Com acusação
ligeiramente descaracterizada, recheada de delações sem provas e com documentos
que convém ao viés explanacionista defendido por Deltan Dallagnol, Moro
condenou Lula a 9 anos de prisão no caso triplex.
Foto: Filipe
Araújo/Fotos Públicas
Quem
acompanha o processo há algum tempo e leu a sentença de 218 páginas que Sergio
Moro proferiu contra Lula no caso triplex, na quarta (12), pode ter ficado com
a ligeira impressão de que o juiz estava com o documento parcialmente pronto
desde março passado, quando Lula prestou depoimento em Curitiba e negou a posse
ou interesse em fechar a compra do imóvel da OAS.
Isso porque
a espinha dorsal da decisão de Moro nada mais é do que o conjunto de provas
indiciárias que o Ministério Público Federal fabricou durante a investigação.
Essas provas foram sintetizadas por Moro em 15 tópicos e o GGN os
reproduziu aqui.
As mais de 5
horas do depoimento de Lula foram reduzidas a trechos selecionados a dedo por
Moro, para valorizar os indícios levantados pela acusação e transformar a
defesa em algo inconsistente. E as provas que chegaram na reta final do
processo - como as que relacionam o triplex à Caixa Econômica Federal -
receberam atenção mínima, ao passo em que delações e depoimentos sem prova
documental correspondente foram supervalorizados.
Já no início
da sentença, ao analisar as provas indiciárias (que incluem matéria de jornal,
documentos rasurados e sem assinatura, cuja validade foi questionada por Lula),
Moro deixa claro que nunca foi importante saber a quem o triplex pertence no
papel e, por isso, todas as provas produzidas nesse sentido foram desprezadas.
"Afinal,
nem a configuração do crime de corrupção, que se satisfaz com a solicitação ou
a aceitação da vantagem indevida pelo agente público, nem a caracterização do
crime de lavagem, que pressupõe estratagemas de ocultação e dissimulação,
exigiriam para sua consumação a transferência formal da propriedade do Grupo
OAS para o ex-presidente."
No mérito, é
notável o esforço do juiz para enquadrar Lula como evasivo, contraditório e até
mentiroso em sua defesa pessoal, além de taxar provas que poderiam contar em
favor do ex-presidente como "fraudulentas" ou sem crédito.
Moro não se
furtou em armar um ringue e narrar uma disputa entre o Lula que depôs à Polícia
Federal e o Lula presente ao Juízo. O que o ex-presidente disse em Curitiba foi
comparado ao que foi afirmando na condução coercitiva, com o intuito úncio de
expôr eventuais incongruências. O magistrado desacreditou Lula principalmente
sobre ele ter desistido de comprar o imóvel após visitá-lo, em fevereiro de
2014, e sobre a oferta e o conhecimento acerca das reformas.
"A
única explicação disponível para as inconsistências e a ausência de
esclarecimentos concretos é que, infelizmente, o ex-presidente faltou com a
verdade dos fatos em seus depoimentos acerca do apartamento 164-A, triplex, no
Guarujá", justificou.
O DESCARTE E O NÃO-ACONTECIMENTO COMO
PROVA
Foram
especialmente esses elementos - os documentos selecionados pela Lava Jato e as
falas de Lula - que fizeram Moro declarar o petista dono do triplex. Era a
hipótese mais plausível, em sua visão.
Mas ao
construir a condenação, Moro abriu algumas lacunas. Tratou, por exemplo,
diálogos que nunca ocorreram como prova que corrobora a acusação.
É o caso da
não existência de qualquer conversa com Lula sobre os custos da obra e da
reforma no triplex.
Moro sequer
citou o depoimento de Paulo Okamotto sobre Léo Pinheiro ter sido informado que
se Lula fosse comprar o triplex, seria pelo "preço de mercado". Como
essa prova oral é incompatível com a versão da Lava Jato, foi sumariamente
descartada, e deu lugar à cobrança por um diálogo que Moro acha que deveria ter
existido para provar a inocência de Lula.
"Caso a
situação do ex-presidente Lula e de Marisa Letícia em relação ao apartamento
164-A, triplex, fosse de potenciais compradores, seria natural que tivesse
alguma discussão sobre o preço do apartamento, bem como sobre o valor gasto nas
reformas, já que, em uma aquisição usual, teriam eles que arcar com esses
preços, descontado apenas o já pago anteriormente.”
