Para afastar suspeitas, bastará que o Ministro exponha a relação
de clientes do escritório de advocacia da sua família. Um homem bom não terá
dificuldades de responder a esse desafio.
As
revelações do The Intercept confirmam plenamente os interesses econômicos
escondidos por trás da Lava Jato, de patrocinadores com interesses, temores ou
meramente por alinhamento ideológico.
O strip
tease moral dos diálogos espalha suspeitas sobre todo o sistema judicial,
pois a opinião pública aprendeu como se fazem as salsichas. E remete a
discussão diretamente para o primeiro item das dez medidas anticorrupção
elaboradas por Sérgio Moro e a turma da Lava Jato – e apresentadas como sendo
de iniciativa da opinião pública: o teste de integridade.
Segundo a justificativa:
O
objetivo central do teste de integridade é criar, preventivamente, a percepção
de que todo o trabalho do agente público está sujeito a escrutínio e, a
qualquer momento, a atividade pode estar sendo objeto de análise, inclusive sob
o ponto de vista de honestidade. A realização do teste não parte da premissa da
desconfiança sobre os servidores em geral, mas sim da noção de que todo agente
público tem um dever de transparência e accountability, sendo natural o exame
de sua atividade.”
O
teste visa medir a elasticidade moral do agente público, claramente expresso na
máxima de Dallagnol, conversando com o amigo Pozzobon sobre a palestra
clandestina na XP:
– É um risco, sim, mas
bem remunerado.
Até
o vazamento das conversas, Dallagnol se escondia atrás da blindagem da mídia,
da corregedoria do Ministério Público Federal e do Conselho Nacional do
Ministério Público, que se conformavam com declarações sem provas, de que a
maior parte das palestras era de graça e, óbvio, para o bem do Brasil.
O
caso remete para um tema vizinho, o compliance, ou seja, as práticas que
devem ser adotadas por organizações, para impedir abusos ou atos de corrupção.
E, já que vigora o linguajar jurídico, há a necessidade de um full
disclosure, ou seja, plena divulgação, para se avaliar o nível de integridade
dos agentes públicos, em respeito ao accountability.
Vamos
aplicar um teste de integridade na instância máxima, o Supremo Tribunal
Federal, e no Ministro que mais defende os modelos de compliance, Luis
Roberto Barroso.
Há
duas atividades suas que merecem full disclosure, para saber se Barroso
passa no teste de integridade.
A primeira, são as
palestras.
Barroso
se tornou um palestrante requisitado, depois de sua adesão à Lava Jato.
Preparou um discurso padrão, bastante superficial, no qual falava dos novos
tempos que viriam por aí, definia quatro fórmulas para salvar o Brasil e
colocava a bandeira da anticorrupção como o anjo salvador da pátria.
Percebeu-se,
de cara, que não se submetia a regras de compliance. Descobriu-se que
faria uma palestra paga para o Tribunal de Contas da paupérrima Rondônia por um
cachê de R$ 46 mil (aqui).
Só depois que o caso vazou ele declarou não ter percebido que se tratava de
cachê de um órgão público. Não passaria no teste de integridade, porque
supostamente desobedeceu a uma norma básica: saber quem está lhe pagando
R$ 46 mil. Ou definir regras para os escritórios que o contratavam: não aceitar
pagamentos de órgãos públicos, nem de patrocinadores onde pudesse haver
conflitos de interesse.
Como
não pode sequer haver dúvidas sobre a honradez da mulher de César, certamente o
Ministro Barroso não se furtará a expor a relação de palestras, valores e patrocinadores.
Afinal, como ele mesmo diz, é um homem bom, que só faz o bem.
Afinal, como discorreu em
um discurso de formatura:
“Creio
no bem, na justiça, no amor e na tolerância. E creio na gentileza e no bom
humor como uma boa forma de realizá-los” (aqui).
Deltan também dizia isso,
mas deixa para lá.
A
segunda frente de full disclosure é o escritório de advocacia de sua família.
Antes de se tornar Ministro, mas já bebendo da vaca leiteira da Procuradoria
Geral do Estado do Rio de Janeiro (o termo é utilizado por procuradores para
caracterizar aqueles que se valem dos proventos do cargo como garantia de renda
estável enquanto exercitam o empreendedorismo em outras atividade), Barroso se
converteu em um dos juristas preferenciais dos grandes grupos, para preparar
minutas de projetos de lei que eram apresentados no Congresso pelos
deputados por eles financiados.
Nos
últimos anos, o maior negócio da advocacia tem sido os trabalhos de compliance,
diretamente estimulados pelo discurso da anticorrupção. Já falei várias vezes
dessa indústria por aqui.
Barroso
emprestou sua reputação de Ministro da Suprema Corte para um curso nos Estados
Unidos – ao lado do inacreditável Marcelo Bretas – sobre compliance. Além
das aulas de Barroso e, sabe-se lá com que conteúdo, de Bretas, o curso previa
a visita a dois grandes escritórios de advocacia norte-americanos, de olho no
Brasil.
A
opinião pública merece ser informada se um servidor público, com poder de
influir nos destinos da política e do país, que referendou a destruição de
empresas e partidos, interferiu nas eleições presidenciais, estimulou os abusos
da Lava Jato, segue rigorosamente princípios do compliance, da accountability e
de full disclosure.
Para
afastar suspeitas, bastará que o Ministro exponha a relação de clientes do
escritório de advocacia da sua família. Um homem bom não terá dificuldades de
responder a esse desafio. Até mesmo para que não se imagine que corria riscos,
sim, mas bem remunerado.
Do
GGN