi político ao comparar o processo do ex-presidente com o do famigerado Eduardo Cunha, que segundo ele também não era legalmente proprietário das contas achadas no exterior – era apenas usufrutuário, como, insinua o juiz, Lula seria do triplex. A comparação é terrível para qualquer político e pegou na veia. A imprensa adorou, as forças antilulistas vão usar e repetir à exaustão.

Com o tom e o peso de suas respostas nos autos, porém, Sergio Moro mais uma vez leva a briga para o terreno em que quer ficar o ex-presidente. Reforça a narrativa da perseguição política e mantém o espetáculo de pugilismo, animando as torcidas.

O risco de passar do ponto, para Moro – que já não tem a intocabilidade dos primeiros tempos – é dar razão a Lula em recursos às instancias superiores. Se não no TRF4, alguém no STJ ou no STF pode estar ficando com vontade de dar um puxão de orelhas no juiz mais famoso do Brasil. O caso Lula, que atrai todas as atenções, será a oportunidade para isso.

Ninguém se arrisca hoje a prever o destino do ex-presidente, se ficará inelegível ou não, se será preso ou não, se será eleito presidente da República no ano que vem. O fato é que, quanto mais os seus processos e recursos fugirem aos padrões da “normalidade” dos outros réus – inclusive uma suposta pressa do TRF4 em julgar o caso antes do registro de candidaturas para as eleições -, melhor para Lula.

O tira-teima, para o ex-presidente, será nas ruas, com o teste de sua capacidade de mobilizar apoio – que começa com a convocação de amanhã. Do dia da condenação até agora, porém, ele pode ter perdido nos recursos jurídicos contra Moro, mas conseguiu fazer barulho e politizar ainda mais o embate.

Do Justificando

Por que Lula?, por Roberto Amaral

Sem surpresa, o País recebeu a anunciada condenação de Lula, sentença que já estava pronta antes mesmo da mal articulada denúncia do Ministério Público Federal, antes mesmo do julgamento na 'República de Curitiba', pois, antes de tudo, estava lavrada pelas classes dominantes – os rentistas da Avenida Paulista, as "elites" alienadas, a burguesia preconceituosa, um empresariado sem vínculos com os destinos do povo e de seu país. Uma "elite" movida pelo ódio e pela inveja que alimenta a vendeta. Denúncia, julgamento, condenação constituem uma só operação política, cujo objetivo é avançar mais um passo na consolidação do golpe em progresso iniciado com a deposição da presidenta Dilma Rousseff.

Tomado de assalto o poder, cumpriria agora destruir eleitoralmente a esquerda, numa ofensiva que lembra a ditadura instalada em 1964. Para destruir a esquerda é preciso destruir seu principal símbolo, assim como para destruir o trabalhismo caberia destruir o melhor legado de Getúlio Vargas. Não por mera coincidência, o dr. Sérgio Moro decidiu dar à luz a sentença a ele encomendada no dia seguinte em que o Senado Federal violentava a Consolidação das Leis do Trabalho.

Desinformando e formando opinião, exaltando seus apaniguados e difamando aqueles que considera seus inimigos, inimigos de classe, a grande imprensa brasileira promove o cerco político, e tece as base da ofensiva ideológica unilateral, porque produto de um monólogo.

Essa imprensa – um oligopólio empresarial, um monopólio político-partidário-ideológico e na verdade o principal partido da direita – que exigiu e obteve a condenação de Lula (e presentemente tenta justificá-la, embora carente de argumentos) recebeu com rojões juninos a sentença encomendada, mas logo se enfureceu porque Lula recusou o cadafalso político e anunciou sua candidatura à presidência.

Ora, dizem os editoriais, os articulistas, os colaboradores, dizem os "cientistas" políticos do sistema, Lula não pode ser candidato, o que revela a motivação da sentença. Já há "cientistas" exigindo que o TRF-4, em Porto Alegre, confirme sem tardança a condenação, e "filósofos" anunciando que a candidatura Lula é um desserviço à democracia (ela que lidera todas as pesquisas de intenção de voto) porque "polarizaria" o debate e as eleições. Doria, não. Bolsonaro, não. Caiado, não. Alckmin tampouco polariza. Mas Lula, sim; por isso precisa ser defenestrado.

A "vênus de prata" já começou a campanha visando à condenação de Lula na segunda instância, e o Estadão (edição de 14 último) anuncia que o "Supremo deve manter condenação de Lula".

Somos testemunhas da tentativa de revanche da direita brasileira. Impedir a candidatura Lula é a defesa prévia ante a ameaça de a população demolir o golpe com as eleições de 2018.

