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domingo, 25 de junho de 2017

“A classe média é feita de imbecil pela elite”, Jessé Souza

Os extratos médios, diz o sociólogo, defendem de forma acrítica os interesses dos donos do poder e perpetuam uma sociedade cruel forjada na escravidão.
Paulo Pinto/Fotos Públicas
Inocentes úteis? Ou só úteis?

Em agosto, o sociólogo Jessé Souza lança novo livro, A Elite do Atraso – da Escravidão à Lava Jato. De certa forma, a obra compõe uma trilogia, ao lado de A Tolice da Inteligência Brasileira, de 2015, e de A Ralé Brasileira, de 2009, um esforço de repensar a formação do País.

Neste novo estudo, o ex-presidente do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada aprofunda sua crítica à tese do patrimonialismo como origem de nossas mazelas e localiza na escravidão os genes de uma sociedade “sem culpa e remorso, que humilha e mata os pobres”. A mídia, a Justiça e a intelectualidade, de maneira quase unânime, afirma Souza na entrevista a seguir, estão a serviço dos donos do poder e se irmanam no objetivo de manter o povo em um estado permanente de letargia. A classe média, acrescenta, não percebe como é usada. “É feita de imbecil” pela elite.

CartaCapital: O impeachment de Dilma Rousseff, afirma o senhor, foi mais uma prova do pacto antipopular histórico que vigora no Brasil. Pode explicar?

Jessé Souza: A construção desse pacto se dá logo a partir da libertação dos escravos, em 1888. A uma ínfima elite econômica se une uma classe, que podemos chamar de média, detentora do conhecimento tido como legítimo e prestigioso. Ela também compõe a casta de privilegiados. São juízes, jornalistas, professores universitários. O capital econômico e o cultural serão as forças de reprodução do sistema no Brasil.

Em outra ponta, temos uma classe trabalhadora precarizada, próxima dos herdeiros da escravidão, secularmente abandonados. Eles se reproduzem aos trancos e barrancos, formam uma espécie de família desestruturada, sem acesso à educação formal. É majoritariamente negra, mas não só. Aos negros libertos juntaram-se, mais tarde, os migrantes nordestinos. Essa classe desprotegida herda o ódio e o desprezo antes destinados aos escravos. E pode ser identificada pela carência de acesso a serviços e direitos. Sua função na sociedade é vender a energia muscular, como animais. É ao mesmo tempo explorada e odiada.

CC: A sociedade brasileira foi forjada à sombra da escravidão, é isso?

JS: Exatamente. Muito se fala sobre a escravidão e pouco se reflete a respeito. A escravidão é tratada como um “nome” e não como um “conceito científico” que cria relações sociais muito específicas. Atribuiu-se muitas de nossas características à dita herança portuguesa, mas não havia escravidão em Portugal.

Somos, nós brasileiros, filhos de um ambiente escravocrata, que cria um tipo de família específico, uma Justiça específica, uma economia específica. Aqui valia tomar a terra dos outros à força, para acumular capital, como acontece até hoje, e humilhar e condenar os mais frágeis ao abandono e à humilhação cotidiana.

CC: Um modelo que se perpetua, anota o senhor no novo livro.

JS: Sim. Como essa herança nunca foi refletida e criticada, continua sob outras máscaras. O ódio aos pobres é tão intenso que qualquer melhora na miséria gera reação violenta, apoiada pela mídia. E o tipo de rapina econômica de curto prazo que também reflete o mesmo padrão do escravismo.

CC: Como isso influencia a interpretação do Brasil?

JS: A recusa em confrontar o passado escravista gera uma incompreensão sobre o Brasil moderno. Incluo no problema de interpretação da realidade a tese do patrimonialismo, que tanto a direita quanto a esquerda, colonizada intelectualmente pela direita, adoram. O conceito de patrimonialismo serve para encobrir os interesses organizados no chamado mercado. Estigmatiza a política e o Estado, os “corruptos”, e estimula em contraponto a ideia de que o mercado é um poço de virtudes.

"O ódio aos pobres é intenso"
CC: O moralismo seletivo de certos setores não exprime mais um ódio de classe do que a aversão à corrupção?

JS: Sim. Uma parte privilegiada da sociedade passou a se sentir ameaçada pela pequena ascensão econômica desses grupos historicamente abandonados. Esse sentimento se expressava na irritação com a presença de pobres em shopping centers e nos aeroportos, que, segundo essa elite, tinham se tornado rodoviárias.

A irritação aumentou quando os pobres passaram a frequentar as universidades.
 Por quê? A partir desse momento, investiu-se contra uma das bases do poder de uma das alas que compõem o pacto antipopular, o acesso privilegiado, quase exclusivo, ao conhecimento formal considerado legítimo. Esse incômodo, até pouco tempo atrás, só podia ser compartilhado em uma roda de amigos. Não era de bom tom criticar a melhora de vida dos mais pobres.

"O ódio aos pobres é intenso"

CC: Como o moralismo entra em cena?

JS: O moralismo seletivo tem servido para atingir os principais agentes dessa pequena ascensão social, Lula e o PT. São o alvo da ira em um sistema político montado para ser corrompido, não por indivíduos, mas pelo mercado. São os grandes oligopólios e o sistema financeiro que mandam no País e que promovem a verdadeira corrupção, quantitativamente muito maior do que essa merreca exposta pela Lava Jato. O procurador-geral, Rodrigo Janot, comemora a devolução de 1 bilhão de reais aos cofres públicos com a operação. Só em juros e isenções fiscais o Brasil perde mil vezes mais.
Souza: novo livro em agosto (Foto: Filipe Vianna)

CC: Esse pacto antipopular pode ser rompido? O fato de os antigos representantes políticos dessa elite terem se tornado alvo da Lava Jato não fragiliza essa relação, ao menos neste momento?

JS: Sem um pensamento articulado e novo, não. A única saída seria explicitar o papel da elite, que prospera no saque, na rapina. A classe média é feita de imbecil. Existe uma elite que a explora. Basta se pensar no custo da saúde pública. Por que é tão cara? Porque o sistema financeiro se apropriou dela. O custo da escola privada, da alimentação. A classe média está com a corda no pescoço, pois sustenta uma ínfima minoria de privilegiados, que enforca todo o resto da sociedade. A base da corrupção é uma elite econômica que compra a mídia, a Justiça, a política, e mantém o povo em um estado permanente de imbecilidade.

CC: Qual a diferença entre a escravidão no Brasil e nos Estados Unidos?

