Governador Eduardo Campos - morto em acidente aéreo no dia 13/08/2014
Do governo para a oposição, Eduardo
Campos tentava encarnar a terceira via
Passava da meia-noite e o carro blindado avançava veloz por uma
tranquila Marginal Tietê, em São Paulo. Sentado ao lado do motorista, o
deputado federal Márcio França, presidente do diretório paulista do Partido
Socialista Brasileiro, comentava os meandros da intrincada disputa eleitoral.
“Paulista não vota para eleger. Paulista vota para derrotar os outros. E eles
querem a Dilma fora”, disse, enfático. “Só que o paulistano clássico ainda não
entendeu que, para derrotar a Dilma, tem que votar no Eduardo, e não no Aécio”,
continuou, discorrendo sobre o maior colégio eleitoral do país. “Votar no Aécio
no primeiro turno é assegurar a reeleição da Dilma no segundo.”
No banco de trás, o presidenciável Eduardo Henrique Accioly Campos –
ex-governador de Pernambuco, ex-deputado federal, ex-ministro da Ciência e
Tecnologia do governo Lula, terceiro colocado na corrida presidencial – ouvia o
raciocínio em silêncio, tentando, em vão, completar uma ligação pelo celular.
França prosseguiu. “Imagine o Nordeste. Se o segundo turno for entre Aécio e
Dilma, quem votou no Eduardo migra direto para a Dilma. Não votam em tucano nem
a pau”, disse.
Um utilitário de luxo ultrapassou em alta velocidade, o que provocou a
revolta dos passageiros, menos do candidato – que seguia vidrado no celular.
“Agora, se for Eduardo e Dilma, o Eduardo está eleito, já que os tucanos vão
votar nele. É a única hipótese de ela perder.” Como se tivesse acordado de um
transe, Campos desistiu do telefone, esticou a coluna e murmurou: “É...”
A quatro meses das eleições, Eduardo Campos oscilava em torno de 10% das
intenções de voto. A presidente Dilma Rousseff, do Partido dos Trabalhadores,
liderava a corrida eleitoral com 35%, seguida por Aécio Neves, do Partido da
Social Democracia Brasileira, na casa dos 20%. As projeções também indicavam
que mais da metade da população não tinha ideia de quem ele fosse e 30% diziam
não votar nele “de jeito nenhum”. Na avaliação dos marqueteiros, dois pontos
contavam a seu favor: alto desconhecimento e rejeição moderada.
“Minha eleição vai ser de fenômeno, vai ser de arranque na última hora”,
disse ele, retomando o interesse pelo celular. “Ninguém está pensando em
eleição agora. Deixa a Copa acabar, começar o horário eleitoral, é quando eu
começo a crescer. E aí vai ser de uma vez”, comentou, alongando os dedos em
direção ao teto do automóvel.
Desde que entrou no páreo, Campos se apresenta como o candidato da “nova
política”, uma alternativa à dicotomia PT-PSDB, que, juntos, somam vinte anos
no poder. Ele e sua vice, a ex-senadora Marina Silva – candidata à Presidência
em 2010, quando obteve 20 milhões de votos –, se vendem como a terceira via,
com um discurso de página virada na história: fim do aparelhamento do Estado,
do fisiologismo, do patrimonialismo e da corrupção na esfera pública.
O grupo voltava da gravação do
programa Roda Viva, da TV Cultura, em que Campos fora entrevistado
por uma bancada de seis jornalistas. No carro, comentou-se o fato de ele ter se
esquivado quando lhe perguntaram se manteria a candidatura, caso o
ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva substituísse Dilma Rousseff na última hora.
“Eu não vou morder essa corda. Veja se vou botar Lula em palanque? Essa
tucanada fica querendo me botar para brigar com ele porque é bom para Aécio”,
disse. “É uma estupidez brigar com Lula. Parte do lulismo vai deixar Dilma e
vai votar em mim. Não vou falar mal de Lula nunca. É uma questão de
autodefesa”, arrematou.
Ele finalmente conseguiu completar a ligação. Em seguida, recebeu a
chamada de Marina Silva, que estava em Montevidéu e havia assistido à
entrevista pela internet. Trocaram impressões sobre o desempenho do candidato
na televisão. Ele se despediu formalmente com “um abraço, obrigado”, desligou o
aparelho, virou o rosto para a direita e encarou os casebres ao longo da
estrada. “É luta, é luta!”, repetiu para si mesmo.
Aos 48 anos,
Eduardo Campos aparenta mais idade. Ele se veste de maneira formal – sempre de
camisa clara, blazer escuro e sapato social –, usa gel para domar os fios que
rareiam no cocoruto e está sempre com um frescor de quem acabou de sair do
banho, mesmo depois de uma maratona de rua com 40ºC à sombra. Um dos
coordenadores da campanha, o ex-deputado sergipano Pedro Valadares, me
confidenciou que uma de suas vaidades é roupa. “Ele está sempre arrumadinho.”
Seu rosto é muito expressivo. Os olhos azul-esverdeados chegam quase à
brancura na luz do sol. Injetam-se quando ele está irritado. Arregalam-se
quando elequer instigar o interlocutor. Cerram-se enquanto ele puxa o lábio
inferior com o indicador e o polegar em situações reflexivas. O nariz muito
adunco costuma acomodar um pingo na proa depois de um gole em qualquer líquido.
Assessores se apressam em coçar a ponta do próprio nariz para indicar ao chefe
que o dele precisa de um lencinho.
Tem um legítimo sotaque pernambucano.
Diz “cabra” para se referir a um sujeito, “arengar” quando fala de discussão
mole, usa muito “oxe” e se vale de “da moléstia” como advérbio de intensidade.
Quando fala em público, o acento arrefece e a voz ganha tom de locutor
televisivo. Amigos usam palavras como “leve”, “bem-humorado”, “engraçado” para
definir seu traquejo social. Quando vai fazer alguma confidência – o que é raro
–, Campos avisa: “Isso é em out.” No jargão jornalístico,
costuma-se usar “em off”. É um exímio contador de piadas e um
imitador hilário. Como um Zelig, incorpora maneirismos, trejeitos, vozes, e
mimetiza características pessoais alheias com propriedade. Melhores
performances: Lula, Dilma e Roberto Amaral, o vice-presidente do PSB.
No trabalho, os adjetivos usados por quem já esteve sob sua batuta são
mais contundentes: “exigente”, “obcecado”, “centralizador”, “autoritário”. No
Congresso Nacional, era conhecido como soberbo articulador político, ótimo
conciliador de ânimos e pela excelente relação com jornalistas, sobretudo com a
velha guarda brasiliense, que sempre lhe reservou boa mídia.
Casado há mais de duas décadas com a economista Renata Campos, tem cinco
filhos, entre 21 anos e cinco meses de idade. Pergunto quem são seus melhores
amigos. Ele faz uma pausa para, em seguida, citar assessores de campanha. Campos,
dizem, é um cara família. Como se diverte? “Churrasco em casa”, responde. É
neto de Miguel Arraes, três vezes governador de Pernambuco, uma das maiores
lideranças de esquerda da história do país. Sua bisavó materna foi sogra de
dois governadores. A família de Renata Campos também compreende políticos
regionais.
Em meados de
maio, Eduardo Campos tomava café da manhã em um hotel de Campina Grande, na
Paraíba. Enquanto o grupo de assessores ainda trazia estampada na face a
maratona de pré-campanha da véspera, ele fazia piadas, falava sobre as notícias
do dia, contava casos e instigava os presentes à mesa a acelerar o pensamento.
Quando o último assecla apareceu, foi recebido com um sorriso irônico. “Veio
almoçar com a gente?” Eram seis e quinze da manhã. Nas dezoito horas seguintes,
ele passaria por três cidades, teria doze compromissos, daria nove entrevistas
e falaria dezesseis vezes a frase “O Brasil parou de melhorar e começou a
piorar”.
