sábado, 21 de outubro de 2017

Não se engane, lava jato não vai acabar com a corrupção, por Fernando Horta

Há um pensamento corrente na sociedade brasileira de que a Lava a Jato poderá “limpar o Brasil”. Claro que alguns usam o termo “limpar” com o sentido de retirar qualquer forma de governo de esquerda e antiliberal da possibilidade de governar novamente o país. Mas há sim uma boa parcela da população brasileira que julga que o que está acontecendo pode ter o condão de transformar a práxis política brasileira e criar um “novo Brasil” daqui para a frente.
Infelizmente, este é um pensamento mágico que não encontra respaldo em qualquer estudo sério sobre corrupção. Punição não é solução para o crime. Armas não conferem a ninguém uma maior segurança. Não se acaba com uma infestação de ratos caçando um por um. Não se acaba com a “corrupção” criando um justiceiro e um estado de exceção.
É preciso que se entenda que as relações sociais são muito mais complexas e profundas do que qualquer um de nós pode imaginar. As sociedades, por exemplo, coíbem o homicídio há mais de 2000 anos e eles continuam a existir. Justificados, apoiados, escondidos, transformados, ignorados, massificados, idolatrados; cometidos por homens, por empresas, por Estados e etc. A punição não é forma de resolver um problema sistêmico ou estrutural, simplesmente porque não há sociedade que consiga oferecer a mesma punição sempre e todas as vezes que o delito ocorre.
Dado que as individualidades são os efetivos tomadores de decisão, o poder coercitivo exercido sobre uma delas (ou uma dezena ou centena) não tem o condão de evitar que qualquer outro volte a incorrer na mesma ação punida. Tanto porque a informação não corre sobre o tecido social de forma homogênea, quanto pelo fato de que cada incurso de um indivíduo contra uma regra socialmente estabelecida é cercado de condições próprias e singulares. E tanto a autoria da ação, quanto as condições em que ela foi feita tornam os delitos singulares. Não importa o quanto o Direito tente estabelecer normas em caráter conceitual para enclausurar determinadas condutas, cada crime é único.
Corrupção é um termo muito difícil de definir. Tanto é que as pesquisas que “medem” corrupção nunca o fazem de forma indutiva, ou seja, determinando e selecionando o ato da “corrupção”. Qualquer índice sobre corrupção é sempre baseado em uma sensação, um sentimento de alguém. Normalmente se pergunta a empresários e agentes públicos para colocarem determinados países em uma lista de “mais corruptos” até “menos corruptos” e ... voilá! Se tem a “corrupção” quantificada. Mas é a corrupção ou o sentimento de uma parcela de agentes sobre ela, e em determinados contextos? Qual a significação real deste dado? Ele é livre de viés político?
É claro que do ponto de vista econômico são diferentes o ato de faltar ao trabalho e apresentar um atestado falso ou o ato de apropriar-se de parte de um sobrevalor contratado para uma empresa vender petróleo para a África. Do ponto de vista conceitual, entretanto, fica muito complicado diferenciar. Os liberais costumam usar uma regra (não dita) que afirma que “não há corrupção entre interesses privados”. Quando uma empresa está tratando com outra e que – supostamente – não há interesse público, qualquer incongruência entre o imaginado, o contratado e o efetivamente realizado fica no campo da incompetência dos agentes de realização e fiscalização contratual. Um assunto “deles”.
É uma forma bastante eficiente de escamotear a corrupção privada e reforçar, por um contorcionismo lógico, a supremacia do privado sobre o público.
