segunda-feira, 7 de agosto de 2017

FHC, PSDB, PT e o combate ao centralismo brasiliense, Nassif

No artigo “Convicção e Esperança” (https://goo.gl/sGRuQg), no Estadão e em O Globo, Fernando Henrique Cardoso demonstra uma insuspeitada saudade de um partido que ele ajudou a enterrar: o PSDB socialdemocrata, substituído por um PSDB radicalmente mercadista e, depois, radicalmente à direita.

Era o PSDB de Mário Covas que, embora não fosse um pensador, pela atuação de centro-esquerda no velho MDB e, especialmente, na Constituinte, inspirava ideias e projetos socialdemocratas.

No velho PSDB, quem melhor representava esse espírito eram os economistas da FGV-SP, Luiz Carlos Bresser Pereira e Yoshiaki Nakano, os irmãos Mendonça de Barros. E a grande cabeça política, o José Dirceu do PSDB, era Sérgio Motta, um furacão generoso e solidário, que ajudava a empurrar o lado inercial de Fernando Henrique e José Serra.
Esse modelo nem chegou a ser implementado no governo FHC. Depois, a morte de Covas, Motta e André Franco Montoro sepultou definitivamente esse PSDB socialdemocrata, substituído pelo discurso único do antipetismo, pelas palavras de ódio e a perda de capacidade de formulação de políticas públicas inovadoras.

A expectativa de 20 anos de poder, apregoada por Sérgio Motta, se foi com a pequenez de FHC, apesar do alerta final de Sergião: “não se apequene”.

Agora, ocorre um fenômeno curioso.

Em Brasília, o novo presidente do PSDB, Tasso Jereissatti, indica a intenção de ressuscitar o mito Covas, não apenas a coragem, a posição externada na Constituinte, mas a capacidade dos grandes gestos, como foi o apoio à Martha Suplicy contra Paulo Maluf.

Mas com quem? Esse PSDB não existe mais. A cara do PSDB é Aloysio Nunes dizendo “aqui, não!”, para a Venezuela no Twitter, faltando completar a bravata com uma banana. Ou os barras pesadas, como Aécio Neves e José Serras, os anódinos, como Geraldo Alckmin, até a ralé intelectual do privativismo, como João Dória Je.

A reforma do Estado
No entanto, voltam a ficar presentes no horizonte um conjunto de fatores que ajudaram a marcar a Constituinte e a vida inicial do PSDB.

É hora de se colocar nas próximas campanhas, a discussão sobre o papel do Estado. E é um tema que deveria merecer a mesma atenção do PSDB e do PT, como um dos pontos em comum de uma plataforma que recrie condições mínimas de governabilidade e de retorno do protagonismo da cidadania.

O PSDB falava em estado enxuto e forte. Enxugou sem fortalecer. Os Ministérios foram esvaziados de quadros técnicos. Nos dois mandatos de FHC, não se viu o Estado atuando nenhuma vez como coordenador de políticas federativas, de políticas sociais mais amplas. O máximo que avançou foi nos indicadores de educação, iniciados no período Paulo Renato.

O PT assumiu e refortaleceu o serviço público. Instituiu concursos, melhorou substancialmente os proventos dos funcionários, reforçou novamente os quadros técnicos dos Ministérios. E qual o resultado?

Na fase inicial, desafiada a nova burocracia avançou em estudos, trabalhos. Quando houve a perda de rumo político, a partir de 2012, tomou o freio aos dentes e passou a atuar politicamente, como ocorreu com o TCU e o MPF.

O Estado passou a ser apropriado de duas formas distintas.

Numa ponta, a velha oligarquia política indicando apaniguados para cargos mais proveitosos para os negócios. Na outra, as corporações dos concurseiros passando a atuar politicamente e conquistando melhorias salariais extravagantes.

Assim como no regime militar, os funcionários encastelados em Brasília passaram a disputar recursos do orçamento enquanto que na ponta – ou seja, no funcionalismo que prestava diretamente serviços à população – paga-se salário de fome.

Vai se ter que voltar aos princípios da pós-Constituição, da reação inicial contra o militarismo e contra o centralismo brasiliense, que resultou na campanha contra os marajás do serviço público.

Na outra ponta, haverá a necessidade premente de avançar na criação de indicadores de desempenho, para uma avaliação correta dos meios e fins nas políticas públicas. E, principalmente, na discussão de ferramentas de accountability em todos os setores, especialmente os setores Judiciário e seus apêndices e nas áreas ligadas ao Legislativo, como o Tribunal de Contas e o conjunto de assessorias do Congresso. O objetivo final de cada ação pública é o atendimento das demandas da cidadania. Essa deverá ser a métrica a medir a produtividade do Estado.

Em seu artigo, FHC critica o mercadismo vazio que ele próprio ajudou a tornar hegemônico e o inchaço do Estado, com o foco das políticas públicas não esquecendo o social. Mas a cara do PSDB ainda é muito mais Pedro Parente do que Covas.

Em algum momento do futuro, não haverá como fugir de uma nova Constituinte que coloque definitivamente os donos do Estado sob controle da cidadania.