Desde abril, quando deixou o governo
de Pernambuco, corre o país em um jatinho alugado pelo PSB (às vezes usa
helicóptero emprestado), participando de almoços, jantares, palestras,
conferências, mesas-redondas e entrevistas a estações de rádio e televisão. Um
levantamento na agenda dos presidenciáveis mostra que ele era o que mais
viajava pelo país. Engordara 3 quilos. “Oiê, tô indo para uma rádia”,
disse irônico para a mulher pelo celular, na van a caminho de uma emissora.
Contou ter visto as fotos das crianças, resumiu a agenda do dia, perguntou como
estava tudo em casa e se despediu em pernambuquês: “Xau.”
Naquele dia, a bancada governista
manobrava para incluir as obras do Porto de Suape, em Pernambuco, na Comissão
Parlamentar de Inquérito da Petrobras, como retaliação ao apoio de Campos à
investigação. “Babaquice. Investiga! Não tenho problema nenhum com isso”,
afirmou. Depois, discorreu sobre a estratégia do PT de querer intimidá-lo, “o
que era uma clara demonstração de desespero”. Ele comentou ter sido interpelado
no hotel por hóspedes que criticaram Dilma Rousseff. “Falaram que não votavam
‘naquela mulé’ de jeito nenhum. Reparou que agora ficam chamando
ela de Dilmão, Dilmona?”, inquiriu. “O povo está com abuso demais dela.”
Durante onze anos, Eduardo Campos
esteve alinhado com o governo petista. Desde que se declarou na briga pelo
Planalto, adotou uma postura mercurial contra Dilma Rousseff. Chegou a dizer
que “raposas já roubaram o que tinham que roubar no governo” e que ia mandar o
senador José Sarney, do PMDB, para a oposição. “O país tomou um rumo totalmente
errado”, disse. Com virulência, ele mencionou a alta carga tributária, os
juros, a inflação, a débâcle da Petrobras, a falência do setor
elétrico, o desfalque nas contas externas, o mal-estar que havia tomado conta
da população.
Adversários enxergavam na atitude de Campos uma contradição: tantos anos
junto ao governo e, de repente, tornara-se um crítico contumaz. “Primeiro é que
não foi ‘de repente’”, disse o candidato. No começo do governo Dilma, ele
afirmou, já alertava a presidente sobre o rumo nefasto que estava tomando a
aliança com o PMDB. “Eu e muitos acreditamos que ela poderia ter melhorado
falhas do governo Lula, o que não ocorreu. Fez pior: quem passou a mandar no
governo foi a raposada do PMDB. Na época de Lula, não era assim.”
No programa de rádio, Campos foi sabatinado sobre seus planos. “O que
temos para mostrar é o trabalho que fiz em Pernambuco e a trajetória de vida de
Marina Silva”, disse. Afirmou estar “chocado” com os boatos de que acabaria com
o Bolsa Família, prometeu diminuir os impostos com uma reforma tributária
imediata e disse que, com escola integral, o Brasil mudaria em duas décadas.
Em seguida, falou sobre o programa de intercâmbio no exterior para os
melhores alunos de escolas públicas, criado por ele em Pernambuco. “Quando era
possível imaginar que o filho de um vaqueiro, de uma doméstica, de um pedreiro
poderia estudar nos Estados Unidos? Mas lá fizemos acontecer.” Ao sair do
estúdio, foi cercado por repórteres. De volta à van, ele quis saber: “Quem era
essa mocinha do SBT, que foi treinada só para me perguntar sobre o Aécio?”
No começo do ano, Eduardo Campos e Aécio Neves haviam combinado apoio
mútuo em Minas e Pernambuco com vistas a uma parceria num eventual segundo
turno. Recentemente, o tom mudou. Comentei que o “excesso de amizade pública”
talvez tivesse confundido o eleitor, que não conseguia diferenciar os projetos
de cada um. Elogiavam-se, posavam como amigos, pareciam correligionários. Foram
flagrados jantando juntos no restaurante Gero, no Rio, justamente quando o eleitorado
começava a identificar os postulantes à Presidência. “E foi coisa minha? Foi
dele”, reagiu Campos. “Eu vou jantar com ele e tem um fotógrafo na porta. Quem
você acha que mandou?” A diferença entre ambos seria estrutural: “A origem
política dele é mais conservadora do que a minha.”
E depois houve Comandatuba. “Aquilo foi uma sacanagem”, comentou. Foi
quando a campanha de Campos percebeu que teria de se distanciar do tucano. Em
maio, ele e Aécio participaram de um evento patrocinado pelo empresário João Dória
Júnior, cuja ideia era discutir política econômica, gestão empresarial e
responsabilidade social. Segundo Campos, organizaram um debate entre os dois de
última hora. “A fala dele foi um desastre. Não falou nada com nada. Teve
quarenta minutos, eu vinte, e ele ainda era sempre o último a responder, ou
seja, fechando com chave de ouro”, comentou. O que mais irritou o candidato foi
ter sido informado de que, ao final do encontro, Dória teria reunido alguns
empresários – como Luiza Trajano, do Magazine Luiza – para diminuí-lo. “Ficou
falando que eu tinha ido mal, que eu estava constrangido. Eu estava era
chocado.” Semanas depois, Campos anunciou o rompimento do acordo com Aécio e
passou a criticá-lo publicamente.
Ocearense
Miguel Arraes de Alencar entrou na política pelas mãos do então governador de
Pernambuco, Barbosa Lima Sobrinho, com quem tinha trabalhado no Instituto do
Açúcar e do Álcool, nos anos 40. Começou como secretário estadual da Fazenda e,
em 1962, com o apoio dos comunistas, derrotou João Cleofas, candidato das
oligarquias canavieiras. Com um governo alinhado à esquerda, devotou-se à
melhora da vida dos trabalhadores rurais, forçando usineiros e donos de engenho
a pagar benefícios, além de dar forte apoio à criação de sindicatos, associações
comunitárias e ligas camponesas.
Em 1º de abril de 1964, tropas do Exército cercaram o Palácio do Campo
das Princesas, sede do governo de Pernambuco. Os militares propuseram que o
governador renunciasse, ele negou. Saiu de lá para a prisão. Arraes ficou onze
meses encarcerado na ilha de Fernando de Noronha. De lá, exilou-se na Argélia,
onde viveu por quase quinze anos, longe de parentes, amigos e correligionários.
Na mesma época, Ana, a segunda dos dez filhos de Arraes, começou a
namorar Maximiano Campos, oficial de gabinete do pai. Tinha 16 anos. Dois anos
depois, casou e ficou grávida de gêmeos. Um deles não vingou. O outro, Eduardo,
nasceu em 10 de agosto de 1965. Com o pai e os irmãos exilados, ela, o marido e
o filho se refugiaram em uma propriedade rural em Vitória de Santo Antão, a 50
quilômetros do Recife. Criavam galinhas e gado. Ana cuidava da contabilidade da
fazenda e Maximiano passava o dia em meio a leituras e apontamentos. Três anos
depois, ela deu à luz o segundo filho Antônio. Nenhum deles tem o sobrenome
materno, Arraes de Alencar. Maximiano não quis.