O mesmo
ocorreu com pelo menos outras duas testemunhas da OAS apontaram ao MPF e ao
juiz que Lula era um "potencial comprador" do triplex. Como Lula não
perguntou o valor do imóvel a ninguém, Moro entendeu que os depoimentos que o
colocar como comprador não tinham fundamento.
"(...)
devem ser descartados como falsos, porque inconsistentes com as provas
documentais constantes nos autos, os depoimentos no sentido de que o
ex-presidente e sua esposa eram meros 'potenciais compradores', bem como os
depoimentos no sentido de que teriam desistido de tal aquisição em fevereiro ou
agosto de 2014, inclusive os depoimentos, ainda que contraditórios, prestados
pelo próprio ex-presidente em Juízo e perante a autoridade
policial."
PSEUDO DELAÇÕES VALEM MAIS
Em paralelo,
Moro ainda deu peso maior ao depoimento de Léo Pinheiro, sob a alegação de que
ele tinha, mais do que ninguém, condições de revelar os bastidores do caso
triplex, já que foi ele quem acertou que o imóvel seria de Lula em conversa com
João Vaccari Neto - cuja versão dos fatos, aparentemente, não interessou ao
Juízo.
Para Moro,
não há nenhuma suspeita no fato de que, na reta final do processo, interessado
numa delação premiada, Léo Pinheiro decidiu romper o silêncio e assinar embaixo
das acusações do Ministério Público.
Pelo
contrário: como ele admitiu um crime (triplex) e negou outro (contrato para
armazenamento do acervo presidencial), isso prova que suas "declarações
soam críveis".
"Caso
sua intenção fosse mentir em Juízo em favor próprio e do ex-presidente Lula,
negaria ambos os crimes. Caso a intenção fosse mentir em Juízo somente
para obter benefícios legais, afirmaria os dois crimes. Considerando que a sua
narrativa envolvendo o apartamento triplex encontra apoio e corroboração em
ampla prova documental, é o caso de igualmente dar-lhe crédito em seu relato
sobre o armazenamento do acervo presidencial."
REPAGINANDO A ACUSAÇÃO
Tão logo
formou convicção de que o triplex era de Lula, Moro avançou na denúncia sobre a
vantagem indevida ter sido paga a partir de esquema de corrupção na Petrobras.
Embora tenha
sido taxado pelo time de Dallagnol de mentor da propinocracia no Brasil, Lula
não foi condenado por ter sido ou não "artífice principal do esquema
criminoso que vitimou a Petrobras."
"(...)
para o julgamento do presente caso, basta verificar se existe prova de sua
participação nos crimes de corrupção e lavagem narrados na denúncia, relativos
ao três contratos da Petrobrás, e se foi ele beneficiado materialmente com
parcela da vantagem indevida."
As provas de
que Lula participou da corrupção na estatal são os depoimentos de delatores.
Moro destacou dois: Delcídio do Amaral (cuja delação foi criticada por um
procurador de Brasília pela falta de provas) e Pedro Corrêa (que, até hoje, não
teve o acordo homologado pelo Supremo Tribunal Federal, também sob suspeita de
falta de provas).
Além de usar
apenas as delações, Moro, de certa forma, reformou a denúncia do MPF.
Os procuradores
alegaram que a OAS pagou R$ 87 milhões em propina por conta de 3 contratos com
a Petrobras. Com base exclusivamente na delação de Agenor Franklin Magalhães
Medeiros, Moro decidiu que a propina ao PT era de R$ 16 milhões e Lula deveria
ser condenado a pagar multa em cima desse valor.
Com acusação
ligeiramente descaracterizada, recheada de delações sem provas e com documentos
que convém à teoria explanacionista, é a sentença.
Os
depoimentos colhidos no sentido de que Lula não poderia saber nem participava
do esquema na Petrobras, para Moro, foram meramente
“abonatórias”. "Sem embargo da qualidade dos depoentes, qualificam-se
propriamente como testemunhas pessoas que conhecem os fatos do processo. Tais
depoimentos no máximo tangenciam os fatos do processo, já que os depoentes não
tinham conhecimento específico deles."
Arquivo
Confira a sentença-lula.pdf
GGN
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