sexta-feira, 4 de agosto de 2017

A lava jato e o kafkiano colapso do Direito Constitucional brasileiro, por Fábio de Oliveira Ribeiro

Há alguns dias critiquei severamente a decisão de Sérgio Moro. Disse que a sentença dele me parece problemática por causa de três detalhes importantes:​

1- A condenação considerou prova do crime cometido pelo réu as reportagens jornalísticas que acusaram Lula de receber propina. Em virtude dos fatos enunciados nestes documentos particulares elaborados por jornalistas o juiz resolveu desprezar um documento público (a certidão do Cartório de Registro de Imóveis que prova que a construtora sempre foi e ainda é a legítima proprietária do Triplex);

2- A Lei considera crime receber propina, mas Sérgio Moro condenou Lula não porque ele recebeu propina e sim porque ele foi acusado por jornalistas de ter recebido propina (o que é muito diferente). Portanto, me parece evidente que ao proferir sua sentença o juiz da Lava Jato inventou um novo tipo penal para decretar a prisão do réu;

3- Em virtude da condenação, todos os bens de Lula adquiridos honestamente foram arrestados pelo juiz. Mas Sérgio Moro tomou o cuidado de não arrestar o Triplex que seria o próprio objeto do crime. Ele fez isso porque o terceiro proprietário poderia facilmente desembaraçar seu imóvel expondo a incoerência da condenação de Lula? http://jornalggn.com.br/blog/fabio-de-oliveira-ribeiro/explorando-as-cavernas-dos-casos-de-sergio-moro-por-fabio-de-oliveira-ribeiro.

Hoje o juiz da Lava Jato resolveu confiscar o Triplex para entregá-lo à Petrobras. A princípio, a nova decisão parece coerente. Afinal, Sérgio Moro declarou que Lula recebeu o imóvel como propina, portanto, ele seria o proprietário do bem. E nada seria mais justo do que perder a propriedade do objeto do crime.

Todavia, a decisão esbarra em dois problemas. O primeiro é o princípio do Direito Penal de que a pena não pode ultrapassar a pessoa do réu expressamente assegurado no inciso XLV, do art. 5o. da CF/88. O imóvel está registrado em nome da construtora e ela não é parte no processo em que Lula foi julgado e condenado. Portanto, a pena imposta a Lula ultrapassa a pessoa do réu para produzir efeitos na vida do terceiro.

Outro problema é a grave violação do direito de propriedade da construtora. No Brasil o proprietário de um imóvel (aquele em cujo nome o bem está registrado no Cartório de Imóveis) tem seus direitos garantidos pelo art. 5o., XXII, da CF/88. O criminoso pode ser condenado a perder a posse e a propriedade da coisa que foi objeto do crime. Mas o imóvel não está registrado em nome de Lula e a construtora não foi parte no processo que resultou na condenação do ex-presidente.

Além de garantir o direito de propriedade, a CF/88 prescreve expressamente que ninguém será privado dos seus bens sem o devido processo legal (art. 5o. LIV). O proprietário pode até perder seu imóvel numa ação desapropriação, mas isto só ocorrerá mediante justa e prévia indenização apurada num processo em que o prejudicado tenha tido a oportunidade de se defender (art. 5o., XXIV c.c. art. 5o. LV).

Sérgio Moro expropriou o Triplex de Lula não para atribuí-lo à construtora (legítima proprietária do bem de acordo com o registro no Cartório de Imóveis), mas para entregá-lo à Petrobras. A construtora foi privada do seu bem sem o devido processo legal e sem indenização. Quem indenizará o prejuízo causado por Sérgio Moro à construtora? Como pode a Petrobras receber a restituição de um imóvel que nunca lhe pertenceu?

A mim parece que neste caso a emenda ficou pior que o soneto. Para conferir mais “aparência de coesão” à sua decisão, o Juiz da Lava Jato foi obrigado a grosseiramente violar vários princípios constitucionais. Na prática Sérgio Moro transformou a 13a. Vara Federal de Curitiba num Tribunal de Exceção. Desprezando o que consta no art. 5o., XXXVII, da CF/88, ele  age como se pudesse criar as regras jurídicas que vai aplicar, pouco se importando com sua obrigação funcional de cumprir e fazer cumprir fielmente a Lei tal como ela foi aprovada e promulgada (art. 35 da Lei Orgânica da Magistratura).

