sábado, 15 de julho de 2017

Roberto Bitencourt da Silva: A trajetória do ex-presidente Lula e os dilemas e desafios do Brasil

Foto Stringer/Reuters

A condenação judicial do ex-presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, representa um novo e grave capítulo do movimento golpista empresarial-midiático-judicial, que destituiu ilegitimamente uma presidente eleita e rasgou a Constituição de 1988.

No momento, as consequências imediatas ao ex-presidente não ultrapassam os limites do aborrecimento e da vexação persecutória. Para o sistema político e demais círculos da institucionalidade brasileira, delineados na transição da ditadura à democracia representativa e normatizados na Carta Constitucional de 1988, os efeitos potenciais beiram a pá de cal.

As atitudes em resposta à arbitrária decisão do Judiciário foram heterogêneas, envolvendo amplíssimo leque de opiniões e predisposições políticas no País. Marcadas tanto por comemorações deliberadas, cínicas e irrefletidas, quanto por gestos de solidariedade a Lula. Em relação aos últimos, manifestações atravessadas por exaltações acríticas, como também por ponderações que não deixavam de lastimar as suas opções políticas.

Nesse sentido, considero que tende a imperar nas avaliações sobre o ex-presidente um misto de satanização, mistificação e ilusão, infrutíferos à compreensão da relevância histórica e política de Lula. Igualmente, tendentes a obscurecer as suas acentuadas limitações.

Em primeiro lugar, vale chamar a atenção para o fato de que a reflexão política e histórica apoiada exclusivamente no comportamento e nas escolhas de um indivíduo tem nula capacidade explicativa. O contexto que enreda o sujeito, sua formação política e suas redes simbólicas e materiais de sociabilidade, tem grande peso na ação individual.

Lula tem quase 40 anos de atividade política exercida no centro da cena nacional. O ex-presidente não deixa de constituir um amálgama de diferentes tempos, lutas sociais, expectativas e cosmovisões políticas brasileiras, também influenciadas pelos distintos panoramas internacionais.

Como líder carismático que é, a trajetória de Lula tem sido caracterizada como a de um depositário de esperanças, anseios e vicissitudes dos seus seguidores. A sua força ou fraqueza, lembraria a teoria sociológica de Max Weber, é, em boa medida, expressão dos atributos e predicados daqueles que investem em Lula a capa do carisma.

Tomando como premissa a feliz expressão utilizada para intitular a cinebiografia do ex-presidente (dirigida por Fábio Barreto), “Lula, o filho do Brasil”, destaco abaixo alguns traços da longa trajetória política de Lula, com vistas a assinalar algumas congruências, características, dilemas e limitações que entrecruza(ra)m o personagem e o País.

1)      Lula entrou no cenário nacional a partir da liderança sindical desempenhada na São Paulo das multinacionais. Um estado que alcançou hegemonia cultural, política e econômica no País, após o golpe de 1964.

2)      Era integrante de uma aristocracia operária. O capital estrangeiro concebido como variável importante para a geração de oportunidades de ascensão social dos trabalhadores. Nenhuma problematização acerca do perfil de atuação dos chamados investimentos externos na economia brasileira. A ditadura promoveu o ambiente ideológico entreguista favorável a tal percepção, precisamente por expurgar os nacionalistas do pré-1964, na seara partidária e nos movimentos sociais.

3)      Esse é um elemento decisivo do DNA político de Lula. Atravessa toda a sua trajetória. O filme de Leon Hirszman (“ABC da greve”, 1979) é muito ilustrativo. Não apenas demonstra a capacidade retórica e política de um tremendo galvanizador de vontades. Expressa também uma veia corporativista, de quem estava integrado ao sistema, na sua margem esquerda, sindical: o resultado das negociações com integrantes da Fiesp e do governo civil-militar foi a elevação dos salários dos metalúrgicos, mas assentada na determinação de reduções tributárias às empresas do setor.

4)      Nesse período de abertura, ao mesmo tempo em que Lula encontrava-se submetido à vigilância dos aparatos de poder, possuía espaço na grande imprensa para posicionar-se de maneira messiânica como líder da classe trabalhadora.

5)      Para o regozijo da Fiesp, das multinacionais, da burguesia doméstica e de muitos intelectuais uspianos, motivado por razões diferentes, a grande imprensa igualmente reservava espaço para Lula tecer considerações como a que segue: “A CLT é fruto do fascismo de Getúlio Vargas”. Pouco importava se a longa ditadura, então em erosão, havia sido instalada exatamente para silenciar os herdeiros políticos de Vargas.

6)      Uma teoria sociológica bastante influente, produzida na USP e operacionalizada por meio do uso de uma vaga e controversa categoria interpretativa – o populismo –, contribuiu para a criação da ambiência de ideias que permitiu construir notória legitimidade ao partido nascente de Lula. Denotando claro sabor europeizante, identificava na classe operária industrial o agente portador das mudanças sociais no País. Com efeito, Lula era símbolo maior. Mas, não importava se essa indústria era transplantada de fora. A questão nacional escanteada.

7)      No curso da década de 1980, a CUT e o PT participaram ativamente da organização e da mobilização de amplas frações da classe trabalhadora e da pequena burguesia, na cidade e no campo. Com isso, ofereceram importante contribuição para a reverberação e a introdução de direitos sociais na Constituição de 1988. Seguramente, Lula despontava como voz saliente nesse processo.

8)       Acompanhados de outros setores das esquerdas, especialmente do brizolismo, o PT e Lula deram grande colaboração na feitura de uma Constituição que ao menos buscasse compatibilizar, de maneira contraditória, os interesses e as aspirações dos de cima e de baixo da sociedade brasileira.

9)      Uma democracia enclausurada, nada afeita à participação popular nos processos decisórios, foi o fruto da correlação de forças políticas nesse período. Assegurando alguns direitos coletivos e sociais na carta magna e mantendo a CLT, contudo um pacto desigual e contraditório foi o resultado daquela correlação de forças.

10)   Direta ou indiretamente, em maior ou menor escala, todos os principais partidos políticos eram condicionados àquele ordenamento sistêmico. O PT não escapou à regra, como ficou bastante evidenciado posteriormente, nos anos de lulopragmatismo à frente do governo federal.

11)   O eleitoralismo foi prevalecendo, com a acomodação natural ao sistema político, à pauta midiática e aos contornos econômicos delimitados pela inserção subordinada, periférica e dependente do País na divisão internacional do trabalho.