 Do GGN

Dallagnol nunca acessou sistema da Odebrecht para saber se Lula recebeu propina, diz Jornal GGN

Foto: Agência Brasil
O procurador Deltan Dallagnol admitiu que nunca acessou o sistema de controle de pagamentos de propina da Odebrecht para atestar que o ex-presidente Lula estava entre os beneficiários. Segundo informações da jornalista Mônica Bergamo, a defesa do petista solicitou acesso ao software que está detido na Suíça, acreditando que a força-tarefa esconde dados que podem favorecer Lula. Dallagnol, porém, respondeu que nunca teve contato com o sistema.

"O mistério do arquivo virou mais um motivo de discórdia entre Dallagnol e os defensores de Lula. Eles insistem que o MP tem o material. E querem acessá-lo porque acreditam poder reforçar a tese de que Lula não recebeu dinheiro da empreiteira", apontou a colunista.

O MyWebDay, sistema que a Odebrecht usava para gerenciar a contabilidade das propinas, foi descoberto em 2016, quando uma funcionária foi presa. Segundo Bergamo, a revelação foi o que empurrou a empreiteira de Marcelo Odebrecht para fazer o mega acordo de delação premiada. "Na época era tido como certo que o software mostraria ordens de pagamentos não apenas a políticos mas também a integrantes do Judiciário, da diplomacia e de tribunais de contas, por exemplo", comentou.

"Segundo Dallagnol, a Suíça, onde as informações foram armazenadas, nunca compartilhou os dados. Hilberto Mascarenhas, diretor da Odebrecht, afirmou que tinha a chave de acesso ao sistema. Mas depois voltou atrás e disse que se desfez dela. Até o DoJ, departamento de Justiça dos EUA, se envolveu na tentativa de abertura do dispositivo. Mas ele é aparentemente inviolável", disse Bergamo.

"As poucas planilhas do MyWebDay que aparecem em algumas delações estariam em correspondências antigas trocadas entre diretores da empresa", finalizou.

Do GGN

Oração fúnebre para o Brasil, por Aldo Fornazieri

No último dia dois de agosto de 2017 assistimos, paralisados, a morte moral do Brasil. Pela primeira vez na história, um presidente da República foi flagrado cometendo crimes e os falsos representantes do povo decidiram dar-lhe aval para que ele siga impune no exercício da mas alta magistratura do país sem que a tenha recebido da vontade do povo. Pelo contrário, deixaram-no no cargo contra a vontade da esmagadora maioria do povo. De lá para cá, o país sangra sem dignidade e o pavilhão auriverde tremula com as manchas cinzentas da vergonha.

​A morte moral do Brasil não foi acompanhada pelo tinir de batalhas nas ruas e nas praças, por gritos de indignação, e pelo rufar de tambores da guerra. Com exceção de uma escaramuça aqui, outra acolá, o povo assistiu cabisbaixo a morte da dignidade nacional. O que se ouviu foram lamentos de desesperança de uma sociedade fraca que se afunda em sua fraqueza, de um povo desanimado, incapaz de qualquer ato de virilidade combativa.

O que se viu foi um povo cativeiro de sua própria impotência, sequer comparável aos hebreus escravizados no Egito, porque aqui não há um Moisés libertador, capaz de conduzi-lo a uma Terra Prometida qualquer. Os nossos políticos são valentes em seus gabinetes, são combativos em sua vaidade, são espalhafatosos em suas inconsequências e são heróis de sua própria covardia. Não, aqui o povo está cativo em sua própria terra, sem um líder que o convoque para a luta, que possa servir-lhe de exemplo, de inspiração.

O assassinato moral do Brasil não deixou viúvas vingativas, filhas revoltadas, filhos, parentes e amigos desensarilhando armas para o combate. Silêncio, fastio, recolhimento, desalento e resignação são os entes que acompanham o triste féretro por onde passa o corpo insepulto deste país apunhalado em sua inglória trajetória, extraviada nos tempos.

O povo bestializado que viu nascer a República - no dizer de Aristides Logo - proclamada por um marechal monarquista, sem saber o que estava acontecendo, é o mesmo povo bestializado de hoje que viu Temer ser salvo porque a vida é assim, porque os políticos são assim, porque o Brasil é assim e porque nada importa. Tanto fez, como tanto faz. Resignação e indiferença parecem ser os melhores remédios quando não há ânimo no espírito, quando não há virtudes cívicas, quando não há coragem e disposição para a luta, quando não há líderes autênticos. Resignação e indiferença é a melhor maneira de enfrentar a trágica normalidade, porque nada muda numa realidade pacata, violentamente pacata, que sempre foi assim e sempre será assim.

Os políticos de Brasília, os operadores do mercado financeiro, os grandes capitalistas, os empresários da Fiesp que nunca pagam o pato, não choram por este  Brasil moralmente decapitado. Não choram pelos 60 mil mortos anuais que acompanham esse corpo de um Brasil saqueado; não choram pelas mães e pelas viúvas de jovens assassinados; não choram pelos milhares de corpos mutilados no trânsito; não choram pelo choro das crianças baleadas no ventre das mães, da meninas abatidas pelas balas perdidas; não choram pelos doentes amontoados nos corredores dos hospitais públicos; não choram pelas crianças que não têm leite, pelo trabalhador que não dorme, pela empregada doméstica humilhada e pelas famílias que não têm  lar. Os políticos choram pelo teu voto, pela propina dos empresários, pelo cargo público para os apadrinhados, pelo enriquecimento privado.