Em 30 anos de profissão (27 de advocacia mais 3 de estágio) nunca vi nada parecido. De abuso em abuso, Sérgio Moro está cada vez mais se transformando num personagem literário. Não, não estou me referindo ao guarda que zomba Joseph K. dizendo que ele “Admite não conhecer a lei, mas declara-se inocente…” (O processo, Franz Kafka). Sérgio Moro está cada vez mais ficando parecido com o pobre Gregor Samsa, caixeiro viajante que certo dia acordou transformado num inseto (A metamorfose, Franz Kafka).

Ao impor uma pena à construtora que não foi parte do processo movido contra Lula, ao privar o terceiro da propriedade do Triplex sem o devido processo legal e, pior, sem qualquer indenização para entregá-lo a quem nunca foi seu legítimo proprietário, O juiz da Lava Jato se transformou num fantástico ser kafkiano. Mas ao contrário de Gregor Samsa, o vaidoso Sérgio Moro parece não ter qualquer consciência da imagem que está projetando dentro e fora do Brasil. Quem em sã consciência investiria num país em que os membros do Judiciário são capazes de ignorar, pisotear, violar e desprezar o direito de propriedade?

GGN

Sentença de Moro contra Lula é um edifício com vários andares de erros jurídicos, diz Flávio Dino ex-juiz federal

O governador Flávio Dino, que é também juiz de Direito e passou em primeiro lugar no mesmo concurso prestado por Sergio Moro, publica artigo nesta sexta-feira em que afirma que a sentença contra o ex-presidente Lula é um edifício com vários andares de erros jurídicos.

Dino cita a inexistência de corrupção passiva, demonstra estranheza com um episódio de um apartamento de São Paulo ser analisado pela justiça paranaense quando o próprio Moro reconheceu não haver ligação entre o imóvel e o caso Petrobras e diz, ainda, que não pode haver lavagem se o chamado "triplex do Guarujá" jamais foi entregue a Lula.

"A sentença em questão, portanto, é um tríplex que não cabe em um edifício jurídico democrático, no qual os fins não justificam os meios", diz Dino, em artigo escrito em parceria com Rodrigo Lago, secretário de Transparência e Controle do Maranhão.

Leia abaixo: Íntegra do artigo de Flávio Dino

A sentença tríplex

Por Flávio Dino e Rodrigo Lago

Uma sentença judicial não pode derivar apenas do sentimento do julgador. Se assim fosse, o Judiciário não seria compatível com a democracia, que pressupõe freios e contrapesos, representados por um edifício jurídico composto pela Constituição.

Se uma sentença é construída fora desse edifício, não pode subsistir. Foi o que aconteceu com a sentença do caso tríplex, relativa ao ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Podemos identificar três andares de problemas no caso.

O primeiro andar abriga a deficiente configuração do crime de corrupção passiva. Desde o julgamento da Ação Penal 307, o Supremo Tribunal Federal fixou em nosso edifício jurídico que não basta o recebimento de vantagem por funcionário público para se ter representado esse tipo de infração.

É "indispensável (...) a existência de nexo de causalidade entre a conduta do funcionário e a realização de ato funcional de sua competência", disse o STF. Na sentença, contudo, reina uma confusão sobre isso, agravada com a decisão nos embargos declaratórios da defesa.

O julgador fala em atos de ofício indeterminados e aborda fatos praticados em momento posterior ao exercício do mandato do ex-presidente Lula, que se encerrou em 1º de janeiro de 2011. É impossível ter havido crime de corrupção passiva em 2014 sem a participação de pelo menos um outro funcionário público (inexistente nos autos).
O imbróglio aumenta quando, ao julgar os embargos declaratórios, o juiz diz que não há correlação entre o tal tríplex e contratos da Petrobras, tornando ainda mais estranha a competência da Justiça Federal de Curitiba para apreciar controvérsia sobre apartamento situado em São Paulo.

Chegamos ao segundo andar de equívocos da sentença: a problemática da configuração do crime de lavagem de dinheiro.