12)   Especialmente no período de boom das exportações de bens primários – mais ou menos entre 2005 e 2012 –, o ex-presidente Lula foi alçado à posição de líder maior do sistema brasileiro capitalista subalterno e dependente. Expressão máxima, mais avançada, da conciliação de classes sustentada pela Constituição e da operacionalização de frutos econômicos nos marcos da dependência externa.

13)    Com isso, o grande capital nacional e internacional auferiu lucros extraordinários, sendo compatibilizados com a geração de empregos dotados de baixos salários e parca densidade educacional. O capitalismo periférico preservado, mas legitimado com oportunidades crescentes de trabalho assalariado e consumo popular.

14)   A fome, “retrato mais agudo do subdesenvolvimento”, como diria o bom e velho geógrafo Josué de Castro, combatida, entre outros, por intermédio de políticas oficiais de transferência de (pequenos) rendimentos. No interior sistêmico dos principais partidos, sobretudo Lula e o PT poderiam ter essa (tímida, mas importante) sensibilidade social.

15)   Grande respaldo popular de Lula no exterior, em particular na América Latina. Quem acompanhou o noticiário internacional e os posicionamentos de lideranças de nosso subcontinente pôde ter visto. Quem viajou até poucos anos atrás para alguns desses países, presenciou a imagem extremamente positiva de Lula entre nossos coirmãos.

16)   Um fenômeno que não era/é gratuito, em função da abertura da política externa brasileira ao Sul global, adotada por Lula e, um pouco menos, por Dilma, conferindo respaldo e credibilidade às ações de governos progressistas da região.

17)   Mesmo submetido aos parâmetros do capitalismo periférico e subordinado, o lulopragmatismo tentava de maneira “silenciosa” alternativas creditícias e comerciais ao centro capitalista: a participação na formação dos BRICS foi medida ousada, que pode(ria) incidir na correlação de forças internacionais. Especialmente deslocar o peso do FMI e do Banco Mundial enquanto fonte de empréstimos e condicionamentos.

18)   Contudo, não foram levadas a cabo medidas econômicas e políticas internas que dessem sustentação a uma participação mais sólida do Brasil no bloco.

19)   Por conseguinte, a adoção da tática do apassivamento popular, apostando nos mecanismos tão saudados da “governabilidade” possível, isto é, restringindo a participação política das classes trabalhadoras e de estratos da pequena burguesia ao ritual eleitoral, sob o influxo de negociações inter e intraelites.

20)   Nenhum caráter abertamente conflitivo frente ao grande capital nacional e internacional. Em meio à crise econômica derivada do refluxo das exportações, a presidente Dilma (PT) acenava para a agenda dos adversários conservadores, com apoio de Lula. Uma saída melancólica do governo, sem tensionar com a estrutura de poder, sem fazer qualquer apelo às camadas trabalhadoras e medianas. Sem qualquer medida de governo que oferecesse respostas à crise, pela via do atendimento das necessidades populares. Até hoje, aposta em algum milagre por cima, negociado.

Eis alguns traços muito esquemáticos da trajetória entrecruzada de Lula, seu partido e do Brasil das últimas décadas. Lula é um ator político complexo, ambíguo, controverso. Muito distante das costumeiras simplificações reducionistas, das avaliações unilaterais. Talvez consista na expressão mais saliente da solução de compromisso constitucional, hoje violada.

À esquerda do PT, particularmente entre os partidos que nasceram do seu desgarramento, as habituais denúncias de “traição” não convencem. Revelam muito mais as sofridas ilusões depositadas em Lula e no PT, por setores ditos socialistas que se desvincularam do PT. Como também o caráter colonizado, sobretudo eurocêntrico, das esquerdas brasileiras atuais.

Nos quadros de uma nação periférica, subdesenvolvida, convenhamos, um líder nascido da contraditória articulação entre questão social e apoio irrefletido ao capital estrangeiro, desde o início deveria indicar significativas limitações para as esperanças mudancistas. Talvez fosse a consciência política possível durante anos, entre as esquerdas, os movimentos sociais e sindicais. Deve, no entanto, urgentemente, ser superada. É ingenuidade.

Nos termos da tensão mais recente, ou a CLT ou a Fiesp (testa de ferro de multinacionais). Não há conciliação possível. Perdeu a CLT, “fascista”, como antigamente Lula e o petismo afirmavam. O grande capital, que visa o incremento da superexploração do trabalho, agradece.

A ruptura institucional em vigor, com o golpismo galopante, representa aguda guerra de classes imprimida pelas burguesias doméstica e forânea. A visão e a esperança mítica do petismo, em nossos dias, em torno da “salvação” nacional por meio de uma hipotética eleição presidencial de Lula, são componentes, no mínimo, questionáveis e ilusórios.

A habilidade negociadora do ex-presidente de nada serve no atual cenário. Ao menos, não para responder aos desafios da intensificação da dependência, de um neocolonialismo atroz, impostos pela agenda reacionária do bloco golpista.

O Brasil corre o sério risco de desintegração territorial, de alienação absoluta de qualquer laivo de soberania. E as burguesias associadas, de fora e de dentro da Nação, já demonstraram que esse é o seu projeto. A crise capitalista internacional, há alguns anos, em especial exemplificada pela atuação da “polícia” no mundo – os EUA –, responde, como alternativa, à violação sistemática do princípio da autodeterminação dos povos. Soberanias nacionais no Terceiro Mundo agredidas – com recursos hard ou soft –, almejando a expansão dos processos de mercantilização/comoditização. Absolutamente de tudo.

Por outro lado, as frações menores do capital nacional, setores da média e pequena burguesia, que tanto demonizam o ex-presidente, irrefletidamente jogam para escanteio o único líder que, mantendo os contornos do capitalismo periférico, atenderia aos seus interesses. Romper com as amarras do subdesenvolvimento, então, isso seria pedir muito a esses estratos de classe. Ciosos demais em garantir privilégios mesquinhos e portadores de um ultrajante colonialismo mental americanófilo. Servos voluntários do império.

Isso posto, na atualidade, a questão não é saber se Lula é “demônio” ou “salvador”. Não é uma coisa, nem outra. É saber se ele será completamente descartado pelo sistema em um avassalador processo neocolonizador, em que não há espaço para Lula, ou se será reincorporado, via solução de compromisso que mantenha a agenda neoconservadora prevalecente, com pequena atenuação, para resgatar um fiapo de credibilidade ao moribundo sistema político, institucional e econômico em processo de reconfiguração. Para pior.