Não há sentido de grandeza nas ações dos nossos políticos, nem honra em servir o bem público, nem ambição de conquistar a glória imorredoura dos grandes feitos construídos pelo espírito heróico do desprendimento sacrificante da doação pessoal pelo país. Os nossos políticos almejam a reputação dos mesquinhos, as pequenas manobras dos espertalhões, as palavras lustrosas dos demagogos, os atos teatrais dos charlatões.

Os historiadores nos descreverão em cinza sobre cinza
Os historiadores do futuro haverão de descrever o nosso tempo em páginas cinzentas com letras cinzentas, pois nada de dignificante e glorioso há o que se relatar. Há que se relatar os andrajos morais de um país sem dignidade, uma época de covardias de gentes indisponíveis para a luta. Há que se relatar uma tenebrosa noite de incertezas, de rostos deprimidos pela desesperança. Há que se relatar um tempo de políticos que engrandeceram os bolsos para empobrecer a pátria, de empresários que compraram políticos para se apoderar dos cofres públicos, de inconfidentes contra a Constituição que deveriam ser seus próprios guardiões.

Há que se relatar um tempo em que o país foi assaltado por políticos velhacos e quadrilheiros, cuja competição não era para inscrever nas páginas da história as vitórias triunfais na construção de um país grandioso, mas para ver quem se apossava mais do botim do tesouro público, para ver quem era o melhor amigo dos empresários para solicitar-lhe a propina em troca de favores escusos.

As gerações futuras sentirão vergonha do nosso tempo, sentirão desprezo pela nossa covardia e pela nossa prostração. Serão justas se não sentirem nenhuma magnanimidade compreensiva, pois não a merecemos. Não mereceremos a benevolência do perdão porque estamos legando a elas uma herança trágica, de um país que se arraigou à sua desigualdade, à sua incultura, à sua indignidade e à sua falta de coragem.

As gerações futuras nos condenarão a nós e a nossos inimigos. A nós porque fracassamos de livrar o Brasil de seu opróbrio; não fomos capazes de enfrentar os inimigos do povo com a astúcia virtuosa do bom combate; nos enredamos nas auto-justificativas pueris dos nossos próprios fracassos; não tivemos princípios de conduta disciplinadores; não nutrimos traços de caráter intransigentes com as injustiças e com as desigualdades; não fomos inconformados com os nossos próprios erros e fracassos; não tivemos a virtù guerreira para proteger e liderar os mais fracos e arrancar dos poderosos os frutos de suas rapinas.

Os nossos inimigos serão condenados pela encarnação histórica do mal que sempre foi feito desde que o Brasil é Brasil. São a continuação dos massacres contra os índios, dos açoites e dos grilhões contra os negros, do sangue derramado dos camponeses nos campos vastos do Brasil, do cansaço, suor e lágrimas dos trabalhadores explorados. São a continuação da violência sexual, moral e laboral contra as mulheres.

Michel Temer e seu governo são uma síntese de toda essa perversidade criminosa que cobre o Brasil de sangue, de vergonha e de indignidade. Quando as forças terríveis do Hades tragarem Temer para as profundezas dos abissais, não lhes será erguida nenhuma estátua para que fique na memória do país. Essas forças o arrastarão para os campos do esquecimento eterno. E se alguém encontrar a sua sepulura em tempos remotos do futuro haverá de ler: "aqui jaz um corrupto que destruiu o Brasil para salvar o seu mandato ilegítimo".

Aldo Fornazieri - Professor da Escola de Sociologia e Política (FESPSP).

DO GGN

sábado, 5 de agosto de 2017

Xadrez de como a Lava Jato protegeu Michel Temer, por Luís Nassif

Peça 1 – a teoria do fato, o supérfluo e o essencial
As denúncias feitas pelo Ministério Público Federal de Curitiba contra o Almirante Othon Luiz Pinheiro da Silva, em função de manipulações nas licitações da Eletronuclear, têm características polêmicas.

Como se sabe, o método de investigação do MPF é chamado de “teoria do fato” (não confundir com teoria do domínio do fato), que nada mais é do que a tática de definir uma narrativa inicial do crime, para poder organizar melhor os elementos levantados na investigação.

A teoria do fato da Eletronuclear foi que o Almirante Othon direcionava licitações para as empreiteiras em troca de pagamentos feitos através do pagamento de serviços não realizados por empresa de sua propriedade e das filhas. Ponto.

Ficou aí e daí não saiu nem quando os fatos começaram a apontar em direções mais elevadas.

Como se sabe, ninguém é alçado ao comando de uma grande estatal sem ter um padrinho político. Principalmente quando se dispõe a fazer negócios.

A “teoria do fato” do MPF é um cartapácio de 135 páginas, assinado por onze procuradores, tendo 14 testemunhas relacionadas.

Foi um levantamento minucioso em que foram apurados até valores minúsculos (em relação aos números globais do golpe).

·      Na página 7, identificam um repasse de R$ 276 mil para a Aratec (a empresa de Othon).

