(Foto: José
Cruz/Agência Brasil)
É incrível
que, diante das terríveis crises superpostas que vivemos, das quais sairemos
somente através do exercício de nossos direitos democráticos, as instituições
se mobilizem para remover esses mesmos direitos, únicos instrumentos que temos
para superar as crises.
O julgamento
no TSE é isso: uma odiosa farsa que visa ocultar o cadáver do golpe, ou seja,
tirar da sala o corpo putrefato da democracia assassinada pelo impeachment.
O
ministro-relator Herman Benjamin aparentemente se ofereceu, de várias maneiras,
à corrupção do sistema: os jornalões cansaram de publicar matérias que eram,
por si mesmas, propostas descaradas de comprar seu voto. Diziam, as matérias,
que o sonho de Benjamin era ser indicado para o STF, e que o governo Temer
poderia lhe acenar com essa possibilidade, caso ele votasse de acordo com a
vontade do Planalto, a saber, condenando Dilma e liberando Temer. E Benjamin não
foi o único alvo desse leilão de votos feito à luz do dia. Vários outros
ministros, sobre os quais pairavam dúvidas sobre seus votos, receberam
propostas similares.
Eu digo que
o ministro “se ofereceu” porque essas matérias, profundamente ofensivas à moral
de um juiz, jamais foram rechaçadas peremptoriamente por ele.
A Folha, o
operador mais cínico e mais ardiloso do golpe, expôs a sexualidade do ministro
Benjamin no título de um artigo, só para deixar bem claro do que seria capaz de
fazer, caso o ministro ousasse fugir ao script determinado pelos barões da
mídia.
Mas era tão
evidente que o governo não iria cumprir a sua promessa, principalmente pelo
fato do governo Temer mal se sustentar no cargo, sem condições de indicar mais
nenhum ministro (mas também porque, se for indicar alguém ao STF, deverá
leiloar esse cargo por preço altíssimo), que Benjamin desistiu de aceitá-la e
optou por uma outra saída, igualmente oferecida pelo apparatchik golpista:
transformar o julgamento de cassação num palco para criminalizar a campanha de
Dilma Rousseff.
O julgamento
no TSE não apenas é uma farsa: é uma agressão frontal à democracia. Os
eleitores têm direito a uma breve defesa de seu próprio voto, no início do
processo, através dos advogados da chapa de Dilma. Mas esse momento é
neutralizado pelo tempo igual dado à chapa acusadora, de Aécio Neves, cujos
advogados utilizaram o tempo para proferir um discurso extemporaneamente
político, partidário e eleitoreiro. É aterrorizante pensar, a esta altura do
campeonato, que o processo no TSE foi iniciado, pelo candidato derrotado, por
pura pirraça, apenas para “encher o saco do PT”, como ele deixou escapar numa
das gravações.
Mas o
julgamento em si, quando a palavra passa para a corte, que detém a maior parte
do tempo, se torna apenas um debate entre acusadores, e não entre juízes. Os
argumentos dos ministros, manipulados como quem brinca de jogar e equilibrar
várias bolas no ar, não trazem à baila, em nenhum momento, os mais de 140
milhões de votos que se manifestaram em 2014.
Não, Herman
Benjamin subsidia seu voto com teorias estapafúrdias, como a de corrupção
“acumulada”. Ou seja, na falta de provas sobre irregularidades na campanha de
2014, ele menciona corrupção em anos anteriores, que teria sido, segundo ele
(apenas com base em sua conjectura) usada pela chapa na última eleição.
Ora, é o
argumento mais delirante e idiota que alguém poderia usar para cassar uma
campanha, pelo simples motivo de que poderia ser usado para cassar qualquer
campanha eleitoral, em qualquer momento, em qualquer cidade, estado ou país,
sendo, portanto, um argumento profundamente perigoso à democracia.
É um
argumento que inviabiliza o próprio sufrágio universal.
Os outros
argumentos são delações, tabelas, manuscritos, enfim, todo o rol de indícios
inconclusivos, quando não abertamente forjados, que a Lava Jato levou para
dentro do TSE, empurrada pelo movimento iniciado automaticamente pelas
conspirações para derrubar Dilma.
E daí
podemos falar de outro caso igualmente triste, o do ministro Gilmar Mendes,
presidente do Tribunal.
Gilmar era o
maestro desse movimento para levar, para dentro do TSE, todas as manipulações
da Lava Jato. Era ele quem desenterrava o processo contra a chapa de Dilma toda
semana, com vistas a reavivar a crise política, desestabilizar o governo e o
país, e criar uma atmosfera irrespirável, propícia ao golpe.
E agora,
como o golpe, do ponto-de-vista da remoção de Dilma e do PT do governo, foi um
sucesso (embora se revele um fracasso moral cada vez maior), e a oposição
derrotada ocupou, direta ou indiretamente, o Palácio do Planalto, os
ministérios e o comando das estatais, Gilmar Mendes é forçado a dar um cavalo
de pau e se tornar o paladino da estabilidade política. E liderar, com toda a
agressividade que lhe é característica, o movimento para enterrar o processo de
cassação, ou então transformá-lo num Frankstein jurídico, ou seja, cassando
apenas Dilma, mas preservando Temer.