Nesse caso, tenderia a exercer o papel de uma espécie de Perón dos anos 1970. Sem força, nem energia. Subjugado e rendido integralmente ao sistema. Por isso, entendo que o ex-presidente Lula e o seu partido já cumpriram os seus papeis históricos.

Para o Povo Brasileiro a única saída é organizar-se, formular e repercutir uma agenda antissistêmica, que vá além das linhas do subdesenvolvimento e do capitalismo dependente e periférico. Trata-se de uma luta de média e longa duração.

No momento, como ficou bastante evidente na fácil supressão das conquistas trabalhistas históricas, os agentes da mudança não apareceram. Mesmo a capacidade de resistência popular encontra-se frágil. Anos a fio de amplo apassivamento e desmobilização – sobretudo das centrais sindicais – não são superados em um estalar de dedos.

Ademais, os dilatados e a cada dia crescentes subemprego e desemprego, além de um sistema individualista e neoliberal de crenças, diuturnamente veiculado nos meios de comunicação, têm corroído duas matérias-primas centrais para as esquerdas, os movimentos sociais e a defesa dos interesses nacionais e populares: a solidariedade e a cooperação. Sem elas, não há mudança plausível. A emergência de alternativas e dos sujeitos da mudança irá requerer paciência, organização, mobilização, tempo e, em elevada medida, descolonização mental.

Roberto Bitencourt da Silva – cientista político e historiador.  
GGN

sexta-feira, 14 de julho de 2017

Brenno Tardelli: Muita convicção, nenhuma prova. O Raio-x da sentença de Moro no caso Triplex

O Juiz Federal Sérgio Moro. Foto: Patricia de Melo Moreira / AFP

Nesta quarta-feira (12), foi publicada a sentença do Juiz Federal Sérgio Moro que condenou o ex-presidente Lula a nove anos e seis meses de prisão por corrupção e lavagem de dinheiro, consistentes na acusação de que ele teria recebido um apartamento triplex no Guarujá (SP) como contraprestação de corrupção em contratos firmados entre a Petrobrás e a construtora OAS.

A condenação consagra a tese da acusação, a qual, no entanto, não conseguiu provar documentalmente o registro do imóvel, bem como desprezou a prova de inocência, isto é, a série de garantias de hipoteca e cessão fiduciária que tornavam impossível outro destino do apartamento que não fosse a pura e simples venda. Além disso, a sentença de Moro ignorou mais de 70 testemunhas que negaram a existência do crime. Leia a sentença na íntegra.

Para facilitar a compreensão, o Justificando preparou um raio-x da decisão que tem mais de 200 páginas, bem como contextualizou as afirmações de Moro de acordo com as teses de acusação e defesa, explicando a relevância prática de cada argumento. Confira: 

Preliminares: O Lawfare
Atenção: Se quiser entender questões jurídicas diretamente ligadas à causa, pule para a parte “Teses”, que começa com o debate sobre a super competência.

Nas primeiras páginas, Moro dedica seus argumentos para supostamente refutar a tese de que estaria sendo parcial – tese esta defendida tanto pela defesa, quanto por vários juristas que acompanham o caso – e que ele instrumentalizou seus poderes de juiz e o processo para uma “guerra jurídica” frente ao acusado. O termo entre aspas é uma forma de Moro dizer com outras palavras sobre o lawfare, uma das teses centrais da defesa que trata da utilização da lei e do poder judiciário para perseguição política. 

Vários episódios foram destacados para levantar o lawfare e a consequente suspeição do magistrado, como a (i) divulgação dos áudios entre Lula e Dilma para a Rede Globo, a (ii) determinação de grampo telefônico no escritório de advocacia do ex-presidente, apesar de dois ofícios da Telefônica avisando-o da excentricidade da medida, (iii) a decisão de condução coercitiva do réu que sequer havia sido intimado para depor, (iv) a “entrevista do power point” realizada por Deltan Dallagnol, (v) a “animosidade” entre julgador e a defesa, entre outros.

(i) Sobre o áudio vazado para a Rede Globo, Moro preferiu se justificar com os mesmos argumentos utilizados à época, quando o falecido ministro Teori Zavascki, então no cargo no STF, utilizou um discurso duro para condenar o que o magistrado fez com o sigilo telefônico dos ex-presidentes, expondo-os em rede nacional por uma conversa cujo conteúdo não teve consequência jurídica, mas que foi o suficiente para inflamar as manifestações pelo impeachment na derrocada final do governo Dilma.

Apesar do tom utilizado contra o magistrado, os ministros do STF quando julgaram a conduta de Moro proferiram uma contraditória decisão de devolver para o magistrado todo o processo, inclusive a interceptação tão contestada, para julgamento. Na sentença do Triplex, o magistrado ressalta que o fato da corte ter devolvido o processo a ele eliminaria qualquer alegação por parte da defesa.

Não satisfeito, o magistrado logo após enfrentar as críticas do Supremo em sua sentença, passa novamente a fazer considerações acerca do teor da conversa, reafirmando dessa vez sua convicção desfavorável em relação ao réu e favorável à sua conduta. Em outras palavras, pediu desculpas antes, mas depois justificou o que fez como se certo fosse, pois, nas suas palavras, o Judiciário não poderia ser guardião de “segredos sombrios”: “não deve o Judiciário ser o guardião de segredos sombrios dos Governantes do momento e o levantamento do sigilo era mandatório senão pelo Juízo, então pelo Supremo Tribunal Federal”.

Ao final, Moro escreveu sobre as conversas íntimas divulgadas que expunham a família de Lula. O caso mais notório ocorreu com a divulgação do áudio da ex-primeira dama Marisa Letícia que, em conversa telefônica privada com seu filho, manifestava repúdio aos paneleiros. Após o falecimento da primeira dama, aumentaram as críticas ao juiz em razão da desnecessidade dessa exposição gratuita da intimidade. Para Moro, contudo, “há, é certo, alguns diálogos que parecem banais e eminentemente privados, mas exame cuidadoso revela sua pertinência e relevância com fatos em investigação”.

