terça-feira, 24 de outubro de 2017

Lewandowski do STF critica moralismo de Juristas

Em artigo, o ministro do Supremo Tribunal Federal expôs a diferença entre moral e moralismo e, sem citar diretamente o juiz Sergio Moro, da Lava Jato, afirmou que, "no campo do direito, os moralistas interpretam as regras jurídicas segundo sua visão particular de mundo. Sobrevalorizam a 'letra' da lei, necessariamente voltada ao passado, em detrimento do 'espírito' da lei, que abriga interesses perenes" e "aplicam as normas legais fria e burocraticamente, trivializando a violência simbólica que elas encerram"
O ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Ricardo Lewandowski criticou os moralistas em artigo publicado na Folha nesta terça-feira 24.
Sem citar diretamente o juiz Sergio Moro, o ministro expôs a diferença entre moral e moralismo e afirmou que, "no campo do direito, os moralistas interpretam as regras jurídicas segundo sua visão particular de mundo. Sobrevalorizam a 'letra' da lei, necessariamente voltada ao passado, em detrimento do 'espírito' da lei, que abriga interesses perenes" e "aplicam as normas legais fria e burocraticamente, trivializando a violência simbólica que elas encerram".
Leia um trecho:
A crônica da humanidade é pródiga em desvelar o trágico fim de moralistas que empolgaram o poder e exercitaram aquilo que consideravam direito a seu talante. Basta lembrar a funesta saga do monge Girolamo Savonarola (1452-1498), o qual, com pregações apocalípticas, extinguiu o virtuoso capítulo do Renascimento florentino. Acabou seus dias ardendo numa fogueira.
Ou a do deputado jacobino Maximilien de Robespierre (1758-1794) que, durante a libertária Revolução Francesa, mandou executar arbitrariamente centenas de opositores reais ou imaginários. Terminou guilhotinado, abrindo caminho para Napoleão Bonaparte (1769-1821).
Quer tenham sobrevivido por mais tempo ou deixado a vida precocemente, os moralistas jamais foram absolvidos pela posteridade.

Do 247

segunda-feira, 23 de outubro de 2017

O juiz Moro não é meganha, diz Eduardo Guimarães

Sergio Moro deu uma entrevista que indignou profundamente o blogueiro Eduardo Guimarães. Disse Moro que expõe seus alvos na mídia porque seriam todos “poderosos” e só expondo-os “INDEPENDENTEMENTE DE TEREM CULPA” pode combatê-los. Guimarães é uma das vítimas inocentes desse juiz e lembra a ele que juiz não é polícia ou promotor. Julga culpa e inocência. E nos autos, não na mídia. Eis a sua resposta ao pretor de Curitiba. Veja o vídeo:
Do Blog do Edu 

O terrorismo midiático do TCU e da PF, por Luis Nassif

O terrorismo midiático e a síndrome de abstinência de escândalos têm afetado dois órgãos de Estado: o Tribunal de Contas da União e a Polícia Federal.
O TCU montou um quadro técnico competente, que padece de uma frustração central: não poder investigar os próprios Ministros do TCU, que sempre dão a última palavra. Sua revanche é montar relatórios e marcar o gol.
Investigam determinada operação. Se for normal, será perda de tempo: não gerará matéria nem dividendos para os fiscais. Trata-se então, em qualquer hipótese, de atuar como órgão acusador.
É o caso da nova denúncia contra o BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social), de supostamente ter adquirido ações da JBS por um preço superavaliado (clique aqui).
Segundo a reportagem, para chegar ao chamado “preço justo” o TCU calculou a média dos 90 pregões anteriores.
Por definição, essas médias são arbitrárias. Por que não 30 dias? Por que não 180 dias?
Para compras de participação expressiva, o mercado jamais se vale dessa metodologia. Mesmo porque esses preços refletem a posição de acionistas minoritários, sem acesso ao conselho de administração e às instâncias de decisão da empresa.
Todas as avaliações de “preço justo” levam em conta o olhar para frente e não o retrovisor. Aliás, o retrovisor foi largamente empregado na primeira fase da privatização brasileira, a partir dos anos 90, para depreciar preços de ativos públicos.
Veja o exemplo:
A Empresa A tem uma rentabilidade de 10 por ação por ano.
Com investimento X, a rentabilidade poderá aumentar para, digamos, 15 por ação. Negocia-se, então, em torno desse novo referencial.
Todos os modelos de simulação adotados pelo mercado olham para a frente. Define-se uma taxa de retorno esperado pelo investidor se simulam as taxas de crescimento e os ganhos de acordo com indicadores prospectivos objetivos: preço dos produtos vendidos, ganhos de sinergia com aquisições, rentabilidade esperada.
Em cima disso, há metodologias como DCF, dividend growth model, absolute e relative valuation models, etc.
Todas essas metodologias mostrariam discernimento do BNDES nos investimentos. Tanto que todos eles apresentaram resultados superiores ao do IBOVESPA em vários períodos analisados.
Por isso mesmo, a denúncia do BNDES e do ex-presidente Luciano Coutinho é apenas fogo de artifício para gerar manchetes.
Os indiciamentos da PF
No fim de semana, a Polícia Federal promoveu o terceiro indiciamento do governador mineiro Fernando Pimentel e a enésima reportagem mencionando os indiciamentos. Todas em cima de um único fato: as delações de um marqueteiro detido no mesmo período em que ocorreu o escândalo do helicóptero com 500 quilos de cocaína.
Pela enésima vez: inquérito da PF não tem o menor valor legal. Seu único objetivo é gerar manchetes e fazer política. Todos os inquéritos anteriores foram derrubados, ou pelo Ministério Público Federal – a quem compete legalmente indiciar – ou pelos tribunais superiores.
No caso, o episódio foi de um não-favor. Segundo a denúncia, o grupo francês Casino teria pago a Fernando Pimentel para que não saísse o financiamento para o Pão de Açucar adquirir sua parte na holding de controle do grupo. Todos os jornais da época noticiaram que o BNDES não aprovou a operação devido ao fato de não haver consenso entre os acionistas. E, certamente, devido à repercussão profundamente negativa na mídia.