O fato de o libelo (e jamais sentença) de Moro ser obra conhecida, segredo de polichinelo, não releva seu caráter mesquinho e iníquo, ademais de sua inépcia jurídica, desnudada. Do ponto de vista do direito, a "sentença" é um mostrengo e se fundamenta em ilações, presunções, talvez "convicções", artifícios de raciocínio em conflito com a lógica.

Contrariando o direito, que só conhece propriedade e posse, o juiz inventa a figura do "proprietário de fato". A propriedade, segundo nosso Código Civil, se prova mediante o registro em Cartório, mas para acusar Lula se aceita que uma simples delação do proprietário real seja recebida como transferência, e como esse proprietário supostamente doador, empreiteiro respondendo a processos, é usufrutuário de falcatruas, conclui o juiz açodado que o apartamento deve ter sido dado em retribuição a alguma facilidade propiciada pelo ex-presidente, trata-se, portanto, de uma propina. E se é propina, Lula é agente passivo de corrupção.

E por tais caminhos sinuosos, mediante tal exercício de lógica pedestre, condena à cadeia o ex-presidente, para puni-lo, evidentemente, mas para punir antes de tudo com a decretação de sua inelegibilidade. É disto que se trata. Não cabe, pois, discutir a gramática processualística, simples apoio formal de uma decisão eminentemente política, e, do ponto de vista político, um golpe preventivo em face das eleições de 2018, das quais previamente e precatadamente se elimina o candidato que lidera as pesquisas de intenção de voto. É preciso abater esse candidato, pelo que ele simboliza. E assim, e só assim, as eleições poderão realizar-se, disputada a presidência entre Francisco e Chico.

Como temos insistido, às forças do atraso não bastava o impeachment de Dilma Rousseff, pois, o projeto em andamento é a implantação de um regime de exceção jurídica voltado para a desmontagem de um projeto de Estado social, mal enunciado. E um regime com tais características e com tais propósitos jamais alçaria voo dependendo do apoio popular. Daí o golpe. À sua execução se entregou o Congresso, sem ouvidos para as vozes das ruas, surdo em face dos interesses do País e de seu povo, desapartado da representação popular, a serviço do mercado, como tonitrua, sem pejo, o atual presidente da Câmara.

A eliminação de Lula é, pois, a conditio sine qua non do novo sistema para manter o calendário eleitoral, pois as eleições, para serem realizadas, não poderão importar em risco. De uma forma ou de outra, trata-se de um golpe, afastando-se uma vez mais do povo o direito de escolher seus dirigentes.

A identificação de Lula como alvo da reação não é gratuita, nem fato isolado. Lula de há muito transcendeu os limites de eventual projeto pessoal, é mais do que um ex-presidente da República, e é muito mais que fundador e presidente do PT. Independentemente de sua vontade e da vontade de seus inimigos, é, para além de sua popularidade, o mais destacado ícone da esquerda e das forças populares brasileiras. Lula é, hoje, e em que pesem suas contradições, um símbolo, um símbolo da capacidade de nosso povo fazer-se agente de sua História. É um símbolo das possibilidades de o ser humano vencer suas circunstâncias, romper com as contingências e fazer-se ator. Simboliza a potência do povão, do povo-massa, dos "de baixo", dos filhos da Senzala como sujeitos históricos. Simboliza a possibilidade de o homem comum, um operário, romper com as amarras da sociedade de classes, racista e preconceituosa, e liderá-la num projeto de construção de uma sociedade em busca de menos desigualdade social. Por isso é amado e odiado.

Símbolos assim constituem instrumentos de importância capital nos confrontos políticos por sua capacidade de emocionar e mobilizar multidões. Símbolos deste tipo não surgem como frutos do acaso nem se multiplicam facilmente, nem se constroem da noite para o dia. Emergem em circunstâncias especiais, atendendo a demandas concretas da sociedade. São construídos ao longo de certo tempo de provação, de testes dolorosos, como ocorre com os heróis clássicos, percebidos pela comunidade como portadores de virtudes.

O símbolo Lula não é produto do acaso, nem consequência de um projeto individual. Trata-se do fruto histórico resultante do encontro do movimento sindical com as lutas populares, construindo a primeira liderança política brasileira que emergiu do proletariado, do chão de fábrica, para a Presidência da República. Um feito de dificílima repetição, neste país aferrado ao autoritarismo conservador.

É contra esse instrumento da luta política de massa que se arma a prepotência das classes dominantes brasileiras, filhas do escravismo, incuravelmente reacionárias, incuravelmente atrasadas, presas à ideologia da Casa Grande, desapartadas dos interesses do povo e da nação, descomprometidas com o futuro do país.

Ao abater Lula, pretende a direita brasileira dizer que o povo – no caso um ex-imigrante do Nordeste profundo, sobrevivente da fome, um ex-metalúrgico, um brasileiro homem-comum, um dos nossos –, não pode ter acesso ao Olimpo reservado aos donos do poder. É um "chega prá-lá", um "conheça o seu lugar", um "não se atreva", um "veja com quem está falando".