Sustentou-se sua consumação na medida em que a propriedade do tríplex foi mantida oculta"entre 2009 até pelo menos o final de 2014". No entanto, consta da sentença que o apartamento jamais foi efetivamente entregue ao ex-presidente Lula.

No caso, não havia nem propriedade nem posse por parte dele. O patrimônio deste não chegou a ser aumentado, sendo impossível a prática de quaisquer dos núcleos do art. 1º da lei nº 9.613/98, que trata dos casos de lavagem.

Por fim, no terceiro andar de erros jurídicos, tem-se a inegável sobrecarga da dosimetria das penas, talvez para reduzir a hipótese de serem alcançadas por prescrição.

Chama a atenção a sentença considerar três vetores negativos das circunstâncias judiciais, dentre eles alguns estranhos ao réu, e não os fatos que neutralizariam alguns deles, talvez pela escassa fundamentação atinente às provas produzidas por requerimento da defesa.

A sentença em questão, portanto, é um tríplex que não cabe em um edifício jurídico democrático, no qual os fins não justificam os meios. O devido processo legal é uma garantia de toda a sociedade, maior do que os interesses da luta política cotidiana.

Para isso existem os tribunais: inclusive para dizer "não" a sentimentos puramente pessoais, que podem ir para as urnas, nunca para sentenças.

FLÁVIO DINO, professor do curso de direito da Universidade Federal do Maranhão, é governador do Estado do Maranhão.

RODRIGO LAGO, advogado licenciado, é secretário de Estado de Transparência e Controle do Maranhão.

GGN

quinta-feira, 3 de agosto de 2017

Xadrez do atraso do pensamento econômico brasileiro, Nassif

O Xadrez de hoje tomou por base uma entrevista com o economista Felipe Rezende.
Peça 1 – as crises de endividamento

Há três pontos em comum entre as décadas de 1980, 1990 e 2010: um choque de endividamento na economia que paralisou o país por dez anos até que, lentamente, o setor privado (e o público) saíssem da armadilha e começasse a respirar.

A crise de 1980 foi devido a um choque de petróleo e ao pesado processo de investimento da era Geisel – que, pelo menos deixou uma indústria de base implantada.

O dos anos 90, ao terrível choque de juros do plano Real, junto com uma enorme apreciação cambial, que amarrou toda a economia a um endividamento circular e elevou a dívida pública aos píncaros, sem nenhuma contrapartida em ativos.

Nos dois primeiros casos, o foco central foi  crise das contas externas.

A dos anos 2010 devido à demora em perceber o processo de endividamento que vinha do período anterior e, quando se percebeu, às formas erradas de tratar o problema.

São crises cíclicas.

Primeiro, há um boom nos investimentos, o “milagre” dos anos 70, a explosão de vendas do segundo semestre de 1994, decorrente da estabilização econômica, e o boom de crescimento do período 2008-2010, com o enfrentamento da crise.

As empresas passam a investir apostando na curva de crescimento. Para tanto, se alavancam – isto é, se endividam junto ao setor bancário.

Quando se chega ao fim do ciclo, tem-se um grande endibvidamento e uma queda na rentabilidade, não suportando  mais os encargos financeiros decorrentes dos investimentos realizados. E, aí, não existe um diagnóstico preciso das autoridades, para enfrentar a questão.

Peça 2 – a crise de 2015 e o tratamento errado

Aqui no GGN, Rezende foi o primeiro economista a alertar para a crise de endividamento. Os alertas não foram considerados.

Dados do BIS (o banco central dos bancos centrais) mostravam que as empresas de família brasileiras tinham saltado de um endividamento de US$ 250 bilhões em 2004 para US$ 1,5 trilhão em 2015. O endividamento das empresas e famílias saltou de 48% do PIB em dezembro de 2005 para 71% em 2015.

O lucro – medido pelo EBITDA (lucro antes de juros, impostos, depreciação e amortização) das empresas de capital aberto cresceu 10% no período, contra 256% do crescimento real da dívida. Começa aí o esgarçamento dos balanços.

Em 2011 e 2012 havia indícios dessa reversão. Alguns membros do governo já tinham essa visão, da queda de lucros, mas trabalharam o lado errado do lucro, melhorando a margem das empresas via subsídios e outros cortes de impostos, o que não gerou necessariamente investimento. Obviamente, os subsídios ajudaram a amenizar um pouco o nível do endividamento.