A corrupção que interessa para a maioria dos “índices” e pesquisas sobre o tema é aquela que ocorre no âmbito do interesse público. E daí, novamente, temos o problema da Lava a Jato. Se você se propõe a punir apenas uma parte das ações humanas, ainda que semelhantes, em função do resultado delas, não se consegue criar um espaço de reconhecimento social de que esta prática não é aceita. Se você só mata o rato que enxerga, você não está acabando com a infestação. Na realidade, está a tornando ainda mais forte. Para cada rato adulto que você matar, restará comida suficiente para criar muitos filhotes. O resultado, ao contrário do que poderia afirmar o senso comum, são mais ratos.
A verdade é que a corrupção no Brasil tinha criado uma série de defesas, utilizando-se tanto das garantias e imunidades dadas (e necessárias) a agentes públicos, quanto da nossa centenária prática do uso privado das coisas públicas por uma pequena parcela social, normalmente embalada por laços de nascimento ou de clientela política. Um país onde figuras tão mal preparadas como Geddel, Cabral e Maia participavam do “butim” é um país onde a corrupção atingiu nível endêmico e estrutural.
Chego a dizer que não há cidade no país que não haja desvio ou superfaturamento na compra de papel, lápis, merenda, material de limpeza e por aí vai. Não há quartel, ou instituição que passe por um pente fino destes também.
A questão é perguntar se caçando e punindo “por amostragem” pode-se acabar com a corrupção. Não. O que teremos é uma leva de corruptos muito melhor preparados, muito mais capazes em dissimular seus atos e com raízes e defesas muito mais sólidas. O veneno que um rato come não é consumido pelos outros se este primeiro morre. Ainda que disséssemos que a Lava a Jato tem o objetivo de atacar a corrupção (o que não tem) os métodos e a lógica dela são falhos, pensados por pessoas sem conhecimento sobre o problema que pretendem resolver.
Os historiadores dizem que a corrupção na Itália AUMENTOU após a Mani Pulite de lá. O que diminuiu foi o interesse da população na política, sua participação e seu controle. Isto permitiu Silvio Berlusconi como primeiro ministro por quase dez anos. Nos EUA, incapazes de resolver o problema, eles tornaram a coisa legal. Político receber dinheiro conforme defende os interesses de empresas ou segmentos econômicos é algo normal e legal. O lobby é atividade socialmente aceita. Já quando eles tentaram criminalizar práticas sociais baseados (opa!) num moralismo religioso, tiveram aumento da corrupção e da violência. Basta lembrar dos anos da Lei Seca.
Há, pois, inúmeras formas de se lidar com a corrupção. Nenhuma delas, entretanto, propõe racionalmente a punição espalhafatosa como forma de contenção da ação delituosa. Não é espancando em praça pública que se acabam com os ladrões. Não é matando que se acaba com o homicídio. Não é cortando o pênis que evitamos o estupro. Não é armando a população que coibimos a criminalidade.
Preparemo-nos, assim, para uma leva de corruptos cada vez mais preparados e mais inteligentes, com sistemas mais complexos e com relações em ainda mais alto nível no Estado. E, claro, a corrupção vai aumentar bastante seu preço. O resultado da Lava a Jato vai ser a alienação da população para a política (como já acontece), o descrédito da coisa pública como capaz de exercer a função para a qual foi pensada e – o mais perigoso de tudo – uma desconfiança nos processos democráticos.
Sem falar da corrupção moral de juízes e promotores ao se acharem super-heróis ... tornam-se exatamente o que julgam perseguir.
Do GGn