A condenação de Lula tem o objetivo de barrar a emergência das massas, barrar os interesses da nação, barrar o avanço social, barrar o ideal de um Brasil desenvolvido e justo. Visa a barrar não o lulismo, mas todo o movimento popular brasileiro. Quer deter não apenas o PT, mas todas as organizações políticas do espectro popular (que não se enganem a esse respeito aqueles que sonham em crescer nos eventuais escombros do lulopetismo).

A defesa de Lula, a partir de agora, não é uma tarefa, apenas, de seu partido e dos seus seguidores. Ela representa, hoje, a defesa da democracia. É só a primeira batalha, pois muitas nos aguardam até 2018.

GGN

Bandeira de Mello: Moro não está habilitado para ser juiz

O jurista Celso Antônio Bandeira de Mello disse, em vídeo publicado no Youtube, que Sergio Moro não está habilitado para ser juiz, pois adotou uma postura parcial e partidária na Lava Jato, chegando a atuar como um "acusador".

"Esse juiz Moro é um homem, a meu ver, muito pouco habilitado para exercer a função de magistrado. A magistratura exige serenidade e sobretudo imparcialidade. Não pode ser uma conduta apaixonada. Mesmo que ele assuma um ar sereno, e assume, o comportamento dele não é de magistrado. O comportamento dele é de acusador."

Bandeira de Mello ainda disse que usar prisões preventivas para obter delações é digno de torturadores e avaliou o caso triplex como uma "perseguição" a Lula, para evitar que o ex-presidente tente disputar o Planalto em 2018. Confira o vídeo abaixo:

GGN

O julgamento de Mouro vem a jato: Especialistas organizam livro que desconstrói a sentença do triplex

Foto: Reprodução

Um grupo formado por doutores e professores de Direito decidiu organizar um livro que reunirá artigos sobre a sentença de Sergio Moro no caso triplex. Na semana passada, o juiz de Curitiba condenou Lula a 9 anos e meio de prisão por corrupção passiva e lavagem de dinheiro envolvendo o apartamento que está em nome da OAS.

Ao GGN, Carol Proner, professora de Direitos Humanos da Universidade Federal do Rio de Janeiro e uma das organizadoras do projeto, disse que a ideia é uma "reação imediata de juristas, professores de direito, advogados diante da longa sentença proferida pelo Juiz Sérgio Moro" contra o ex-presidente Lula, que é uma "sentença histórica" dado o nível de abusos cometidos durante o processo.

Segundo Carol, a proposta é fazer uma "compilação de pareceres enxutos sobre aspectos da sentença, textos curtos que escolhem a ênfase nos fragmentos da decisão, destacando aquilo que pode ser considerado revelador de um juízo em desacordo com o justo processo e as garantias elementares em qualquer ordem jurídica democrática."

"Para além de um registro histórico", disse a especialista, "o livro tem o propósito de esclarecer aqueles que não entendem as frequentes acusações de parcialidade atribuídas ao juiz de Curitiba, não raro chamado de 'juiz acusador'."

Ainda de acordo com Carol, o projeto já teve o êxito de conseguir, em menos de 24 horas, a adesão de "60 nomes fortes do direito brasileiro e, passado mais um dia, o número duplicou, já superamos os 120 autores e o número não para de crescer". Ela destacou que entre os autores constam "pessoas que não se alinham politicamente com o PT ou que provavelmente não apoiariam um projeto liderado pelo ex-presidente Lula, mas que sentem a obrigação de dizer o que pensam sobre um juízo histórico no qual, como a mídia não cansa de repetir, está em jogo a disputa eleitoral de 2018."

São cinco os organizadores do livro: Juarez Tavares, Carol Proner, Gisele Cittadino, João Ricardo Dornelles, Gisele Ricobom, todos doutores, professores de direito na UERJ, UFRJ, PUC-Rio e UNILA, "preocupados com a repercussão que uma sentença como essa possa ter no futuro do direito e da justiça no Brasil", adiantou Carol.

A coletânea será uma espécie de mosaico revelador do que alguns chamam o “indevido processo legal, uma forma de julgar que parece correr em paralelo ou que suplanta o que está estabelecido em lei e respaldado pela Constituição."

Cada autor, que deverá responder diretamente por sua própria opinião, também deverá superar o desafio de "criticar setores do poder judiciário como parte de uma engrenagem que desmonta o Brasil institucionalmente, economicamente, politicamente", algo que Carol classificou como "desconfortável".