(ii) Sobre o grampo no escritório de Advocacia Teixeira Martins, a defesa apontou como exemplo prático de lawfare o sistemático grampo nos telefones dos advogados. No caso, uma matéria da revista eletrônica Conjur, em março de 2016, apontava que todo os 25 advogados do Teixeira Martins – banca que advogava para o ex-presidente – foram grampeados no telefone central do escritório. Vale dizer que Roberto Teixeira, sócio do escritório, teve seu telefone pessoal interceptado.

Em sua defesa, Moro afirmou que não sabia que o telefone grampeado era da defesa do ex-presidente e que queria grampear apenas uma empresa de palestras que operaria no mesmo número e que, na sua opinião, tinha ligação com o crime investigado.

Ocorre que logo após a determinação do grampo, a Telefônica oficiou o juízo de Curitiba por duas vezes para alertar sobre gravidade da medida, afinal escritórios de advocacia são protegidos por lei, mas foi ignorada. Para os advogados de Lula, o grampo no escritório e no telefone pessoal do sócio foram parte de um monitoramento das estratégias que seriam utilizadas e configuraram em um grave atentado ao direito de defesa. 

Na sentença Moro afirmou que precisava investigar a empresa de palestras e que não se atentou aos ofícios da Telefônica, que não foram analisados com atenção ante as “centenas de processos complexos” julgados na Vara. Em resposta, a própria Conjur o lembrou de que ele tem uma equipe para julgar os casos e que, por determinação do TRF-4, ele não recebe nenhum outro processo que não seja ligado à operação.

Sobre o telefone pessoal, Moro justificou o grampo no celular do Advogado do Presidente Roberto Teixeira por ele ser, na visão do magistrado, suspeito pelo crime de lavagem de dinheiro. A última informação apurada pelo Justificando, no mês de junho, era no sentido de que grampo ainda está ativo por decisão judicial e, desde então não há notícia de sua revogação.

(iii) Sobre a condução coercitiva sem que houvesse uma intimação para depor, como evidente prática de lawfare, uma vez que formou-se um grande espetáculo em torno da oitiva de Lula, Moro negou que se tratava de uma perseguição contra o ex-presidente. Na época, o caso teve grande repercussão e críticas ao arbítrio do magistrado.

Em sua defesa, ao argumentar na sentença o juiz afirmou que a questão de levar coercitivamente quem sequer foi intimado é “polêmica” no direito. Ocorre que não se trata de uma polêmica, pois sequer há algum jurista que defenda a legalidade teórica de prática como essa, a não ser o próprio Juiz Federal e a força tarefa do MPF.

Em todo caso, ele justificou que, no contexto específico da Lava Jato, fazia sentido essa determinação, a fim de que agentes policiais não fossem expostos a algum risco. De outro lado, Moro argumentou que o tempo teria lhe dado razão, pois houve uma concentração de militantes no Aeroporto de Congonhas, para onde o ex-presidente foi levado por um grande aparato policial para ser ouvido.

Quanto às argumentações, vale lembrar que Lula já foi ouvido por dezenas de vezes a convite do Poder Judiciário e nenhum episódio foi tão conturbado quanto a oitiva coercitiva e o interrogatório em Curitiba.

(iv) Sobre o famigerado power point, que gerou a denúncia que conseguiu a presente condenação, o magistrado argumentou que tal episódio não representa o “lawfare“, pois, na sua visão, ainda que a linguagem de Deltan Dallagnol e seu Power Point fossem criticáveis, tal fato não teria efeito prático para a ação penal, onde o que importaria seriam, em tese, as peças processuais produzidas.

O debate gira em torno do dia em que Deltan convocou toda a grande imprensa para, em rede nacional, fazer uma apresentação de slides de power point com uma série de adjetivações a Lula. “Ainda que eventualmente se possa entender que a entrevista não foi, na forma, apropriada, parece distante de caracterizar uma “guerra jurídica” contra o ex-Presidente”, afirmou o magistrado. 

Embora Moro tenha argumentado que a conduta do Procurador não influiu na ação penal, vale dizer que Deltan Dallagnol foi o Procurador responsável por acusar Lula até o fim do processo e já anunciou que vai recorrer da decisão para aumentar a pena.
v) Sobre a animosidade do Juízo frente aos advogados Moro aproveitou sua sentença para reclamar do comportamento da defesa. Na sua visão, foi uma comportamento rude: “este julgador sempre tratou os defensores com urbanidade, ainda que não tivesse reciprocidade” – queixou-se. Entretanto, as audiências mostraram o contrário, uma vez que raros foram os momentos nos quais a participação da defesa foi bem vinda, como ficaram nítidos em episódios marcantes, como quando ele debochou do ex-presidente nacional da OAB José Roberto Batochio para que ele fizesse concurso para juiz. 

Mas o mais rumoroso caso gira em torno da intervenção do advogado e assistente de acusação da Petrobrás René Ariel Dotti quando ele cassou, aos berros, a palavra da defesa que debatia com Moro sobre uma pergunta feita a Lula. Para o magistrado, a censura foi ótima, como pode ser lido na referência feita ao “renomado e veterano advogado criminal René Ariel Dotti“. No meio jurídico, no entanto, o cenário foi outro: diversos criminalistas de renome fizeram um desagravo para os advogados Cristiano Zanin Martins, Valeska Teixeira Martins e Fernando Fernandes, bem como foi publicado artigo do criminalista de renome mundial Juarez Cirino dos Santosem tom crítico às condutas de Moro e René.

Ao final desse trecho da sentença, Moro vangloriou-se de ter sido sereno, pois, na sua opinião, ele poderia se quisesse tomado “providências mais enérgicas”: “poderia o Juízo ter tomado providências mais enérgicas em relação a esse comportamento processual inadequado, mas optou, para evitar questões paralelas desnecessárias, prosseguir com o feito” – afirmou contra as alegações de lawfare.
Teses – 1. Competência da Ação
A supercompetência da Lava Jato é um tema técnico que lida com questões processuais penais de conexão e suscita críticas desde os primórdios da Operação e que ainda vai render muito debate. Resumindo o debate: diversos juristas contestam o tamanho da abrangência da competência de Moro, que julga processos de todo o país e os mais variados contextos de acusação de corrupção. O STF, ao julgar essa questão, afirmou que Moro somente pode julgar corrupção que tenha relação com a Petrobrás. Por isso, quando a força tarefa quer atrair um processo para Curitiba, eles reforçam a tese da super competência para lidar com o “maior esquema de corrupção da história”. Na visão da acusação e do juízo, ainda que a corrupção não tenha relação direta com a Petrobrás, presume-se muitas vezes essa conexão dado o suposto vasto tamanho da Operação e o fato de que o dinheiro, bem sobre o qual ela estaria montada, é fungível e de difícil rastreamento.