Como uma empresa faz ajuste de casa? Cortando gastos. E a primeira fonte de cortes são os investimentos, que caíram de forma generalizada.

Em 2014, o crédito ainda vinha crescendo, mas modelo já havia esgotado. A taxa de investimento já vinha caindo há 10 trimestres, um recorde histórico. Com a queda do investimento privado, a economia começou a registrar déficit público, agravado pelos subsídios concedidos no período anterior.

Em 2015 houve resposta equivocada, com um diagnóstico errado de que a raiz da crise estava no desequilíbrio fiscal – e não no pesado endividamento da economia. Houve um contingenciamento muito forte dos gastos públicos, equivalente a 1,2% do PIB, aumento muito forte dos juros, como reação ao choque de preços administrados, incluindo o câmbio. 

Com forte alavancagem do setor privado, cortar de forma dramática os investimentos privados e promover choques de juros, é receita para matar a economia.

E o Brasil não foi a única economia a errar nesse diagnóstico. Em outras economias que passaram por processos de endividamento, os resultados foram muito parecidos.

Peça 3 – o ortodoxia superada

Qual a razão de empresas e governo sempre caírem na armadilha do fim de ciclos?

Não houve uma atualização do pensamento econômico brasileiro, nem o ortodoxo, nem o heterodoxo, explcia Rezende. Os economistas atuais se formaram no exterior, quando estavam em voga teorias econômicas que foram superadas pela crise global de 2008 e nas quais os processos de alavancagem (endividamento) não estavam no radar. Por aqui, não houve uma atualização do debate.

Antes da crise de 2008, grande parte dos economistas acreditava que política monetária poderia reverter situações de crise.

Um dos pilares desse modelo era a crença de que a economia jamais entraria em crise. Menos ainda, o mercado financeiro. Julgavam que com mercados perfeitos e expectativas racionais, o setor financeiro jamais geraria bolhas. Bastaria, então, uma política monetária ativa que derrubasse as expectativas de inflação e as taxas futuras de juros, para o investimento voltar.

Com isso, negligenciaram um dos pontos centrais da crise, os balanços das empresas do setor financeiro. De acordo com o pensamento ortodoxo, o setor financeiro seria apenas um intermediário, portanto sem influência sobre as crises. Com base nessa crença, o presidente do FED, Ben Bernanke, sustentava que o aumento de liquidez na economia, através do sistema bancário, não produziria bolhas especulativas. E sua aposta falhou.

Essa visão foi superada nos centros desenvolvidos, com uma visão mais cuidadosa sobre o problema do endividamento. Não no Brasil, onde a geração de economistas que tomou o poder – diretamente ou através da área econômica – continuava presa a conceitos superados, mas que ajudaram na construção da sua fama junto ao mercado. Ficaram com receio de reciclar e perder reputação: o mercado só aprecia as certezas absolutas, não as auto-críticas.

Peça 4 – a análise do endividamento

Segundo Rezende, a partir de 2015, o governo reagiu como se fosse contra uma crise tradicional de balanço de pagamentos: contraiu a demanda interna com choque de juros e de crédito para gerar superávits nas suas contas externas. A intenção foi um choque fiscal mas, de fato, a terapia era similar àquela para choques externos.

Os economistas não se deram conta de que a crise atual tinha causas totalmente diversas.

Como mencionado, acreditavam eles que a espoleta para deflagrar os investimentos seria a taxa de juros longa – aquela que, em teoria, melhor anteciparia os rumos futuros da economia. Bastaria então cortar a despesa até o limite do equilíbrio fiscal, sem levar em conta os impactos sobre a própria geração de receita; e aumentar os juros reais até o limite da imprudência, independentemente dos impactos sobre a dívida pública e, obviamente, sobre as expectativas fiscais.

Quando se atingisse essa equação impossível, as taxas de juros longas cairiam e milagrosamente começariam a brotar investimentos por todo o país.

Foi isso que levou o pacote Levy a uma fortíssima contração fiscal junto com uma paralisação virtual do crédito.

Mesmo supondo que a lógica fosse correta, no Brasil há uma enorme manipulação das expectativas futuras de inflação e de juros por parte do mercado.

