sábado, 16 de abril de 2011

O MARANHÃO DE LUTO *

É como se os corvos de Edgar Allan Poe cruzassem os céus cinzentos pela borrasca impiedosa que se abate sobre São Luís. Chove lama, chove escuridão e há desânimo nos rostos, como se fôssemos incompletos pelo pesar de descobrir que não somos senhores de nossos destinos.

Um povo inferior, incapaz, a ponto de não ter direito sequer de escolher seus governantes, porque os corvos, espalhando sobre o teto de nossas consciências ‘sombras desiguais’, decidem por nós o que vamos ser e o que podemos querer.

É a ameaça. A ameaça que esteve aqui por dois anos e quatro meses, a se concretizar e garantir uma madrugada eterna, sem a luz da lua, sem promessas de alvorada. O frio a doer nos ossos, a democracia feita em postas, a vontade de um povo arrancada a fórceps para que eles, os corvos, continuem a impor sua longa noite nos umbrais do Maranhão. Como quis Edgar Allan Poe “Noite, noite e nada mais”.

Sim, de repente o mundo ficou escuro e a esperança descoarada pela presença interminável dos corvos a nos fazer pequenos, diminutos, desprotegidos, sem forças, aves e bichos à nossa volta e os corvos a repetirem: “Nunca mais”. Como lutar contra o poder desses abutres, a sede desses vampiros, esse animal súbito, dono do Maranhão, a nos olhar sanguinolento pronunciando sempre e sempre “Nunca mais”?

Os olhos fatais do escuro animal, macho ou fêmea, a reforçar nosso luto e a convencer-nos de que a vontade de meia dúzia de ministros e políticos pode mais que nossos corações. E a única reação será poética? “Profeta, profeta, demônio ou ave preta”, corvo amaldiçoado, nunca diga “Nunca mais”.

São duas tempestades, de água e morte se abatendo sobre a gente e as trevas crescendo, sombras enormes vergando São Luís de lado a lado, deixando um cheiro terrível de vingança, de carniça, de ódio derramando em forma de lei. Aves de mau agouro, uma dor de irmãos siameses apartados, assim como descreveu Augusto dos Anjos, a aumentar nossa descrença na catedral jurídica deste país. Porque um julgamento sem instâncias, a ofender o duplo grau de jurisdição, trará os corvos de volta ao poder. E nós todos maranhenses sob a tutela desses vultos perversos que nutrem essa agonia intensa de viver sem liberdade.

Literalmente, as asas lutulentas, negrejadas, os olhares de fogo informam que alguma coisa morreu aqui e o que sobrou ainda está a morrer. Um povo, um Estado inteiro lançado ao luto com todos seus valores éticos perdidos. Um povo em estado de choque, presa de raiva e hostilidades, sobrecarregado de ansiedade e fadiga, porque forçado a renunciar à própria dignidade, porque divorciado de sua inestimável cidadania. E os corvos a gargalhar e a soltar foguetes como que no cio diante de nossa tragédia, zombando da nossa cólera, da insuficiência de membros que reajam à ignomínia de suas presenças.

O Maranhão, solitário e sem futuro, em estado vegetativo, aceita silencioso o coma a que foi induzido pelas artimanhas deploráveis armadas num Tribunal dito Eleitoral e superior.

*Editorial do Jornal Pequeno publicado na edição de 17 de abril de 2009

Do Blog do Manoel Santos/JP

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