Cena 1 – o retrato
atual das eleições
Há um desenho nítido, com o esperado crescimento de Fernando
Haddad e a consolidação da candidatura de Jair Bolsonaro. Desenha-se um segundo
turno entre ambos. Haverá um confronto entre o anti-petismo e o
anti-bolsonarismo, com boa possibilidade de o fator Bolsonaro garantir a
vitória de Fernando Haddad.
Até agora, os personagens-chave do jogo se posicionam assim:
1. Mercado: aproximando-se de ambos e, especialmente de Haddad.
A gestão de Haddad no Ministério da Educação e na Prefeitura são o seu
principal aval. Em ambos os casos, foi uma gestão eminentemente técnica,
fiscalmente responsável, com portas abertas para movimentos sociais e ONGs
empresariais e foco claro na defesa das minorias.
2. Classe média: assustada com os arroubos de Bolsonaro, contra
mulheres, minorias e a favor da violência, refletindo-se no aumento de suas
taxas de rejeição.
Pesquisas recentes indicam que pelo menos 40% dos eleitores
de Geraldo Alckmin poderiam votar em Haddad. Gradativamente foi caindo a ficha
que nem o horário eleitoral seria suficiente para colocar Alckmin no segundo
turno. E o crescimento das taxas de rejeição de Bolsonaro poderiam garantir a
vitória de Haddad.
É por aí que se explica o reposicionamento dos principais
atores políticos, resolvendo apostar suas fichas em Bolsonaro. E também o vídeo
de João Doria Jr com a derradeira traição ao seu padrinho Alckmin: admitindo a
ida de Bolsonaro para o segundo turno.
Cena 2 – o pacto
Bolsonaro-Globo
Pouco antes do incidente em Juiz de Fora – no qual um
alucinado enfiou a faca em Bolsonaro – o candidato deu declarações mencionando
um fato novo relevante na eleição. Muitos imaginaram, depois, ser um anúncio do
suposto atentado. Pode ser que sim, pode ser que não. Mas de novo, mesmo, foi o
pacto firmado com a Globo. Bolsonaro teve uma reunião com os herdeiros de
Roberto Marinho onde, aparentemente, foi selado o pacto para o segundo turno.
As três entrevistas da Globonews, com Katia Abreu, vice de
Ciro Gomes, Fernando Haddad e o general Hamilton Mourão, foram a prova
definitiva do acordo.
Com Haddad, pressão total, com os entrevistadores fazendo
questão, em todos os momentos, de enquadrá-lo no estereótipo do petista
clássico, justamente para enfraquece-lo junto ao centro, que o vê como
administrador racional e inclinado a pactos de governabilidade. É só anotar a
quantidade de vezes, na sabatina da Globonews, em que foi invocado o adjetivo
“petismo”, para cravar o estereótipo na testa de Haddad, ou a maneira
como se tentava mudar de tema cada vez que Haddad demonstrava seu estilo de
gestão responsável. Como na inacreditável cena em que ele mostra que a Prefeitura
de São Paulo recebeu o grau de investimento das agências de risco, e Mirian
Leitão tenta mudar de assunto alegando que se estava discutindo “política
econômica”. Grau de investimento é o Santo Graal do mercado.
No caso de Katia Abreu, Mirian recorreu ao padrão tatibitate
de seu colega Luis Roberto Barroso, dividindo os agricultores entre os “do bem”
– que respeitam o meio ambiente – e os “do mal”, representados por Katia Abreu.
Nos dois episódios, levou invertida, mas revelou a nova estratégia da Globo.
Ontem, pelo contrário, os entrevistadores implacáveis
montaram um convescote, levantando sucessivamente a bola para que o general
pudesse mostrar a face racional e humana do bolsonarismo.
Cena 3 – a reconstrução
da imagem de Bolsonaro
A entrevista e o suposto
atentado a Bolsonaro deixaram evidentes a estratégia de reconstrução da imagem
do candidato, com vistas ao segundo turno. Será apresentado como o impulsivo
boa-gente, cujas declarações mais chocantes são apenas um reflexo da
informalidade. E, por trás dele, haverá duas forças racionalizadoras: na parte
econômica, Paulo Guedes, na parte institucional as Forças Armadas, tendo como
representante oficial o general Mourão que, no final da entrevista à Globonews,
se declarou um telespectador e seguidor fiel das lições diárias da emissora.
A facada em Bolsonaro caiu como uma luva nessa estratégia. As
próprias declarações do candidato – “nunca fiz mal a ninguém” – demonstram essa
estratégia de vitimização, apresentando-o apenas como um boquirroto do bem.