JS: Não há tanta diferença. Nos Estados Unidos, a parte não escravocrata dominou a porção escravocrata. No Brasil, isso jamais aconteceu. Ou seja, aqui é ainda pior. Os Estados Unidos não são, porém, exemplares. Por conta da escravidão, são extremamente desiguais e violentos. Em países de passado escravocrata, não se vê a prática da cidadania. Um pensador importante, Norbert Elias, explica a civilização europeia a partir da ruptura com a escravidão. É simples. Sem que se considere o outro humano, não se carrega culpa ou remorso. No Brasil atual prospera uma sociedade sem culpa e sem remorso, que humilha e mata os pobres. 

CC: Algum dia a sociedade brasileira terá consciência das profundas desigualdades e suas consequências?

JS: Acho difícil. Com a mídia que temos, desregulada e a serviço do dinheiro, e a falta de um padrão de comparação para quem recebe as notícias, fica muito complicado. É ridícula a nossa televisão. Aqui você tem programas de debates com convidados que falam a mesma coisa. Isso não existe em nenhum país minimamente civilizado. É difícil criar um processo de aprendizado.

CC: O senhor acredita em eleições em 2018?

JS: Com a nossa elite, a nossa mídia, a nossa Justiça, tudo é possível. O principal fator de coesão da elite é o ódio aos pobres. Os políticos, por sua vez, viraram símbolo da rapinagem. Eles roubam mesmo, ao menos em grande parte, mas, em analogia com o narcotráfico, não passam de “aviõezinhos”. Os donos da boca de fumo são o sistema financeiro e os oligopólios. São estes que assaltam o País em grandes proporções. E somos cegos em relação a esse aspecto. A privatização do Estado é montada por esses grandes grupos. Não conseguimos perceber a atuação do chamado mercado. Fomos imbecilizados por essa mídia, que é paga pelos agentes desse mercado. Somos induzidos a acreditar que o poder público só se contrapõe aos indivíduos e não a esses interesses corporativos organizados. O poder real consegue ficar invisível no País.

CC: O quanto as manifestações de junho de 2013, iniciadas com os protestos contra o reajuste das tarifas de ônibus em São Paulo, criaram o ambiente para a atual crise política?

JS: Desde o início aquelas manifestações me pareceram suspeitas. Quem estava nas ruas não era o povo, era gente que sistematicamente votava contra o projeto do PT, contra a inclusão social. Comandada pela Rede Globo, a mídia logrou construir uma espécie de soberania virtual. Não existe alternativa à soberania popular. Só ela serve como base de qualquer poder legítimo. Essa mídia venal, que nunca foi emancipadora, montou um teatro, uma farsa de proporções gigantescas, em torno dessa soberania virtual. 
Um resumo das relações sociais no Brasil
CC: Mas aquelas manifestações foram iniciadas por um grupo supostamente ligado a ideias progressistas...

JS: Só no início. A mídia, especialmente a Rede Globo, se sentiu ameaçada no começo daqueles protestos. E qual foi a reação? Os meios de comunicação chamaram o seu povo para as ruas. Assistimos ao retorno da família, propriedade e tradição. Os mesmos “valores” que justificaram as passeatas a favor do golpe nos anos 60, empunhados pelos mesmos grupos que antes hostilizavam Getúlio Vargas. Esse pacto antipopular sempre buscou tornar suspeito qualquer representante das classes populares que pudesse ser levado pelo voto ao comando do Estado. Não por acaso, todos os líderes populares que chegaram ao poder foram destituídos por meio de golpes. 

Da Carta Capital

quarta-feira, 21 de junho de 2017

Os crimes do ministro Gilmar Mendes STF, segundo os autores da denúncia, por Patrícia Faermann

Foto: Antonio Cruz/ Agência Brasil

Gilmar Mendes cometeu crimes junto à Lei Orgânica da Magistratura, ao Código do Processo Civil e à Lei do Impeachment por três motivos: atuação político-partidária ilegal, ao articular com o senador Aécio Neves (PSDB-MG) a aprovação da lei de abuso de autoridade; por julgar causas com a defesa do advogado Guilherme Pitta, membro do escritório de sua própria esposa; e por desrespeitar com ataques membros do Ministério Público Federal (MPF), ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) e o próprio Tribunal Superior Eleitoral (TSE).

As considerações são do constitucionalista e professor da Universidade de Brasília (UnB) Marcelo Neves, do ex-procurador-geral da República Cláudio Fonteles, e outros 29 representantes do Direito e Universidades, que enviaram contra o ministro Gilmar Mendes três peças para o seu afastamento do Supremo: um pedido de impeachment ao Senado, uma reclamação disciplinar ao STF e uma "notitia criminis" ao MPF.

Marcelo Neves explicou como o ministro e presidente do TSE infringiu diversas leis e regulamentações da magistratura, que se caracterizam como crime de responsabilidade. "O primeiro é exercício ilegal de atividade político-partidária que fere tanto a Constituição, como a Lei de Organização da Magistratura, como também o artigo 39 da Lei de Impeachment", introduziu.

A alegação é com base nos autos de Aécio Neves (PSDB-MG), alvo de denúncia da Procuradoria-Geral da República, que traz uma conversa grampeada do parlamentar com o ministro do STF: "O senador Aécio Neves pedia para ele cabalar votos do senador Flexa Ribeiro (PSDB-PA) [para angariar votos favoráveis à lei de abuso de autoridade]. [Gilmar] não só respondeu que ia fazer isso imediatamente, cumprindo de certa maneira uma função partidária, mas disse também que já tinha falado, convencido e persuadido dois senadores, o Tasso Jereissati (PSDB-CE) e o Antonio Anastasia (PSDB-MG). Isso claramente é atividade político partidária", lembrou.

O constitucionalista ressaltou, ainda, que os senadores Anastasia e Flexa Ribeiro são investigados criminalmente no Supremo, onde Gilmar tem, ainda, um poder maior de influência, que se configuraria em conflito de interesses. "Outro aspecto da atividade político-partidária são os encontros frequentes com o Temer", somou Neves.

O segundo argumento levantado nas peças enviadas ao Senado, STF e PGR para afastar Gilmar é a sua atuação em casos nos quais o ministro deveria se declarar suspeito ou impedido de julgar, mas não o fez. Além do amplamente divulgado caso do empresário Eike Batista, que não foi sequer arrolado pelos constitucionalistas, outros mais graves indicam o crime de responsabilidade.

Explicou que ainda que a esposa de Gilmar, Guiomar Mendes, trabalha no escritório Sergio Bermudes, do advogado do empresário Eike Batista, o caso específico não tinha atuação do mesmo advogado. Por outro lado, outros casos conflitam o novo Código do Processo Civil, de que o ministro não pode julgar quando a parte seja cliente do escritório de seu cônjuge.

