quarta-feira, 28 de fevereiro de 2018

O Xadrez da venda da Eletrobrás, por Luis Nassif

Seria importante que o Ministério Público Federal e a própria Controladoria Geral da União abrissem os olhos. A Eletrobrás e o Ministério de Minas e Energia estão nas mãos de uma quadrilha que, se não for detida, imporá ao país prejuízos irreversíveis para as próximas décadas.
Peça 1 – o caso Cemar e o Ministério Público da Suíça
Para entender a jogada que se arma com a Eletrobras, é bom conhecer seus antecedentes: o caso CEMAR (Centrais Elétricas do Maranhão).
Ela foi adquirida por um grupo norte-americano, um dos muitos aventureiros que vieram bicar as elétricas brasileiras, no processo de privatização do governo Fernando Henrique Cardoso.
Esses grupos montavam empresas em paraísos fiscais, vinham ao Brasil, adquiriam as elétricas privatizadas com financiamento do BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social) dando como única garantia as próprias ações das empresas adquiridas.
​Não dispendiam um tostão e não corriam risco algum. Não dando certo – como ocorreu com a Eletropaulo e tantas outras -, entregavam as ações das próprias empresas quebradas como garantia do financiamento. Foi o que ocorreu após o “apagão”.
A CEMAR foi uma dessas empresas. Depois de ter sido devolvida pelo investidor norte-americano, houve um período de intervenção da ANEEL (Agência Nacional de Energia Elétrica) que saneou a empresa.
Na privatização houve uma disputa entre a SVM (do grupo Garantia, o mesmo que controla a Equatorial, principal agente da privatização da Eletrobras) e um fundo norte-americano. Venceu a SVM, com uma proposta substancialmente inferior à do grupo norte-americano. Levou a CEMAR pelo valor simbólico de R$ 1,00. E se comprometeu a investir R$ 30 milhões na empresa.
Com os resultados operacionais do primeiro ano, a SVM conseguiu mais recursos que o dinheiro comprometido com o investimento.
Tudo indicava que, por trás dos negócios, estava a influência do senador José Sarney no recém-constituído governo Lula. Na época, escrevi várias colunas na Folha denunciando a jogada.
O principal concorrente era o Mt. Baker, fundo norte-americano, que inicialmente foi desclassificado sob a alegação não ter cumprido um conjunto de requisitos burocráticos - como a não-apresentação de certidão negativa de falência ou falta de histórico no setor. A empresa foi organizada por Tom Tribone (que trouxe para o Brasil a AES), com recursos do Franklin Templeton Fund (um dos maiores fundos de investimentos dos EUA, com US$ 700 bilhões de ativos) e do Darby Fund, do ex-secretário do Tesouro Nicholas Brady. Só. O grupo entrou com um mandado de segurança para apresentar sua proposta. Conseguiu, mas foi barrado pelas jogadas armadas para garantir a CEMAR para a SVM.
Depois disso, o Ministério Público da Suíça levantou dados sobre a propina paga, que foi depositada em bancos suíços. Logo após a privatização da CEMAR, procuradores suíços convocaram representantes do concorrente americano, para que depusessem sobre o contexto em que se deu a propina. Os depoimentos foram prestados na Embaixada da Suíça em Washington. Bastará uma solicitação da área internacional da Procuradoria Geral da República para receber esse material do Ministério Público da Suíça.
A Equatorial  nasceu dessa operação e hoje é controlada pela Squadra Investimentos, que junta a fina flor do financismo caboclo, egressos do Opportunity, 3G, Pactual.
Peça 2 – a estratégia Eletrobrás
O mesmo grupo Equatorial tenta repetir a operação com as distribuidoras da Eletrobrás.
A jogada consiste em jogar as dívidas na Eletrobrás, deixando as distribuidoras limpas para serem vendidas de graça. Fala-se em R$ 50 mil cada, preço de num carro usado.
Ao mesmo tempo, estão sendo divulgados valores da Eletrobrás, de irrisórios R$ 12 bilhões. Para a maior empresa elétrica do mundo, em capacidade de geração, o mesmo valor conseguido recentemente pela churrascaria Fogo no Chão. E chagaram a esse valor sem avaliação técnica.