·      Na página 12, três, de R$ 2,9 milhão, R$ 2, 7 milhões de R$ 1,4 milhão

·      Na página 13, uma de R$ 300 mil.

·      Na página 15, uma de R$ 1,5 milhão e outra de R$ 30 mil.

Colocaram tudo na denúncia, menos o essencial.

Jabuti não sobe em árvore. Principalmente em setores onde há negociatas, dirigente não entra pelo currículo. A grande questão que ficou em aberto:

1.     Quem era o padrinho político de Othon.

2.     Como o padrinho era remunerado.

Nas provas e depoimentos levantados, existem evidências fortíssimas permitindo destrinchar os dois pontos centrais. Mas foram deixados de lado pela força tarefa. O principal suspeito foi citado de raspão, a estrutura do golpe revelada, mas não houve um movimento sequer para aprofundar as investigações.

Peça 2 – os golpistas que escaparam
O principal contrato de Angra 3 foi o GAC.T/COJ-004/2010 e o Contrato GAC.T/CT- 4500151462.

O golpe é bem descrito na denúncia.

As licitações eram na modalidade preço-técnica. O golpe, usual, consistia em conferir mais peso à técnica e defini-la de forma bastante genérica, para permitir o subjetivismo do julgamento.

Todas as pistas estavam aí. Era uma concorrência internacional, e com o maior valor de contrato: R$ 162 milhões.

1.     Foi vencido pela AF Consult LTD da Finlândia

2.     Por exigência contratual, a AF Consult subcontratou a Engevix Engenharia e a AF Consult Ltda Brasil.

3.     20% dos valores foram remetidos para o exterior.

Tem-se, aí, a primeira chave: a AF Consult.

Mais: há um e-mail de Samuel Fayad, funcionário da Engevix, de 21 de agosto de 2014, em que informa os destinatários que Othon chamou “Roberto e o Lima para fechar o aditivo”. Na denúncia, os procuradores se limitam a informar que “Roberto e Lima são pessoas ligadas à AF Consult”. Nada mais disseram e, aparentemente, não investigaram.

Tinha-se, ali, a segunda peça.

Pela denúncia constata-se que os procuradores sabiam que a peça chave do golpe era a AF Consult e que os seus representantes eram Roberto e Lima.

Quinze pessoas foram denunciadas. Lima e a AF Consult, peças centrais da trama, ficaram de fora. Não há denúncias, não há investigações, não há teorias de Deltan Dallagnol, por mais estrambólicas que sejam, que expliquem essas lacunas.

A denúncia foi apresentada no dia 31 de agosto de 2015.

Cinco dias depois, a manchete da Folha era: “Governo tenta minimizar impacto da fala de Temer”. Temer declarou que, se mantida a baixa popularidade, Dilma dificilmente concluiria seu mandato. Já estava à frente do golpe.

Peça 3 – o notório coronel Lima
No dia 26 de junho de 2017, três parlamentares do PT – deputados estaduais João Paulo Rillo (SP) e Carlos Alberto Pletz Neder (SP) e o senador Lindbergh Farias – entraram com uma representação junto à Procuradoria Geral da República, denunciando as omissões da força tarefa da Lava Jato.

No capítulo I, falam da amizade histórica de Temer com João Baptista Lima Filho, o coronel Lima. Lembram o período em que Temer foi Secretário de Segurança do estado de São Paulo, e que coincide com o crescimento da empresa Argeplan Arquitetura e Engenharia, que tinha Lima como sócio. À esta altura, o tema já havia vazado para a imprensa.

A representação avançou em consultas na Junta Comercial, e reconstituiu a caminhada societária do golpe.

·      A Argeplan e a Drosera Participações Ltda (atual AF Consult do Brasil Ltda) se tornaram sócias em 10/08/2009, dez meses antes da publicação do edital.

·      O contrato com a Eletronuclear foi assinado em 24/05/2012.

·      Sete dias depois, em 31/05/2012 a AF Consult Ltda da Finlândia se retira da sociedade ingressando em seu lugar a AF Consult Switzerland Ltda, da Suiça.

A hipótese é que a AF Consult da Suiça tenha entrado para receber os 20% da propina, já que não há nem sinal de sua participação nos trabalhos.

Pelos dados divulgados pela imprensa, a divisão do bolo ficou assim:

1.     O contrato total era de R$ 162 milhões.

2.     R$ 113,4 milhões foram repassados para a Engevix que, embora subcontratada, foi quem realmente tocou a obra.

3.     A AF Consult do Brasil Ltda, sem nenhuma experiência na área foi subcontratada pela Engevix por R$ 48 milhões, havendo indícios de que os serviços não foram prestados.

No dia 10 de agosto de 2015, o diretor da Engevix José Antunes Sobrinho, prestou depoimento à Lava Jato de Curitiba.

Nele, conta detalhes do direcionamento.

A licitação para o pacote Eletromecânico 1 exigia uma empresa internacional, já que nenhuma nacional tinha experiência na área. Mas precisava ter um braço nacional. Venceu a finlandesa AF Consult Ltd, que subcontratou a Engevix. Para melhor avaliar a importância do contrato, segundo Antunes Sobrinho, foi o maior obtido pela Engevix.