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Reitero a
imagem que usei em outro post: se o TSE cassar Dilma e preservar Temer, terá
feito uma cirurgia às avessas, eliminando o corpo são e deixando no paciente
apenas o tumor.
Enquanto
isso, o Supremo Tribunal Federal assiste a tudo não apenas impassível, mas
quase que zombando dessa incrível paciência do povo brasileiro (que não é
paciência, na verdade, apenas uma profunda e dolorosa perplexidade).
O ministro
Luis Roberto Barroso é a expressão maior da hipocrisia, pusilanimidade e
corrupção do Supremo Tribunal Federal (STF). Não é apenas com propina em
dinheiro que se compra um juiz. Às vezes, a melhor maneira de corrompê-lo é
através de sua vaidade.
Um juiz
corrupto não é apenas aquele que aceita propina. Também o que aceita “prêmios”
de grupos de mídia, ou o que se acovarda e se acomoda a uma situação
profundamente injusta, esse também é corrupto.
Em seminário recente, realizado em Brasília, Barroso disse que “é impossível não sentir
vergonha pelo que está acontecendo no Brasil e não podemos desperdiçar a chance
de fazer com que o futuro seja diferente. Nós nos perdemos pelo caminho e
precisamos encontrar um caminho que nos honre como projeto de País e nação”.
A frase de
Barroso apenas seria honesta se ele a dirigisse a si mesmo, ao tribunal do qual
participa e ao judiciário brasileiro, de maneira geral.
Ao não
mencionar o judiciário e a mídia em sua argumentação sobre a “vergonha”,
Barroso se torna um comentarista coxinha de portal de notícias, chamado
vulgarmente de chorume.
Sim,
Barroso, a situação brasileira dá vergonha, mas vergonha também por você. Shame
on you!
Voltando a
questão da justiça eleitoral, estamos vendo, nos últimos anos, um empoderamento
excessivo e antidemocrático dos tribunais eleitorais, que vêm cassando
prefeitos, governadores, e mandatos populares de forma geral, com um despudor
impressionante. A grande imprensa, cúmplice do processo da criminalização da
política, não exerce o que deveria ser o seu papel, de problematizar e
questionar o poder do judiciário.
O internauta
deve estar se questionando: então o que você quer, senhor blogueiro? Você quer
preservar o mandato de Michel Temer?
Eu só posso
responder o seguinte: não. Para mim, Temer é um usurpador, um golpista, e
deveria estar preso, por conspiração contra a democracia.
O processo
no TSE, por sua vez, nunca deveria ter existido. É triste ver ministros
discutindo um processo de cassação eleitoral com base em “delações” arrancadas
notoriamente sob tortura, ameaça e chantagem. Não há provas. João Santana e
Monica Moura receberam dinheiro no exterior para campanhas no exterior, de
empresas que tinham negócios e interesses no exterior. A “tabela” da Odebrecht,
hoje isso está bem claro, não era exatamente propina: tinha propina, mas ela
misturava também o dinheiro reservado para caixa 1. Não traz nada de
conclusivo, portanto.
Foi
encontrado algum dinheiro ilegal na campanha de Dilma? Não. Ao contrário, todas
as investigações do TSE na campanha de Dilma jamais encontraram nada de errado.
Politicamente,
o processo é ainda mais absurdo.
As
principais forças do capital, no Brasil e lá fora, haviam se mobilizado contra
Dilma Rousseff. O mercado financeiro do mundo inteiro atuava abertamente contra
Dilma Rousseff. Não era preciso ser especialista para ver isso: toda vez que os
institutos de pesquisa mostravam evolução positiva de Dilma, as bolsas caíam, e
vice-versa. A grande mídia brasileira havia se engajado numa campanha
violentíssima contra a vitória de Dilma Rousseff. A chapa derrotada, de Aécio
Neves, nas primeiras semanas da campanha do segundo turno, começou a pagar
pesquisas mirabolantes que a mostravam à frente de Dilma.
Tudo o que
se pode chamar de “abuso econômico” estava ao lado da chapa de Aécio Neves.
Como é que o
TSE cogita cassar a eleição de 2014 por abuso econômico da… chapa de Dilma
Rousseff?
Por outro
lado, entendo que as pessoas estejam torcendo pela cassação de Michel Temer,
por puro instinto, para infligir algum mal a um governo que consideram
ilegítimo e desonesto, ou por entenderem que ela abriria a possibilidade de
eleições diretas.
Se os
ministros do TSE usassem esses argumentos, aí sim, eu poderia concordar com a
cassação eleitoral da chapa Dilma/Michel Temer. Mas infelizmente não usam. Os
ministros estão comprometidos, até a raiz do cabelo, com o golpe. O que vemos é
uma divisão entre os próprios golpistas, sobre a melhor maneira de levar
adiante o assalto contra a democracia brasileira.
Cafezinho