Em 1971, a família Campos voltou ao Recife. “Ainda éramos vigiados,
havia aquela desconfiança de tudo e de todos o tempo todo”, lembrou Ana Arraes
recentemente. A casa da família era um ponto de encontro de intelectuais,
artistas e políticos. Desde cedo, Eduardo Campos participava das conversas,
escutava muito, palpitava com a mesma intensidade. Do outro lado da rua, a
vinte passos de distância, morava o escritor Ariano Suassuna – cuja casa virou
uma extensão da família Campos. Foi ali, aos 8 anos, que o candidato conheceu
Renata, de 6, sobrinha em primeiro grau de Zélia, mulher de Suassuna. Brincavam
tomando banho num tanque e jogando bola. Eduardo Campos cresceu chamando o
escritor de “tio Ariano”. No governo, nomeou-o secretário de Assessoria ao
Governador. As famílias também veraneavam em Candeias, uma praia vizinha.
Quando Renata tinha 13 anos, começaram a namorar. Estão juntos desde então.
Maximiano Campos morreu em 1998. É
descrito por quem o conheceu como “um homem de inteligência superior, muito
culto, mas emocionalmente instável”. O casamento acabou ainda nos anos 80. Ele
é autor de dezessete livros, alguns publicados postumamente por seu filho
Antônio, com subsídios públicos. A obra mais conhecida é o romance Sem
Lei nem Rei, que trata da briga entre coronéis do sertão e da Zona da Mata
de Pernambuco. No livro Do Amor e Outras Loucuras, cuja contracapa
traz os logos do Ministério da Cultura, da Petrobras, dos Correios e da Chesf,
há um poema chamado “Para Eduardo”. Diz uma estrofe:
Tenho um destino:/a vontade firme de
construir,/realizar./Não nasci para destruir,/ muito menos para sentir medo./
Nasci para lutar/pelos que não podem,/ pelos pobres, sem abrigo,/sem lar, sem
justiça e sem lei.
Em uma tarde de abril, o advogado
Antônio Campos, conhecido como Tonca, e sua mãe, Ana Arraes, ministra do
Tribunal de Contas da União, receberam-me no Instituto Maximiano Campos, a
antiga casa da família transformada em acervo com livros e lembranças do escritor.
Há uma sala com estantes arrumadíssimas de publicações catalogadas, rascunhos
datilografados, fotografias ampliadas, um busto e frases dele nas paredes.
O culto à memória literária do pai é uma das missões pessoais de
Antônio, um sujeito gentil, de expressão desconfiada e fala formal. “Você se
senta com Eduardo e acha que já está com o presidente da República”, ele
comentou. A seu lado, Ana Arraes, uma mulher elegante, que poderia ser
confundida como uma irmã dos filhos, corroborou: “Sei que sou suspeita para
falar, mas ele é muito preparado, tem uma sensibilidade social altíssima.”
Quando a conversa resvalou para os pontos em comum entre o neto e o avô,
Tonca se apressou em responder: “Gestão honesta, políticas voltadas aos mais
necessitados. Mas Eduardo não é um novo Arraes, ele é um Arraes novo,
contemporâneo.” Eu disse que havia quem o achasse autoritário. “Ele é um líder.
O povo brasileiro quer um líder, alguém que tome conta, que melhore a vida
deles”, completou.
Ainda governador de Pernambuco, Eduardo Campos e uma comitiva de
assessores e secretários desembarcaram em Brasília com uma missão: pedir votos
a seus ex-colegas parlamentares para aprovar o nome de sua mãe para ministra do
Tribunal de Contas da União – um cargo vitalício, que tem a responsabilidade de
aprovar (ou não) a prestação financeira de governantes do país.
“Eu não precisei de lobby. Por um voto, não fui a mais votada da
história do tribunal. Já fui a deputada federal mais votada do estado, sou
advogada”, disse Ana. Ressaltou que se coloca impedida para apreciar qualquer
caso que envolva Pernambuco e também evita eventos políticos do filho. A cada
intervenção da mãe, Tonca a interrompia, como se a conversa precisasse de
legenda ou ele temesse alguma indiscrição. “E olhe aqui: se ele não ajudar a
mãe, vai ajudar quem?”, perguntou ele.
Em um dado momento, quando se falava sobre críticas ao candidato, foi
Tonca quem tocou num assunto: “E ficam com essa história de dizer que ele é
filho de Chico Buarque.” Em junho de 2011, quando era deputada federal, Ana
Arraes chegou a divulgar uma nota oficial negando o boato, propagado pela
internet. Quem nunca tinha ouvido a história soube ali. “Uma coisa dessas não
dá para ficar calada. Quem cala consente.” Ana Arraes disse que conheceu o
músico apenas em 1986.
Adversários de Campos costumam atacá-lo evocando a captação de recursos
para projetos culturais feita por Tonca. “Para evitar a exploração política,
deixamos de pedir subsídios”, ele explicou. Era hora de encerrar a conversa.
“Querer imputar a Eduardo qualquer coisa errada é absurdo. Quase oito anos no
poder e nenhuma ação de improbidade, nenhuma denúncia, nada.”
Foi apenas
aos 10 anos de idade que Eduardo Campos conheceu Miguel Arraes, quando a
família foi visitá-lo em Argel. Durante o exílio do avô, trocavam cartas –
perdidas durante uma enchente que atingiu a casa da família. Eduardo era o
preferido do avô. Não de Arraes, mas de Fernando Campos, do lado paterno.
Plantador de cana afinado com a política conservadora dos usineiros, ele se jactava
por Eduardo ser o único neto parecido com ele: alto, os olhos azuis muito
claros, o nariz aquilino, o queixo proeminente. Aos outros descendentes,
reservava o apodo de “os moreninhos”.
A relação com Arraes sempre foi formal. Nunca foram de intimidades ou
troca de afeto. Tratavam-se por “doutor Eduardo” e “doutor Arraes”. O jeito
fechado de sertanejo, monossilábico, seco, era difícil para o neto. O avô não
elogiava, não facilitava. “Arraes nunca passou a mão na cabeça de Eduardo. Ele
teve que se fazer sozinho e conseguir o respeito do avô. Como todo mito, Arraes
não deixava herdeiros políticos. Queria brilhar sozinho. Eduardo teve que se
impor e se inventar”, comentou um ex-assessor de Arraes no governo.
Dizia-se que o velho Arraes era um coronel de esquerda. Sempre se elegeu
com chapas que juntavam empresários, fazendeiros e oligarcas. Tinha uma
legendária capacidade de transitar por várias tendências do espectro ideológico
sem ficar preso a uma ou outra. Em 2002, apoiou Anthony Garotinho à Presidência
da República. Eduardo Campos é feito dessa argamassa: a da família que, de um
lado da mesa, faz sentar o mítico homem da esquerda; do outro, o avô da
oligarquia. Numa ponta, os tios maternos – intelectuais, artistas, escritores
–; na outra, a família da mulher, que é tradicional e conservadora. É e sempre
foi um anfíbio, capaz de se adaptar às mais diversas situações e ambientes.
Respirou dentro das águas do governo e agora toma novo fôlego com o oxigênio da
oposição.
Só no final da vida Arraes revelou um lado mais afetuoso com o principal
herdeiro político da família. “Ele passou a falar coisas que nunca havia dito
antes. Dizia ter orgulho de mim, estar satisfeito por eu ter virado o que sou,
coisas impensáveis de sair de sua boca”, lembrou Campos. Miguel Arraes morreu
em agosto de 2005.
No calçadão
Cardoso Vieira, no Centro de Campina Grande, Campos era observado de longe por
populares. A maioria dos transeuntes o escrutinava com a expressão de já tê-lo
visto em algum lugar. O vendedor de uma loja de calcinhas o reconheceu e
anunciou pelo alto-falante: “Aqui está o nosso futuro presidente Eduardo
Campos!”