Nenhuma pergunta sobre a AF Consult ou sobre Lima.

No dia 21 de abril de 2016, reportagem da revista Época já mencionava o nome de Temer na delação de Antunes. Segundo a matéria, os advogados de Antunes tentavam o acordo, com ele disposto a entregar Temer, Erenice Guerra, José Dirceu, João Vaccari e – como pedágio – a afirmação genérica de que os negócios só eram possíveis graças à caneta do presidente da República.

Na reportagem foi mencionada a Argeplan. Depois de ganhar uma licitação para a reforma da biblioteca do Tribunal de São Paulo, conquistou a licitação de R$ 162 milhões.

Segundo a matéria

Lima foi diretamente responsável pela indicação de Othon junto a Michel Temer, e por sua manutenção no cargo de presidente da Eletronuclear”. O delator disse ainda ter ouvido de Lima que a manutenção de Othon na presidência da empresa estava diretamente associada a “resultados”.

Há uma grande probabilidade das fontes da revista serem membros da Lava Jato, o que comporvaria que tinham todas as informações sobre o esquema Temer. Uma das observações era a forma imperativa com que o coronel Lima se dirigia ao Almirante Othon:

Não é a primeira vez que Lima surge na Lava Jato. O nome do coronel é citado em uma troca de e-mails de Antunes sobre o contrato Eletromecânico 1 de Angra 3, justamente o que foi firmado pela Engevix, com participação da Argeplan. Lima e sua empresa também aparecem em interceptações telefônicas do almirante Othon Pinheiro. Em 7 de julho de 2015, Lima perguntou se Othon teria previsão de ir a São Paulo para um encontro. Num diálogo que denotava subordinação de Othon a Lima, o almirante dizia que não tinha previsão, porém poderia rapidamente organizar a viagem para segunda-feira, menos de uma semana depois da ligação. “Segunda-feira, se o senhor vier aqui, a gente precisava ter uma conversa. Tem de tomar uma providência aí que... eu acho que tá chegando no ponto que vai culminar naquele tema”, diz Lima na gravação.

Antunes disse que foi procurado pelo coronel Lima para entrar no contrato de Angra 3. A empresa de Lima, afinal, não tinha quaisquer condições de executar os serviços. Antunes topou e foi subcontratado pelo consórcio AF/Argeplan, criado, segundo ele e documentos comerciais, por Lima e pessoas ligadas ao almirante Othon. Antunes afirma que “entre as condições para que Othon fosse mantido no cargo, estava a de ajudar Lima nesse contrato e em outros futuros, de modo que a Argeplan/AF e mesmo a Engevix se posicionassem bem nos futuros projetos nucleares”. Fontes da Engevix ouvidas por ÉPOCA garantem, contudo, que, apesar de integrar o consórcio, a AF Consult do Brasil não realizou nenhuma obra em Angra 3, e que sua participação no contrato jamais foi explicada pela direção da empresa.

No dia 24 de junho de 2016, o nome de Temer finalmente apareceu em reportagem da revista Época “Operador ligado a Temer admite ter recebido R$ 1 milhão da Engevix”. Antunes estava em prisão domiciliar em Curitiba, e acusava Temer de ter sido beneficiário de R$ 1 milhão decorrente dos contratos da Angra 3.  Era uma proposta de delação premiada.

Mencionava o pagamento de R$ 1 milhão à PDA Projetos, outra empresa de Lima.

Segundo a matéria

“Com as revelações do executivo, o dinheiro pode ser rastreado pelos investigadores para que seja verificado se Temer foi de fato beneficiado, como afirma Antunes – o que, novamente, o presidente interino nega com veemência. Pouco tempo depois do pagamento da propina, Lima fez viagens ao Panamá e ao Uruguai, dois conhecidos paraísos fiscais usados por operadores da Lava Jato para esconder dinheiro”.

Já se sabia, então, que Lima e Temer tinham forte influência sobre o Almirante Othon. Antunes revelou que a Argeplan apenas reformava telhados e cuidados de pequenos projetos arquitetônicos.

Segundo a matéria, desde novembro de 2015 advogados de Antunes tentavam o acordo com a PGR.

“Janot era representado nas negociações com Antunes pelo promotor Sérgio Bruno, do grupo de trabalho de Brasília, pelo procurador Athayde Ribeiro, da força-tarefa de Curitiba, e pelo procurador Lauro Coelho Júnior, da força-tarefa do Rio de Janeiro. O Ministério Público não informa oficialmente o motivo da recusa às revelações de Antunes, que só podem ser usadas como ponto de partida em investigações criminais caso seja assinado um acordo. Nada impede, no entanto, que a investigação prossiga a partir de outros atos iniciais – como informações fornecidas por outros delatores ou outras representações enviadas ao Ministério Público. Reservadamente, porém, negociadores comentam que Antunes parecia fazer “contenção de danos”. Ou seja, avaliam que ele não contou tudo o que sabia e vivenciou”.

Ora, é sabido que a revista é alimentada por integrantes da Lava Jato. As informações que obteve foram de suas fontes da Lava Jato. Qual a razão, no entanto, para nada disso entrar na denúncia?