sexta-feira, 20 de outubro de 2017

O criminalista David Teixeira de Azevedo desmascara "estatísticas falsas" de Sergio Moro na GloboNews

O criminalista e professor da USP David Teixeira de Azevedo detonou o modus operandi da Lava Jato de Curitiba, de usar a prisão preventiva e ameaça a familiares para obrigar os investigados a delatar, e chamou de "farsa" as estatísticas propagadas por Sergio Moro para afirmar que suas decisões são majoritariamente confirmadas pela instância superior.
Ao lado da constitucionalista Eloísa Machado, professora de Direito da FGV-SP, David explicou que o motivo da manipulação feita por Moro é muito simples: não há o que o tribunal revisar e rejeitar se os próprios delatores são obrigados, por força do acordo feito com os procuradores de Curitiba, a abrir mão dos recursos.
"Moro diz que as decisões deles foram confirmadas. Os acordos da delação, quando foram fechados, implicavam na desistência de recursos. Ou seja, não eram revistas as decisões dele pelas instâncias superiores. Quer dizer: essa estatística que o Moro faz é uma estatística falsa."
A declaração foi feita por David após Eloísa dizer que é inegável que a Lava Jato usou de medidas cautelares desenfreadamente, para gerar pânico nos investigados e coagí-los a delatar. Ela disse que não é possível dizer que todos os acordos foram feitos dessa maneira, mas seria necessário investigar caso a caso, algo que não tem sido feito.
"Seria muito difícil analisar caso a caso, mas que muita delação de gente em liberdade foi fechada em razão de conversas (e posso citar nomes) com o Ministério Público, que ameçava [o investigado] com o envolvimento criminal da esposa, filhos, pessoas da mesma empresa, mesmo sabendo que não havia envolvimento... isso ocorreu e muito", exclamou o criminalista.
Um dos casos conhecidos é o do ex-diretor da Petrobras Paulo Roberto Costa, que fez um acordo de delação premiada que concedeu imunidade a familiares. Nestor Cerveró é outro modelo.
O segundo processo de Lula nas mãos de Moro, sobre suposta propina da Odebrecht, também guarda mistérios sobre as colaborações dos corréus. Glaucos da Costamarques, por exemplo, tem ajudado o Ministério Público, inclusive mudando seu depoimento para atenuar as acusações. Um relatório da Receita Federal sugere que seus filhos poderiam ter entrado na mira da Lava Jato, por causa de repasses milionários concedido ao engenheiro, por anos seguidos.
 A FRAUDE NAS DELAÇÕES
Os dois professores também lançaram dúvidas sobre a lisura das delações e dos processos criados com a ajuda de vazamentos seletivos à imprensa. Caso do grampo em Dilma e Lula, citado por Eloísa. Para ela, atitudes como esta deveriam colocar todo o processo em risco.
David, por sua vez, disse que a delação de Paulo Roberto Costa e Alberto Youssef não foram consideradas adequadas em Portugal.
"Quanto à lisura das delações, dois constitucionalistas portugueses (José Canotilho e Nuno Brandão), a pedido do governo português, deram um parecer sobre a admissibilidade da delação de Paulo Roberto Costa e Alberto Youssef perante o ordenamento jurídico portugues. A conclusão dos parecer desses dois acadêmicos insuspeitos foi que as delações premiadas de ambos ferem o ordenamento jurídico brasileiro, o ordenamento juridico portugês e a ordem pública portguesa, porque nesses acordos existe absoluta ilegalidade: o Ministério Público no acordo, e o magistrado homologando, criaram legislação própria para a delação, e isso é ilegal."
 VALE TUDO
Após tantas críticas sobre as violações da Lava Jato, a jornalista Mônica Waldvogel, apresentadora do programa na GloboNews, sugeriu em sua questão final que os fins justificariam os meios.
"Três anos e meio de uma operação capaz de atingir pessoas tao poderosas e setores empresariais tão enraizados na economia e cultura brasileiro, certamente teria atropelos no processo. O que interessa para nós agora é saber se valeu a pena atropelar o processo legal em função dos resultados? Valeu a pena tudo isso que foi inventado, inovado com a Lava Jato?", indagou.
Eloisa Machado respondeu: "Nada com violação ao devio processo vale a pena."
David Teixeira acrescentou: "'Para acabar com os carrapatos, vamos matar as vacas'. Lava Jato é uma coisa parecida. Para acabar com a corrupção, sacrifiquemos os direitos e garantias fundamentais. (...) Não hesitemos em condenar com penas altíssimas e assustadoras, descompassadas com a culpa do homem, para, a partir dessas penas, estimular outros a delatar, restringindo qualquer possibilidade de defesa."
GGN

O juiz Moro e a origem de um novo Direito Penal dos espertalhões, por Joaquim de Carvalho