Alguns fatos chamam atenção:
1. Quatro advogados imediatamente assumiram a defesa do
agressor. É evidente a intenção de criar uma blindagem. Quem os banca?
2. A investigação ficará a cargo da Polícia Federal de Minas
Gerais, a mais partidarizada, depois do Paraná. É a mesma PF que alimentou
durante um ano a imprensa com denúncias contra o governador Fernando Pimentel,
tomando por base apenas uma delação permanentemente requentada. Como dois e
dois são quatro, nos próximos dias serão levantadas supostas ligações do
acusado com organizações de esquerda.
3. O Facebook do agressor, com postagens recentes contra
Bolsonaro. E sua insistência em explicar a agressão pelo seu perfil no
Facebook. É como se as postagens tivessem sido colocadas apenas como álibi para
o ataque.
4. As declarações iniciais do filho de Bolsonaro, de que os
ferimentos foram superficiais, porque o pai estava protegido por coletes.
Por enquanto, são apenas indícios, mas que merecem ser
aprofundados.
Cena 4 – o que seria um
governo Bolsonaro
Não é preciso nenhum talento especial para imaginar o que
seria um futuro governo Bolsonaro.
Nele, haveria a reconstrução do pacto de 1964 – Forças
Armadas, sistema Globo, arrastando consigo o Partido do Judiciário e Partido do
Ministério Público-Lava Jato. O fator de união será o combate ao inimigo-comum.
O país será cada mais dividido entre o Tico “do bem” e o Teco “do mal”, como
Luis Roberto “só faço o bem” Barroso, e a Globonews “só defendo o bem contra o
mal”.
Ao primeiro sinal de impasse com o Congresso, a estratégia
óbvia já está montada. A Globo criará midiaticamente o clima de caos, como fez
em vários momentos com Brizola – superestimando arrastões de praia – ou na
própria campanha do impeachment. E esse clima servirá de álibi para a
presidência invocar a Lei de Segurança Nacional e convocar as Forças Armadas.
Quem os enfrentaria? O Supremo Tribunal Federal? A Procuradora Geral da
República? O Congresso?
Chegou-se a esse estágio de barbárie justamente devido à
falta de coragem dos poderes em relação a um movimento ainda com face
indeterminada. São esses valentes que enfrentarão o poder armado?
É sintomático a descrição do G1 sobre o momento mais tenso da
entrevista, quando Mourão trata o coronel Brilhante Ustra como herói militar:
"Meus heróis não morreram de overdose, e Carlos Alberto
Brilhante Ustra foi meu comandante quando era tenente em São Leopoldo. Um homem
de coragem, um homem de determinação e que me ensinou muita coisa. Tem gente
que gosta de Carlos Marighella, um assassino, terrorista. Houve uma guerra [no
regime militar]. Excessos foram cometidos? Excessos foram cometidos. Heróis
matam". Diante da resposta, houve silêncio dos jornalistas”.
A partir dali, submissão total ao entrevistado, mesmo estando
na banca um ex-guerrilheiro, Fernando Gabeira, e uma ex-torturada, Mirian
Leitão. Nem a menção a Ustra alterou os olhares apaixonados de Gabeira às
declarações de Mourão, e as declarações amistosas de Mourão em direção a
Gabeira.
Dentro da “legalidade”, haverá liberdade total de retaliação
dos procuradores ligados ao MBL e da Polícia Federal contra os recalcitrantes,
incluindo até colegas – fenômeno que já ocorre hoje em dia, em todos os níveis,
ante o silêncio dos grupos de mídia.
Se terá o ápice da ditadura legalizada, com os jovens turcos
tendo o respaldo oficial das Forças Armadas. Fora da “legalidade”, a
participação ativa de grupos paramilitares, estimulados pela caça aos inimigos.
Cena 5 – civilização x
barbárie
Para combater a radicalização, a estratégia de Haddad deverá
ser em duas frentes. Externamente, a de continuar propondo o diálogo, de se
mostrar a alternativa civilizatória contra a barbárie e, cada vez mais,
disputar o centro racional. Internamente, isolar os provocadores.
É tradição dos grupos de direita recorrer aos agentes
infiltrados - utilizado não apenas em 1964, mas nas manifestações contra a
globalização em Seattle. Os Cabos Anselmos visam não apenas construir álibis
para a repressão, mas, ao mesmo tempo, atrapalhar as tentativas de criação de
consenso contra a radicalização.
Será uma batalha épica em que estará em jogo o futuro do
país. Esse será o maior estímulo à resistência democrática até 7 de outubro,
quando ocorrem as eleições do primeiro turno, e 28 de outubro, quando se vota
no segundo turno.
GGN