 GGN

Turma de Dallagnol não entrega originais de documentos questionados por ex- presidente Lula

Os procuradores de Curitiba não possuem os originais de documentos que a defesa de Lula questionou em um incidente de falsidade. A informação consta em uma resposta oficial [em anexo] encaminhada por Deltan Dallagnol ao juiz Sergio Moro no último dia 20. Segundo o líder da força-tarefa da Lava Jato, os originais estão em um banco de dados na Suécia, onde supostamente a Odebrecht mantém registros de pagamentos de propina. 
"(...)  informa o Ministério Público Federal que os documentos constantes do evento 999 da Ação Penal, como já exposto por diversas vezes, foram extraídos diretamente de cópia dos discos rígidos relacionados ao sistema 'Drousys', fornecidos pela Odebrecht S/A. que se encontravam armazenados em servidor localizado na Suécia - cf. Relatório Técnico n' O11/2017-SPEA/PGR (evento lO, OUT2, destes autos) e Relatório de Análise n' 7/2017 (evento 999. ANEX02)", escreveu Dallagnol.  
Os documentos questionados pela defesa de Lula são dois recidos bancários idênticos, porém, assinados de maneiras diferentes - um dos papéis, apresentado pelo Ministério Público, tem duas assinaturas, ao passo em que a outra versão, de Marcelo Odebrecht, possui apenas rúbrica. 
Moro determinou que a turma de Dallagnol informasse "se ainda existem os documentos originais, antes da digitalização e inserção no sistema de contabilidade paralela da Odebrecht. Ee, se positivo, para que os apresentem na Secretaria do Juízo em cinco dias." 
O incidente de falsidade de Lula contra a Lava Jato foi apresentado antes de um pedido formal, por parte de Dallagnoil, para que a defesa do ex-presidente entregasse as versões originais de comprovantes de pagamento de aluguel devido a Glaucos da Costamarques. A defesa informou a Moro que possui os originais e pediu algumas providências para entregá-las. Moro negou e determinou a apresentação no prazo de 48 horas, que já expirou. 
GGN

domingo, 22 de outubro de 2017

Abusos da lava jato já são debatidos até na mídia amiga do Sergio Moro pretor de Curitiba. Por Joaquim de Carvalho