"É algo extremamente constrangedor e que só se justifica pelo reconhecimento do abuso reiterado e implacável nas audiências e nos episódios lamentáveis a que assistimos, da condução coercitiva às escutas ilegais, a relação com a mídia e a seletividade de informações, provas, testemunhas, tudo isso tendo como alvo um ex-presidente e que é o favorito nas eleições de 2018, sendo inafastável essa condição de personalidade pública", disse.

Um dos principais eixos do projeto será destinado a desconstruir a sentença dada por Moro sem provas documentais robustas.

"O processo foi conduzido sem provas e a sentença é extremamente frágil. Destaco uma frase representativa de Afrânio Silva Jardim em artigo no Livro: 'Lula foi condenado por receber o que não recebeu e por lavagem de dinheiro que não lhe foi dado... Vale dizer, não teve o seu patrimônio acrescido sequer de um centavo!!! Não recebeu nenhum benefício patrimonial e por isso não tinha mesmo o que 'lavar' ...”

Outro destaque da obra será o esforço de Moro em rebater as acusações de que promoveu uma guerra jurídica contra Lula. O juiz de Curitiba dedicou pelo menos 25% da sentença com 238 páginas a rebater a defesa nesse aspecto.

"A impressão que fica é de alguém que veste a carapuça. Sentindo-se culpado, passa todo o tempo se justificando preventivamente, ou seja, antes de prolatar a sentença", comentou Carol. 

A invisibilização das mais de 70 testemunhas de defesa que atestaram a inocência de Lula também será abordada em artigos. "Foram ignoradas na decisão, tendo destaque as testemunhas de acusação e os delatores, sem contar problemáticas questões da forma da delação, o empréstimo de provas de outros autos, a questão da competência, da prevenção, questões técnicas que fragilizam dramaticamente a decisão, deixando o juiz em situação embaraçosa, para dizer o mínimo."

A obra deverá ser lançada no dia 11 de agosto de 2017, dia dos cursos jurídicos, na Faculdade Nacional de Direito, UFRJ, Rio de Janeiro, afirmou Carol.

GGN

terça-feira, 18 de julho de 2017

Princípio "in dubio pro societate" não existe no ordenamento jurídico de nenhum pais, dizem juristas

Foto: Wilson Dias/Agência Brasil


“In dubio pro societate”. Com esse jargão em latim, tribunais de todo o país negam recursos de defesa e se recusam a refutar acusações frágeis e absolver réus, muitas vezes produzindo condenações injustas, acusações sem base e prisões em massa no curso do processo. Em suma, pela lógica jurídica dos corredores forenses, afirmar esse “princípio” seria dizer que havendo dúvida de autoria ou de materialidade sobre inocência ou condenação do acusado ou da acusada em algum crime, ela deverá pender “em favor da sociedade”, como se ela estivesse interessada em processar pessoas com provas frágeis.

Curiosamente, como explica o Juiz de Direito em São Paulo e Professor na Universidade Presbiteriana Mackenzie Guilherme Madeira Dezem, o in dubio pro societate é uma afirmação dos tribunais brasileiros, mas que não encontra respaldo na doutrina – isto é, livros teóricos de direito respeitados academicamente – brasileira ou internacional, as quais reafirmam o in dubio pro reo (na dúvida, absolve-se o réu) – “Autores como Mauricio Zanoide de Moraes negam a existência deste princípio in dubio pro societate, sustentando ser o in dubio pro reo a regra até mesmo em casos envolvendo revisão criminal”.

De outro lado, explica Madeira, “a jurisprudência [expressão utilizada para denominar um conjunto de decisões judicias em um mesmo sentido] entende que há casos que se admite o in dubio pro societate como é o caso do recebimento da denúncia. (RHC 74510/MS rel Min Ribeiro Dantas j. 20.04.17)”.

O Professor na Universidade Federal do Rio Grande (FURG) Salah H. Khaled Jr. explica onde é possível encontrar a afirmação teórica desse famoso “princípio” jurídico dos tribunais brasileiros – “na doutrina arcaica, é possível encontrar sim. Na jurisprudência punitivista, também. Não terá tanta sorte se procurá-lo na Constituição ou em autores comprometidos com processo penal do cidadão. É típico de concepção fascista de processo penal do inimigo”.

A lógica do processo penal do inimigo significa dizer que a sociedade tem interesse em processar e condenar alguém com provas frágeis, que suscitem dúvidas. Em especial no Brasil esse desejo tem um contexto bem delimitado pela clientela preferida do Direito Penal – jovens, negros e pobres. Como explica o Promotor de Justiça do Ministério Público de São Paulo, Gustavo Roberto Costa – “Não se pode dizer que é do interesse da sociedade que alguém seja processado criminalmente sem base concreta. A não ser que seja aquela sociedade que sabe que citado princípio jamais a atingirá, pois feito somente para os outros – e nós sabemos bem quem”.