Da forma como BC trabalha, sempre haverá estímulo para o mercado praticar o chamado “overshooting” – isto é, acentuar os movimentos de alta e baixa das expectativas.

O operador acredita que a inflação cairá para 5%. Mas coloca 5,5% ou 6% nas pesquisas do Copom. O mesmo ocorre com a curva de juros. A cada queda das expectativas, o operador ganha com sua aposta. E o BC – mesmo sendo o maior operador do mercado – assiste impassível a esse jogo de manipulação.

Desde 2015 e 2016, nos relatórios do banco, comparando as previsões do início e do fim do ano, se vê uma tendência de superestimar a inflação, assim como as taxas de juros longas.

No pé da coluna tem uma breve explicação sobre o jogo de taxas e os ganhos decorrentes das superestimativas das taxas.

Isso ocorre em outros países. Mas em qualquer país desenvolvido, o Banco Central – seja o FED norte-americano, o BCE europeu, o Banco do Japão – atuam fortemente na ponta para reduzir a taxa futura de juros. Inclusive a custo do próprio BC operando contra o mercado.

Peça 5 – as saídas custosas para a crise

Não haverá crescimento sem antes resolver situação dos balanços das empresas, problemas negligenciado há dois ou três anos. Recentemente o Ministro da Fazenda Henrique Meirelles reconheceu que a de que economia sofre alavancagem, mas não apresentou políticas concretas para tratar da questão.

Há um conjunto de alternativas estudadas:

1. Decretar falência e divida desaparecer. Muito doloroso, como em 30. Não está na mesa de discussão.

2. Gerar renda: família, em salários ou aumentos reais; empresas, lucros crescendo. Trata-se de processo lento que depende de novos impulsos na economia.

3. Valorização dos ativos. No caso da economia norte-americana, a cada queda na taxa de juros há um aumento no valor dos ativos. No Brasil, esse efeito é muito pequeno.

É por isso que o cenário de médio prazo  depende exclusivamente da 2a alternativa e é de quase estagnação

A política monetária traria alivio 3, 4 anos atrás. Hoje não. Em 2015, o retorno sobre patrimônio líquido da indústria foi de menos 10%. Mesmo em cenário hipotético, com BC trazendo os juros a zero, como economias avançadas, ainda assim haveria um custo de carregamento negativo, diz Rezende.

Se a política monetária é impotente para tirar a economia da crise, o estímulo precisaria vir de outro canal.

De investimento privado, não vem. Além do alto endividamento, há capacidade ociosa e retorno negativo sobre o capital.

Também não virá do investimento e consumo das famílias, com 13,5 milhões de desempregados.

Outra opção seria o setor externo. Pode ajudar agropecuária este ano, só que atingiu seus limites. A economia chinesa está com dificuldade de manter taxas de crescimento, economia europeia patinando e americana ainda dando sinais de esgotamento, em função da normalização da política monetária dele.

Único fator que sobra são os gastos públicos.

Peça 6 – o mantra dos investimentos públicos

Na PEC do Teto deveriam ter colocado alguma válvula de escape e deixar investimentos de lado. Não só em momentos de crise, mas de crescimento, porque, especialmente na infraestrutura, não há nada que substitua o investimento público em áreas novas.

Rezende fez um levantamento mundial, em parceria com a Universidade de Columbia, e financiado pelo BNDES e pelo CAF, analisando a formação de investimentos no mundo.

O setor privado só aceita investimentos já maturados. Mas os investimentos novos, os que acrescentam ganhos à infraestrutura, são os pioneiros, os projetos greenfield, e aí só o setor público tem condições de investir.

Na economia brasileira atual, não há mais espaço para investimento público. O governo anunciou corte muito forte justamente em investimentos públicos.

Quando a PEC do Teto foi discutida no Congresso, Rezende apresentou estudo do FMI mostrando que, em países que adotaram regras similares, a variável de ajuste foi investimento público.

Isso foi padrão para todos que implementaram essa regra de gastos.

Final - Entendendo a lógica do overshotting das taxas

Não se entenda por “mercado” o conjunto de atores do mercado financeiro, mas aqueles que efetivamente manobram a boiada, que induzem os movimentos do mercado em uma direção, para ganhar quando a tendência inverte.