A Eletrobrás é mais estratégica do que a Petrobras. Petróleo, se importa; mas energia elétrica é só aqui dentro. O parque elétrico nacional é um sistema complexo integrados, que envolveu três gerações de grandes engenheiros, de Otávio Marcondes Ferraz, Mario Bhering, Mario Thibau entre outros, mais de 150 empréstimos de bancos multilaterais. Agora se pretende transferir todo esse acervo por metade do valor de uma única usina, a de Belo Monte. R$ 12 bilhões foi o preço de uma concessão da velha usina de São Simão, da Cemig, adquirida pelos chineses. Apenas o valor físico da capacidade de geração da Eletrobrás pode chegar a R$ 350 bilhões. Somando-se o custo imaterial das concessões, se chegaria aos R$ 700 bilhões. Empresas elétricas nacionais, de países de parque elétrico muito menor, como Espanha, Portugal e França, valem esse valor.
Em uma Carta que enviou a investidores norte-americanos, a Equatorial  passa duas informações relevantes.
A primeira, sobre a dimensão da empresa.
A Eletrobras é uma empresa pública controlada pelo governo brasileiro que opera no áreas de geração, transmissão e distribuição de eletricidade. A empresa possui uma grande base de ativos dentro de uma estrutura corporativa complexa (17 subsidiárias, 178 SPCs e participações minoritárias em 25 empresas) e mais de 23 mil funcionários. 
A participação econômica direta do governo na empresa é de aproximadamente 63%. E se adicionamos receitas fiscais, tal participação econômica seria próxima de 75%.
A capacidade de geração da Eletrobras, incluindo metade do poder de Itaipu, atinge 47 GW, o que corresponde a 32% da capacidade total brasileira . Essa energia é produzida por 29 usinas hidrelétricas, 20 usinas termelétricas, 6 usinas eólicas, 2 plantas termonucleares 1 planta solar. 
Em termos de ativos de transmissão, a Eletrobras possui 70.201 quilômetros de linhas, representando 47% das linhas totais acima de 230 kV no Brasil . 
A Eletrobras também opera seis empresas de distribuição no Norte e Nordeste do Brasil.
As avaliações do valor atual de mercado e do valor potencial deveria servir de prova, em um tribunal, para condenar os gestores da empresa por malversação de recursos públicos.
Diz a 3G:
O limite de mercado atual da Eletrobras é de apenas R $ 20 bilhões , um valor muito baixo considerando todos os ativos da empresa, e é uma clara indicação da má gestão e dos problemas que tem estava enfrentando. 
No entanto, com as medidas de eficiência adequadas e uma melhor governança e regulamentação, esta empresa poderia valer várias vezes o atual limite de mercado - que poderia ser monetizado através de dividendos, vendas de ativos, receitas de imposto de renda, capacidade de investimento ou privatização.
E aí entra o jogo regulatório.
O modelo hidrelétrico é simples. O investimento maior é na construção da usina. Depois, há um longo período em que ocorre a depreciação do investimento – isto é, parte dele é descontada anualmente das receitas operacionais e entra no custo das tarifas. Depois que as usinas estão amortizadas, não há mais razão para o consumidor pagar a taxa de depreciação. E o custo operacional é extremamente baixo.
O que Dilma Roussef tentou foi renovar as concessões por um novo método, pelo qual os concessionários não pagariam pela renovação, mas teriam uma rentabilidade fixa, em relação ao faturamento das usinas. Como os sistemas são interligados, haveria uma redução tarifária.
O projeto falhou devido à seca do Nordeste, que reduziu a oferta de eletricidade contratada, obrigando as distribuidoras a comprarem no mercado livre. Somou-se à seca o fato das três estaduais tucanas – CESP, Cemig e Copel – não aceitarem os valores de indenização. Com isso, reduziram ainda mais a oferta de energia contratada.
O projeto em mãos do MME acaba com a energia contratada, jogando tudo no mercado livre. Liquida com qualquer veleidade de tarifas módicas, acabando de vez com a competitividade da indústria nacional. Resolve também uma série de problemas fiscais internos. O resultado será uma explosão das tarifas que arrebentou com as contas do setor.