Inclusive, pela falta de pressupostos lógicos, parte da jurisprudência nega a existência desse princípio, como, por exemplo, a ministra do Superior Tribunal de Justiça Maria Thereza Assis Moura, que notabilizou em decisão a seguinte passagem: “A acusação, no seio do Estado Democrático de Direito, deve ser edificada em bases sólidas, corporificando a justa causa, sendo abominável a concepção de um chamado princípio in dubio pro societate” [STJ, HC 175.639, Rel. Min. Maria Thereza de Assis Moura, 6ª T., J. 20/03/2012].

Para discorrer mais profundamente sobre o tema, o Justificando convidou dois juristas de renome internacional para falarem sobre o tema. Veja as respostas:
Pergunta: Existe no ordenamento jurídico brasileiro o princípio “In dubio pro societate”?

Juarez Tavares, Professor Titular de Direito Penal da Universidade do Estado do Rio de Janeiro e na Universidade de Frankfurt am Main, na Alemanha: 

Não existe esse princípio na ordem jurídica. O princípio ‘in dúbio pro reo’ é uma consequência do principio da presunção de inocência, que deixou de ser um principio procedimental para se constituir numa pilastra do Estado de direito democrático. Nesse estado, o que se pretende é justamente limitar o poder de punir e não ampliar suas bases. Afirmar-se o ‘in dúbio pro societate’ é regressar ao estado despótico. Quando a Constituição do Brasil instituiu a proteção da dignidade humana como fundamento do Estado democrático já estabeleceu, nas relações jurídicas, o primado do sujeito sobre a sociedade. Essa opção do direito positivo não encampa outra interpretação. Mesmo ao dizer que compete ao Estado zelar pela segurança pública, tal programa político-jurídico tem como pressuposto a proteção da pessoa individual. A chamada proteção do estado e da sociedade é, na verdade, uma extensão da proteção do sujeito. Nesse sentido, na dúvida, a opção deve ser pela pessoa e não pelo estado ou pela sociedade.

Geraldo Prado, Professor de Direito Processual Penal na Universidade Federal do Rio de Janeiro. Em teoria o direito processual penal brasileiro não reconhece o in dubio pro societate como critério de resolução da incerteza. O critério vigente, que decorre da presunção de inocência, é o in dubio pro reo. Convém ressaltar que cada etapa do processo tem seu específico âmbito de conhecimento. Assim, no início do processo, por exemplo, a dúvida somente se refere à existência de indícios de autoria e materialidade. Se há dúvida quanto a existência desses indícios, a acusação deve ser rejeitada.

O caso é outro se na mesma etapa a dúvida versa sobre a inocência ou culpa do acusado, reconhecendo-se a existência de indícios. Se os indícios estão presentes, estar em dúvida sobre culpa ou inocência é algo que não se coloca na etapa inicial, cabendo acolher a denúncia para que as provas aí sim sejam produzidas. Isso nada tem a ver com o ‘in dubio pro societate’, também denominado ‘in dubio contra reum’, resquício de modelos autoritários de processo penal. Não é raro os tribunais confundirem a cognição sumária inicial com situações de ‘in dubio pro societate’ e acertarem no resultado, errando porém quanto ao fundamento. 

Do GGN

Moro admite que inventou acusação e forçou a barra para julgar Lula, diz o advogado de defesa Zanin Martins

Foto: Paulo Pinto/Agência PT

A defesa de Lula superou o teor hermético da sentença de Sergio Moro sobre o caso triplex e expôs, com base nas palavras do juiz, os abusos cometidos no processo. Nesta terça (18), em nota à imprensa, a defesa apontou que Moro praticamente admitiu que forçou a barra para ser o juiz da causa, não usou a denúncia do Ministério Público Federal para julgar Lula, tendo criado uma acusação própria, e ainda evidenciou que a condenação foi baseada em uma delação informal não corroborada por provas documentais.

Em despacho feito pela manhã, Moro havia rebatido os embargos de declaração da defesa de Lula reforçando alguns pontos de sua sentença de maneira mais contundente. Por exemplo, afirmou que o ex-presidente foi condenado não porque seria o titular oculto do triplex - algo que a Lava Jato não pôde provar - mas sim porque o valor das obras feitas no apartamento teria sido "abatido" de um caixa virtual que Leo Pinheiro afirma ter mantido em nome do PT, onde chegou a acumular R$ 16 milhões.

O trecho expõe a fragilidade da sentença de Moro de duas formas: primeiro, ao destacar que houve alteração da denúncia original, que dizia que Lula "efetivamente" recebeu o triplex como pagamento de propina da OAS, fruto de 3 contratos da Petrobras; segundo, pela inexistência de provas nos autos do caixa com R$ 16 milhões ao PT, usado para condenar Lula.