"Há dois casos no Tribunal Superior Eleitoral (TSE), em que o advogado Guilherme Pitta, que é do escritório da esposa do ministro, atuou em dois processos em recursos aceitos por Gilmar, que foi o relator do caso. Gilmar era objetivamente impedido. E o juiz que é impedido ou suspeito para julgar e julga, apesar disso, está desrespeitando a lei de impeachment, praticando crime de responsabilidade", completou Marcelo.

O terceiro fator diz respeito à postura do ministro, "incompatível com a dignidade, a honra e o decoro do cargo". O constitucionalista admite que a caracterização insere-se em "termos vagos", mas que, ainda assim, tanto a Lei da Magistratura, quanto o Código de Ética da Magistratura delibera sobre os limites de atuação de um juiz.

"Um dos aspectos fundamentais é tratar com humanidade, tratar de forma polida as partes, os colegas, os membros do Ministério Público, as instituições da República. Qualquer forma de ataque, agressão às Instituições e às pessoas envolvidas no processo é vedada.

"E ele fere, chama o colega Marco Aurélio [ministro do STF] de 'velhaco', por uma decisão. Também é incompatível com a dignidade do decoro e a dignidade do cargo criticar, fora dos autos, os processos dos colegas. Ele não só critica, ele agride os ministros, os membros do MP, agride o Tribunal Superior Eleitoral, dizendo que é 'um laboratório do Partido dos Trabalhadores', agride a PGR e seus membros, imputando a eles crimes. Tudo isso foge a qualquer razoabilidade para um magistrado. Qualquer magistrado que fizesse um centésimo do que o Gilmar já fez, principalmente neste último período, ele já estaria fora da magistratura", lembrou.

Com base nesses argumentos, o ex-procurador-geral da República Cláudio Fonteles e o professor da UNB entraram com um novo pedido de impeachment ao Senado. O primeiro foi arquivado pelo então presidente da Casa, Renan Calheiros (PMDB-AL), no último ano. Agora, os constitucionalistas acreditam ter sustentações suficientes não apenas para a peça no Congresso, como também junto à PGR e no próprio Supremo.

Na última instância, foi dirigida uma reclamação disciplinar que, em tese, deveria ser encaminhada ao Conselho Nacional de Justiça (CNJ). Entretanto, o CNJ não pode julgar membros do STF, uma vez que está subordinado à Corte. A falta de regulamentações para fiscalizar um ministro da Suprema Corte foi um dos empecilhos aos autores dos pedidos, que tentaram contornar a situação: "Não havendo um órgão para julgar por falta disciplinar o ministro do STF, nós entendemos que o Supremo tem que decidir isso."

Junto à Procuradoria-Geral da República o pedido foi específico: para que o MPF também considere Gilmar Mendes coautor das acusações que recaem contra Aécio Neves, uma vez que a conversa grampeada integra os autos da denúncia contra o senador como prática de obstrução à Justiça. 

"O procurador-geral da República, Janot, quando denunciou Aécio por corrupção passiva e por obstrução à Justiça, incluiu como objeto dos fatos que deram razão para a denúncia a ligação com o Gilmar. Se ele Aécio foi também denunciado por esse fato, não seria Gilmar um coautor? O princípio da coautoria", explicou Marcelo Neves.

Ao contrário do que ocorreu em setembro de 2016, quando Renan arquivou os primeiros pedidos de impeachment protocolados contra Gilmar, desta vez, o receio dos autores é de que as peças, tanto no Senado, quanto no STF, sejam proteladas e simplesmente não analisadas. Isso porque o presidente da Casa Legislativa não poderá repetir a atuação monocrática de Renan, já que compete à Mesa do Senado receber o pedido de denúncia e, se assim decidir, arquivar. 

Por outro lado, caso qualquer uma das três instituições - seja o Ministério Público, o Supremo ou o Senado - acatar os argumentos de Marcelo Neves, Cláudio Fonteles e outras 29 assinaturas, Gilmar será afastado. 

"Se for aceita a denúncia [no Senado], condenado por crime de responsabilidade, ele é destituído do cargo e perde também o direito de exercer funções públicas. Se for pelo Supremo, que é puramente disciplinar, não é judicial, ele vai tem uma aposentadoria compulsória com proventos proporcionais. Se for pelo crime comum, ele também perde o cargo, pela gravidade do crime", explicou o professor da UNB. 

Do GGN

segunda-feira, 19 de junho de 2017

Luis Fernando Vitagliano: O paradoxo da crise política e a ascensão autoritária que perpassa o Brasil hoje

Junho de 2013 fez emergir a crise da representação, o incômodo generalizado com as coalizões que fundamentaram a governabilidade na Nova República. O golpe não foi resposta positiva à crise política, e o caminho está aberto para uma solução autoritária ou totalitária.
O paradoxo da crise política e a ascensão autoritária

Para aqueles que supõem que a crise política está próxima do seu fim, a resposta positiva é improvável. Pelo contrário, a crise política pode se agravar. Essa verdade desnuda demonstra que uma possível eleição de um aventureiro qualquer pode nos tirar da crise para algo pior. Porque saídas mágicas para a crise política como o afastamento de Dilma não nos livrou de nenhum dos problemas da república e nos acrescentou vários, agravando, ampliando e perpetuando o caos.

A saída da crise política não pode ser posta, principalmente pelo campo progressista, para além da política. Será uma saída política e pela política. Mas, para isso é preciso entender as origens e as causas desta encalacrada situação que começa em 2013.

Parece haver um relativo consenso de que junho de 2013 é um marco. Mas, ainda são contraditórias suas interpretações. De um lado há análises que defendem que a fonte principal daqueles eventos foi o conflito distributivo que aflorava com a ascensão dos pobres à sociedade de consumo, que fez eco nas classes médias incomodadas com o encarecimento dos serviços para a casa grande e a ampliação do status das grandes massas. De outro lado, afirma-se que os movimentos de direita assumiram a pauta e a mobilização. Ambas as análises têm contribuições à interpretação dos protestos, mas o ponto nevrálgico de 2013 é outro: crise e fragmentação e a crise da representação.

Por isso, entender 2013 vai além dos protestos que aconteceram naqueles meses e desde então e pode ser lido como o desenrolar do que se configurou como o sistema político da Nova República – filho pródigo em termos institucionais da ditadura civil-militar de 1964. Defendo aqui que Junho de 2013 não é o começo, portanto, mas o primeiro ato do final da conciliação da classe política que fez a redemocratização com a base social que deu sustentação ao sistema político.