Peça 4 – Moro convalida o jogo
A denúncia dos procuradores curitibanos foi apresentada no dia 1o de setembro de 2015. Foi acolhida pelo juiz Sérgio Moro apenas dois dias depois, apesar do tamanho do documento.

Na denúncia aceita, nada de João Baptista Lima Filho, o coronel Lima, nem a AF Consult, nem os diretores responsáveis pela AF Consult Finlândia e AF Consult Switzerland.

No dia 30 de outubro de 2015, houve o fatiamento do Inquérito Eletronuclear, decidido pelo pleno do STF. E o caso foi transferido para o MPF e a Justiça Federal no Rio de Janeiro.

No dia 4 de agosto de 2016 saiu a sentença condenando 12 dos 13 réus em regime fechado e a sentença de 43 anos para o Almirante Othon.

Nada ocorreu com o coronel Lima e seu padrinho político Michel Temer,

Em abril de 2016, Antunes Sobrinho apresntou proposta de delação premiada.

No dia 20 de junho de 2016, matéria de O Globo informa que “Executivo que citou pagamento a Temer desiste de colaboração”. Um dos motivos foi o fato de ter sido absolvido pelo juiz Sérgio Moro em processo sobre a Petrobras.

No dia 4 de maio de 2016, em matéria do Valor Econômico, com o título “Foi todo mundo ludibriado, eu me sinto um idiota”, Antunes é questionado sobre a delação premiada

Valor: Quando o sr. esteve preso em Curitiba, foram publicadas informações de que estava negociando delação premiada, inclusive mencionando o presidente Michel Temer. Por que desistiu?

Antunes: Te respondo só com uma frase. Não fui eu quem desistiu.

Valor: Então o sr. ainda está disposto a colaborar?

Antunes: Você me perguntou por que eu desisti. Estou dizendo que eu não desisti. Ponto.

Peça 5 – a representação para o PGR
Na representação entregue ao PGR, os três parlamentares solicitam:

·      Investigar a suposta participação do Coronel Lima na articulação de licitação e contrato superfaturado nas obras de Angra 3, que favoreceu a AF Consult Ltd. Finlândia, que, por sua vez, subcontratou AF Consult do Brasil Ltda. para realizar 30% da obra, empresas estas sem experiência alguma em assuntos de energia nuclear;

·      Ouvir a testemunha dos fatos aqui narrados, o atual Diretor Presidente da Engevix, José Antunes Sobrinho, independente de eventual delação premiada ou acordo de leniência que possa ser aceita pelo Ministério Público Federal;

·      Apurar se a constituição da sociedade AF Consult Brasil Ltda. (da qual participam como sócias as sociedades Argeplan e a AF Consult da Finlândia, esta última vencedora da licitação) maculou o processo licitatório;

·      Promover a quebra dos sigilos fiscal e bancário das seguintes pessoas físicas:

o   João Baptista Lima Filho, CPF 029.709.378-91;

o   Maria Rita Fratezi, CPF 059.153.868-73;

o   Carlos Alberto Costa, CPF 026.907.308-63;

o   Roberto Liesegang, CPF 913.231.507-49, procurador da Af Consult - Switzerland Ltd.;

o   Carlos Jorge Zimmermann, CPF 169.302.749-68, procurador da AF Consult Ltd - Finlândia.

Promover a quebra dos sigilos fiscal e bancário das seguintes pessoas jurídicas, nas quais João Baptista Lima Filho participa como sócio:

·      PDA Projeto e Direção Arquitetônica Ltda., CNPJ 02.986.279/0001-50. Nesta sociedade civil constam como sócios João Baptista Lima Filho e Maria Rita Fratezi;

·      PDA Administração e Participação Ltda., CNPJ 14.657.413/0001-58. Nesta são sócios João Baptista Lima Filho e a PDA Projeto e Direção Arquitetônica Ltda.;

·      Argeplan Arquitetura e Engenharia Ltda., CNPJ 45.070.687/0001-70. Nesta são sócios João Baptista Lima Filho e Carlos Alberto Costa.

Promover a quebra dos sigilos fiscal e bancário da AF Consult Ltd, da Finlândia, extensiva às empresas nas quais teve ou tem participação societária: 

·      AF Consult do Brasil Ltda. – CNPJ 08.307.539/0001-08;

·      AF Consult Switzerland Ltd, sociedade suíça.

Verificar se as movimentações financeiras das pessoas jurídicas acima mencionadas foram compatíveis com suas atuações no mercado nos últimos 10 anos;

Verificar se as evoluções patrimoniais das pessoas físicas citadas foram compatíveis com seus rendimentos nos últimos dez anos;

Por último, promover o rastreamento do dinheiro para se chegar aos destinatários finais da suposta propina.

Peça 6 – a título de conclusão
Não há uma explicação razoável para essa omissão da Lava Jato e do juiz Sérgio Moro.

Incompetência apenas não explica. Afinal, tinham todos os dados sobre a importância da AF Consult e do não tão misterioso Lima.

Uma das hipóteses foi a da partidarização da Lava Jato, já de cabeça na campanha do impeachment, evitando qualquer passo que pudesse atrapalhar o desfecho. E denunciar o braço direito de Temer significaria enfraquecer a principal frente do golpe, justamente os defensores da tal “Ponte para o futuro”.