Esse fenômeno é batizado de “overshooting” – isto é, radicalizar o movimento do mercado em determinada direção, de modo a acentuar as quedas ou altas.

No mercado futuro de juros, o jogo é o seguinte:

Taxa de juros – aposta-se na taxa anual no fim do período longo. Suponha que seja 10% para títulos com vencimento daqui a 10 anos.

Taxa de juros diária – corresponde à taxa anual (10%) dividida geometricamente pelo número de dias úteis do ano (256). Ou, no exemplo, taxa diária de 0,037237%.

A conta é: 1,10 ^ (1/256) -1

Prazo – calculado em sequencia de dias úteis durante a vida do título. Considera-se que o ano tem 256 dias úteis. 10 anos = 2.560 dias úteis

Marcação a mercado – corresponde ao valor diário do título, descontados os juros calculados até o vencimento e supondo que o valor de vencimento seja 100.

Suponha no 300o dia útil:

Valor a mercado = 100 / (1+0,00037237)^300 = 89,43200081. Ou seja, descontando juros do prazo que falta para o vencimento, o valor do título no mercado é de 89,43200081.

Ou seja, quem comprar o título a 89,43200081, caso a taxa de juros futura permaneça em 10% ao ano, chegara ao final do prazo com o título valendo 100.

Mas imagine que a taxa de juros longa caia para 8% (ou 0,0300674% ao dia).

Imediatamente muda o valor do título a mercado:

Novo valor a mercado = 100 / (1+0,000300674)^300 = 91,37587244

Ou seja, a qualquer queda na taxa de juros longa, imediatamente ocorre uma valorização do título a mercado.

Só com essa mudança de expectativa, há um ganho imediato de 1,9439 sobre cada 100, em um mercado que movimenta valores bilionários.

São essas variações que explicam o interesse do mercado profissional em superdimensionar as expectativas de taxas futuras de inflação e de juros.

Abaixo uma tabela mostrando os ganhos do especulador a cada variação de um contrato futuro comprado a 10% ao ano, dependendo da nova taxa de juros e do prazo de vida do papel.
Do GGN

O Xadrez da prova que sumiu da Lava Jato, Luís Nassif

É curiosa a maneira como porta-vozes midiáticos da Lava Jato justificam a ausência de provas que têm marcado os inquéritos, depois que viram denúncias.

Alegam que crimes financeiros são mais complexos, organizações criminosas são mais estruturadas, por isso mesmo não se pode esperar provas simples, como no caso de um homicídio.

Fantástico! Significa que em outros países as investigações também chegam ao final sem a apresentação de provas substanciais porque, por princípio – segundo eles – crimes complexos não têm soluções racionais, mas apenas convicções?

​Justamente por não ser uma investigação trivial, a Lava Jato contou com um conjunto de facilidades inéditas na história das investigações criminais do país.

Contou com o poder de pressionar mais de uma centena de delatores, dispostos a entregar até a mãe por uma redução da pena. Premiou os maiores criminosos com a quase extinção da pena. Contou com ampla colaboração internacional, do Departamento de Justiça dos Estados Unidos aos Ministérios Públicos suíço e espanhol, rastreando contas em paraísos fiscais. Internamente, teve acesso integral aos bancos de dados da Receita Federal, do COAF, dos cartórios, das remessas ao exterior. Ganhou até o poder de torturar psicologicamente suspeitos, afim de pressioná-los a delatar. Provavelmente apenas a luta contra o terror, nos EUA, conseguiu suspender tantas normas constitucionais de direitos individuais.

Nenhum dos álibis da má investigação – má vontade do Judiciário, excesso de recursos – vale para a Lava Jato. Certamente foi a investigação que consumiu mais recursos do Ministério Público Federal e da Polícia Federal e que dispôs de mais poder institucional, mais influência, em relação aos juízes e advogados de defesa.

Depois de todo esse aparato, surge a cândida explicação: a opinião pública cobra provas por ser desinformada e não saber que, em investigações de crimes de colarinho branco, não é fácil levantar provas.

O que a Lava Jato expõe, com a falta de provas, é a supina incompetência tanto dos procuradores quanto dos policiais federais da força tarefa, em trabalhar com eficiência os dados levantados.