David Teixeira de Azevedo, Eloisa Machado e Mônica Waldvogel
Circula pela rede social o vídeo com a entrevista de dois especialistas em direito sobre a operação Lava Jato, a professora de Direito da Fundação Getúlio Vargas, Eloisa Machado, e o professor de direito penal da USP, David Teixeira de Azevedo. Muito do que os entrevistados dizem nesta entrevista, o leitor do DCM já viu aqui, na série de reportagens sobre a operação.
Quando estas mesmas colocações são feitas no canal de televisão que foi decisivo na promoção de Sergio Moro a herói, o resultado foi o embaraço de quem fez as perguntas e a entrevista teve dupla importância: pelo que os entrevistados disseram e pela reação da apresentadora.
O roteiro estava dado, logo na abertura do programa, quando a experiente Mônica Waldvogel disse:
“A impunidade dos poderosos sempre foi um símbolo do atraso e da desigualdade no Brasil, daí o apoio popular à Lava Jato e a relevância deste momento, em que o combate à corrupção bate de frente com autoridades com foro privilegiado”.
Só que, desta vez, os entrevistados não se portaram como cordeiros a atender a linha editorial da Globo, e deixaram a apresentadora, em vários momentos, sem ter o que dizer. Foi visível o desconcerto.
Criminalista, David Azevedo discordou de Mônica logo na primeira resposta, a respeito da decisão do Senado que contrariou o Supremo Tribunal Federal, no caso das medidas cautelares de Aécio Neves.
A Constituição sai perdendo, não? — perguntou Mônica.
Eu acho que a Constituição saiu ganhando — contrapôs  David de Azevedo. Eu acho que o equilíbrio entre os poderes saiu ganhando. Eu acho que a divisão de poderes sai prestigiada. O artigo 53 da Constituição Federal diz que um senador só pode ser preso em flagrante delito por crime inafiançável. É isso o que diz a Constituição. O crime é inafiançável? Não. Havia flagrante delito? Não. O Supremo poderia mandar prender ou dar qualquer outra medida restritiva? Não.
Mônica Waldvogel fez uma concessão:
A Lava Jato está provocando inovações além da conta?
— Está e não só a Lava Jato — respondeu Eloisa. Quando a gente pensa nas maiores críticas da Operação, que é o uso abusivo das prisões preventivas, o episódio das delações, a gente tem que levar em consideração que o Judiciário brasileiro, em geral, prende muito e prende mal, condena mal.
A conversa segue para o que a Lava Jato teria de bom. Mônica antecipa:
— O balanço é formidável nesses três anos e meio.
Mônica pondera que as “inovações”da Lava Jato seriam necessárias para chegar aos poderosos.
O comum na imprensa é que, diante da senha da apresentadora, o entrevistado concorde. Quase sempre acontece isso. Mas não foi o que Azevedo fez:
Eu acho que os poderes do Estado sofreram uma degradação. O que se quis e o que se quer com a Lava Jato e o que se está fazendo é uma espécie de degradação, uma espécie de socialização da miséria. Assim como os menos favorecidos, os da base da pirâmide, tinham uma justiça injusta, tinham prisões ilegais, sofriam as misérias de um processo penal, a visão da Lava Jato é: devemos dar igual tratamento àqueles que estão no vértice da pirâmide, ou seja, devemos também suprimir-lhes a garantia, devemos também decretar-lhes a prisão, de modo a que, se estabelecendo uma ética pragmática, os fins justifiquem os meios. Ou seja, o combate à corrupção justificará prisões processuais ilegais.
David Teixeira de Azevedo observa que as prisões da Lava Jato têm objetivo de forçar a delação, o que é ilegal. Mônica defendeu Moro:
— O Sergio Moro disse ao Gerson Camarotti, na entrevista aqui na Globonews, que a imensa maioria desses colaboradores estavam em liberdade.
Eloisa respondeu:
Eu não tenho dúvida de que houve abuso nas prisões preventivas.
David de Azevedo acrescentou:
Muitas delações foram fechadas em razão de conversas — eu posso citar nomes — com o Ministério Público que ameaçava, com o envolvimento criminal, esposa, filhos, eventualmente sócios da empresa, mesmo sabendo que não havia envolvimento, isso ocorreu, e muito. Moro diz que as decisões dele foram confirmadas. Os acordos de delação, quando eram fechados, implicavam, ilegalmente, a desistência dos recursos. (…) Esta estatística que o Moro faz é uma estatística falsa. (…) Este é o cenário da Lava Jato.
Mônica recorreu a Eloisa:
— Você tem conhecimento de informações assim tão assustadoras, a ponto de a gente se alarmar com a lisura do processo?
Nós tivemos episódios que foram gravíssimos. O vazamento dos áudios do Lula é um consenso.
Azevedo lembrou ainda que, quanto à legalidade das delações obtidas na Lava Jato, dois juristas portugueses, José Joaquim Gomes Canotilho e Nuno Brandão, deram um parecer para o governo português que consideram as colaborações de Paulo Roberto Costa e Alberto Youssef ostensivamente ilegais e inconstitucionais.
Ferem o ordenamento jurídico brasileiro e ferem o ordenamento jurídico português. Ferem a ordem pública portuguesa porque, nesses acordos, existe absoluta ilegalidade. Qual é a ilegalidade? O Ministério Público, no acordo, o magistrado homologando, criando condições que não estão previstas na lei, criando uma legislação própria para a delação, isto é ilegal”, afirmou.
Por fim, Mônica Waldvogel perguntou:
A Lava Jato valeu a pena?
Nada com violação ao devido processo vale a pena — respondeu Eloisa.
— Nem desmanchar um esquema pronto?
Não, não. Como advogada de direitos humanos, que viu muita gente torturada, não, não vale nunca a pena violar o devido processo legal para se atingir um fim específico.
Na sua resposta, David lembrou Joelmir Betting, que era bom para explicar casos complicados com metáforas de fácil entendimento:
Para acabar com os carrapatos, vamos matar as vacas. Lava Jato é alguma coisa parecida. Para acabar com o carrapato da corrupção, matemos as vacas, sacrifiquemos as garantias e os direitos fundamentais, utilizemos uma ética pragmática, uma época de resultado. Não hesitemos em prender, prender sem fundamento legal, desde que se alcance um resultados. Penas altíssimas, descompassadas com a culpa, para estimular outros a delatarem.
A Operação Mãos Limpas, na Itália, em que se inspirou Moro, produziu um resultado muito pequeno em relação à corrupção. Ou seja, segundo ele, o custo de suprimir direitos é muito alto pelo resultado que pode produzir.
Vale ressaltar que esta entrevista mostra que, diante dos abusos crescentes da Lava Jato, a velha mídia já não consegue controlar o que dizem os entrevistados. E talvez esteja encontrando dificuldade para encontrar quadros qualificados que referendem os pontos de vista do veículo em relação ao juiz Sergio Moro e seus parceiros na República de Curitiba.
O contra-ataque está em curso. A entrevista de Moro a Gerson Camarotti parece fazer parte de um esforço para recuperar o apoio de setores da sociedade brasileira que viam Moro como um super herói. A coordenador da Força Tarefa, procurador Deltan Dellagnol, já tinha dado entrevista para o Blog de Josias de Souza, da Folha.
São representantes do que eles poderiam chamar de imprensa amiga.
Moro e Dallagnol têm um compromisso agendado com outro veículo dócil para a próxima terça-feira , num evento reservado do jornal O Estado de S. Paulo. Eles vão participar do Fórum Estadão Mãos Limpas, juntamente com dois dos magistrados que coordenaram a Operação Mãos Limpas, na Itália – Piercamillo Davigo e Gherardo Colombo.
São todos da imprensa amiga, que fez de Moro um ídolo na campanha para derrubar Dilma Rousseff. As autoridades de Curitiba sabem disso e se recusam, sistematicamente, a conceder entrevista para a imprensa independente.
Eu mesmo já solicitei entrevista com Sergio Moro e também com Deltan Dallagnol.
Dallagnol respondeu uma vez, por escrito, no caso da compra de dois apartamentos do Minha Casa, Minha Vida, em Ponta Grossa. Num encontro que tive com ele, pessoalmente, em uma churrascaria de Curitiba, eu pedi entrevista, ele me direcionou para a assessoria de imprensa. Fiz a solicitação e até agora nada.
Continuarei insistindo. Sempre propus perguntas com respostas sem cortes. É preciso esclarecer muitos pontos da Lava Jato.
A hora chegou.
A Abrahan Lincoln é atribuída a autoria de uma frase que define bem o que já está acontecendo:
“Pode-se enganar a todos por algum tempo; pode-se enganar alguns por todo o tempo; mas não se pode enganar a todos todo o tempo”.
Tudo indica que, para Moro, o jogo acabou.