Durante quase meia hora, Campos foi seguido por um repentista, beijou
mulheres, tirou fotos e tomou cafezinho no balcão de uma padaria. Ele se
apressava em cumprimentar os passantes antes que lhe dessem trela. De volta à
van que levava o grupo de doze pessoas, o ex-deputado Pedro Valadares comentou:
“Esse cabra é o cão chupando manga. Viu como o povo ama ele? E aí não tem
palestra para intelectual, não tem encontro com empresário, não tem é nada. O
negócio dele é o povo.” E a micropolítica. O tempo todo, Campos perguntava a
assessores com quem o PMDB estava no município X, se fulano era candidato, se
havia apoiado sicrano, se o vereador tal fez isso, se o deputado Y fez aquilo.
O candidato tinha as costas da camisa
molhadas de suor. “Rua é a melhor coisa do mundo”, disse, escancarando os
dentes e esfregando uma mão na outra. Em uma reportagem da revista The
New Yorker, o editor David Remnick distinguiu dois tipos de políticos ao
esquadrinhar a diferença entre o ex-presidente Bill Clinton e seu vice, Al
Gore, que havia perdido as eleições americanas. Enquanto um se sentia
revigorado no meio da multidão, o outro parecia ter tido o sangue sugado por
vampiros. Campos faz parte do primeiro time. Depois do corpo a corpo, parecia
tão excitado que chegou a dar soquinhos no banco, como que para extravasar a
agitação.
No meio da tarde, ele voltava de um encontro com estudantes, no qual lhe
foi perguntado sobre reforma previdenciária. Em sua opinião, mudar a lei era
urgente, mas sem mexer em quem já tem direitos adquiridos. “Não dá para um
desembargador deixar pensão para a segunda mulher novinha”, comentou. “O cara
contribui 25 anos e a pensão dura sessenta.” Pelo celular, chegou o resultado
de uma pesquisa encomendada pela campanha. Em Campo Grande, os três candidatos
estavam embolados: Dilma com 31, Aécio com 28 e ele com 27 pontos.
Aos 52 anos,
o sociólogo argentino Diego Brandy é o guru político de Campos. Diferente de
boa parte dos marqueteiros brasileiros, ele não tem gosto pelas frases de
efeito nem costuma expor teorias mirabolantes. É discreto, fala pouco, olha de
soslaio, fuma horrores, sai à francesa. Poderia ser um personagem de filme noir.
Na campanha, ganhou o apelido de “trankilo” (pronunciado com sotaque portenho),
apesar de ter precisado implantar um stent em maio.
À frente do instituto de pesquisa Cipec – que tem o PSB como maior
cliente –, ele coordena equipes de análise política e pesquisas de opinião.
Atualmente, vive entre Recife, São Paulo e Buenos Aires, onde ainda moram a
mulher e as filhas. Não há uma política, uma estratégia, uma decisão de
campanha ou governo que não passem por seu crivo. Participou das vitoriosas
eleições de Campos ao governo do estado.
A particularidade das projeções feitas por Brandy, segundo quem o
conhece, é que, diferentemente de outros institutos, ele não aceita “não” como
resposta dos entrevistados. Estica as questões ao limite e consegue obter dessa
maneira, com base na inclinação do voto, uma previsão mais precisa do
resultado. Com Campos, dizem, nunca errou.
Em fevereiro, Brandy acreditava que o candidato teria em torno de 35%
dos votos no primeiro turno. Nessa mesma época, recebeu análises que apontavam
Campos vencedor em São Paulo e no Rio. Ele costuma repetir que Dilma Rousseff
cairá para menos de 30% às vésperas da eleição. Outra das suas previsões: assim
que Aécio divulgar seu vice (o que ocorreu no final de junho), começará a cair
nas pesquisas. E sua máxima predileta: a dupla Marina–Eduardo seria imbatível
na opinião pública. “Pela visibilidade dela e pela seriedade dele”, aposta.
Tanto que toda propaganda, jingle e material de campanha enfatizam a dupla.
Quando a chapa completa é apresentada aos eleitores, a intenção de votos sobe
para quase 20%. Segundo ele, basta esperar a propaganda eleitoral e ter muita
paciência. Trankilo.
Com a anistia,
Miguel Arraes voltou ao Brasil. No dia em que o avô desembarcou, Eduardo
Campos, então com 14 anos, conheceu o líder metalúrgico Luiz Inácio Lula da
Silva, que passou a tarde na casa do anistiado para lhe dar as boas-vindas. A
relação de Campos com o ex-presidente Lula sempre foi de empatia total: tinham
o mesmo interesse, o mesmo senso de humor, dividiam a inclinação social, e ao
mesmo tempo tinham o pragmatismo político nas veias. “Eduardo é o neolulismo”,
disse Alon Feuerwerker, diretor de comunicação da campanha. “Faz política
voltada para os pobres, tem diálogo com a sociedade e a ideia de crescimento do
país.”
No final de 2007, José Dirceu me disse: “Eduardo pode ser nosso
candidato em 2018.” Segundo o ex-ministro, ainda que Campos fosse de outro
partido, “o Lula quer ele”. Bem antes de Campos se declarar no páreo, Lula
ainda especulava oferecer a ele a vaga de vice de Dilma Rousseff em 2014.
“Agora, o PT falar que traí porque estou me lançando candidato? Isso é coisa
que coronel fazia. ‘Não está comigo, me traiu.’ Como se eu fosse um escravo,
estou me rebelando, devo pagar, ir para o tronco”, afirmou Campos. Falaram-se pela
última vez no começo do ano. “Eu vou ligar para Lula para falar o quê? E ele
vai me ligar para quê? Se eu ligar, ele pode querer conversa esquisita. Não dá.
É ruim para mim, para ele e para a Dilma.”
Aos 16 anos, Campos foi aprovado no vestibular de economia na
Universidade Federal de Pernambuco. Naquela época, passou a fazer política
estudantil como presidente do Diretório Acadêmico da faculdade. Aos 20,
formado, recebeu um convite para estudar nos Estados Unidos. Estava quase de
malas prontas quando seus tios vieram lhe pedir para ficar. Era um recado do
avô, que queria que o neto se engajasse em sua campanha para o governo de
Pernambuco, a primeira depois do exílio. Ele ficou. Foi a primeira de uma série
de concessões feitas à família para se projetar na vida pública. Jamais se
arrependeu da escolha, mas lamenta nunca ter aprendido o idioma.
Tal como Aécio Neves, Campos se iniciou na política como assessor do
avô. Em 1990, ele e Arraes abandonaram o PMDB e se filiaram ao PSB, que se
tornou o quintal eleitoral do clã. O velho mito foi eleito deputado federal e o
neto, estadual. Nas eleições de 1992, o avô lhe pediu mais um obséquio. O PSB
precisava de palanque com vistas à eleição de Arraes, e Campos deveria sair
candidato à prefeitura do Recife, mesmo sabendo da derrota incontornável. Fez a
campanha como se estivesse no páreo. Teve 5% dos votos, como o previsto.
Dois anos depois, Arraes foi eleito governador e Campos ganhou uma vaga
na Câmara dos Deputados, com uma expressiva votação. Aos 30 anos, ele se
licenciou do mandato e se tornou secretário da Fazenda. Era considerado o
“primeiro-ministro” do terceiro governo Arraes. A dupla funcionava. Eduardo, o
temido. Arraes, o amado. As finanças estaduais estavam estouradas, sobretudo
pela redução de repasses de verbas federais durante o governo de Fernando
Henrique Cardoso, ao qual Arraes fazia oposição declarada.
O governo Arraes emitiu títulos da dívida pública estadual, com
autorização do Banco Central, para o pagamento de precatórios (dívidas
resultantes de sentenças judiciais). Na CPI dos Precatórios, Campos foi acusado
de favorecer bancos na venda dos títulos e de usar o dinheiro obtido em
despesas correntes do estado, como o pagamento de fornecedores e de salários
atrasados do funcionalismo. O escândalo arrebentou a reputação do governo
Arraes e a de Campos. Um amigo da família Arraes, que acompanhou de perto o
caso, disse que o episódio foi mais uma provação dele, que teve que lidar com a
hostilidade dos tios, que o culpavam por ter exposto o governo do avô. “Mas foi
o velho que mandou fazer. Havia uma combinação maior, de maiores interesses.