As diretas de 1984 dão início ao momento ótimo da conciliação da política com a sociedade civil pós-ditadura. A constituição de 1988 renovou as esperanças na política como objeto de transformação da realidade brasileira. Todavia, a Nova República se faz à base de conciliação político-partidária que não é exatamente de classe. E como fiador do alicerce desse sistema está o espólio da ditadura.

Sarney assumiu no lugar de Tancredo. Collor governou sem pudores com os coronéis do nordeste. FHC trouxe o PFL de Antônio Carlos Magalhães para a sala de estar do Palácio do Planalto e os Governos Lula e Dilma tinham suas bases no mesmo PMDB que esteve em todos esses governos aos quais se opunham.

Desde sempre a justificativa é a mesma: governabilidade. Pois junho de 2013, para além das passagens de ônibus, a corrupção e a desonestidade política tem como pano de fundo o incômodo generalizado em relação às coalizões que fundamentam a governabilidade. Essa crise de representatividade significa que embora a disputa pelo poder executivo tenha evoluído para uma espécie de binômio entre neoliberais e trabalhistas, a disputa pelo legislativo fragmentou-se de tal forma no pluripartidarismo que muitos dos eleitos representam seu próprio projeto político local.

Como conciliar a eleição de um projeto nacional no plano executivo com a fragmentação do legislativo em interesses mesquinhos e provincianos? Durante boa parte da Nova República isso se manifestou em forma de acordos e de cargos de governo. Junho de 2013, em certo sentido, foi um basta a isso. Seu espólio teve continuidade no crescimento da oposição e fez-se sentir na crise do impeachment, onde os interessados na substituição do projeto político trabalhista enxergam a oportunidade de impor o projeto político derrotado nas urnas.

O que faz o PSDB no governo Temer? Associou-se para dar a direção macro dos rumos do Estado. Aproveitou-se da oportunidade que as urnas não os deu. A história de reconciliação com a política, de tirar a Dilma para as coisas melhorarem, que tudo estava contaminado e a política se renovaria com a saída do PT é apenas cortina de fumaça, só havia dois objetivos no impeachment e nenhum dizia respeito a uma resposta para a crise. De um lado a proposta era estancar a sangria das delações e de outro lado implementar o projeto neoliberal. Nenhuma relação remota com a crise de representação que se agravaria com ambas as pretensões.

O golpe constitucional não foi uma resposta positiva à crise política, nem uma mudança que visava a reformar os termos da representatividade. Pelo contrário, foi uma resposta negativa à crise política: deixou bem claro que as formas de chantagem do legislativo para com o executivo poderiam vencer.

Os critérios pelos quais as pessoas votam no Brasil para o legislativo é, via de regra, mais relaxado em relação ao voto do executivo. Isso nos leva a um paradoxo na política brasileira: a sustentação do governo depende da base fragmentada do Congresso que não tem compromisso com o projeto eleito. A população agora mais atenta e acostumada com a democracia cobra do executivo a coerência que ela própria não tem ao eleger o legislativo. É o Deputado e o Senador com representatividade baixa e que se elege a partir do mesmo clientelismo dos anos 1910 que negocia seu apoio ao governo e impõe seus critérios de adesão.

A partir de junho de 2013 (com pegadas à direita ou não) iniciou-se um movimento na sociedade civil para não tolerar esse tipo de acordo. A mídia e o judiciário aparentemente perceberam o movimento e se tornaram os porta-vozes dessa aclamação. Assim, se sem esses acordos não se governa e com esse tipo de acordo a popularidade não se sustenta, como ter base social para governar sem cair em novas armadilhas?

A atual crise política não deixa espaço para dúvidas: ninguém governará sossegado até que as coisas mudem. Ou seja, é o fim da estabilidade do sistema político da Nova República. O que nos leva a um último ponto: se não há saída sustentada na popularidade nem à direita e nem à esquerda sem ceder aos caprichos da corja clientelista, qual a saída para a crise política?

Historicamente, conhecemos a resposta: autoritarismo ou totalitarismo. Sempre que houve crises de representatividade tão agudas como as que se desenham no Brasil, a resposta foi a ascensão (eleitoral ou não) de figuras que abusaram do poder para dominar a crise. Em nome de uma suposta moralização da política, figuras como Franco, Mussolini, Hitler, Pinochet tomaram as rédeas do poder e usaram de métodos violentos para domar a crise. Isso implicou, entre perdas de direitos civis, perseguições e cassações, ditaduras com maior ou menor grau persecutório.

Luis Fernando Vitagliano - É cientista político e professor universitário. É colunista do Brasil Debate

Do GGN

domingo, 18 de junho de 2017

Pedro Zambarda: “Impeachment ou caos”, 12 momentos vergonhosos em que a mídia garantiu que o golpe salvaria o Brasil

Joesley Batista contou na Época o que todo o mundo com meio neurônio já sabia: Temer é um chefe de gangue.
No entanto, cheios de amor e de esperança, querendo agradar seus patrões a todo custo, jornalistas fizeram previsões furadas e propaganda desse governo, baseados no mais puro wishful thinking e, eventualmente, canalhice.

A ideia era vender a ideia de o golpe não era golpe e que a destituição de Dilma “ia tirar o Brasil do buraco”, tese consagrada por Eliane Cantanhêde, uma espécie de porta voz terceirizada de Temer.

Em abril, numa entrevista a uma rádio, ela disse seguinte: “Conversei com o Michel Temer nessa semana. Ele está muito seguro e muito sereno. Fala que está pronto para assumir a responsabilidade, que é tirar o país do buraco. O Michel Temer, por ter mais gás, parece ter chances de conseguir”.

Confira uma seleção de 12 promessas que a mídia fez e os midiotas acreditaram.

1. O pior que não ficou no retrovisor
Míriam Leitão publicou em 16 de julho a coluna “O pior pelo retrovisor”, no Globo. Num tom otimista, traçava um panorama da economia brasileira baseado apenas na valorização dos papéis da Petrobras e na alta das bolsas de valores.

E acrescentava: “O resultado reflete a percepção de algumas melhoras, inclusive regulatórias, na economia e a avaliação de que a recessão está perdendo força, apesar de estar claro que não haverá a volta rápida do crescimento”.

As contas do governo Temer tiveram um déficit de R$ 38,4 bilhões em novembro, o pior resultado para o mês desde 1997. No mesmo mês do ano passado, com o governo sob Dilma, o saldo negativo foi de R$ 21,2 bilhões. Parece que o pior da economia está longe de sair do retrovisor, seja dos investidores ou dos cidadãos comuns.