Do DCM

sábado, 21 de outubro de 2017

Não se engane, lava jato não vai acabar com a corrupção, por Fernando Horta

Há um pensamento corrente na sociedade brasileira de que a Lava a Jato poderá “limpar o Brasil”. Claro que alguns usam o termo “limpar” com o sentido de retirar qualquer forma de governo de esquerda e antiliberal da possibilidade de governar novamente o país. Mas há sim uma boa parcela da população brasileira que julga que o que está acontecendo pode ter o condão de transformar a práxis política brasileira e criar um “novo Brasil” daqui para a frente.
Infelizmente, este é um pensamento mágico que não encontra respaldo em qualquer estudo sério sobre corrupção. Punição não é solução para o crime. Armas não conferem a ninguém uma maior segurança. Não se acaba com uma infestação de ratos caçando um por um. Não se acaba com a “corrupção” criando um justiceiro e um estado de exceção.
É preciso que se entenda que as relações sociais são muito mais complexas e profundas do que qualquer um de nós pode imaginar. As sociedades, por exemplo, coíbem o homicídio há mais de 2000 anos e eles continuam a existir. Justificados, apoiados, escondidos, transformados, ignorados, massificados, idolatrados; cometidos por homens, por empresas, por Estados e etc. A punição não é forma de resolver um problema sistêmico ou estrutural, simplesmente porque não há sociedade que consiga oferecer a mesma punição sempre e todas as vezes que o delito ocorre.
Dado que as individualidades são os efetivos tomadores de decisão, o poder coercitivo exercido sobre uma delas (ou uma dezena ou centena) não tem o condão de evitar que qualquer outro volte a incorrer na mesma ação punida. Tanto porque a informação não corre sobre o tecido social de forma homogênea, quanto pelo fato de que cada incurso de um indivíduo contra uma regra socialmente estabelecida é cercado de condições próprias e singulares. E tanto a autoria da ação, quanto as condições em que ela foi feita tornam os delitos singulares. Não importa o quanto o Direito tente estabelecer normas em caráter conceitual para enclausurar determinadas condutas, cada crime é único.
Corrupção é um termo muito difícil de definir. Tanto é que as pesquisas que “medem” corrupção nunca o fazem de forma indutiva, ou seja, determinando e selecionando o ato da “corrupção”. Qualquer índice sobre corrupção é sempre baseado em uma sensação, um sentimento de alguém. Normalmente se pergunta a empresários e agentes públicos para colocarem determinados países em uma lista de “mais corruptos” até “menos corruptos” e ... voilá! Se tem a “corrupção” quantificada. Mas é a corrupção ou o sentimento de uma parcela de agentes sobre ela, e em determinados contextos? Qual a significação real deste dado? Ele é livre de viés político?
É claro que do ponto de vista econômico são diferentes o ato de faltar ao trabalho e apresentar um atestado falso ou o ato de apropriar-se de parte de um sobrevalor contratado para uma empresa vender petróleo para a África. Do ponto de vista conceitual, entretanto, fica muito complicado diferenciar. Os liberais costumam usar uma regra (não dita) que afirma que “não há corrupção entre interesses privados”. Quando uma empresa está tratando com outra e que – supostamente – não há interesse público, qualquer incongruência entre o imaginado, o contratado e o efetivamente realizado fica no campo da incompetência dos agentes de realização e fiscalização contratual. Um assunto “deles”.
É uma forma bastante eficiente de escamotear a corrupção privada e reforçar, por um contorcionismo lógico, a supremacia do privado sobre o público.
A corrupção que interessa para a maioria dos “índices” e pesquisas sobre o tema é aquela que ocorre no âmbito do interesse público. E daí, novamente, temos o problema da Lava a Jato. Se você se propõe a punir apenas uma parte das ações humanas, ainda que semelhantes, em função do resultado delas, não se consegue criar um espaço de reconhecimento social de que esta prática não é aceita. Se você só mata o rato que enxerga, você não está acabando com a infestação. Na realidade, está a tornando ainda mais forte. Para cada rato adulto que você matar, restará comida suficiente para criar muitos filhotes. O resultado, ao contrário do que poderia afirmar o senso comum, são mais ratos.
A verdade é que a corrupção no Brasil tinha criado uma série de defesas, utilizando-se tanto das garantias e imunidades dadas (e necessárias) a agentes públicos, quanto da nossa centenária prática do uso privado das coisas públicas por uma pequena parcela social, normalmente embalada por laços de nascimento ou de clientela política. Um país onde figuras tão mal preparadas como Geddel, Cabral e Maia participavam do “butim” é um país onde a corrupção atingiu nível endêmico e estrutural.
Chego a dizer que não há cidade no país que não haja desvio ou superfaturamento na compra de papel, lápis, merenda, material de limpeza e por aí vai. Não há quartel, ou instituição que passe por um pente fino destes também.
A questão é perguntar se caçando e punindo “por amostragem” pode-se acabar com a corrupção. Não. O que teremos é uma leva de corruptos muito melhor preparados, muito mais capazes em dissimular seus atos e com raízes e defesas muito mais sólidas. O veneno que um rato come não é consumido pelos outros se este primeiro morre. Ainda que disséssemos que a Lava a Jato tem o objetivo de atacar a corrupção (o que não tem) os métodos e a lógica dela são falhos, pensados por pessoas sem conhecimento sobre o problema que pretendem resolver.
Os historiadores dizem que a corrupção na Itália AUMENTOU após a Mani Pulite de lá. O que diminuiu foi o interesse da população na política, sua participação e seu controle. Isto permitiu Silvio Berlusconi como primeiro ministro por quase dez anos. Nos EUA, incapazes de resolver o problema, eles tornaram a coisa legal. Político receber dinheiro conforme defende os interesses de empresas ou segmentos econômicos é algo normal e legal. O lobby é atividade socialmente aceita. Já quando eles tentaram criminalizar práticas sociais baseados (opa!) num moralismo religioso, tiveram aumento da corrupção e da violência. Basta lembrar dos anos da Lei Seca.
Há, pois, inúmeras formas de se lidar com a corrupção. Nenhuma delas, entretanto, propõe racionalmente a punição espalhafatosa como forma de contenção da ação delituosa. Não é espancando em praça pública que se acabam com os ladrões. Não é matando que se acaba com o homicídio. Não é cortando o pênis que evitamos o estupro. Não é armando a população que coibimos a criminalidade.
Preparemo-nos, assim, para uma leva de corruptos cada vez mais preparados e mais inteligentes, com sistemas mais complexos e com relações em ainda mais alto nível no Estado. E, claro, a corrupção vai aumentar bastante seu preço. O resultado da Lava a Jato vai ser a alienação da população para a política (como já acontece), o descrédito da coisa pública como capaz de exercer a função para a qual foi pensada e – o mais perigoso de tudo – uma desconfiança nos processos democráticos.
Sem falar da corrupção moral de juízes e promotores ao se acharem super-heróis ... tornam-se exatamente o que julgam perseguir.
Do GGn