Eduardo foi lá e fez. Não foi ele quem inventou nem foi ele quem mandou fazer,
mas na hora da crise ele assumiu tudo sozinho”, comentou.
No auge do escândalo, Campos foi parar no banco da CPI, acusado de
forjar documentos para a emissão de títulos. “Ele é um monstro político.
Recuperou-se de maneira incrível. Eu teria abandonado a vida pública”, comentou
o ex-governador Mendonça Filho, seu adversário no passado. Abatido pela
denúncia, o avô sofreu uma derrota acachapante para o governo em 1998. Campos
foi eleito novamente deputado federal. Em 2003, ele foi inocentado das
acusações no caso dos precatórios pelo Supremo Tribunal Federal, que arquivou o
processo.
Nas eleições
de 2002, Miguel Arraes articulava sua volta, mas os planos batiam de frente com
os do neto. Àquela altura, Campos estava convencido de que deveria ser
candidato ao governo de Pernambuco. Foi desencorajado por Arraes, que queria
que ele disputasse uma vaga menor, a de deputado estadual. A de federal ficaria
para o velho. Arraes achava que o neto lhe tiraria votos.
Durante algum tempo, Campos chegou a viajar pelo interior como candidato
local até que – nas palavras de um amigo – “caiu na real”. Contrariando o avô,
resolveu disputar a vaga de federal, o que fazia dele um adversário do
patriarca. Outro amigo da família se lembra com detalhes de como os nove tios,
novamente, passaram um tempo rompidos com ele por ter desafiado Arraes. “Aquilo
foi muito doloroso para Eduardo, mas muito importante, porque ele se afirmou de
maneira independente”, lembrou o amigo. Eduardo Campos foi eleito com 70 mil
votos. Miguel Arraes teve 180 mil.
Na Câmara dos Deputados, Campos nunca se destacou como grande orador,
tampouco foi um azougue dos projetos de lei. De acordo com um levantamento
feito pelo site Congresso em Foco, apresentou projetos para ampliar o
seguro-desemprego dos trabalhadores rurais, conferir bolsa-talento para alunos
no esporte e até instituir o Dia do Grafólogo. Mas nas votações era uma raposa.
Negociava com deputados para articular a base de apoio do governo. Em todos os
anos que esteve no Parlamento, foi eleito um dos “cabeças do Congresso"
pelo Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar, o Diap.
Em 2004, Lula o chamou para o Ministério da Ciência e Tecnologia. Mais
uma vez, Arraes se opôs. Queria o pesquisador Sérgio Rezende, que viria a
suceder Campos. À frente da pasta, revisou os programas espacial e nuclear e
conseguiu aprovar a pesquisa com células-tronco embrionárias. Criou a Olimpíada
Brasileira de Matemática das Escolas Públicas, que se tornou uma das maiores do
mundo.
“O cara é um estupendo executivo, vai direto ao ponto, não tem emocional
no meio, é muito inteligente e tem tudo arrumado na cabeça”, lembrou o
economista Marcos Lisboa, vice-presidente do Instituto de Ensino e Pesquisa, o
Insper, que participava de reuniões de governo ao lado de Campos, quando era
secretário executivo do Ministério da Fazenda na gestão de Antonio Palocci.
Quando veio à tona o escândalo do mensalão, o governo ficou em frangalhos.
Ameaçado no cargo, Lula pediu aos ministros que voltassem para o Congresso para
ajudar a reconstruir a base aliada.
Campos desempenhou um papel importante, com Aldo Rebelo, então ministro de Relações Institucionais, para tentar barrar a CPI dos Correios. Depois, Campos aumentou ainda mais seu cacife junto a Lula, quando, mesmo sabendo ser o favorito, abriu mão de disputar a presidência da Câmara. “Foi um período muito difícil, muito duro”, lembrou o candidato. “Nós éramos parte, mas não tínhamos nada a ver com as coisas do Zé Dirceu”, disse no carro blindado. Ele contou que Dirceu “sempre foi contra mim, Aldo Rebelo, Beto Albuquerque. Ele operava com outra turma, João Paulo Cunha, esse pessoal”.
Campos desempenhou um papel importante, com Aldo Rebelo, então ministro de Relações Institucionais, para tentar barrar a CPI dos Correios. Depois, Campos aumentou ainda mais seu cacife junto a Lula, quando, mesmo sabendo ser o favorito, abriu mão de disputar a presidência da Câmara. “Foi um período muito difícil, muito duro”, lembrou o candidato. “Nós éramos parte, mas não tínhamos nada a ver com as coisas do Zé Dirceu”, disse no carro blindado. Ele contou que Dirceu “sempre foi contra mim, Aldo Rebelo, Beto Albuquerque. Ele operava com outra turma, João Paulo Cunha, esse pessoal”.
Aeleição para
o governo em 2006 é tida pela equipe de Campos como um paradigma da
imprevisibilidade do jogo político. Ele entrou na disputa com 4%, fazendo
campanha em cima de um caixote de madeira em cidades do interior. Com o
escândalo da “Máfia dos Vampiros”, sobre desvios na área da saúde, envolvendo
parlamentares e municípios, o favorito Humberto Costa, do PT, foi mencionado.
Campos absorveu os votos petistas e ainda aglutinou o resto da oposição. Com um
discurso que prometia diminuir a conta de luz, foi eleito no segundo turno com
mais de 60% dos votos.
À frente do governo, Campos atraiu investimentos privados, colocou
gerentes para cuidar de hospitais, criou a avaliação de desempenho de servidores
e ampliou escolas de tempo integral. Instituiu reuniões de monitoramento das
ações governamentais. Quando alguma delas empacava, ele passava a mão no
telefone, ligava direto para Brasília ou para o empresariado.
Os resultados apareceram. Redução do número de homicídios, forte
crescimento do estado, duplicação do PIB estadual. Tocou obras como o Porto de
Suape, a Transnordestina, o estaleiro Atlântico Sul, e recebeu 30 bilhões de
reais do Plano de Aceleração do Crescimento, o PAC. Ele nega que tenha
conseguido bons resultados só porque recebeu um saco de bondades do governo
federal. “Isso que o PT fala é um debate desqualificado de conteúdo”, disse. “O
governo federal pôs dinheiro em todos os estados. Sobretudo nos governados pelo
PT. Vai lá ver se eles fizeram o que eu fiz.”
Apesar dos avanços econômicos, os problemas sociais persistem. Pobreza
elevada, a 19ª posição no ranking do Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) dos
estados e educação com índices abaixo da média nacional.
No poder, Campos agregou partidos e reduziu a oposição a pó. Foi o caso
de Jarbas Vasconcelos, do PMDB, inimigo histórico, que passou para a base de
governo porque ficou sem espaço político. Migraram com ele figuras históricas
da “velha política”, como Inocêncio de Oliveira e Severino Cavalcanti. Quando é
criticado por ter incorporado figuras notórias do atraso a seu governo, ele
responde: “A diferença é que essas pessoas não tiveram nenhuma importância na
minha administração. É o oposto do que acontece com Dilma hoje.”
Com
frequência, Eduardo Campos é chamado de “coronel”, menções que julga
preconceituosas pelo fato de ser um político nordestino. A Honra do
Imperador é um livro que compila artigos escritos pelo professor
Michel Zaidan, da Universidade Federal de Pernambuco, a ser lançado em julho.