Pode ter sido um impulso político, pode haver mais mistérios por trás dessa omissão.

Só o tempo esclarecerá.

Peça 7 - construindo o conhecimento

Aqui vai uma relação de documentos levantados na representação ao PGR, para quem quiser ajudar a construir conhecimento:

Doze consórcios com a participação da Argeplan

A AF Consult do Brasil

A representação a Janot

Depoimento de Antunes Sobrinho

PDA Projetos Arquitetônicos

A denúncia do MPF de Curitiba
  












Do GGN

sexta-feira, 4 de agosto de 2017

A lava jato e o kafkiano colapso do Direito Constitucional brasileiro, por Fábio de Oliveira Ribeiro

Há alguns dias critiquei severamente a decisão de Sérgio Moro. Disse que a sentença dele me parece problemática por causa de três detalhes importantes:​

1- A condenação considerou prova do crime cometido pelo réu as reportagens jornalísticas que acusaram Lula de receber propina. Em virtude dos fatos enunciados nestes documentos particulares elaborados por jornalistas o juiz resolveu desprezar um documento público (a certidão do Cartório de Registro de Imóveis que prova que a construtora sempre foi e ainda é a legítima proprietária do Triplex);

2- A Lei considera crime receber propina, mas Sérgio Moro condenou Lula não porque ele recebeu propina e sim porque ele foi acusado por jornalistas de ter recebido propina (o que é muito diferente). Portanto, me parece evidente que ao proferir sua sentença o juiz da Lava Jato inventou um novo tipo penal para decretar a prisão do réu;

3- Em virtude da condenação, todos os bens de Lula adquiridos honestamente foram arrestados pelo juiz. Mas Sérgio Moro tomou o cuidado de não arrestar o Triplex que seria o próprio objeto do crime. Ele fez isso porque o terceiro proprietário poderia facilmente desembaraçar seu imóvel expondo a incoerência da condenação de Lula? http://jornalggn.com.br/blog/fabio-de-oliveira-ribeiro/explorando-as-cavernas-dos-casos-de-sergio-moro-por-fabio-de-oliveira-ribeiro.

Hoje o juiz da Lava Jato resolveu confiscar o Triplex para entregá-lo à Petrobras. A princípio, a nova decisão parece coerente. Afinal, Sérgio Moro declarou que Lula recebeu o imóvel como propina, portanto, ele seria o proprietário do bem. E nada seria mais justo do que perder a propriedade do objeto do crime.

Todavia, a decisão esbarra em dois problemas. O primeiro é o princípio do Direito Penal de que a pena não pode ultrapassar a pessoa do réu expressamente assegurado no inciso XLV, do art. 5o. da CF/88. O imóvel está registrado em nome da construtora e ela não é parte no processo em que Lula foi julgado e condenado. Portanto, a pena imposta a Lula ultrapassa a pessoa do réu para produzir efeitos na vida do terceiro.

Outro problema é a grave violação do direito de propriedade da construtora. No Brasil o proprietário de um imóvel (aquele em cujo nome o bem está registrado no Cartório de Imóveis) tem seus direitos garantidos pelo art. 5o., XXII, da CF/88. O criminoso pode ser condenado a perder a posse e a propriedade da coisa que foi objeto do crime. Mas o imóvel não está registrado em nome de Lula e a construtora não foi parte no processo que resultou na condenação do ex-presidente.

Além de garantir o direito de propriedade, a CF/88 prescreve expressamente que ninguém será privado dos seus bens sem o devido processo legal (art. 5o. LIV). O proprietário pode até perder seu imóvel numa ação desapropriação, mas isto só ocorrerá mediante justa e prévia indenização apurada num processo em que o prejudicado tenha tido a oportunidade de se defender (art. 5o., XXIV c.c. art. 5o. LV).

Sérgio Moro expropriou o Triplex de Lula não para atribuí-lo à construtora (legítima proprietária do bem de acordo com o registro no Cartório de Imóveis), mas para entregá-lo à Petrobras. A construtora foi privada do seu bem sem o devido processo legal e sem indenização. Quem indenizará o prejuízo causado por Sérgio Moro à construtora? Como pode a Petrobras receber a restituição de um imóvel que nunca lhe pertenceu?

A mim parece que neste caso a emenda ficou pior que o soneto. Para conferir mais “aparência de coesão” à sua decisão, o Juiz da Lava Jato foi obrigado a grosseiramente violar vários princípios constitucionais. Na prática Sérgio Moro transformou a 13a. Vara Federal de Curitiba num Tribunal de Exceção. Desprezando o que consta no art. 5o., XXXVII, da CF/88, ele  age como se pudesse criar as regras jurídicas que vai aplicar, pouco se importando com sua obrigação funcional de cumprir e fazer cumprir fielmente a Lei tal como ela foi aprovada e promulgada (art. 35 da Lei Orgânica da Magistratura).

Em 30 anos de profissão (27 de advocacia mais 3 de estágio) nunca vi nada parecido. De abuso em abuso, Sérgio Moro está cada vez mais se transformando num personagem literário. Não, não estou me referindo ao guarda que zomba Joseph K. dizendo que ele “Admite não conhecer a lei, mas declara-se inocente…” (O processo, Franz Kafka). Sérgio Moro está cada vez mais ficando parecido com o pobre Gregor Samsa, caixeiro viajante que certo dia acordou transformado num inseto (A metamorfose, Franz Kafka).

