A
verdade é que tem muita gente falando pelo Exército. O senador símbolo do
governo Temer, Romero Jucá, foi gravado dizendo que “estava conversando com
comandantes militares” e que eles “dizem que vão segurar”. E nada mais lhe foi
perguntado, colocando uma enorme dúvida na cabeça de todo cidadão brasileiro
sobre quem disse e sobre segurar o quê? A falta de interpelação do próprio
senado às falas de Jucá mostra o quanto o Brasil ainda é um país cujas
instituições de poder atuam nas sombras, longe do olhar claro do cidadão.
Ao
assumir, Temer nomeia o simbólico general Sérgio Etchegoyen para o
“estratégico” cargo da GSI (Gabinete de Segurança Institucional que comanda a
ABIN) e os relatos em Brasília dão conta de uma perseguição sem igual,
usando-se meios físicos e digitais, sobre funcionários de carreira que haviam
servido no governo Dilma. Muitas pessoas tiveram suas vidas devassadas, foram
removidas abruptamente de seus locais e foram até vigiadas por suas “supostas
conexões”. O General já havia protagonizado momentos tristes de destempero ao
atacar a Comissão da Verdade que declarou o pai do general (o também general
Leo Etchegoyen) “responsável por violações de direitos humanos durante a
ditadura”.
Em
2015, o General Mourão (outro nome que desperta desconforto), do comando
militar do Sul, premia o torturador Ustra e pede o “despertar de uma luta
patriótica”, defendendo a ditadura. Segundo o “brilhante” general o termo
“período autoritário” usado para identificar o momento entre 64 e 85 estaria
errado. Mourão foi imediatamente afastado pelo comandante do exército. Na
prática diz-se que Mourão foi “promovido”, eis que foi para Brasília, mas a
verdade é que o comandante do exército recomendou que declarações como esta
“fossem evitadas por todos”.
Ainda
tem o caso do capitão “Balta” infiltrado da inteligência do exército para armar
flagrantes nas manifestações, propiciando quebras de direitos e até prisões. O
capitão Balta parece ter pulado de algum livro sobre 1964 e caído em 2016. As
conversas que ele mantinha na internet com “subversivos” são dignas de uma tese
de mestrado sobre a “inteligência” do Exército Brasileiro. De qualquer forma,
para aqueles que defendiam que o golpe de 2017 era diferente porque não tinha a
participação do Exército, ficava cada vez mais estranha esta narrativa.
Nesta
semana, na terça feira passada, o general Villas Boas reuniu-se com o que
chamou de “reserva pró-ativa” composta por diversos generais (alguns
linha-dura) como o controvertido General Heleno. A reunião já provocou burburinhos
em Brasília especialmente porque canais de comunicação do exército afirmaram
que o Exército se considera “fiador da legalidade” em respeito à Constituição e
“às decisões do Supremo tribunal Federal”. O próprio general Villas Boas
declarou que as conversas eram “sobre o nosso país”.
Algumas
filigranas precisam ser pontuadas. Em primeiro lugar, o general Villas Boas tem
se mostrado extremamente legalista e conduz a tropa a não se envolver na
politicagem que dominou o país. Mesmo quando Temer lançou o decreto colocando
Brasília, na prática, em Estado de Sítio, o general manteve a calma e
delicadamente desautorizou Temer. O vice-presidente foi obrigado a recuar.
Depois, o próprio general postou notícias da reunião em seu perfil pessoal no
twitter, ajudando a desfazer a sempre presente ideia de “conspiração”. Também
não pode passar desapercebido o fato de o general Etchegoyen, a voz mais
estridente da direita de farda, não estar presente na reunião.
O
fato é que um general comandante de Exército tem muito poder, mas não está
distante de pressões. Villas Boas tem se mantido em posição singular na nossa
história, enfrentando uma imensa crise política sem permitir que qualquer
facção usasse as armas verde-oliva contra os cidadãos. Se, para isto, ele
precisar fazer dezenas de reuniões com militares da ativa, da reserva ou da
“pró-ativa”, devemos aplaudir de pé. Tudo o que o Brasil não precisa agora é de
coturnos e tanques nas ruas, defendendo qualquer coisa.
Aliás,
bem que os militares poderiam ter se reunido com Villas Boas para criticar a
entrega da Base de Alcântara aos norte-americanos, feita por Temer. Poderiam
reclamar da destruição dos projetos estratégicos como o submarino nuclear feita
pela Lava a Jato. Ou ainda poderiam indignar-se com a entrega do pré-sal às
empresas estrangeiras, retirando o “conteúdo nacional” das compras da Petrobrás
e jogando a engenharia brasileira ao solo. Como se vê, assunto importante e
vital para a defesa do Brasil não faltam aos militares realmente “patrióticos”.
Se eles optarem, novamente, por atacar o “inimigo interno” ou ficarem gastando
recursos e dinheiro vigiando “subversivos”, seria apenas uma demonstração de
que não vivem em 2017, mas em algum eco esquizofrênico de 1964.
O
Brasil precisa parar de ser concessão dos militares. Mas não podemos esquecer
do viajante do tempo, do capitão Balta ...
Do GGN
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