Entraram na investigação com viés ideológico, mais preocupados em alimentar a imprensa com declarações de réus confessos, sem a preocupação de conferir as provas, porque para a imprensa só interessa a perfumaria. E havia a preocupação de gerar manchetes diárias, de acordo com a receita formulada em 2005 por Sérgio Moro ao analisar a operação “mãos limpas”.

A preocupação em transformar a Lava Jato na “maior investigação do planeta”  - como a definiu a procuradora deslumbrada de São Paulo – engoliu a capacidade de investigação da turma, que já não deveria ser das mais experientes.

Em vez de concentrar nos casos centrais e formular narrativas condizentes com os dados delatados  e levantados, comportaram-se como repórteres principiantes, primeiro criando a narrativa, depois juntando declarações que coubessem nela, sem a preocupação de checar a consistência dos fatos ou reformular as narrativas à luz dos dados levantados.

Será conhecida, no futuro, como uma operação malcuidada, cujo único objetivo foi contribuir para um golpe de Estado e conferir fama – e os ganhos provenientes dela – aos seus protagonistas. E tudo isso se vangloriando de estar enfrentando as forças mais temíveis da Nação – na verdade, um governo mais indefeso do que freira carmelita em cabaré. Quando finalmente estiveram frente a frente com o poder, dançaram. Estão sendo comidos com pão e farofa.

Nem se culpe a arrogância de procuradores e delegados da Lava Jato, quando se consideraram donos da cocada preta. São apenas funcionários públicos que se deslumbraram da mesma maneira que um anônimo quando contemplado pela loteria.

A culpa é de um país que, em nome de um combate a um partido, aboliu regras jurídicas, respeito à democracia e às instituições.

GGN

quarta-feira, 2 de agosto de 2017

A manipulação das estatísticas no Brasil, por Luis Nassif

Nesses tempos de big data, de abundância de estatísticas, é chocante a pobreza da discussão econômica do país, especialmente em relação aos gastos públicos, despesas correntes, investimentos e financiamentos.
O jogo ideológico consagrou alguns economistas que se especializaram em contas públicas, Previdência, cálculos de subsídios. Todos eles, invariavelmente, analisam os dados a seco, sem nenhuma preocupação em estender as analises para as chamadas externalidades positivas ou negativas.
Vamos a alguns exemplos.
Subsídios ao BNDES
O cálculo é feito sobre os aportes do Tesouro comparando os custos da dívida pública (medido pela Selic) em comparação com o custo dos financiamentos (em TJLP).
Desconsideram os seguintes pontos.
O financiamento vai gerar um novo empreendimento, que ampliará a capacidade instalada do país. Especificamente no plano fiscal, o novo empreendimento gerará os seguintes tipos de receita:
·         Imposto de Renda da empresa, quando em operação.
·         ISS (Imposto sobre Serviços) e IPI (Imposto sobre Produtos Industrializados) pagos pela empresa
·         Contribuição previdenciárias sobre a folha de salários.
·         Nos casos de obras de infra-estrutura, aumento da eficiência econômica no entorno.
·         Com a venda dos produtos, pagamento de ICMS que será transferido para o consumidor, na ponta.
·         Do ponto de vista social, aumento da oferta de emprego.
Nenhum desses dados é considerado, apesar de o BNDES fazer esses levantamentos de impacto em cada grande financiamento concedido.
Salário mínimo
No caso do salário mínimo na aposentadoria, estudos do IBGE identificaram que em 55% das residências com um aposentado ou pensionista ele se torna o arrimo de família, as crianças estudam mais e entram no mercado de trabalho mais tarde.
Significa:
·         Economia nos gastos com saúde
·         Economia nos gastos com segurança pública
·         Melhoria da eficiência da mão-de-obra, porque crianças com mais condições de estudo.
Anos atrás, o IBGE soltou essa pesquisa. A reação do mercado foi contratar um economista da Tendências Consultoria para tentar comprovar a tese de que, em casas com aposentado ou pensionista, aumenta a propensão à vagabundagem por parte das crianças.
A pesquisa foi feita com essa intenção e não comprovou a tese. Mas seus resultados jamais foram incorporados ao debate econômico.
Custo dos juros
O diferencial de juros a mais, no Brasil, impacta os seguintes setoresÇ
·         Encarece o custo do investimento, já que o cálculo é feito em cima da Taxa Interna de Retorno, que é influenciada pela Selic.
·         Desvia recursos do orçamento, impactando diretamente os investimentos públicos em infraestrutura.
·         Encarece toda a produção, já que a empresa irá procurar uma TIR compatível com o custo do dinheiro. Isso a faz restringir os financiamentos e aumentar o preço dos produtos gerados, como maneira de alcançar os níveis de rendimento da SELIC.
Não basta ter a planilha. É preciso imaginação criadora e espírito isento para bem utilizá-la
Do GGN