Uma das poucas vozes dissonantes no estado, ele falou sobre o que chama de “a
era eduardiana” em um restaurante de um centro comercial do Recife. “Ele
aumentou as secretarias de dezoito para 28, e cortou sete antes de sair do governo.
Colocou dois postes como herdeiros políticos no estado para continuar no
controle. Eduardo é o imperador e Pernambuco é o reino”, comentou Zaidan, um
sujeito de fala mansa e gentil.
“Não há oposição em Pernambuco. Isso não é um bom sinal”, comentou. Segundo
ele, Campos governou com as velhas ferramentas de nomeações, distribuição de
cargos e liberação de verbas. O único deputado que aceitou falar comigo contra
Campos pediu para ficar no anonimato. Recentemente, uma prima do candidato, a
vereadora Marília Arraes, chegou a postar uma carta insinuando que Campos
tentava emplacar o filho João na presidência da Juventude do PSB com métodos
pouco democráticos.
“E há a questão do nepotismo”, afirmou o professor. Durante o governo,
Campos empregou pelo menos vinte pessoas da sua parentela, entre tios, primos,
genro, cunhados. “Mas ele não está nem aí”, disse Zaidan.
Aliados de Campos saem em sua defesa argumentando que os servidores
estão “dentro da lei” e que foi ele quem sancionou a primeira lei estadual
contra o nepotismo. Apesar de considerar o candidato um “gestor eficiente”,
Zaidan afirmou se tratar de um político à moda antiga. “É uma agenda gerencial
da administração pública, de vender o estado com renúncia fiscal. E ele se
reelegeu prometendo combate à guerra fiscal e um pacto federativo. Até empresa
de transporte com ar-condicionado para a Copa ganhou incentivo fiscal”, disse.
Para Zaidan, Campos nunca conseguirá se vender ao eleitorado como “uma
novidade”. “Ele é parte de uma oligarquia. Assim como Aécio Neves. Nesse ponto,
são idênticos. Nunca tiveram um emprego, viveram da política, da herança
política dos avós e dos velhos hábitos de manutenção do poder.”
Numa manhã
recente, Renata Campos chegou a uma cafeteria em Moema, na Zona Sul de São
Paulo, empurrando o carrinho do filho Miguel, um bebê gordinho e risonho.
Estava acompanhada do assessor de imprensa da campanha do marido, Carlos
Percol. Com 46 anos, ela é simpática, tem uma expressão maternal, os olhos
apertadinhos e está deixando o cabelo ficar todo branco. “Não me incomoda, eu
não me acho envelhecida com isso, nem estranha, nada. Eu acompanho a minha
idade. O negócio é ter disposição e interesse nas coisas.”
Auditora concursada do Tribunal de Contas do Estado, cedida para o
governo durante o mandato do marido, ela coordenou um programa de mortalidade
materna e infantil. Estava no penúltimo mês de licença-maternidade e
considerava tirar um sabático até o final do ano para se dedicar à campanha e
ao caçula.
Avessa aos holofotes, ela disse ser “dos bastidores”: “Eu não gosto de
estar na linha de frente, é meu perfil.” Comentamos sobre casamentos de
políticos. O seu, ela disse, era real. Comentou achar que Ruth Cardoso era a
“socióloga ao lado do presidente”. “Mas Alckmin e a mulher dele é casamento de
verdade, né? Eu vejo uma coisa ali”, comentou. Sem babá, ela se ocupa sozinha
dos cuidados do bebê em viagem. A única coisa que não faz é cortar a unha do
menino. “Isso é Dudu. Eu tenho agonia de cortar o dedo fora.”
Renata é religiosa. Vai à missa,
comunga, está achando o papa Francisco “incrível”. Os filhos frequentam o grupo
jovem da paróquia. “Eduardo é cristão, tem a fé dele”, disse. Durante a viagem
à Paraíba, o candidato foi entrevistado num programa de variedades, em João
Pessoa. Antes do início da gravação, ele espiava a apresentação de uma cantora gospel.
De repente, fechou os olhos, levantou a cabeça para cima como se estivesse
rezando e passou a cantarolarNoites Traiçoeiras, gravada pelo padre
Marcelo Rossi: “E ainda se vier noite traiçoeira/Se a cruz pesada for/Cristo
estará contigo/O mundo pode até fazer você chorar/Mas Deus te quer sorrindo.”
Estranhou minha surpresa por ele saber a letra de cor. “Toca em toda missa!
Essa música é famosa!”, explicou.
Do ponto de vista dos costumes, a família Campos é conservadora. Em
público, o candidato já disse ser contrário à revisão das legislações sobre o
aborto ou a eutanásia. Quando perguntado sobre o casamento gay, ele diz: “Isso
já é uma realidade, não há o que discutir.” Ele é contra a legalização das
drogas.
Comentei com Renata sobre as acusações de nepotismo, já que boa parte
dos parentes empregados era do seu lado da família. “Estão todos dentro da lei.
Todos que estão podem estar. Trabalham, mostram resultado, não estão a passeio.
E imagine um governo que não pode chamar uma figura como Ariano Suassuna porque
é meu tio?” Miguel adormeceu. Carlos Percol segurava a mão do bebê e balançava
levemente o carrinho.
Miguel a acompanha em eventos,
comícios, festas, jantares, homenagens e encontros políticos do marido. “É uma
maneira de a gente ficar junto”, ela disse. Passavam boa parte do mês na
capital paulista, onde a campanha os instalou num flat. Os outros
quatro filhos ficam no Recife em razão dos compromissos escolares. A mais
velha, Maria Eduarda, estuda arquitetura. João e Pedro, engenharia civil. E
José cursa o 4º ano primário.
Aos quatro meses de gravidez, Renata recebeu a notícia de que era alta a
chance de o filho ter síndrome de Down. Decidiu não fazer exames para confirmar
o diagnóstico. “Porque é uma informação que você faz o quê com ela?”, indagou.
Os outros filhos só souberam do fato quando o bebê nasceu. “Não queríamos ficar
antecipando as coisas. Até porque Miguel foi tão querido e esperado que isso
não fazia a menor diferença.” A família passou a se inteirar da síndrome. “Ele
tem a linha de ‘M’ na mão, ele tem a mão grande, pode ser que tenha a síndrome
leve, vamos ver”, comentou.
Desde que se casou, o casal Campos vive na mesma casa, construída no
terreno de fundos da residência do sogro, onde havia um campo de futebol. Ao
longo dos anos, foram aumentando a construção, que é ampla e confortável. “É
bom porque ficou tudo normal. A feira, a mesma escola, os mesmos vizinhos,
tudo. As crianças têm uma vida normal. São zero deslumbrados.”
Depois de quase uma hora, o bebê acordou com fome e Renata pôs-se a
amamentá-lo. Como ela seria na condição de primeira-dama? Durante oito anos não
se ouviu a voz de Marisa Letícia Lula da Silva, e a presidente Dilma é
divorciada. “Ah, eu não sei. Mas pode ser curioso saber quem é a mulher que
teve cinco partos normais, cinco filhos do mesmo marido, não pinta o cabelo e
tem uma profissão”, comentou.
Em março,
quando ainda era governador, Campos me recebeu em um dos salões do Palácio das
Princesas, no Recife, quando contou por que rompera com o Partido dos
Trabalhadores. Nas eleições municipais de 2012, PT e PSB haviam combinado
lançar Maurício Rands, então petista, como candidato único para a prefeitura do
Recife. Quando chegaram as prévias, Rands perdeu e, sem refazer o acordo, o PT
anunciou a candidatura de Humberto Costa. “Ali acendeu a luz amarela”, disse.