"A falta de correlação entre a sentença e a acusação revela a nulidade da decisão, uma vez que o juiz decidiu algo diferente da versão apresentada pelo órgão acusador, sobre a qual o acusado se defendeu ao longo da ação", disparou a defesa de Lula.

"Não há na sentença proferida em 12/07 ou na decisão proferida nesta data qualquer prova desse afirmado abatimento, simplesmente porque ele não ocorreu, ao menos para beneficiar o ex-Presidente Lula", acrescentou.

Em outra passagem, Moro escreveu: “Este juízo jamais afirmou, na sentença ou em lugar algum, que os valores obtidos pela Construtora OAS nos contratos com a Petrobras foram usados para pagamento da vantagem indevida para o ex-Presidente."

Para a defesa de Lula, isso confirma que o processo jamais deveria ter tramitado na Vara Federal de Curitiba, já que não tem qualquer relação com a Petrobras segundo a narrativa apresentada pelos procuradores.

A defesa ainda rebateu a comparação que Moro fez entre Lula e Eduardo Cunha, taxando-a de "descabida e reveladora de falta de critérios objetivos." 

Para o advogado Cristiano Zanin, autor da nota, Moro "coloca-se acima da lei em relação à parte e aos seus defensores, que foram tratados sem a devida urbanidade em diversas
oportunidades pelo juiz, como está registrado nos áudios oficiais, nos áudios registrados pela defesa de forma lícita e ostensiva e também pela imprensa."


Abaixo, a nota completa da defesa, assinada por Cristiano Zanin Martins.

1 - A defesa do ex-Presidente Luiz Inácio Lula da Silva recorrerá da decisão que foi proferida hoje (18/07) pelo juízo da 13ª Vara Federal Criminal de Curitiba no julgamento dos embargos de declaração apresentados em 14/07 nos autos da Ação Penal n. 504651294.2016.4.04.7000/PR, da qual ainda aguarda ser intimada.

 2- Sem prejuízo disso, com base nas informações já disponíveis, a defesa esclarece que:

 2.1 – Fica claro que o juízo de Curitiba forçou sua atuação no caso, como sempre foi dito pela defesa, pois o processo, além de veicular acusação absurda, jamais teve qualquer relação efetiva com a Petrobras. O seguinte trecho da decisão não permite qualquer dúvida: “Este juízo jamais afirmou, na sentença ou em lugar algum, que os valores obtidos pela Construtora OAS nos contratos com a Petrobras foram usados para pagamento da vantagem indevida para o ex-Presidente”.  A decisão proferida hoje, portanto, confirma que o processo jamais deveria ter tramitado perante o juízo da 13a. Vara Federal Criminal de Curitiba, que não tem qualquer relação com a narrativa apresentada pela acusação.

 2.2. O juiz deixa claro que criou uma acusação própria, diferente daquela apresentada em 16/09/2016 pelo Ministério Público Federal. Segundo o MPF, Lula teria “efetivamente recebido” o apartamento tríplex, comprado com recursos provenientes de 3 contratos firmados entre a Construtora OAS e a Petrobras. A decisão hoje proferida, no entanto, afasta qualquer relação de recursos provenientes da Petrobras e afirma que “a corrupção perfectibilizou-se com o abatimento do preço  do apartamento e do custo da reforma da conta geral de propinas, não sendo necessário para tanto a transferência da titularidade formal do imóvel”.  A falta de correlação entre a sentença e a acusação revela a nulidade da decisão, uma vez que o juiz decidiu algo diferente da versão apresentada pelo órgão acusador, sobre aqual o acusado se defendeu ao longo da ação.

 2.3. – Diante do questionamento da defesa, o juiz agora afirma que o suposto ato de corrupção que motivou a condenação de Lula teria ocorrido “com o abatimento do preço  do apartamento e do custo da reforma da conta geral de propinas”. Não há na sentença proferida em 12/07 ou na decisão proferida nesta data qualquer prova desse afirmado abatimento, simplesmente porque ele não ocorreu, ao menos para beneficiar o ex-Presidente Lula. O esclarecimento hoje prestado pelo juiz deixa ainda mais evidente a ilegalidade da condenação de Lula, que está 100% baseada no depoimento de Leo Pinheiro, que nessacondição depôs sem o compromisso de dizer a verdade e, ainda, pressionado pelas negociações com o MPF objetivando destravar um acordo de delação com o objetivo de tirá-lo da prisão. Além de ser réu na ação e candidato a delator, Leo Pinheiro está condenado a 23 anos de prisão apenas em uma ação penal, e sua palavra não merece qualquer credibilidade, especialmente em tais circunstâncias.