2.“Pior que tá, não fica”
Em maio de 2016, quando o impeachment caminhava para minar o poder de Dilma Rousseff, Eliane Cantanhêde publicou várias  colunas no Estadão dizendo que é “pior sem ele”.

No mês de dezembro, o Datafolha divulgou que 58% das pessoas consideram Michel Temer pior do que Dilma. Parece que ficou pior do que estava.

3. Previsão de crescimento de 1% que sumiu
Uma reportagem do site da Exame de setembro apontou que a economia sob Michel Temer poderia crescer 1% em 2016. A previsão foi traçada pela consultoria em negócios internacionais e políticas públicas Prospectiva, levando em conta até mesmo a Lava Jato.

O chefe do Departamento Econômico do Banco Central, Tulio Maciel, afirmou em dezembro deste ano que a previsão para 2016 é de recessão de 3%, com queda na oferta de crédito bancário. Parece que as consultorias de estimação estão perdendo crédito em suas análises em menos de seis meses.

4. “Golpe contra o impeachment”
Antes de ficar famoso nacionalmente por perguntar a Temer como ele conheceu a mulher numa farsa no “Roda Viva”, Noblat escreveu um artigo bonito acusando um “golpe contra o impeachment”.

O texto faz denúncias de uma compra de votos contra o afastamento de Dilma Rousseff — para variar, sem apresentar provas. Teriam ocorridos pixulecos de R$ 1 milhão por voto “não” e R$ 400 mil pelas ausências.

Parece que o golpe contra o golpe não se concretizou. Noblat nunca explicou como é que essa operação milionária fracassou.

5. “Interrupções presidenciais têm impacto positivo”
Merval Pereira falou no dia 17 de janeiro de um estudo de um economista chamado Reinaldo Gonçalves, da UFRJ. O especialista tentava provar que o impeachment de Dilma poderia ser positivo.

Segundo o texto reforçado por Merval, o impedimento reverteria a recessão em 2017 e impulsionaria a economia em 2018.

Nenhum dos sinais dessas medidas com “impactos positivos” foram vistos com Michel no poder. Merval Pereira aproveitou a coluna para alfinetar advogados que criticaram a Operação Lava Jato. Nunca mais citou o tal Reinaldo.

6. Cunha “não tem nada a ver com o impeachment”
Merval também dá suas cacetadas no Jornal das 10 da GloboNews. No dia 13 de dezembro de 2015, ele soltou no programa que o então presidente da Câmara, Eduardo Cunha, não tinha relação com o golpe. Um santo.

“Eduardo Cunha não tem nada a ver com o impeachment. O Eduardo Cunha foi o presidente da Câmara que aceitou, viu que tecnicamente havia condições de aceitar aquele processo, aquele pedido. Então ele não tem nada a ver com isso, quem vai decidir mesmo é o plenário da Câmara”.

Merval jogou a responsabilidade num Congresso que tem maioria com pendências na Justiça só para tentar livrar a cara de um processo conduzido por um notório corrupto. Em 2016, consumado o golpe, Cunha foi preso. Merval Pereira nunca mais tocou no assunto.

A equipe de ilusionistas da GloboNews

7. “Impeachment ou caos”
O economista Rodrigo Constantino, o amigo do Pateta que foi demitido da Veja e do Globo e hoje tem coluna na Istoé, publicou um artigo em abril com o título: “impeachment ou caos!”.

Era baseado em teses esplêndidas como a de que o presidente Temer faria um “governo suprapartidário” caso o golpe prosperasse, usando aspas do professor de filosofia Denis Rosenfield.

Para Constantino, o governo Temer seria um sucesso porque não teria vermelho em sua bandeira. O único golpe possível era o que o PT estava fazendo, seja lá o que isso signifique.

8. Golpe “cristalizado”
Quando o impeachment foi consumado, em setembro, Eliane Cantanhêde afirmou em texto que o governo Michel Temer sofre com protestos mas “termina em pé”. Comparou-o a Itamar Franco.

“A palavrinha mágica ‘golpe’ ajudou a cristalizar, talvez em milhões de pessoas, a percepção de que o impeachment de Dilma foi ilegal e ilegítimo, a ‘jornada de 12 horas’ ajuda a oposição a ratificar que Temer vai retroceder nos direitos e abandonar os pobres à própria sorte. Em vez de falar esse absurdo, o governo bem que poderia ter usado e abusado, a seu favor e a favor da verdade, dos resultados do Ideb, que configuram o fracasso da ‘pátria educadora’ de Dilma”, diz Eliane no jornal.

9. A “revolta armada” do PT que não existiu
O ex-presidente Lula publicou uma cartilha criticando os procedimentos da Operação Lava Jato. Na cabeça do colunista Reinaldo Azevedo, a carta afirmava que o PT ia optar por uma “revolta armada”, segundo sua coluna na Folha de S.Paulo em agosto.

Dilma, segundo Reinaldo, era a “Afastada”. “Que bom que a ópera petista chega ao último ato, com o próprio partido chamando os inimigos por seus respectivos nomes. É o PT quem me dá razão, não os que concordavam comigo”, diz ele, sem explicar como se daria a revolução do partido de Lula em curso.

10. O editorial que mais curtiu o impeachment
Impeachment é o melhor caminho” é o editorial de apoio ao golpe mais explícito publicado na imprensa. Feito pelo mesmo time do Estado de S.Paulo que chamou o jornalista Glenn Greenwald de “ativista petista” e pediu sua expulsão do Brasil, o texto é rico em previsões furadas sobre o governo Temer já em abril de 2016.

As propostas de novas eleições “são fórmulas engenhosas para resolver um problema complicado. Pena que sejam todas, pelas mais variadas razões, impraticáveis”.

Hoje, a notícia é de que a maioria da população apoia eleições diretas segundo absolutamente todos os institutos de pesquisa.

11. “A saída da crise”, segundo Paulo Skaf
Nenhuma lista dessa natureza ficaria completa sem as revistas da Editora Três, aquela que concedeu a Temer o título de Brasileiro do Ano.

Em março, o presidente da Fiesp, Paulo Skaf, estava na capa da IstoÉ Dinheiro com a chamada “A reação dos empresários”.

“O impeachment de Dilma é a saída mais rápida da crise”, falou. A reportagem destacava a atuação dele para conseguir a adesão “de boa parte da classe empresarial, da indústria ao varejo”.

