VITÓRIA DA LIBERDADE DE INFORMAÇÃO
A juíza Grace Pereira declarou improcedente a acusação do senador de que o JP atacou a sua honra
POR OSWALDO VIVIANI
O presidente do Senado José Sarney (PMDB-AP) perdeu, na 6ª Vara Cível da Justiça de Brasília, a ação indenizatória por danos morais que moveu contra o Jornal Pequeno em novembro de 2008 (nº 2008.01.1.153649-6). Por meio de dois advogados inscritos na OAB do Piauí – Marcus Vinicius Furtado Coelho e Flávio Aurélio Nogueira Júnior –, Sarney pedia uma indenização no valor de R$ 350 mil, alegando que o JP divulgou reportagens, notas e artigos assinados que, segundo o senador, tinham por objetivo atacar sua honra, mediante injúria, calúnia e difamação.
Em sua sentença, datada do dia 13 último, a juíza Grace Correa Pereira considerou improcedentes os pedidos formulados por Sarney na ação. “Julgo que o réu [Jornal Pequeno] atuou calçado no seu direito de opinar e criticar, não havendo propriamente insulto ou ofensa à dignidade do autor, tampouco violação à sua honra ou abuso algum a ser repreendido pelo Judiciário”, destacou a magistrada em sua decisão.
Para fortalecer sua sentença favorável ao JP, a juíza citou uma decisão do desembargador Ênio Zuliani, da 4ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, que, ao examinar, em julho de 2009, um caso no qual um político reclamava de campanha ofensiva à honra movida pela revista Veja, fixou que “a desonra não resulta da publicação de um fato ou de um crime, mas sim do próprio fato ou do crime cometido”.
Ainda nesta decisão, o desembargador Zuliani arrematou seu voto afirmando que “todas as notas e comentários [da Veja] foram lançados a partir de análise de episódios concretos e que mereciam ser lidos e conhecidos do grande público, independentemente de sacrifício de valores individuais daqueles que se viram, de alguma maneira, relacionados com os fatos. Não há ilicitude e sequer se poderá cogitar de dano indenizável”.
A juíza Grace Pereira condenou José Sarney ao pagamento das despesas processuais e dos honorários advocatícios, fixados em R$ 1 mil.
Material ‘ofensivo’ – Em meio ao material jornalístico publicado no JP que José Sarney considerou ofensivo à sua honra, a ação por ele movida cita os artigos “Sarney quer acabar com Jackson”, “Os dois gols de Sarney”, “A estratégia do rato”, “Retrato da vergonha jornalística”, “A decadência do cacique”, “A prostituta das provas”, além das matérias “Mar de escândalos envolve famílias Sarney e Lobão”, “Decisão judicial desmonta mais uma farsa de Sarney” e “Matéria da Globo é para intimidar testemunhas de defesa de Jackson”.
De acordo com os advogados de Sarney, tais artigos e matérias foram publicados “tão-somente com o intuito de destruir uma reputação criada por anos de sofrimento”, e tentando “construir uma imagem denegrida e fora da conjuntura de um homem público sério e que sempre buscou ajudar o povo brasileiro e principalmente seus conterrâneos maranhenses”.
Os advogados do senador alegaram que o JP procurava “transformar a concepção e o pensamento dos leitores sobre a figura impoluta do autor [Sarney], que possui um caráter indubitavelmente digno e respeitável e não necessita de estar passando pelo sofrimento de ver o seu nome motivo de escrachos, difamação, injúria e calúnia”.
A ação foi movida por José Sarney pouco tempo antes de o senador se ver envolvido em dezenas de escândalos, amplamente divulgados pela imprensa nacional – sendo o mais grave deles o dos chamados “atos secretos” do Senado –, que por muito pouco não o derrubaram da Presidência da Casa.