sexta-feira, 20 de outubro de 2017

O criminalista David Teixeira de Azevedo desmascara "estatísticas falsas" de Sergio Moro na GloboNews

O criminalista e professor da USP David Teixeira de Azevedo detonou o modus operandi da Lava Jato de Curitiba, de usar a prisão preventiva e ameaça a familiares para obrigar os investigados a delatar, e chamou de "farsa" as estatísticas propagadas por Sergio Moro para afirmar que suas decisões são majoritariamente confirmadas pela instância superior.
Ao lado da constitucionalista Eloísa Machado, professora de Direito da FGV-SP, David explicou que o motivo da manipulação feita por Moro é muito simples: não há o que o tribunal revisar e rejeitar se os próprios delatores são obrigados, por força do acordo feito com os procuradores de Curitiba, a abrir mão dos recursos.
"Moro diz que as decisões deles foram confirmadas. Os acordos da delação, quando foram fechados, implicavam na desistência de recursos. Ou seja, não eram revistas as decisões dele pelas instâncias superiores. Quer dizer: essa estatística que o Moro faz é uma estatística falsa."
A declaração foi feita por David após Eloísa dizer que é inegável que a Lava Jato usou de medidas cautelares desenfreadamente, para gerar pânico nos investigados e coagí-los a delatar. Ela disse que não é possível dizer que todos os acordos foram feitos dessa maneira, mas seria necessário investigar caso a caso, algo que não tem sido feito.
"Seria muito difícil analisar caso a caso, mas que muita delação de gente em liberdade foi fechada em razão de conversas (e posso citar nomes) com o Ministério Público, que ameçava [o investigado] com o envolvimento criminal da esposa, filhos, pessoas da mesma empresa, mesmo sabendo que não havia envolvimento... isso ocorreu e muito", exclamou o criminalista.
Um dos casos conhecidos é o do ex-diretor da Petrobras Paulo Roberto Costa, que fez um acordo de delação premiada que concedeu imunidade a familiares. Nestor Cerveró é outro modelo.
O segundo processo de Lula nas mãos de Moro, sobre suposta propina da Odebrecht, também guarda mistérios sobre as colaborações dos corréus. Glaucos da Costamarques, por exemplo, tem ajudado o Ministério Público, inclusive mudando seu depoimento para atenuar as acusações. Um relatório da Receita Federal sugere que seus filhos poderiam ter entrado na mira da Lava Jato, por causa de repasses milionários concedido ao engenheiro, por anos seguidos.
 A FRAUDE NAS DELAÇÕES
Os dois professores também lançaram dúvidas sobre a lisura das delações e dos processos criados com a ajuda de vazamentos seletivos à imprensa. Caso do grampo em Dilma e Lula, citado por Eloísa. Para ela, atitudes como esta deveriam colocar todo o processo em risco.
David, por sua vez, disse que a delação de Paulo Roberto Costa e Alberto Youssef não foram consideradas adequadas em Portugal.
"Quanto à lisura das delações, dois constitucionalistas portugueses (José Canotilho e Nuno Brandão), a pedido do governo português, deram um parecer sobre a admissibilidade da delação de Paulo Roberto Costa e Alberto Youssef perante o ordenamento jurídico portugues. A conclusão dos parecer desses dois acadêmicos insuspeitos foi que as delações premiadas de ambos ferem o ordenamento jurídico brasileiro, o ordenamento juridico portugês e a ordem pública portguesa, porque nesses acordos existe absoluta ilegalidade: o Ministério Público no acordo, e o magistrado homologando, criaram legislação própria para a delação, e isso é ilegal."
 VALE TUDO
Após tantas críticas sobre as violações da Lava Jato, a jornalista Mônica Waldvogel, apresentadora do programa na GloboNews, sugeriu em sua questão final que os fins justificariam os meios.
"Três anos e meio de uma operação capaz de atingir pessoas tao poderosas e setores empresariais tão enraizados na economia e cultura brasileiro, certamente teria atropelos no processo. O que interessa para nós agora é saber se valeu a pena atropelar o processo legal em função dos resultados? Valeu a pena tudo isso que foi inventado, inovado com a Lava Jato?", indagou.
Eloisa Machado respondeu: "Nada com violação ao devio processo vale a pena."
David Teixeira acrescentou: "'Para acabar com os carrapatos, vamos matar as vacas'. Lava Jato é uma coisa parecida. Para acabar com a corrupção, sacrifiquemos os direitos e garantias fundamentais. (...) Não hesitemos em condenar com penas altíssimas e assustadoras, descompassadas com a culpa do homem, para, a partir dessas penas, estimular outros a delatar, restringindo qualquer possibilidade de defesa."
GGN