 2.4. Leia-se e releia-se os autos e não há um documento, um depoimento, além da palavra de Leo Pinheiro, que faça referência a esse afirmado “abatimento do preço do apartamento e do custo da reforma da conta geral de propinas”. Se a palavra de delator não é confiável para motivar uma condenação, como diz a lei e foi recentemente reafirmado pelo Tribunal Regional Federal da 4a. Região, o que dizer da palavra de um corréu que depõe sem o compromisso de dizer a verdade e quando negocia sua delação com o órgão acusador.

 2.5. Mesmo que fosse possível desconsiderar todos os elementos que comprometem a isenção do depoimento de Leo Pinheiro e a ilegalidade da sua utilização para basear uma sentença condenatória, a versão por ele apresentada é incompatível com outros depoimentos coletados no curso da ação. Por exemplo, Leo Pinheiro afirma que conversou sobre o afirmado abatimento de valores com os Srs. João Vaccari Neto e Paulo Okamotto, em 2009. O MPF não quis ouvir a versão de Vaccari, pois não o arrolou como testemunha nem mesmo nas diligencias complementares (CPP, art. 402). Okamotto, por seu turno, negou a conversa em 2009, assim como outras supostas conversas narradas por Pinheiro, admitindo que apenas conversou com ele em 2014. Sobre a utilização de recursos indevidos no empreendimento Solaris ou, ainda, na reforma da unidade 164-A, o depoimento de Pinheiro ainda é incompatível com diversos outros que constam nos autos, inclusive com o do ex-presidente da OAS Empreendimentos, proprietária do imóvel, o também correu Fabio Yonamine.

 2.6. – A descabida comparação feita na decisão proferida hoje entre a situação de ex-diretores da Petrobras que confessaram a prática de atos ilícitos e o ex-Presidente Lula: (i) reforça a intenção permanente do juiz Moro de agredir a honra e a imagem de Lula e sua consequente – e inescondível – parcialidade; (ii) mostra que o juiz Moro não sabe distinguir situações que são diferenciadas pelos fatos: depois de uma devassa, nenhuma investigação identificou qualquer conta de Lula com valores ilícitos, seja no Brasil ou no exterior. Diante do teor da sentença e da decisão ora proferida, a única referência à atuação da Petrobras na ação, que parece ter agradado ao magistrado, foi quando um dos advogados da petroleira pretendeu   interferir na nossa atuação profissional enquanto advogados de Lula, fato que mereceu o repudio de diversos juristas e defensores da advocacia independente e que não se curva ao arbítrio.

 2.7. Também se mostra descabida e reveladora de falta de critérios objetivos a referência feita na decisão hoje proferida ao ex-deputado Eduardo Cunha. A discussão sobre a titularidade de contas no exterior não existe em relação a Lula, mostrando a impossibilidade de ser estabelecido qualquer paralelo entre os casos.

 2.8 – O reconhecimento do juiz de que “jamais” afirmou que “valores obtidos pela Construtora OAS nos contratos com a Petrobras foram usados para pagamento da vantagem indevida para o ex-Presidente”, mostra o desacerto de sua decisão que admitiu a petrolífera como assistente de acusação no processo, com custos diretos para os acionistas e, indiretos para os brasileiros, por se tratar de sociedade de economia mista. Mostra, ainda, manifesto equívoco ao condenar Lula a reparar “danos mínimos” ao reconhecer que o ex-Presidente não foi beneficiado com valores provenientes dos 3 contratos envolvendo a petrolífera que estão indicados na denúncia.

 2.9 - Moro reforça sua animosidade para julgar Lula – situação incompatível com a imparcialidade e com a igualmente necessária aparência de imparcialidade – ao confirmar trechos da sentença (104 parágrafos) que revelam ter ele ficado profundamente afetado com o fato de Lula haver se utilizado dos meios legais para questionar atos ilegais praticados pelo magistrado e por outros membros da Lava Jato no curso da ação, um deles reconhecido expressamente pelo STF no julgamento da Reclamação 23.457. Coloca-se acima da lei em relação à parte e aos seus defensores, que foram tratados sem a devida urbanidade em diversas oportunidades pelo juiz, como está registrado nos áudios oficiais, nos áudios registrados pela defesa de forma lícita e ostensiva e também
pela imprensa.

Cristiano Zanin Martins

Do GGN

'A convulsão social já está ocorrendo', Aldo Fornazieri

Na opinião de professor de Filosofia Política da Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo (Fespsp) Aldo Fornazieri, "Temer está dando uma aula de como os profissionais de uma quadrilha reagem com força para se manter no poder". Para ele, "a esquerda está acomodada", Michel Temer “está quebrando o país mais do que já está quebrado”.

Em meio à maior crise política de sua história recente, o Brasil espera o fim do recesso parlamentar para conhecer a decisão, pelo plenário da Câmara dos Deputados, sobre o futuro de Michel Temer. A votação que pode ou não autorizar o Supremo Tribunal Federal a dar prosseguimento ao processo está prevista para o dia 2 de agosto, quando o peemedebista precisará de 172 votos para evitar esse desfecho e, na prática, o fim de seu governo.