De acordo com Skaf, a “economia está indo mal por causa da crise política. Há confiança no Brasil, mas não há confiança no governo”.

Ah, sim: o industrial sem indústria é um dos citados na delação da Odebrecht.

12. As instituições funcionam 
O Globo, que defendeu o golpe militar de 64 e só se desculpou 50 anos depois, defendeu o impeachment com unhas e dentes em vários editoriais.

Num deles em especial, de 30 de março, a família Marinho mandou ver: “Na estratégia de defesa e nas ações de agitação e propaganda de um PT e de uma presidente acuada no Planalto, a palavra ‘golpe’ ganha grande relevância”.

O impeachment de Dilma, fomos informados, “transita pelas instituições sem atropelos. Em 64 seria diferente”.

E finalizava: “Aceite quem quiser que políticas de supostos benefícios aos pobres podem justificar a roubalheira. Não num país com instituições republicanas sólidas”.

Pois é.

Do DCM

sábado, 17 de junho de 2017

A crise do governo Temer e a esquerda, Rui Costa Pimenta

Análise Política da Semana, com Rui Costa Pimenta, presidente do PCO. Nesta Análise, crise do governo Temer e a posição da esquerda diante do caso, questão das "Diretas, Já!" e suas manifestações contra os partidos de esquerda, manifestação em Brasília pela Anulação do impeachment de Dilma Rousseff. Confira VÍDEO logo abaixo:


Do GGN

quarta-feira, 14 de junho de 2017

A história do patrocínio do impeachment de Dilma pela JBS

A JBS patrocinou o impeachment de Dilma?, por João Filho

Foto: Beto Barata/PR
O JULGAMENTO DA CHAPA Dilma/Temer no TSE talvez represente o auge da esquizofrenia da qual padece a política brasileira. A ação foi movida por Aécio Neves para, segundo o próprio, apenas “encher o saco do PT”. As acusações que fundamentaram o processo do tucano são exatamente as mesmas pelas quais sua chapa é acusada: abuso de poder político e econômico, recebimento de propina e beneficiamento do esquema de corrupção na Petrobras. Hoje no governo, Aécio e sua turma torcem para perder a ação que moveram. Portanto, o mais importante processo da história da Justiça Eleitoral nada mais é do que uma retumbante farsa.

Enquanto os olhos do país estão voltadas para a patacoada, uma notícia fundamental para compreender um pouco os fatos que nos trouxeram até aqui ficou ao relento na grande imprensa brasileira: o marqueteiro de Temer afirmou ter sido contratado pela JBS para derrubar Dilma.

Antes, vamos contextualizar os acontecimentos. Joesley da JBS havia revelado em sua delação que Temer pediu uma propina de R$300 mil. À época, o processo de impeachment ainda estava em curso e, estranhamente, Temer precisava do dinheiro para despesas de marketing político pela internet. Segundo Joesley, o então vice-presidente queria se defender dos duros ataques que vinha recebendo nas redes.

Temer teria orientado que o dinheiro fosse pago para o publicitário Elsinho Mouco – seu marqueteiro oficial há 15 anos e que hoje exerce papel importante no governo. É ele quem escreve os discursos de Temer e ajudou a redigir o famigerado programa Ponte para o Futuro.

Bom, no último domingo, Elsinho contou ao Estadão a sua versão, que é um pouco diferente do que ele havia dado em uma nota à imprensa divulgada após a publicação da delação de Joesley. Segundo o publicitário, o dono da JBS o convidou para um jantar nababesco em seu palacete no Jardim Europa em São Paulo. Regados a “whisky 18 anos” e “camarões gigantes”, Joesley revelou que queria financiar um serviço de monitoramento de redes sociais que ajudaria a derrubar Dilma:

“O empresário perguntou então quanto custaria o serviço, que a princípio seria pago pelo PMDB nacional. “R$ 300 mil”, respondeu Elsinho de pronto. “Eu pago isso. Vamos derrubar essa mulher”, teria dito Joesley.”

O dinheiro dado ao marqueteiro de Temer teria sido usado para “monitorar digitalmente movimentos pró-impeachment, o PMDB e a Fundação Ulysses Guimarães”.

Portanto, temos duas versões. O dono da JBS garante que a propina foi paga em espécie para Elsinho a pedido de Temer. Já o publicitário afirma que foi Joesley quem o procurou espontaneamente para contratar seus serviços, sem propina e sem envolvimento de Temer.

Um dos dois está mentindo. A versão de Elsinho é estranha,parece querer poupar seu chefe. É difícil imaginar que o publicitário tenha feito o orçamento do serviço ali na hora, no meio do jantar. Segundo o publicitário, o dono da JBS chamou um mordomo e ordenou: “Pega lá R$ 300 mil e entrega para o Elsinho”. Nessa versão capenga, o publicitário teria ido apenas visitar um cliente em potencial, fez o orçamento e imediatamente recebeu o valor integral em dinheiro vivo antes mesmo de prestar o serviço. Elsinho, cujo irmão acaba de ganhar uma concorrência de R$ 208 milhões para a publicidade do Palácio do Planalto, teria muito a perder se confirmasse a história do dono da JBS.

A versão de Joesley me parece mais verossímil: Temer pediu para entregar a propina para seu marqueteiro, que foi até a casa do empresário e saiu com o valor que havia sido previamente combinado entre os patrões. A dúvida fica por conta da finalidade da propina. R$300 mil para defender Temer de ataques da internet às vésperas da votação do impeachment? Ou seria mesmo para derrubar Dilma?

Apesar da relevância da informação dada pelo marqueteiro de Temer, o Estadão não deu chamada de capa, a Folha não repercutiu, e nem preciso falar sobre o Grupo Globo. Não parece ser do interesse do braço midiático revelar os detalhes do funcionamento do braço financiador do golpe parlamentar.

O fator Kátia Abreu
Maior doadora da campanha de Dilma, a JBS havia entrado em conflito com a presidenta antes mesmo do início do seu segundo mandato. A indicação de Kátia Abreu para o ministério da Agricultura não incomodou apenas petistas, ambientalistas e movimentos sociais, mas também a JBS e até o PMDB – partido que recém abrigava a senadora à época. O grupo empresarial de Joesley sempre foi alvo de duríssimas críticas de Kátia Abreu. Este trecho de reportagem da Folha de 2014 revela o tamanho da briga:

“Em discurso na tribuna do Senado, em 2013, Kátia Abreu criticou uma suposta prática monopolista e marketing enganoso’ por parte do grupo JBS, que cresceu no mercado adquirindo outros empreendimentos menores.