A questão foi evidentemente atacada pelos advogados do ex-presidente, uma vez que a relação na visão acusatória é entre Lula e Léo Pinheiro, da OAS, não havendo Petrobrás para justificar a ida do caso a Curitiba. No caso, o imóvel do Triplex é anterior à Lava Jato. Marisa firmou um carnê no sindicato dos bancários para pagamento de cota de um apartamento junto à Bancoop – cooperativa da categoria.

A Bancoop não teve fôlego para pagar e, em 2009, o imóvel foi passado à OAS. Nesse momento os moradores poderiam resgatar o valor que pagaram nas mensalidades ou continuar pagando mensalidade para aquisição do apartamento. Marisa e tantos outros não se pronunciaram e ficaram com o crédito do valor pago até então – por volta de R$ 200 mil (em 2015, ela ingressou no Judiciário para reaver o o dinheiro pago via Bancoop).

Anos se passam até que três promotores em São Paulo – que ficariam mais tarde conhecidos pelo pedido de prisão com base em Marx e Hegel – acusaram Lula e Marisa de ocultarem o imóvel que teriam recebido junto à Bancoop como produto de lavagem de dinheiro (a acusação, contudo, não apresenta registro do apartamento em nome de Lula ou de Marisa). 

De outro lado, ávidos para entrarem no caso, os Procuradores da força tarefa repudiaram a ação dos promotores paulistas. Para atrair a competência a Curitiba e tirar o processo da competência de São Paulo, o MPF teve que ligar o Triplex à Petrobrás e para isso utilizou a narrativa do “maior esquema de corrupção no mundo” – tese praticamente “copia e cola” em todos os casos que eles, procuradores da Lava Jato, puxam para acusar. Essa tese e essa prática contam com a anuência e entusiasmo do Juiz Federal.

Logo, pela nova história da acusação e do juiz, o Edifício foi transferido pelo Bancoop à OAS e esta teria dado um imóvel mais caro e feito reformas para o ex-presidente como forma de corrupção. De início, há a contradição entre histórias conflitantes.

“Ou você diz que a Bancoop deu a Lula o tríplex antes de 2009, ou você diz que a OAS deu a Lula o tríplex depois disso. Inferir as duas coisas ao mesmo tempo não faz o menor sentido”, questiona o Advogado Márcio Paixão.

Outro ponto levantado na questão da competência é que a tese de “maior esquema de corrupção no mundo” ainda não foi julgada no Supremo Tribunal Federal e a ratificação de que Lula estaria envolvido nisso, ainda que em tese, depende ainda dessa análise, para ser afirmada em sentença penal. A defesa pediu para que o processo do Triplex fosse adiado até que fosse julgado esse inquérito no Supremo que apura esse suposto esquema, mas o pedido foi indeferido.

2. Delações Premiadas, ou quase
Outro ponto que Moro discutiu por diversas páginas em sua sentença diz respeito às delações premiadas. O Justificando já apresentou uma série de críticas que esse instituto recentemente importado para o Brasil traz ao processo penal, tais como a voluntariedade do delator em falar o que o acusador/juiz querem ouvir, como também a prática reiterada de “prende para delatar” e “solta porque delatou”, dentre outras questões que são recorrentemente tratadas. Moro cuidou de defender seu ponto de vista pela legalidade e valor das delações, algo fundamental neste caso para condenar Lula, uma vez que a acusação e a sentença estão amparadas quase que exclusivamente nas palavras de Léo Pinheiro, dono da OAS, e de outros delatores.

Protagonista da principal prova testemunhal, Léo Pinheiro negociou delação por duas vezes. A primeira delação, na qual ele inocentava Lula, foi cancelada pelo Procurador da República Rodrigo Janot, pois, segundo a narrativa oficial do MPF, a Revista Veja vazou o conteúdo da delação que apontava para o ministro do STF Dias Toffoli (até então, vazamento de delações não era considerado uma nulidade, sendo admitido em inúmeras circunstâncias anteriores). 

Em seguida, após ter a primeira delação cancelada, Léo Pinheiro é preso por decisão de Sérgio Moro e depõe no caso do Triplex, quando então ele troca de advogado, muda a versão, acusa Lula – que ele havia primeiramente inocentado – e se torna a grande peça para acusação. Para evitar esses questionamentos, argumentos de Moro em favor da delação premiada permeiam toda a sentença.

Um detalhe importante é que a delação premiada de Léo Pinheiro sequer foi homologada, mas teve o maior destaque para condenação, ocupando dezenas de páginas na sentença. Ao final, mesmo sem acordo homologado com o Ministério Público, Moro o reconhece como delator, transformando seu depoimento como réu no primeiro acordo de delação premiada informal da história.

3. Propriedade do Apartamento – 5 parágrafos para a tese de defesa
“Essa é a questão crucial neste processo”, afirma o próprio Sérgio Moro na sentença. A questão é justamente de quem é o apartamento no Guarujá – pois afinal, se Lula está sendo acusado de ter recebido um imóvel em troca de corrupção, o lógico seria que, pelo menos, o imóvel fosse dele ou que a OAS podia dele dispor para entregá-lo a alguém.

Ocorre que no imóvel não tem nem uma coisa, nem outra. O registro do apartamento está em nome da OAS e o imóvel está hipotecado para um fundo da Caixa Econômica Federal, banco público que emprestou dinheiro para a construtora, mas exigiu uma série de garantias, dentre eles o Condomínio Solaris e tantos outros.

Soma-se a isso o próprio processo de recuperação judicial da Construtora. Em casos como esse existe uma lista de credores que decide em assembleia o destino dos imóveis da empresa em recuperação judicial. Em outras palavras: (i) o imóvel não está no nome de Lula, (ii) a OAS não pode dispor dele para outra finalidade que não seja a venda e, mesmo se pudesse, ainda assim (iii) a operação de venda ou entrega teria que ser aprovada em assembleia de credores.

Em cinco parágrafos, Moro, contudo, desconsiderou toda a documentação, pois “isso não é suficiente para a solução do caso”.