Peça 3 – os homens da jogada
Assim como na Caixa Econômica Federal e na Petrobras, o primeiro passo foi colocar no Conselho de Administração e na presidência pessoas alinhadas com a jogada.
A figura-chave desse processo é Paulo Pedrosa,  Secretário Executivo do Ministério de Minas e Energia, em campanha para suceder o Ministro, Paulo Pedrosa ficou com o comando geral da área da energia elétrica.
Pedrosa é egresso do mesmo grupo Equatorial que armou a jogada da CEMAR.
Na presidência do Conselho da Eletrobras colocaram José Monforte, ex-diretor de fundos do Citibank e do Bank of America Marryl Linch, vice-presidente da Asssociação dos Bancos de Investimentos e também do Conselho da Petrobrás, indicado pelos minoritários estrangeiros chefiados pelo fundo inglês Aberdden. Tem fama de truculento, mas tem um lado vulnerável, com o fundo AGENCO, que deu prejuízo de R$ 1 bilhão no mercado, queimando sua reputação.
Pela primeira vez em 55 anos a União abriu mão da presidência do Conselho de Administração.
Enquanto isto, Pinto Junior, representante da Equatorial  vendia a ideia da ineficiência da Eletrobras.
Para isso, tiraram da cadeira da presidência José Luiz Alqueres, de passado polêmico no setor, que, em que pese sua atuação no setor no governo Itamar, é egresso do setor e demonstrava responsabilidade, uma âncora de bom senso contra o desmonte.
No período FHC, em que pese o erro da desmontagem do modelo histórico - que assegurava tarifas competitivas - pelo menos se cuidou da definição de valor, com as avaliações e modelagens sendo conduzidas por consultorias internacionais. Agora se anuncia o valor sem qualquer referencial independente.
O papel do 3G
As jogadas não param aí.
Segundo análises produzidas por técnicos críticos da operação, outra jogada consistiu em Fato Relevante, divulgado pela Eletrobrás no dia 29/11/2017. Nele, menciona o recebimento do Ofício no 817/2017 do MME, onde o Senhor Ministro de Minas Energia Fernando Coelho Filho apresenta esclarecimentos a respeito da proposta de privatização da Eletrobrás, fazendo questão de destacar que fora sugerida por Wilson Pinto Júnior (3G) tendo como base “contribuições” de estudos realizados pelos analistas do próprio Grupo 3G.
Segundo as denúncias, tratou-se de mera encenação, montada em comum acordo pelo Ministro e pela Eletrobrás. O Ministro mandou o Ofício, a Eletrobrás transformou em comunicado ao mercado. O primeiro objetivo foi pressionar o Congresso e o presidente.
O segundo objetivo é mais danoso. Segundo as denúncias, seria uma tentativa de imputar à própria Eletrobras os custos, multas e processos judiciais, com o uso de informação privilegiada, principalmente se a privatização der para trás, quando o TCU, o Ministério Público e a CVM oficializarem os gestores da Eletrobras.
Assim, os processos voltar-se-ão contra a própria Eletrobras e não contra a União ou contra os CPF’s do Ministro, do Paulo Pedrosa e do presidente da Eletrobras.
Peça 4 – as perdas para o país
Com a privatização da Eletrobras, a Chesf perde a totalidade de sua capacidade de geração. Furnas perde metade e a Eletronorte, com a perda de Tucuruí, fica sem 90% da capacidade de geração.
Mais: sem a energia contratada dessas empresas, haverá uma explosão das tarifas das distribuidoras.
Esse modelo de descontratação foi aplicado em diversos países europeus. Quase dobrou as tarifas em euros constantes em diversos países, incluindo Alemanha, Dinamarca e Grã-Bretanha.
Custou 300 bilhões de euros na Alemanha em 20 anos. Mais de 3 bilhões por ano na França. Taxas que representavam 18% do preço ao consumidor na França há 10 anos, hoje representam 35%.
Por isso mesmo, há uma revisão desse modelo nos principais países do mundo.
No Brasil, é tudo questão de negócios.
Seria conveniente que o Ministério Público Federal e o próprio Supremo Tribunal Federal montassem audiências com técnicos independentes, antes que os prejuízos para o país se tornam irreversíveis.
GGN

0 comments:

Postar um comentário