Carlos Motta: Lula é parte da solução, não do problema

O ex-presidente Lula é o homem mais odiado pela oligarquia nacional desde que por aqui aportou a esquadra de Pedro Álvares Cabral.

Nem Getúlio Vargas, nem Jango, igualmente políticos detestados pelos homens de bem, mereceram tratamento igual.

A perseguição a Lula é implacável, feroz, incansável.

Seu destino já está traçado: vai morrer numa cela, por crimes tão absurdos quanto a natureza do ódio que o vitima.

Para seus algozes, prendê-lo é pouca coisa - além disso, é necessário assassinar a sua reputação, humilhar o seu legado, punir todos os que têm admiração por ele, ou são seus amigos ou mesmo familiares.

Para os manda-chuvas do Brasil, Lula é tudo aquilo que não deveria ter ocorrido na história do país.

Não é só o velho ódio de classes que está explícito na caçada ao ex-presidente.

É a aversão radical a qualquer tipo de entendimento entre o capital e o trabalho, entre os servos e o senhor, entre a Casa Grande e a Senzala.

Para os endinheirados pouco importa que tenha sido Lula o único presidente que foi capaz de promover, em seus dois governos, a paz social, o diálogo entre os desiguais, a conciliação entre os opostos - ao mesmo tempo em que reduzia a miséria e a desigualdade, manchas de iniquidade que envergonham a nação perante as outras, e garantia que o andar de cima nadasse de braçadas num mar de prosperidade.

É inacreditável que hoje os que veem em Lula um inimigo mortal tenham se esquecido de quem foram os seus auxiliares, seus ministros, e mesmo o seu vice.

Para refrescar a memória dessa gente, vão aí alguns nomes que integraram o ministério da era Lula, nomes que, absolutamente não estavam - e nem estão - ligados àqueles que, pejorativamente, são chamados de "companheiros" do ex-presidente, ou sequer possam ser acusados de, alguma vez na vida, ter tido um pensamento "esquerdista":

Roberto Rodrigues, Luis Carlos Guedes Pinto, Reinhold Stephanes, Wagner Rossi, Roberto Mangabeira Unger, Eduardo Campos, Sérgio Machado Rezende, Eunício Oliveira, Hélio Costa, José Artur Filardi, Jorge Hage, Gilberto Gil, Nelson Jobim, Luiz Fernando Furlan, Miguel Jorge, Cristovam Buarque, Pedro Brito, Geddel Vieira Lima, Marina Silva, Silas Rondeau, Márcio Zimmermann, Nelson José Hubner Moreira, Edison Lobão, Amir Lando, Romero Jucá, José Saraiva Felipe, José Gomes Temporão, Carlos Lupi, Anderson Adauto, Alfredo Nascimento, Valfrido dos Mares Guia, sem esquecer de seu vice, José Alencar.

Vários desses nomes são hoje inimigos declarados do ex-presidente, e partícipes do golpe que trocou uma presidenta honesta, eleita com mais de 54 milhões de votos, por um governo de corruptos e ladrões.

Há no Brasil poucas pessoas com a capacidade de diálogo de Lula.

A cegueira ideológica e a doença mental de que são acometidos os donos do capital impedem, porém, que, em vez de ver o ex-presidente como parte da solução para os gravíssimos problemas em que meteram o Brasil, o vejam como o principal entrave para a superação dessa crise.

Matar Lula é matar qualquer esperança de ver o país progredir, ou sequer de que se transforme numa moderna democracia.

GGN