Em contrapartida, ele dedica incontáveis páginas na sentença para valoração de papéis que não indicam compra, propriedade, posse, ou qualquer coisa que seja. Um dos exemplos levantados foi o documento de “proposta de adesão sujeita à aprovação”, não assinada por Lula, no valor de R$ 200 mil, como se fosse uma intenção de adquirir o imóvel. Nesse documento, há uma rasura escrita “TRIPLEX”. Essa seria a prova documental. Como apontam inúmeros criminalistas, não é possível ignorar toda a documentação de garantia e propriedade do imóvel para canalizar a condenação com base em um documento que não tem qualquer valor de propriedade, muito menos está assinado e, não bastasse, é uma rasura.

Além disso, Moro argumentou que Marisa não reviu o dinheiro investido no carnê do Bancoop, quando tiveram opção de resgatar dinheiro ou continuar contribuindo, e que tal apartamento nunca esteve à venda, pois estava reservado ao casal. A narrativa que torna Marisa e Lula proprietários do Triplex também se vale de uma matéria do jornal O Globo que afirmou que em 2010 o Triplex pertencia a Lula. A matéria, contudo, além de se equivocar quanto à propriedade quando diz que Lula é proprietário sem que haja o registro do imóvel, comete um erro crasso ao dizer que Lula declarou o imóvel em nome de Marisa, quando na verdade ele declarou o valor recolhido na cota junto ao Bancoop. Entretanto, apesar de erros identificáveis com facilidade, Moro cita essa matéria para fundamentar a condenação em nove passagens, tratando como se prova documental fosse.

O magistrado descreveu a série de reformas que a OAS fez no imóvel e uma conversa entre Léo Pinheiro e Paulo Gordilho, Diretor de Engenharia e Técnica da OAS Empreendimentos, onde eles tratavam do chefe [que seria Lula], da madame [que seria Marisa] e Fábio, filho do casal. Na conversa, Paulo disse a Léo que o imóvel estava pronto para eles visitarem e Léo Pinheiro foi avisado sobre reformas feitas para agradarem o ex-presidente, para que ele, então, ficasse com o apartamento. O que ficou claro pelos depoimentos é que Léo Pinheiro de fato pretendia que Lula ficasse com o imóvel e até tentou adaptá-lo para servi-lo melhor, mas não ficou comprovado a compra, o usufruto ou a entrega do bem.

Nas audiências, Lula afirmou que chegou a visitar o imóvel uma única vez, mas decidiu não comprá-lo, apesar da intenção da construtora. Marisa visitou outra vez o apartamento e também nunca mais voltou.

A questão jurídica, como aponta o criminalista Fernando Hideo Lacerda, não permite que o juiz conclua que Lula tem esse imóvel. O especialista explica que Moro sustentou que Lula e Marisa eram “Proprietários de Fato”, isto é, que eles receberam um imóvel por corrupção de forma oculta. Ocorre que a propriedade é determinada no Código Civil pelo registro do imóvel e, fora isso, o ordenamento também prevê a posse, que também não cabe, já que ele foi ao imóvel apenas uma vez e nunca mais voltou.

4. Tese de corrupção
O tipo penal da corrupção dispõe a conduta como “solicitar ou receber, para si ou para outrem, direta ou indiretamente, ainda que fora da função ou antes de assumi-la, mas em razão dela, vantagem indevida, ou aceitar promessa de tal vantagem”. Como explica o criminalista Fernando Hideo, é necessária a aceitação da promessa ou efetivo recebimento da vantagem indevida e a contrapartida do funcionário público. Moro sustenta que o ex-presidente foi condenado “pelo recebimento de vantagem indevida do Grupo OAS em decorrência do contrato do Consórcio CONEST/RNEST com a Petrobrás”.

Entretanto, explica o criminalista: “o pressuposto mínimo para essa condenação seria a comprovação (a) do recebimento da vantagem (a tal “propriedade de fato” do apartamento); e (b) da contrapartida sobre o contrato do Consórcio CONEST / RNEST com a Petrobrás”. 

Moro não argumenta sobre nada disso. Aliás, para escapar desse beco sem saída, o magistrado afirmou que “basta para a configuração que os pagamentos sejam realizadas em razão do cargo ainda que em troca de atos de ofício indeterminados, a serem praticados assim que as oportunidades apareçam” – escreveu na sentença, como lembrado por Lacerda.

Em seguida, na sentença, o magistrado reconhece que não comprova o ato de corrupção: “Na jurisprudência brasileira, a questão é ainda objeto de debates, mas os julgados mais recentes inclinam-se no sentido de que a configuração do crime de corrupção não depende da prática do ato de ofício e que não há necessidade de uma determinação precisa dele”.

O Criminalista Márcio Paixão também aponta uma série de questões que Moro não responde e que impedem a condenação pelo crime de corrupção: “muito embora se esforce bastante, Moro não conseguiu esclarecer, em nenhum momento:

(i) a data em que Lula teria recebido o tríplex, dito algo como “é meu, muito obrigado”;

(ii) o local em que Lula estava quando recebeu o tríplex;

(iii) as circunstâncias em que Lula recebeu o tríplex.

As primeiras duas informações são hiper relevantes – a primeira vai estabelecer o marco inicial da prescrição, a segunda vai estabelecer qual juiz é competente para julgar o caso (competência territorial). O que há na sentença é algo como Lula recebeu esse tríplex em algum momento, em algum local, em circunstâncias desconhecidas'”.

Vale lembrar que o Direito Penal é regido por princípios jurídicos, dentre os quais o da taxatividade, que impede que o magistrado aplique a lei para condenar ampliando a interpretação do texto do tipo penal. Em outras palavras, não há base jurídica para condenação por corrupção sem um ato comprovado que tenha beneficiado a OAS, como também não é possível condenar sem que exista a vantagem indevida.

5. Tese de Lavagem de dinheiro
De acordo a acusação e o juiz, a lavagem de dinheiro consiste na “ocultação e dissimulação da titularidade do apartamento 164-A, triplex, e do beneficiário das reformas realizadas”. Ou seja, Lula teria recebido o apartamento como decorrência de corrupção, o fato de não estar no nome dele seria ocultação do apartamento e consequente lavagem. Como explica Lacerda, é “juridicamente ridículo” sustentar isso, já que a lavagem pressupõe transformar um dinheiro sujo em limpo para reintrodução do bem no mercado.