No centro do ataque estava um polêmico financiamento de R$ 7 bilhões do BNDES à JBS-Friboi que, segundo Kátia Abreu, poderia ter sido usado para ajudar pequenas e médias empresas em dificuldade.”

Irritado com a notícia de que Kátia provavelmente seria a nova ministra, o falastrão Joesley foi procurar quem para reclamar? O seu amigo Michel Temer, claro. Não satisfeito, foi se lamentar também com Aloizio Mercadante (PT), então chefe da Casa Civil, que o recebeu em uma conversa reservada, fora da agenda oficial. Ainda segundo a Folha, Dilma foi aconselhada a conversar com Joesley e tentar contornar sua insatisfação, o que teria ocorrido em um encontro sigiloso.

Todo esse lobby contra Kátia Abreu não deu certo e a ex-presidente bancou sua nomeação, contrariando seu próprio partido, seu principal aliado político (PMDB) e a JBS. Naquele momento se iniciava um conflito entre Dilma, o PMDB e o principal financiador de campanhas políticas no Brasil.

JBS trabalhou duramente contra minha nomeação no MAPA. Será porque?

Moveram céus e terras. Dilma bancou e me deu posse. Ali era monopólio deles.

Joesley revelou em delação que deu R$30 milhões para Cunha, que teriam sido usados para bancar sua campanha à presidência da Câmara, em 2015.  “Cunha saiu comprando deputado, saiu comprando um monte de deputados Brasil a fora. Para isso que serviam os R$ 30 milhões”, afirmou Joesley à PGR. Ou seja, a JBS também patrocinou a eleição de Cunha, o inimigo número um de Dilma, o homem que lideraria um golpe parlamentar para derrubá-la.

Vamos ligando os pontos. Não podemos esquecer também dos R$ 4 milhões em propinas da Odebrecht que Lucio Funaro (doleiro, lobista e operador das propinas de Cunha) enviou para Eliseu Padilha através de José Yunes (ex-assessor especial do governo Temer e amigo do presidente há mais de 50 anos). Na ocasião, o amigo de Temer ouviu do doleiro qual era a finalidade do dinheiro:  “A gente está fazendo uma bancada de 140 deputados, para o Cunha ser presidente da Câmara”. Segundo Yunes, Temer não pode dizer que não sabia de nada: “Contei tudo ao presidente em 2014. O meu amigo (Temer) sabe que é verdade isso. Ele não foi falar com o Padilha. O meu amigo reagiu com aquela serenidade de sempre (risos).”

Portanto, como se não bastassem as confissões públicas de que as pedaladas fiscais não foram o motivo que levaram à queda de Dilma, agora ainda temos fortes indícios de que a eleição de Cunha e o processo de impeachment foram financiados com dinheiro de propina de grandes empresas e teve envolvimento direto de Michel Temer.

GGN

terça-feira, 13 de junho de 2017

As instituições brasileiras estão rendidas, na lona, um caos, por Nassif

A guerra entre os poderes, confira a opinião do Nassif
Única saída contra o caos institucional brasileiro é um novo pacto para recompor o centro político; lideranças de todos os matizes abrir diálogo  
Até antes de se consolidar o golpe parlamentar que derrubou a presidente Dilma Rousseff se pensava que a Constituição Federal de 1988 com seu conjunto de regras, estabelecimento de pontos para o equilíbrio entre os poderes e formas de autorregulação, estava segura. Mas os últimos tempos subverteram essa tese e hoje o país vive um completo caos institucional.

Talvez exista um lado bom de tudo isso, que é conseguir, a partir da análise da crise brasileira, entender o real impacto dos desmontes institucionais em um país. Pouco antes do golpe, já era visível que faltava no Executivo - então ocupado por Dilma - um estadista forte. No decorrer do processo, verificamos que o Legislativo e o próprio Judiciário sofriam também com a ausência de Estadistas.

Veja agora, por exemplo, a recente denúncia publicada pela revista Veja afirmando que o Ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Luiz Edson Fachin, estaria sendo grampeado pela Agência Brasileira de Inteligência (Abin). Em um país de estadistas o presidente do STF convidaria o presidente da República para uma reunião em particular, para colocar tudo em pratos limpos. Entretanto, sem dar tempo para apurar a denúncia, a atual presidente do Supremo, Carmen Lucia, soltou uma nota declarando guerra entre os poderes. E, pouco tempo depois, nessa segunda (12), soltou uma nova nota afirmando que não se deve duvidar da palavra de um Presidente, se esquecendo que Temer omitiu da agência oficial, portanto mentiu, uma viagem que fez com o jato da JBS.

Outro exemplo do caos institucional é a relação tensa entre um procurador de primeira instância, Deltan Dellagnol, e o Procurador-Geral da República, Rodrigo Janot. Isso poderia ter sido evitado lá atrás, quando ocorreram os primeiros vazamentos de informações da Lava Jato para a mídia e se iniciou um movimento de protagonismo dos agentes ligados á operação. Se naquele momento tivéssemos um Procurador-Geral com noção de institucionalidade no cargo e dimensão de estadista, a primeira atitude que teria tomado seria chamar os responsáveis da Lava Jato para conversar e impor sua liderança, mostrando a necessidade de mais tempo em cima de cada investigação e estabelecendo limites para não quebrar empresas importantes à economia evitando assim o carnaval que vemos na mídia.

Assim, quando olhamos todos os pontos das instituições brasileiras observamos que vivemos sob um caos total, e tudo isso coberto pelo celofane da mídia, que foi a primeira que começou com essa brincadeira de achar que é possível destruir um partido político e uma liderança, que o resto continuaria normal.

A reconstrução de todas as estruturas depende, invariavelmente, de um pacto. Em algum momento ele terá que ser construído. E não estamos falando e um pacto do modelo que vigorou com grandes empresas, que tinham certo protagonismo político, e acabaram negociando com uma quadrilha que impôs um conjunto de reformas, sem negociação.

O Brasil não terá saída fora do entendimento. Fora do entendimento a opção é militar. Por mais que o general Eduardo Dias da Costa Villas Bôas seja um legalista, esse seria um cenário doloroso na história do país, e o vácuo civil vai acabar com o pessoal batendo na porta dos militares.

Se esse pacto vai acontecer na forma de uma constituinte nova, ou nas próximas eleições, ou em cima de um nome que consiga reorganizar o centro político, não se sabe. Mas sem a conversa o país não terá alternativas que não seja o aprofundamento do caos. E quando se entra na conversa tem um personagem central que é o Lula. Por isso a perseguição implacável sobre ele é vergonhosa, seja em cima dele ou em cima de Fernando Henrique Cardoso, José Serra ou Aécio Neves. Porque o problema é como estão alcançando isso, em cima da delação premiada, um instituto precioso para apurar crimes, mas que no Brasil foi avacalhado na primeira tentativa, em cima de um poder arbitrário, partidário que não tem controle dos órgãos que deveriam moderar.