Foi quando entendeu que não poderia se fiar na promessa de um futuro político
com Lula. Nem em 2018, nem 2014, nem nunca. Teria que traçar um caminho
independente. “E se eu era ótimo para 2018, por que seria ruim para 2014, não
é?” Naquela ocasião, Diego Brandy já tinha análises políticas que indicavam um
terreno profícuo para uma candidatura alternativa: eram altas a tendência de
votos brancos e nulos e a vontade da população por mudança. No começo do ano
passado, Campos começou a falar em candidatura. Durante meses, ele ficou em
torno de 6% das intenções de votos. Em meados de agosto, como não saía do lugar
nas pesquisas, chegou a considerar o Senado.
Até a noite de 4 de outubro, quando o telefonema de Marina Silva deu
outra dimensão à eventual candidatura. Impedida de registrar a Rede
Sustentabilidade, seu partido, no Tribunal Superior Eleitoral, ela se filiou às
pressas ao PSB e se colocou disponível para “o que ele quisesse”. “O que ele
fez quando ela tentava formar a Rede foi fundamental para a aproximação”,
comentou Nilson Oliveira, diretor adjunto de comunicação da campanha. Ainda que
o projeto de Marina atrapalhasse sua candidatura, Campos colocou o PSB para
coletar assinaturas a favor do partido dela. “Ela é experiente e tem essa coisa
meio psicóloga, que lê bem as pessoas”, comentou Oliveira. Em abril, Campos deixou
o governo de Pernambuco com 64% de aprovação.
Apoucos meses
da eleição, a equipe de campanha defendia ainda ser muito cedo para divulgar
nomes de um eventual governo – como fez Aécio Neves, que antecipou Armínio
Fraga, ex-presidente do Banco Central no governo FHC, como seu provável
ministro da Fazenda. A iniciativa agradou as elites e atraiu doadores de
campanha.
Sabe-se que, na economia, Eduardo Campos tem se reunido com Eduardo
Giannetti da Fonseca, André Lara Resende, Bernard Appy, Marcos Lisboa – defensores
de uma política mais liberal. Os dois primeiros gravitavam em torno de Marina
e, nos últimos tempos, preocupados com o problema do esgotamento de recursos do
planeta, vêm advogando posições críticas do desenvolvimento a qualquer custo.
O candidato já declarou que miraria a
meta de inflação em 3% e cortaria pela metade o número de ministérios (sem
especificar quais). Defendeu a autonomia do Banco Central e o escalonamento das
alíquotas de Imposto de Renda, abaixo dos atuais 27,5%. Também se manifestou
pela contratação de diretores de estatais por meio de headhunters,
pela expansão do Bolsa Família e implementação da escola integral. Prometeu
construir 4 milhões de casas populares em quatro anos. Os quase oito anos que
passou no governo pernambucano serão o espelho do que poderia fazer no
Planalto.
“O próximo governo vai ter que lidar com a verdadeira herança maldita”,
disse-me Eduardo Giannetti. “No Brasil, há uma dificuldade imensa de convencer
a população de que há custos que precedem benefícios”, comentou. “Então,
ninguém quer tocar nesse assunto na campanha. O Brasil acumulou distorções e a
correção dessas distorções – que inclui aumento das tarifas – vai,
necessariamente, fazer com que a inflação suba 1,5% a 2% de cara”, disse. Ele
lembrou que o país já viveu dois momentos semelhantes: quando da crise cambial
de 1998, durante o governo Fernando Henrique Cardoso, e na primeira eleição de
Lula, quando a inflação disparou. “A boa notícia é que o país se recupera
rápido.”
Para Giannetti, as mudanças básicas que seriam feitas por Campos incluem
redefinir o papel do BNDES, redesenhar o modelo do setor elétrico, restabelecer
o tripé econômico – geração de superávits primários nas contas públicas,
juntamente com o regime de câmbio flutuante e o de metas para a inflação, além
da simplificação do sistema tributário para voltar a atrair investimentos.
“Acho que o Armínio nem vai gostar de ouvir isso, mas, do ponto de vista
estrito da economia, há pouca diferença entre o que devem ser as propostas de
Aécio e as de Eduardo”, disse Giannetti.
Segundo ele, as diferenças entre os candidatos ficariam evidenciadas no
modo de governar e nas prioridades. “Campos não vai se valer de coligações de
ocasião para governar. Vai atrás dos sérios e competentes”, disse. “E o grande
diferencial é a importância da educação e do meio ambiente como condições
imprescindíveis para as mudanças no país.” Ao final da conversa, ele arriscou
dizer que Marina “deve estar muito chateada com a coligação com o Alckmin em
São Paulo”, mas que não haviam conversado sobre o assunto.
Osalão do
restaurante Emporium Pax, no Jockey Club do Rio de Janeiro, estava arrumado
para o jantar-palestra com artistas, organizado por Guel Arraes, diretor da TV
Globo, tio de Campos. Naquela noite, Campos e Marina debateriam com famosos
seus planos de governo. Entre as cerca de 150 pessoas, Marcos Palmeira, Giulia
Gam, Paula Lavigne, Marco Nanini e até o cantor Sylvinho Blau Blau. Alguns
presentes pediram para ter a identidade preservada, já que ganham incentivos
fiscais federais para seus projetos e temeram ter cortada a água da torneira.
Às nove da noite, o candidato chegou acompanhado de Renata, com Miguel
no colo. Antes de sentar na bancada, ele foi até a mesa dos assessores, virou
uma dose de uísque numa golada, passou uma das mãos como para abaixar os fios
do cabelo e, com a outra, tirou uma poeira imaginária da camisa.
Marina Silva foi a primeira a discursar. E foi ovacionada de pé. Na vez
de Campos, ele começou com a frase de sempre: “O Brasil parou de melhorar e
começou a piorar.” Ultimamente, passou a adotar termos do “marinês”, como
“programático” e “sonhático”. Foi, de início, aplaudido sentado, até que alguém
percebeu a diferença do grau de entusiasmo e tomou a dianteira para se
levantar.
Pelo salão, garçons serviam pequenas porções de risoto, massa, salada e
salgadinhos acompanhados de sucos e refrigerantes. Marcos Palmeira quis saber
como era possível governar sem o PMDB de Renan Calheiros e José Sarney. “O
problema não são os partidos”, disse Marina. “Queremos o PMDB de Pedro Simon, o
PT de Eduardo Suplicy e o PDT de Cristovam Buarque”, afirmou. De seu lado,
Campos respondeu que, quando a agenda interessa à sociedade – e não a partidos
ou a pessoas –, é possível governar em conjunto. Exemplo disso foi o que
ocorreu durante os protestos de junho, quando o Congresso aprovou de uma tacada
várias leis de interesse da população.
Quiseram saber de incentivos para a cultura, de um eventual ministro
para a pasta, dos planos para a economia. O diretor Guel Arraes tomou o
microfone. Começou discorrendo sobre o ineditismo e a importância da chapa, que
incluía um homem e uma mulher, “dois grandes atores dividindo um palco”. Por
isso, ele disse acreditar que o ataque dos inimigos teria como alvo
desestabilizar a parceria.
Eduardo Campos falou que o tio havia “colocado o dedo na ferida”. “O que
buscam é fazer de tudo para impedir essa parceria, que é vencedora.” Depois,
resumiu o que seria a dupla: ela, a arquiteta, com ideias e sonhos. Ele, o
engenheiro, capaz de colocá-los em prática. Quando o encontro terminou, a
equipe da campanha pediu que Giulia Gam e Marcos Palmeira gravassem depoimentos
a favor do candidato. “É para usar na propaganda dele?”, quis saber a atriz.