Atuaram na defesa do JP os advogados Rodrigo Lago e Welger Freire. Numa fase anterior da tramitação do processo contra o JP, o diretor geral do jornal, Lourival Marques Bogéa, foi citado pelo juiz da 6ª Vara Civil da Circunscrição Judiciária de Brasília (DF), Aiston Henrique de Sousa. Ele depôs na capital federal em novembro de 2009.
Trechos da sentença judicial que considerou improcedente a ação de Sarney contra o JP
“Os políticos estão sujeitos de forma especial às críticas públicas, e é fundamental que se garanta larga margem de fiscalização e censura de suas atividades não só ao povo em geral, mas sobretudo à imprensa, ante a relevante utilidade pública da mesma.” (Menção da juíza Grace Pereira a sentença proferida pelo desembargador Marco Cesar)
“É importante acentuar que não caracterizará hipótese de responsabilidade civil a publicação de matéria jornalística cujo conteúdo divulgar observações em caráter mordaz ou irônico ou, então, veicular opiniões em tom de crítica severa, dura ou até impiedosa, ainda mais se a pessoa a quem tais observações forem dirigidas ostentar a condição de figura pública, investida ou não de autoridade governamental, pois em tal contexto a liberdade de crítica qualifica-se como verdadeira excludente anímica, apta a afastar o intuito doloso de ofender. (...) O direito de crítica em nenhuma circunstância é ilimitável, porém adquire um caráter preferencial, desde que a crítica veiculada se refira a assunto de interesse geral, ou que tenha relevância pública, e guarde pertinência com o objeto da notícia, pois tais aspectos é que fazem a importância da crítica na formação da opinião pública.” (Citação de trechos de um voto do ministro Celso de Mello, do Supremo Tribunal Federal)
“Não verifico abuso nas notícias identificadas na petição inicial como sendo de números 2, 3, 4 e 5 [envolvimento de José Sarney com negociações escusas em razão da proximidade com Zuleido Veras, da Construtora Gautama, e Eike Batista]. Ao contrário, há nelas evidente interesse público acerca da divulgação das investigações sobre quem estava recebendo propina para viabilizar negócios escusos de Zuleido Veras e de Eike Batista no Amapá. Diga-se que as matérias em questão estão amparadas em investigações em fase inicial; não afirmam, de modo peremptório, que o autor tenha efetivamente praticado ato ilícito, mas narraram fatos e apenas registraram indícios do vínculo suspeito de Geraldo Magela, Romero Jucá e Eike Batista a José Sarney. (...) Enfim, não foram especulações, desprovidas de qualquer fundamento, mas notícias fundadas em fatos concretos ou em investigações policiais e judiciais em andamento. (...) Reconheço que as matérias vinculam o autor a escândalos, e algumas vezes apresentam redação com termos depreciativos ou se vale de figuras de linguagem e até de ironia para prender a atenção do leitor. Porém, as críticas e as expressões mais fortes usadas na reportagem guardam inteira pertinência com os fatos de interesse público. (...) Nesse sentido, a lição de Miranda, para quem ‘não é de se esquecer que ninguém está mais sujeito à crítica do que o homem público, e muitas vezes dele se poderá dizer coisas desagradáveis, sem incidir em crime contra a honra’.” (Juíza Grace Correa Pereira)
“Não é o caso de se dar prevalência à honra e à imagem do autor, por suposta violação imputada ao réu. Há que se relembrar que a outra face do direito-liberdade de expressão que se há de reconhecer aos órgãos de comunicação social é o que ora se denomina de liberdade de pensamento. O reconhecimento de limites ao exercício da liberdade de pensamento através da imprensa exige a atenção a uma série de pressupostos. Em primeiro lugar, o fato de a Constituição Federal vedar expressamente, no artigo 220, § 2º, qualquer espécie de censura, bem como o § 1º do mesmo artigo impedir o legislador ordinário de estabelecer qualquer embaraço à plena liberdade de informação jornalística. E, no caso da liberdade de imprensa, a liberdade de pensamento se concretiza do modo próprio, através do denominado direito de crítica.” (Juíza Grace Correa Pereira).
Fonte: JP