Sendo assim, melhor não existissem Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP) ou Procuradoria-Geral (que chefia os Ministérios Públicos). Se vocês não conseguem impor uma disciplina mínima sobre um sujeito deslumbrado, a exemplo de um procurador de primeira instância, para quê existir? Não tem que existir mais essas instâncias, vai o poder puro que vocês criticam tanto na Venezuela. A Venezuela é aqui!

Todo esse desarranjo terá que ter uma freada para a arrumação. Confesso que não sei se a freada seria a Constituinte, mas o primeiro passo para um pacto é começar a conversar e esquecer essa radicalização artificial que foi criada pela mídia esse tempo todo entre chavistas e nacionalistas. As lideranças mais racionais, incluindo do meio empresarial, têm que começar a conversar para tentar, de alguma maneira, recompor esse centro. 
Fotos: Ricardo Stuckert

Do GGN

Eduardo Guimarães: Crise política só será resolvida nas urnas. O resto é lorota para boi dormir

Senhoras e senhores, peço vossa atenção para a afirmação que já vai expressa no título do post. Antes, porém, quero explicar a razão que me leva a escrevê-lo. Escrevo este post para alertar as pessoas sobre uma variedade imensa de “saídas” para a crise que estão sendo aventadas e que dificilmente irão prosperar por não passarem da mais pura lorota.

A cassação do mandato de Temer pelo TSE nunca foi uma possibilidade real. Estava sendo operada por uma Corte que agiu deliberadamente para dar fôlego ao golpismo contra Dilma Rousseff.

Derrubada a presidente legítima, desapareceu o interesse pelo processo por parte da Corte golpista chamada TSE, que admitiu levar adiante a farsa que o PSDB armou, apesar de a fraude ser escandalosamente clara, já que os tucanos acusavam os petistas de receberem dinheiro de financiadores que também lhes fizeram doações em condições idênticas.

Havia caixa 2 e dinheiro de corrupção nas campanhas de Dilma, Marina e Aécio? Talvez. Os candidatos sabiam? Aécio a gente percebe que sabia. Marina e Dilma ninguém sabe.

O fato é que essa “solução”, para o país não ficar sendo governado até 2018 por um bandido confesso, não nos serviria porque partiria de uma premissa equivocada fundada em uma falsidade. E ainda tiraria os direitos políticos de uma pessoa inocente – até prova em contrário.

Temer ainda pode ser cassado pelo STF, mas todos sabemos da força que o usurpador do mandato legítimo de Dilma tem no Congresso, de modo que é muito provável que não venha a ser feita nem eleição direta nem indireta.

Se Temer ficar se equilibrando no cargo até 2018, a economia irá piorar muito. Mesmo que não entre em colapso e Temer consiga aprovar suas reformas genocidas, os brasileiros sofrerão um empobrecimento tão rápido que jamais foi visto na história recente do Brasil.

E o mais provável é que aconteça isso.

Não adianta querermos contar com o Congresso e/ou com o STF para tirar Temer do cargo. Ele pode até sair, mas o processo vai demorar – porque a Câmara vaia resistir – e, enquanto isso, a economia afundará ainda mais.

Aécio não será preso. Se for preso, o PSDB está mais escangalhado do que o PT. Vai sobrar pra meio mundo se Aécio for preso. E não é meio mundo pela esquerda…

Então Aécio não irá em cana, Temer muito menos e, assim, vai ficar difícil condenarem Lula sem uma mísera prova, já que não condenam aqueles contra os quais há uma avalanche de provas.

Aliás, mesmo que mandassem Aécio e Temer para a cadeia seria difícil usarem isso para encanar o petista, já que contra ele ainda não surgiu prova alguma.

Como resolver a crise política? Pelo visto, vamos ter que esperar. A única forma de dar um governo viável ao país será através da legitimidade das urnas. Ano que vem, cada partido submeterá seu candidato à decisão popular e o escolhido terá a missão de conduzir o país para fora do atoleiro – com o risco de que o eleito possa afundar o Brasil de vez.

É neste ponto que levantarão dois “argumentos”:

1 – Golpistas não permitirão que haja eleições

2 – Lula não poderá disputar porque estará preso ou inelegível

3 – Se Lula ou algum outro esquerdista vencer, será derrubado de novo pela maioria de direita no Congresso, que se forma a cada eleição desde o descobrimento.

Em primeiro lugar, vamos estabelecer que é isso o que importa à esquerda brasileira: haver eleições e a esquerda ter um candidato viável. Nada mais importa. Portanto, a esquerda tem que lutar em defesa da manutenção do calendário eleitoral brasileiro.

Em segundo lugar, a esquerda deve se unir em turno de um único candidato, um candidato viável. Se não puder ser Lula, nenhum candidato de esquerda se elegerá sem o apoio dele. Quem pede que deixemos Lula de lado e procuremos outro candidato não está sendo capaz de enxergar isso.

Em terceiro lugar, a esquerda deve fazer uma campanha todinha voltada para o risco de o presidente que venha a ser eleito ser derrubado por uma maioria parlamentar de direita.

Logo após um impeachment fraudulento (o de Dilma) que afundou as vidas dos brasileiros, vidas que tanto melhoraram durante o governo Lula, não será difícil fazer o eleitor ver que, se votar naquele candidato a presidente de esquerda, terá que votar nos parlamentares ligados a ele ou seu eleito será derrubado.

Ponto.

Desse modo, a Lula da esquerda está muito bem definida. Se a esquerda não cuidar desses três pontos, o Brasil pode mergulhar em uma guerra civil.

Confesso que fiquei muito preocupado ao ver uma importante liderança de esquerda pregar que fiquemos nos concentrando nos efeitos de termos um governo radical de direita – que são injustiça social, abusos do Estado contra os cidadãos, discriminação, violência policial – e, em vez de tentarmos eleger Lula ou quem ele apoiar, que aceitemos mais um governo de direita.

O Brasil não aguentará outro governo de direita. A precarização das condições sociais que estão impondo via destruição de direitos trabalhistas e extinção de programas sociais vai colocar o país em uma guerra civil. A esquerda não pode recair nos erros fatais que cometeu em 2013. Desta vez o resultado da irresponsabilidade seria muito mais trágico.

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