Para Fornazieri o país já vive uma convulsão social. “Na verdade, a convulsão social está ocorrendo, mas não pela via política. Está ocorrendo na guerra civil no Rio de Janeiro, com a violência espalhada pelo país e a quebradeira geral dos serviços brasileiros pelo governo”, diz.

Para ele, o problema é que Temer até o momento tem sido bem sucedido em suas manobras e articulações para se manter no poder. “Do ponto de vista político não acontece nada. A esquerda está acomodada, o Lula é condenado e não vimos ainda manifestações contra a condenação. Por esse caminho não acredito em convulsão social.” A apelação do ex-presidente Lula da sentença do juiz Sergio Moro, que o condenou a 9 anos e 6 meses de prisão, será julgada pelo Tribunal Regional Federal da 4ª Região, em data ainda imprevisível.

Na visão de Fornazieri, Temer tem “grandes chances” de se salvar. “Ele está fazendo um jogo pesado para isso. Está dando uma aula de como os profissionais de uma quadrilha reagem com força para se manter no poder, gastando bilhões do dinheiro público. Não vejo mobilizações suficientes para tirar Temer do governo”, afirma Fornazieri.

Ele acredita que as manifestações dia 20 precisarão ser grandes para configurar um contraponto popular à mobilização parlamentar e articulação política do grupo palaciano. “Qual vai ser o tamanho e o alcance dessas manifestações? Até hoje as manifestações da esquerda na Paulista não passaram de piqueniques cívicos”, diz Fornazieri. Em sua opinião, as mobilizações teriam que envolver muito mais gente do que a militância organizada que faz parte das estruturas dos partidos e sindicatos.

Para se manter no poder, o presidente “está quebrando o país mais do que já está quebrado”. “E não se vê uma contrapartida das oposições nas ruas. As oposições são minoria no Congresso, mas estão se submetendo ao jogo puramente parlamentar, enquanto no contexto do golpe e do impeachment da Dilma foram mobilizadas milhões de pessoas nas ruas", afirma ainda o professor.

Na quinta-feira (13), a Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania (CCJ) da Câmara rejeitou, por 40 votos a 25, o relatório do deputado Sergio Zveiter (PMDB-RJ), favorável à autorização para abertura do processo contra Temer no STF.

Segundo a ONG Contas Abertas, o governo federal liberou em junho R$ 134 milhões em emendas parlamentares a 36 dos 40 deputados que votaram a favor de Temer na CCJ.Para Antônio Augusto de Queiroz, diretor de Documentação do Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar (Diap), os cenários na atual conjuntura são basicamente três: “a) renúncia, por exaustão do governo; b) a cassação, por decisão do STF, após autorização da Câmara dos Deputados; e c) a Sarneyzação do governo, ou a imagem do “pato manco”, com a equipe econômica e o Congresso fazendo o feijão com arroz, sem qualquer reforma relevante”. Na opinião do analista, o primeiro cenário “é realista, o segundo pessimista e o terceiro otimista”.

Da RBA

Mídia alemã reconhece caráter político da sentença de Moro

A Der Spiegel nota que a própria promotoria reconheceu a falta de provas e diz que as evidências mostradas no processo são controversas

Enquanto a imprensa brasileira ensaia um coro único e fala de evidências sem mostrar nenhuma, o jornalismo alemão — como o de outros países — reconhece que a condenação de Lula ocorreu sem provas e que a sentença do juiz Sergio  Moro é política, não jurídica.

A Der Spiegel, uma das publicações mais respeitadas da Alemanha, nota que a própria promotoria reconheceu a falta de provas e diz que as evidências mostradas no processo são controversas. Em um artigo chamado "Estado na lama", lê-se: "Moro comprova com sua sentença o que críticos já lhe reprovavam há tempos: o julgamento do maior escândalo de corrupção da história do Brasil segue critérios políticos, não jurídicos". 

No Die Zeit, jornal de circulação nacional, a matéria é intitulada "O grande espetáculo da corrupção" sobre a recente condenação de Lula, diz o que a imprensa nacional tenta esconder: "Não há um único documento que apresente Lula como dono do apartamento". O Die Zeit lembra ainda que Lula é acusado de ser o chefão do esquema apelidado de Petrolão. "Prova disso não há nenhuma. Aí surge a questão do apartamento".

Já o suíço "Neue Zürcher Zeitung", jornal fundado em 1780, já dizia antes da condenação: "ainda mais questionável é se provas da culpa de Lula serão realmente encontradas".

Resta concordar com a Der Sipiegel: "O veredicto final sobre Lula virá dos historiadores, não do juiz Moro".

Do GGN