Pela ótica da acusação, não houve incorporação do patrimônio aos bens de Lula. Logo, sequer em tese há a lavagem ou limpeza do bem. Para Lacerda, a ocultação defendida pela retórica acusatória faz parte da conduta de corrupção e que não faria sentido lógico em se conceber a lavagem para algo que permanece oculto.

“Lavagem é dar aparência de licitude a um capital ilícito com objetivo de reintroduzir um dinheiro sujo no mercado. Isso é “esquentar o dinheiro”. Exemplo clássico: o cara monta um posto de gasolina ou pizzaria e nem se preocupa com lucro, só joga dinheiro sujo ali e esquenta a grana como se fosse lucro do negócio” – explica o criminalista.

6. Penas

(i) Léo Pinheiro
“Questões novas demandam soluções novas”. Dessa forma Sérgio Moro conseguiu o feito de unir todas as penas de Léo Pinheiro, que foi condenado em outra ação penal, totalizadas em mais de 30 anos, para determinar que ele cumpra apenas dois anos e seis meses de reclusão no regime fechado. Léo Pinheiro recebeu o tratamento privilegiado concedido a delatores, embora ele não tenha homologado seu acordo de delação no processo do Triplex.

“O problema maior em reconhecer a colaboração é a falta de acordo de colaboração com o MPF. A celebração de um acordo de colaboração envolve um aspecto discricionário que compete ao MPF, pois não serve à persecução realizar acordos com todos os envolvidos no crime, o que seria sinônimo de impunidade”, afirmou Sérgio Moro na sentença. Para ele, no entanto, esse problema poderia ser resolvido com uma solução inédita de estabelecer que Léo Pinheiro no máximo dois anos e meio, considerando a condenação por outro processo que não estava em julgamento.

(ii) Lula
Considerando a culpabilidade extrema, Moro elevou as penas base para nos crimes de lavagem e de corrupção para chegar a 9 anos e 6 meses de prisão em regime inicial fechado, além do pagamento de multa Um detalhe curioso é a determinação do sequestro do Triplex da OAS, que lista o imóvel na lista de credores na recuperação judicial, bem como da Caixa, que tem as garantias sobre o imóvel. Ou seja, além do apartamento não ser de propriedade de Lula, tanto o banco público, como também os credores da recuperação judicial da OAS tiveram diminuição patrimonial e não poderão mais contar com o imóvel, em que pesem dívidas e acordos celebrados em torno do bem.

Moro, ao final, mostra sua benevolência ao dizer que “até caberia cogitar a decretação da prisão preventiva do ex-Presidente Luiz Inácio Lula da Silva”, mas que a “prudência recomenda que se aguarde o julgamento pela Corte de Apelação antes de se extrair as consequências próprias da condenação”.

Do Justificando

Xadrez do início de uma nova campanha histórica, Nassif

Peça 1 – o julgamento de Lula

O ponto central da acusação de Sérgio Moro contra Lula é relativamente simples (mencionei acusação de Sérgio Moro devido ao fato de ele ter se comportado como acusador, não como juiz).

Tese 1 - Lula ganhou um apartamento (ou a reforma dele) da OAS.

Tese 2 – Houve uma contrapartida em vantagens para a OAS.

Tese 3 – Como o apartamento não está em nome de Lula, mas da OAS, então se tem um caso de lavagem de apartamento ops, de dinheiro.

Tese 1 - Sobre o presente da OAS a Lula

quinta-feira, 13 de julho de 2017

Condenação sem prova é característica de Estados de exceção, afirmam Advogados pela Democracia

Foto: Ricardo Stuckert

Por meio de nota, os Advogados e Advogadas pela Democracia, Justiça e Cidadania (ADJC) repudiaram a sentença que condenou o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva a nove anos e meio de prisão, afirmando que ela é mais um episódio de perseguição política que utiliza o Poder Judiciário como instrumento de lawfare.

Os advogados apontam que a condenação é "baseada em juízo de convicção, porém sem provas", algo que é característico de Estados de Exceção.

"O único propósito da sentença condenatório é criar um fato que impeça a candidatura de Lula em 2018, e dar munição à midía golpista para tentar desgastar a imagem desta destacada liderança popular", diz a nota. A entidade também ressalta que a sentença se soma a outros atentados aos direitos do cidadão, como a aprovação da reforma trabalhista. "A comunidade jurídica progressista não aceita essa condenação, que fere princípios fundamentais do Direito e do processo penal", afirmam.

Leia a íntegra da nota abaixo:
GGN

Cíntia Alves do GGN: Descarte de provas e supervalorização de delatores é em suma a sentença do triplex

Com acusação ligeiramente descaracterizada, recheada de delações sem provas e com documentos que convém ao viés explanacionista defendido por Deltan Dallagnol, Moro condenou Lula a 9 anos de prisão no caso triplex.
Foto: Filipe Araújo/Fotos Públicas

Quem acompanha o processo há algum tempo e leu a sentença de 218 páginas que Sergio Moro proferiu contra Lula no caso triplex, na quarta (12), pode ter ficado com a ligeira impressão de que o juiz estava com o documento parcialmente pronto desde março passado, quando Lula prestou depoimento em Curitiba e negou a posse ou interesse em fechar a compra do imóvel da OAS.

Isso porque a espinha dorsal da decisão de Moro nada mais é do que o conjunto de provas indiciárias que o Ministério Público Federal fabricou durante a investigação. Essas provas foram sintetizadas por Moro em 15 tópicos e o GGN os reproduziu aqui

As mais de 5 horas do depoimento de Lula foram reduzidas a trechos selecionados a dedo por Moro, para valorizar os indícios levantados pela acusação e transformar a defesa em algo inconsistente. E as provas que chegaram na reta final do processo - como as que relacionam o triplex à Caixa Econômica Federal - receberam atenção mínima, ao passo em que delações e depoimentos sem prova documental correspondente foram supervalorizados.    

Já no início da sentença, ao analisar as provas indiciárias (que incluem matéria de jornal, documentos rasurados e sem assinatura, cuja validade foi questionada por Lula), Moro deixa claro que nunca foi importante saber a quem o triplex pertence no papel e, por isso, todas as provas produzidas nesse sentido foram desprezadas.

"Afinal, nem a configuração do crime de corrupção, que se satisfaz com a solicitação ou a aceitação da vantagem indevida pelo agente público, nem a caracterização do crime de lavagem, que pressupõe estratagemas de ocultação e dissimulação, exigiriam para sua consumação a transferência formal da propriedade do Grupo OAS para o ex-presidente."