O juiz Moro e a origem de um novo Direito Penal dos espertalhões, por Joaquim de Carvalho

Esta reportagem é a segunda da série financiada através de um crowdfunding feito em parceria entre o Jornal GGN e o DCM.
Como a delação premiada está pervertendo o direito penal no Brasil
A expressão delação premiada está presente no ordenamento jurídico brasileiro desde 2013, quando foi aprovada a lei 12.850, mas o conceito já vinha sendo experimentado desde 1990, com a lei do colarinho branco, que estimulava a confissão com o objetivo de obter vantagens na pena.
Uma das primeiras delações premiadas homologadas por Sergio Moro, de Curitiba, foi em 2004, quando não havia, portanto, legislação específica. 
Acusado de lavar dinheiro da corrupção, da sonegação e até do trafico, com o Fernandinho Beira-Mar entre seus clientes, Alberto Youssef teve a pena reduzida quando entregou ex-comparsas, todos doleiros e lobistas.
O advogado Roberto Bertholdo foi processado em 2005, alvo de outra delação homologada por Sérgio Moro, a do empresário Antônio Celso Garcia, o Toni Garcia, político paranaense, que tinha sido acusado de aplicar um golpe em clientes de um consórcio. 
Roberto Bertholdo, em vez de delatar, reagiu. Grampeou o juiz Moro e o acusou de atropelar a lei na condução dos processos. 
Em 2006, mesmo preso sob acusação de lavar dinheiro e de fazer tráfico de influência, deu entrevista à Band News de Curitiba e à RPC, afiliada da Globo. 
Acusou Moro de agir com arbitrariedade e abuso de autoridade com todos os advogados e de ter concedido imunidade a criminosos com a homologação de acordos de delação.
Roberto Bertholdo citou um caso específico, o do doleiro Alberto Youssef. Segundo ele, a delação de Yousseff havia estabelecido "um monopólio do câmbio no Brasil”.
Ao entregar antigos comparsas, Youssef mandou para a cadeia concorrentes, como Toninho da Barcelona, e continuou operando no mercado. 
Aliás,  segundo Bertholdo, mesmo preso, Youssef não deixou de operar.
Bertholdo menciona “Neuma Cunha”, como uma das operadoras  que uma faziam o trabalho para Youssef fora da cadeia. Em depoimento a Moro, Youssef disse não conhecê-la.
"É só vir ao Cope e verificar que a Neuma vinha visitá-lo semanalmente quando estava preso e era quem operava câmbio para ele. Durante esse período, toda a operação de corrupção de Janene (José Janene, deputado federal) era transformada em dinheiro vivo por Youssef", afirmou.
O tempo mostrou que Bertholdo estava certo. A “Neuma Cunha” citada por ele é Nelma Kodama, que, oito anos depois, seria presa no aeroporto, tentando fugir para o exterior com 200 mil euros escondidos sob a roupa, inclusive na calcinha.
Falamos com Nelma Kodama na semana passada. Ela concordou em dar entrevista. Quando fiz as primeiras perguntas sobre a delação premiada, deixou de responder às mensagens. 
No início, Nelma acreditava que a reportagem seria sobre o estilo de vida dela depois que deixou a prisão.
Muito do que se conhece hoje de Sergio Moro, com seu estilo implacável e a atuação considerada parcial, já foi revelada naquele tempo. 
A Justiça de Curitiba tomou o depoimento dos jornalistas que entrevistaram Bertholdo — Denise Mello pela Band News e Sandro Dal Pícolo, pela afiliada da Globo.
Denise contou tudo, até o que não foi para o ar.
Disse que Bertholdo, na cela, reproduziu em um iPod a gravação de escutas clandestinas que supostamente comprometeriam Moro. Ela tentou gravar o áudio em seu celular, mas a qualidade ficou ruim.
Bertholdo disse que enviaria um CD com cópia de qualidade para a emissora, através da filha, Priscila.
E foi o que fez. 
Uma hora e meia depois, já na rádio, um rapaz o procurou e, dizendo-se namorado de Priscila, e lhe entregou um envelope com um CD.
Mas Denise, depois de conversar com seu chefe, decidiu não publicar os grampos, em razão da forma clandestina como foram feitos.
“Publicamos a entrevista, mas não os áudios da escuta clandestina”, disse Denise.  
A Band News pertence a J. Malucceli, amigo de Moro, mas Denise afirmou que não houve nenhuma interferência dele.
 “Foi uma decisão conjunta minha e do meu chefe na época, o Gladimir Nascimento”.
Na entrevista à Band News e à TV, Bertholdo contou que Moro também fazia escutas ilegais. Segue um trecho do depoimento de Denise:
Durante a entrevista, ele também acusou o juiz Sérgio Moro de fazer escutas ilegais por meio da colaboração de Tony Garcia. Ele disse: 'apesar de uma liminar do Tribunal Regional Federal da 4a Região não permitir essa investigação, o juiz Sérgio Moro investiga, através do Tony Garcia, o senhor Giovani Gionédis. E hoje ele grampeou ninguém mais ninguém menos do que o Presidente do Tribunal de Contas do Paraná, o senhor Heinz George Haven, que foi grampeado pelo Tony Garcia a mando do juiz Sérgio Moro'. E ele completa: 'isso é crime, Sr. Sérgio Moro'. Esse é um dos trechos que ele disse" .