Ao impor uma pena à construtora que não foi parte do processo movido contra Lula, ao privar o terceiro da propriedade do Triplex sem o devido processo legal e, pior, sem qualquer indenização para entregá-lo a quem nunca foi seu legítimo proprietário, O juiz da Lava Jato se transformou num fantástico ser kafkiano. Mas ao contrário de Gregor Samsa, o vaidoso Sérgio Moro parece não ter qualquer consciência da imagem que está projetando dentro e fora do Brasil. Quem em sã consciência investiria num país em que os membros do Judiciário são capazes de ignorar, pisotear, violar e desprezar o direito de propriedade?

GGN

Sentença de Moro contra Lula é um edifício com vários andares de erros jurídicos, diz Flávio Dino ex-juiz federal

O governador Flávio Dino, que é também juiz de Direito e passou em primeiro lugar no mesmo concurso prestado por Sergio Moro, publica artigo nesta sexta-feira em que afirma que a sentença contra o ex-presidente Lula é um edifício com vários andares de erros jurídicos.

Dino cita a inexistência de corrupção passiva, demonstra estranheza com um episódio de um apartamento de São Paulo ser analisado pela justiça paranaense quando o próprio Moro reconheceu não haver ligação entre o imóvel e o caso Petrobras e diz, ainda, que não pode haver lavagem se o chamado "triplex do Guarujá" jamais foi entregue a Lula.

"A sentença em questão, portanto, é um tríplex que não cabe em um edifício jurídico democrático, no qual os fins não justificam os meios", diz Dino, em artigo escrito em parceria com Rodrigo Lago, secretário de Transparência e Controle do Maranhão.

Leia abaixo: Íntegra do artigo de Flávio Dino

A sentença tríplex

Por Flávio Dino e Rodrigo Lago

Uma sentença judicial não pode derivar apenas do sentimento do julgador. Se assim fosse, o Judiciário não seria compatível com a democracia, que pressupõe freios e contrapesos, representados por um edifício jurídico composto pela Constituição.

Se uma sentença é construída fora desse edifício, não pode subsistir. Foi o que aconteceu com a sentença do caso tríplex, relativa ao ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Podemos identificar três andares de problemas no caso.

O primeiro andar abriga a deficiente configuração do crime de corrupção passiva. Desde o julgamento da Ação Penal 307, o Supremo Tribunal Federal fixou em nosso edifício jurídico que não basta o recebimento de vantagem por funcionário público para se ter representado esse tipo de infração.

É "indispensável (...) a existência de nexo de causalidade entre a conduta do funcionário e a realização de ato funcional de sua competência", disse o STF. Na sentença, contudo, reina uma confusão sobre isso, agravada com a decisão nos embargos declaratórios da defesa.

O julgador fala em atos de ofício indeterminados e aborda fatos praticados em momento posterior ao exercício do mandato do ex-presidente Lula, que se encerrou em 1º de janeiro de 2011. É impossível ter havido crime de corrupção passiva em 2014 sem a participação de pelo menos um outro funcionário público (inexistente nos autos).
O imbróglio aumenta quando, ao julgar os embargos declaratórios, o juiz diz que não há correlação entre o tal tríplex e contratos da Petrobras, tornando ainda mais estranha a competência da Justiça Federal de Curitiba para apreciar controvérsia sobre apartamento situado em São Paulo.

Chegamos ao segundo andar de equívocos da sentença: a problemática da configuração do crime de lavagem de dinheiro.

Sustentou-se sua consumação na medida em que a propriedade do tríplex foi mantida oculta"entre 2009 até pelo menos o final de 2014". No entanto, consta da sentença que o apartamento jamais foi efetivamente entregue ao ex-presidente Lula.

No caso, não havia nem propriedade nem posse por parte dele. O patrimônio deste não chegou a ser aumentado, sendo impossível a prática de quaisquer dos núcleos do art. 1º da lei nº 9.613/98, que trata dos casos de lavagem.

Por fim, no terceiro andar de erros jurídicos, tem-se a inegável sobrecarga da dosimetria das penas, talvez para reduzir a hipótese de serem alcançadas por prescrição.

Chama a atenção a sentença considerar três vetores negativos das circunstâncias judiciais, dentre eles alguns estranhos ao réu, e não os fatos que neutralizariam alguns deles, talvez pela escassa fundamentação atinente às provas produzidas por requerimento da defesa.

A sentença em questão, portanto, é um tríplex que não cabe em um edifício jurídico democrático, no qual os fins não justificam os meios. O devido processo legal é uma garantia de toda a sociedade, maior do que os interesses da luta política cotidiana.

Para isso existem os tribunais: inclusive para dizer "não" a sentimentos puramente pessoais, que podem ir para as urnas, nunca para sentenças.

FLÁVIO DINO, professor do curso de direito da Universidade Federal do Maranhão, é governador do Estado do Maranhão.

RODRIGO LAGO, advogado licenciado, é secretário de Estado de Transparência e Controle do Maranhão.

GGN