No mérito, é notável o esforço do juiz para enquadrar Lula como evasivo, contraditório e até mentiroso em sua defesa pessoal, além de taxar provas que poderiam contar em favor do ex-presidente como "fraudulentas" ou sem crédito.

Moro não se furtou em armar um ringue e narrar uma disputa entre o Lula que depôs à Polícia Federal e o Lula presente ao Juízo. O que o ex-presidente disse em Curitiba foi comparado ao que foi afirmando na condução coercitiva, com o intuito úncio de expôr eventuais incongruências. O magistrado desacreditou Lula principalmente sobre ele ter desistido de comprar o imóvel após visitá-lo, em fevereiro de 2014, e sobre a oferta e o conhecimento acerca das reformas.

"A única explicação disponível para as inconsistências e a ausência de esclarecimentos concretos é que, infelizmente, o ex-presidente faltou com a verdade dos fatos em seus depoimentos acerca do apartamento 164-A, triplex, no Guarujá", justificou.

O DESCARTE E O NÃO-ACONTECIMENTO COMO PROVA

Foram especialmente esses elementos - os documentos selecionados pela Lava Jato e as falas de Lula - que fizeram Moro declarar o petista dono do triplex. Era a hipótese mais plausível, em sua visão.

Mas ao construir a condenação, Moro abriu algumas lacunas. Tratou, por exemplo, diálogos que nunca ocorreram como prova que corrobora a acusação. 

É o caso da não existência de qualquer conversa com Lula sobre os custos da obra e da reforma no triplex. 

Moro sequer citou o depoimento de Paulo Okamotto sobre Léo Pinheiro ter sido informado que se Lula fosse comprar o triplex, seria pelo "preço de mercado". Como essa prova oral é incompatível com a versão da Lava Jato, foi sumariamente descartada, e deu lugar à cobrança por um diálogo que Moro acha que deveria ter existido para provar a inocência de Lula.

"Caso a situação do ex-presidente Lula e de Marisa Letícia em relação ao apartamento 164-A, triplex, fosse de potenciais compradores, seria natural que tivesse alguma discussão sobre o preço do apartamento, bem como sobre o valor gasto nas reformas, já que, em uma aquisição usual, teriam eles que arcar com esses preços, descontado apenas o já pago anteriormente.”

O mesmo ocorreu com pelo menos outras duas testemunhas da OAS apontaram ao MPF e ao juiz que Lula era um "potencial comprador" do triplex. Como Lula não perguntou o valor do imóvel a ninguém, Moro entendeu que os depoimentos que o colocar como comprador não tinham fundamento.

"(...) devem ser descartados como falsos, porque inconsistentes com as provas documentais constantes nos autos, os depoimentos no sentido de que o ex-presidente e sua esposa eram meros 'potenciais compradores', bem como os depoimentos no sentido de que teriam desistido de tal aquisição em fevereiro ou agosto de 2014, inclusive os depoimentos, ainda que contraditórios, prestados pelo próprio ex-presidente em Juízo e perante a autoridade policial." 

PSEUDO DELAÇÕES VALEM MAIS

Em paralelo, Moro ainda deu peso maior ao depoimento de Léo Pinheiro, sob a alegação de que ele tinha, mais do que ninguém, condições de revelar os bastidores do caso triplex, já que foi ele quem acertou que o imóvel seria de Lula em conversa com João Vaccari Neto - cuja versão dos fatos, aparentemente, não interessou ao Juízo.

Para Moro, não há nenhuma suspeita no fato de que, na reta final do processo, interessado numa delação premiada, Léo Pinheiro decidiu romper o silêncio e assinar embaixo das acusações do Ministério Público.

Pelo contrário: como ele admitiu um crime (triplex) e negou outro (contrato para armazenamento do acervo presidencial), isso prova que suas "declarações soam críveis".

"Caso sua intenção fosse mentir em Juízo em favor próprio e do ex-presidente Lula, negaria ambos os crimes.  Caso a intenção fosse mentir em Juízo somente para obter benefícios legais, afirmaria os dois crimes. Considerando que a sua narrativa envolvendo o apartamento triplex encontra apoio e corroboração em ampla prova documental, é o caso de igualmente dar-lhe crédito em seu relato sobre o armazenamento do acervo presidencial."

REPAGINANDO A ACUSAÇÃO 

Tão logo formou convicção de que o triplex era de Lula, Moro avançou na denúncia sobre a vantagem indevida ter sido paga a partir de esquema de corrupção na Petrobras.

Embora tenha sido taxado pelo time de Dallagnol de mentor da propinocracia no Brasil, Lula não foi condenado por ter sido ou não "artífice principal do esquema criminoso que vitimou a Petrobras."

"(...) para o julgamento do presente caso, basta verificar se existe prova de sua participação nos crimes de corrupção e lavagem narrados na denúncia, relativos ao três contratos da Petrobrás, e se foi ele beneficiado materialmente com parcela da vantagem indevida."

As provas de que Lula participou da corrupção na estatal são os depoimentos de delatores. Moro destacou dois: Delcídio do Amaral (cuja delação foi criticada por um procurador de Brasília pela falta de provas) e Pedro Corrêa (que, até hoje, não teve o acordo homologado pelo Supremo Tribunal Federal, também sob suspeita de falta de provas).

Além de usar apenas as delações, Moro, de certa forma, reformou a denúncia do MPF.

Os procuradores alegaram que a OAS pagou R$ 87 milhões em propina por conta de 3 contratos com a Petrobras. Com base exclusivamente na delação de Agenor Franklin Magalhães Medeiros, Moro decidiu que a propina ao PT era de R$ 16 milhões e Lula deveria ser condenado a pagar multa em cima desse valor.

Com acusação ligeiramente descaracterizada, recheada de delações sem provas e com documentos que convém à teoria explanacionista, é a sentença.

Os depoimentos colhidos no sentido de que Lula não poderia saber nem participava do esquema na Petrobras, para Moro, foram meramente “abonatórias”. "Sem embargo da qualidade dos depoentes, qualificam-se propriamente como testemunhas pessoas que conhecem os fatos do processo. Tais depoimentos no máximo tangenciam os fatos do processo, já que os depoentes não tinham conhecimento específico deles."

Arquivo
Confira a sentença-lula.pdf

GGN