Sandro Dal Picolo, da TV Globo, também prestou depoimento, mas falou menos:
Eu lembro que havia uma crítica ao instituto da delação premiada. Era uma crítica, uma opinião a respeito da delação premiada, criticando que a delação premiada acabava dando algum benefício pra... eu não me lembro se ele falava em imunidade, não lembro se era essa a palavra.
A entrevista de Bertholdo a Denise foi o motivo alegado para a Justiça  Federal autorizar, a pedido do Ministério Público Federal, busca e apreensão na cela de Bertholdo, onde foram apreendidos CDs com áudios.
Os áudios foram o suficiente para o Ministério Público Federal denunciar Bertholdo e a filha pelo crime de escuta clandestina. 
Já a entrevista também serviu de base para outra denuncia contra Bertholdo, pelos crimes de injúria, calúnia e difamação.
Sergio Moro já tinha sido vítima de Bertholdo em outro caso de escuta clandestina. 
Entre dezembro de 2003 e março de 2004, durante a investigação da mega lavanderia de dinheiro que funcionava no Banestado, Moro teve os telefones do gabinete no fórum e da casa grampeados.
Soube disso através de dois delatores, o Toni Garcia e o Sérgio Costa. Já processava Bertholdo, pelo crime de lavagem de dinheiro e de tráfico de influência.
O procedimento normal, nesses casos, é que o juiz se afaste do caso. Mas não foi o que ele fez.
Moro permaneceu à frente da investigação e, a pedido do Ministério Público Federal, ordenou a quebra do sigilo telefônico de Bertholdo e autorizou os dois delatores a gravarem conversas com ele.
Bertholdo negou que os grampos tivessem sido feitos por ele (assumia apenas a tentativa de divulgação) e culpava Alberto Youssef, com quem teve relações no passado. 
Foi até a última instância para reverter a condenação. Um habeas corpus deu entrada no Superior Tribunal de Justiça, relatado pela ministra Laurita Vaz.
Seus advogados diziam que a investigação era imprestável, já que Moro, na condição de vítima, não poderia autorizar medidas contra seu algoz.
"O objetivo único e exclusivo da interceptação decretada pelo Juiz Moro foi devassar a vida daquele que tinha ousado grampeá-lo. Vítima contra acusado…”, escreveu um advogado.
Moro acabou deixando o caso quando o Ministério Público Federal denunciou seu algoz. Mas, no período das investigações, manteve controle total sobre operações, inclusive sobre os grampos dos quais foi alvo e que foram descartados por ele, preservando o sigilo das conversas.
Seu substituto na 2a. Vara (hoje é 13a.) assumiu o caso, o que também é estranho, já que existe ligação funcional entre o juiz titular e o segundo na jurisdição. 
No seu relatório, ao julgar o habeas corpus, a ministra Laurita Vaz recordou como Moro tomou conhecimento de que tinha mesmo sido grampeado. Foi em 25 de agosto de 2005.
 " (...) foram ouvidas as conversas referentes às fitas apreendidas e que constam nos autos, podendo o depoente (Sergio Moro) reconhecer sua própria voz e diálogos mantidos com o Delegado de Polícia Federal Paulo Roberto Falcão, com o Procurador da República Vladimir Aras, com a Desembargadora Maria de Fátima Labarrère, com o Promotor de Justiça do Estado do Paraná Cruz (de Maringá), com um amigo de nome Carlos Zucolotto (ele, mais tarde acusado de vender facilidades em delação a Rodrigo Tacla Duran), com familiares (filha e esposa) e, segundo lhe parece, também uma conversa com o DPF Luiz Pontel”.
 Bertholdo perdeu, embora a ministra relatora tenha dito que não é adequado um juiz participar de investigação, ainda mais de supostos crimes dos quais seria vítima.
Um ministro deu razão à defesa de Bertholdo, em termos duros. Foi Napoleão Maia Filho. 
 "Penso que o Judiciário não deve, especialmente nos dias intranquilos de hoje, ser tolerante com tão aberta ilegalidade, máxime cometida por um Juiz. Não é o problema de ele ter determinado escutas, quebrado sigilo e ter feito essas coisas que ele fez. Isso não é problemático para o Juiz. É que a vítima era ele. Esse é o ponto central, que não pode ser ocultado e deve ser posto, a meu ver, na mais intensa radiação solar. O que ele determinou, certo ou errado, era para descobrir crime praticado contra ele. Ele não podia nem ter determinado, quanto mais, depois, o seu substituto aproveitar todo esse material. Isso incentiva, a meu ver, essa prática, que já é extremamente disseminada no nosso País, de escutas clandestinas sem inquérito, sem ação penal, sem nada. E depois, aproveita-se isso por motivo A, B ou C, mesmo a pretexto de se dizer que não contaminou as provas posteriores”.