No final de junho, o PSB fechou
alianças com o PSDB bem São Paulo e com o PT no Rio. Ambas criticadas
publicamente por Marina, que vê no movimento uma incoerência com o que pregam
sobre a “nova política”. Ela insistiu que o partido deveria ter lançado
candidatos próprios nos estados, ainda que com poucas chances de vitória. “A
questão é simples, como a vida é simples: tinha candidato próprio para
apresentar? Não tinha. Então, pronto”, minimizou Feuerwerker, o diretor de
comunicação da campanha.
No caso de São Paulo, apostava-se numa tese colhida junto a correligionários
de Alckmin: a de que o governador não moveria uma palha por Aécio Neves no
estado. Adotaria a mesma postura do mineiro, que levou à derrota Alckmin e José
Serra em Minas Gerais, quando se lançaram à Presidência.
Internamente, os times de Campos e Marina se estranham. A burocracia
interna também é confusa. Decisões da campanha têm que ser submetidas a um
representante de cada lado, o que atrasa o processo. Há pouco tempo, almocei
com um assessor ligado a Marina que contou da dificuldade de “imprimir uma
agenda moderna” à candidatura. Citou como exemplo a insistência de Campos em
falar em rádios do interior do país.
Segundo ele, muitas vezes a agenda previa até seis entrevistas em um
único dia. Também se queixou de que o candidato gastava muito tempo recebendo
títulos no interior e se reunindo com vereadores. Enquanto isso, Marina tinha a
pauta em outra órbita: os intelectuais, a academia, o empresariado engajado. Do
lado dele, ela é vista como um empecilho às coligações e à simpatia do
empresariado que poderiam levar o partido à vitória. “É tudo complicado. Na
grande e na pequena política. É tudo diferente, totalmente diferente da
tradição do PSB”, disse-me Roberto Amaral, vice-presidente do partido. “Só digo
que essa equipe não será a que terminará a campanha.”
Rivais assistem com gosto ao desentendimento. “O que ele ganha com
Marina de um lado, perde de outro”, comentou o presidente do PT, Rui Falcão.
“Por causa dela, perdeu apoio de boas coligações, como o Ronaldo Caiado, do
DEM, em Goiás, e Ana Amélia, do PP, no Rio Grande do Sul.” Um dos coordenadores
da campanha de Aécio Neves, com quem me encontrei no Rio, apostou mais alto. “O
agronegócio nunca vai aceitar Marina. E em trinta anos fazendo campanha, nunca
vi alguém ganhar sem o apoio deles”, afirmou.
O fato é que, apesar das críticas de Marina, o candidato fez o que quis.
Fechou acordos, alianças e apoios como havia planejado. “Tudo o que acontece é
decidido nos pormenores entre os dois. Engana-se quem pensa o contrário. Agora,
ele sabe que ela tem que dar uma satisfação pública ao eleitorado dela”,
comentou Feuerwerker.
Na convenção nacional do PSB, no final de junho, que confirmou a chapa
presidencial, Marina disse que estavam alinhadíssimos, apesar de a imprensa
dizer o oposto. Falou também que a confiança em Eduardo “aumentou com a
convivência”. A Executiva da Rede divulgou um documento no qual afirma que,
assim que o partido for registrado, integrantes deixarão o PSB.
“Marina e Eduardo não são seus partidos”, disse-me um assessor da Rede
durante o evento. A real dificuldade, ele disse, é de outra ordem: o candidato
tem em volta de si uma “agenda negativa”. De um lado, a imprensa explora o
desentendimento entre a Rede e o PSB, e insiste na contradição do candidato que
ataca Dilma e preserva Lula, padrinho e maior cabo eleitoral da presidente. De
outro, Campos perdeu a “rede de proteção”: quando Aécio cresceu nas pesquisas –
e ele não –, o eleitorado e os doadores de dinheiro passaram a identificar no
tucano a perspectiva real de mudar o poder de mãos. Campos, por ora, se tornou
a alternativa da alternativa. “O desafio vai ser mostrar que mudanças só
acontecerão com Eduardo e Marina”, completou o assessor.
Acasa em que
mora o escritor Ariano Suassuna, no bairro de Casa Forte, no Recife, é a mesma
que recebia o menino Eduardo Campos na infância. Foi comprada com os honorários
de O Auto da Compadecida, peça publicada nos anos 50. “Olhe que
coisa. Se fosse com os honorários de hoje, eu não compraria nem um quarto e
sala”, disse-me num começo de tarde, em maio.
Ele é alto, magro, tem um senso de humor apurado e a expressão de quem
está feliz com a vida. Estava elegantemente vestido com blazer e calça preta,
camisa e meias vermelhas. Na sala de sua casa, recostado em uma cadeira de
balanço, ele falava sobre Eduardo Campos. “É uma relação como a de um tio com
seu sobrinho preferido”, disse. Um velho amigo da família Arraes havia me dito
que Suassuna era a verdadeira figura paterna de Eduardo Campos. “Eu tinha essa
coisa de ser a figura amorosa para eles. Quando ele e Tonca se aperreavam,
vinham para cá.”
O escritor reproduzia detalhes de cada fase de vida do candidato. A
certas questões, respondeu: “Prefiro não entrar nisso, não sei se ele
gostaria.” O episódio que mais o marcou ocorreu quando o menino tinha 6 anos. A
avó paterna passou mal na casa em frente. “E veio correndo aquele menino – e
ele é igualzinho até hoje –, agarrou-se nas minhas pernas chorando, falando que
não queria que a avó morresse”, contou. “Eu abracei, acalmei, andei essa
calçada aqui todinha com ele chorando. Eu era um porto seguro.”
Suassuna disse ter acontecido “uma
coisa estranha” com ele em relação a Campos e Arraes. Passou a discorrer sobre
um livro do escritor franco-argelino Albert Camus. O protagonista de O
Primeiro Homem não havia conhecido o pai, que morrera na guerra quando
ele ainda era um bebê. Quarenta anos depois, ele resolve visitar o túmulo e,
vendo as datas de nascimento e morte, atenta para algo desconcertante: o homem
sepultado era mais moço que ele. Albert Camus cria a figura do “pai caçula”.
“Quando meu pai morreu, ele tinha 47 anos. Eu tenho 87. Quando conheci
Arraes, eu era moço e comecei a ver nele, inconscientemente, a figura de meu
pai. Os dois governadores sertanejos, perseguidos”, contou o escritor, cujo pai
foi morto por razões políticas durante a Revolução de 30. “Fui envelhecendo e
veio Eduardo, que é, como era meu pai, brilhante, jovem. Aí eu substituí.
Passei a ver em Eduardo meu pai caçula.”
Desde que
deixou o governo, Campos passou a viver com um salário de 17 mil reais, pago
pelo partido. Quando perguntei sobre seu patrimônio, respondeu: “Vá olhar na
minha declaração de renda no TSE.” De acordo com o documento, ele tem uma casa
no Recife, uma propriedade na praia e é sócio da Fazenda Esperança, vizinha a
Garanhuns, que tem o tamanho de setenta campos de futebol, onde cultiva café e
cria tilápias.
Quando insisti no fato de que não decolava nas pesquisas, ele lembrou
que, em 2010, à mesma distância da eleição, Marina tinha 8% dos votos válidos –
“e nas urnas ela teve o triplo disso”. Campos parecia sossegado. “Somos um
entre os três. Estamos identificados com gente diferente, que pensa para a
frente. Tem muito ainda para acontecer”, disse.
O carro blindado estacionou em frente
ao flat em Moema, onde uma comitiva esperava o candidato para
comentar sua participação no programa de tevê e despachar assuntos de campanha.
Era uma da manhã. Antes de ele ir embora, eu quis saber se, caso fosse
derrotado nas urnas, qual seria seu futuro político. “Deixa essa pergunta para
Aécio e Dilma. Eu vou ganhar a eleição, mulher.”
Por DANIELA PINHEIRO
Revista Piauí - Estadão