Bertholdo já não fala como antes. Lobista conhecido em Brasília, hoje é visto na companhia do ministro da Saúde, Ricardo Barros, que só chegou ao poder com a queda de Dilma. 
Muitas das suas acusações ficaram sem resposta. 
O que havia nas gravações que enfureceram tanto o juiz Moro? Pode um delator trabalhar em causa de interesse direto do juiz? Por que Moro, tendo tomado conhecimento de que Youssef continuava no crime, não deteve, no sentido de anular o acordo de delação? Como Youssef foi beneficiado com a própria delação e o encarceramento de seus concorrentes?
Com seu estilo ativo de conduzir processos, Moro é protagonista de um novo tipo de direito penal no Brasil, situação que tem incomodado alguns juízes.
No mês passado, na conferência estadual da advocacia em Santa Catarina, o juiz Alexandre Morais da Rosa disse:  "Nosso processo penal mudou”. O juiz sugeriu aos advogados que leiam outros livros. 
"Se você quiser continuar fazendo o processinho penal do cotidiano, tudo bem. Os livros servem. Se você quiser ampliar, uma das leituras possíveis é Teoria dos Jogos e Análise Econômica do Direito, e pensar fundamentalmente num modelo de gestão do processo, uma troca de informações, uma gestão bem diferenciada”, destacou. 
Ficou a dúvida na plateia e Alexandre esclareceu. "Trata-se de um jogo”, ele disse. "É um jogo de compra e venda de informação de um grande mercado judicial”. Alexandre, que é pós-doutorado, foi além e advertiu que é preciso manter integridade, mas trabalhar com os novos conceitos.  "Existe hoje um mercado judicial”, reforçou. 
"Nós não vamos transformar nosso processo penal no lugar dos espertalhões, mas existem hoje muitos espertalhões trabalhando hoje no processo penal que é essa nova modalidade, que é a negociação. Quanto mais informação qualificada você tiver dos jogadores, quanto mais você souber do jogo, da jogada, de uma jogada dominante, de uma jogada dominada, como é que se troca informação, como é que se negocia, você pode ter maior êxito. As regras antigas já não servem para nada. Vivemos um tempo muito difícil para a democracia”, disse, para espanto dos presentes.
Para finalizar, ele contou que um amigo lhe confidenciou que havia instalado câmeras ocultas em toda casa, depois que se casou com uma mulher que já tinha uma filha. 
Por que ele fez isso? 
“Para se defender se, no futuro, for acusado de um crime sexual”. Segundo ele, os tempos são estranhos porque, hoje, você pode confiar no inimigo - sabe o que ele vai fazer —, mas nunca no amigo. “O amigo de hoje é o delator de amanhã”, afirmou.
E não é ele que terá de provar a acusação. É o delatado que terá de provar a inocência. 
A lei diz que o delator deve provar o que diz, mas na prática não é isso que tem acontecido.
É nesse ambiente que se desenvolve a indústria da delação, e os advogados, bem relacionados com juízes e procuradores, já entenderam que é também uma mina para ganhar dinheiro.

O JornalGGN e o DCM enviaram ontem à tarde as seguintes perguntas ao assessor de imprensa do MP de Curitiba. Até a publicação desta matéria, elas não foram respondidas:
1) Quais critérios utilizados para a concessão de benefícios em acordos de delação premiada?
2) Especificamente, no caso dos três controladores do Meinl Bank de Antígua, o acordo previu o pagamento de multa no valor de R$ 1 milhão cada um (315 mil dólares aproximadamente). Não é pouco tendo em vista o montante movimentado por eles (1,6 bilhão de dólares) em pagamento a agentes políticos em nome da Odebrecht?
3) Que contribuição os controladores do Meinl Bank deram para a investigação?
4) O advogado Rodrigo Tacla Durán disse que foi procurado por um colega, Carlos Zucolotto Júnior, seu ex-correspondente, que negociou benefícios em acordo de delação premiada. Segundo ele, o Ministério Público Federal enviou esboço do acordo com benefícios oferecidos pelo advogado. O que o MP tem a dizer sobre essa afirmação do advogado Tacla Durán?
5) Fique à vontade para fazer considerações que considerar pertinentes ao tema.

quinta-feira, 19 de outubro de 2017

Dallagnol usa projeção no MPF para conseguir palestras remuneradas, por Eduardo Guimarães

No dia 26 de outubro, o procurador Deltan Dallagnol, coordenador da Força Tarefa Lava Jato no Ministério Público Federal em Curitiba, vai ministrar palestra sobre combate à corrupção a donos de postos e distribuidoras de combustíveis.
A palestra vai abrir ExpoCom, feira de negócios que integra a programação comemorativa dos 60 anos do Sindicato do Comércio Varejista de Combustíveis (Sindicombustíveis-PR).
O valor recebido pelo procurador para ministrar a palestra não foi divulgado. Em junho, uma empresa de eventos revelou acidentalmente na internet que Deltan cobra de R$ 30 mil a R$ 40 mil por palestra.
O procurador afirma que “a maior parte” dos valores recebidos é doada à Associação de Pais e Amigos dos Excepcionais (Apae) ou destinada a ações de combate à corrupção.
O Sindicombustíveis congrega empresários varejistas no setor, parte deles alvo de denúncias constantes relacionadas à corrupção, formação de cartel e manipulação abusiva de preços na venda de combustíveis ao consumidor e até a assassinato. O próprio sindicato já foi multado diversas vezes pelo Procon -PR em valores que ultrapassam um milhão de reais.
A intenção da palestra de Dallagnol é discutir “corrupção e ética nos negócios”. Entre os palestrantes também está o juiz federal Marlos Melek, magistrado curitibano conhecido como o pai do projeto de lei da Reforma Trabalhista, redigido após longa batalha no Congresso Nacional.
Dallagnol se recusa a revelar que percentual ele embolsa e que percentual ele supostamente doa a instituições benemerentes, mas o fato incontestável é que ele só consegue dar essas palestras devido ao seu cargo.
O procurador acusa o ex-presidente Lula de ter conseguido dar palestras remuneradas graças a ter exercido cargo público de presidente da República. Suas palestras teriam sido contratadas por empresas interessadas em “agradar” um servidor público influente.
Blog da Cidadania