Esta reportagem é a segunda da série financiada através de um crowdfunding feito em parceria entre o Jornal GGN e o DCM.
Como a delação premiada está pervertendo o direito penal no Brasil
A expressão delação premiada está presente no ordenamento jurídico brasileiro desde 2013, quando foi aprovada a lei 12.850, mas o conceito já vinha sendo experimentado desde 1990, com a lei do colarinho branco, que estimulava a confissão com o objetivo de obter vantagens na pena.
Uma das primeiras delações premiadas homologadas por Sergio Moro, de Curitiba, foi em 2004, quando não havia, portanto, legislação específica. 
Acusado de lavar dinheiro da corrupção, da sonegação e até do trafico, com o Fernandinho Beira-Mar entre seus clientes, Alberto Youssef teve a pena reduzida quando entregou ex-comparsas, todos doleiros e lobistas.
O advogado Roberto Bertholdo foi processado em 2005, alvo de outra delação homologada por Sérgio Moro, a do empresário Antônio Celso Garcia, o Toni Garcia, político paranaense, que tinha sido acusado de aplicar um golpe em clientes de um consórcio. 
Roberto Bertholdo, em vez de delatar, reagiu. Grampeou o juiz Moro e o acusou de atropelar a lei na condução dos processos. 
Em 2006, mesmo preso sob acusação de lavar dinheiro e de fazer tráfico de influência, deu entrevista à Band News de Curitiba e à RPC, afiliada da Globo. 
Acusou Moro de agir com arbitrariedade e abuso de autoridade com todos os advogados e de ter concedido imunidade a criminosos com a homologação de acordos de delação.
Roberto Bertholdo citou um caso específico, o do doleiro Alberto Youssef. Segundo ele, a delação de Yousseff havia estabelecido "um monopólio do câmbio no Brasil”.
Ao entregar antigos comparsas, Youssef mandou para a cadeia concorrentes, como Toninho da Barcelona, e continuou operando no mercado. 
Aliás,  segundo Bertholdo, mesmo preso, Youssef não deixou de operar.
Bertholdo menciona “Neuma Cunha”, como uma das operadoras  que uma faziam o trabalho para Youssef fora da cadeia. Em depoimento a Moro, Youssef disse não conhecê-la.
"É só vir ao Cope e verificar que a Neuma vinha visitá-lo semanalmente quando estava preso e era quem operava câmbio para ele. Durante esse período, toda a operação de corrupção de Janene (José Janene, deputado federal) era transformada em dinheiro vivo por Youssef", afirmou.
O tempo mostrou que Bertholdo estava certo. A “Neuma Cunha” citada por ele é Nelma Kodama, que, oito anos depois, seria presa no aeroporto, tentando fugir para o exterior com 200 mil euros escondidos sob a roupa, inclusive na calcinha.
Falamos com Nelma Kodama na semana passada. Ela concordou em dar entrevista. Quando fiz as primeiras perguntas sobre a delação premiada, deixou de responder às mensagens. 
No início, Nelma acreditava que a reportagem seria sobre o estilo de vida dela depois que deixou a prisão.
Muito do que se conhece hoje de Sergio Moro, com seu estilo implacável e a atuação considerada parcial, já foi revelada naquele tempo. 
A Justiça de Curitiba tomou o depoimento dos jornalistas que entrevistaram Bertholdo — Denise Mello pela Band News e Sandro Dal Pícolo, pela afiliada da Globo.
Denise contou tudo, até o que não foi para o ar.
Disse que Bertholdo, na cela, reproduziu em um iPod a gravação de escutas clandestinas que supostamente comprometeriam Moro. Ela tentou gravar o áudio em seu celular, mas a qualidade ficou ruim.
Bertholdo disse que enviaria um CD com cópia de qualidade para a emissora, através da filha, Priscila.
E foi o que fez. 
Uma hora e meia depois, já na rádio, um rapaz o procurou e, dizendo-se namorado de Priscila, e lhe entregou um envelope com um CD.
Mas Denise, depois de conversar com seu chefe, decidiu não publicar os grampos, em razão da forma clandestina como foram feitos.
“Publicamos a entrevista, mas não os áudios da escuta clandestina”, disse Denise.  
A Band News pertence a J. Malucceli, amigo de Moro, mas Denise afirmou que não houve nenhuma interferência dele.
 “Foi uma decisão conjunta minha e do meu chefe na época, o Gladimir Nascimento”.
Na entrevista à Band News e à TV, Bertholdo contou que Moro também fazia escutas ilegais. Segue um trecho do depoimento de Denise:
Durante a entrevista, ele também acusou o juiz Sérgio Moro de fazer escutas ilegais por meio da colaboração de Tony Garcia. Ele disse: 'apesar de uma liminar do Tribunal Regional Federal da 4a Região não permitir essa investigação, o juiz Sérgio Moro investiga, através do Tony Garcia, o senhor Giovani Gionédis. E hoje ele grampeou ninguém mais ninguém menos do que o Presidente do Tribunal de Contas do Paraná, o senhor Heinz George Haven, que foi grampeado pelo Tony Garcia a mando do juiz Sérgio Moro'. E ele completa: 'isso é crime, Sr. Sérgio Moro'. Esse é um dos trechos que ele disse" .
Sandro Dal Picolo, da TV Globo, também prestou depoimento, mas falou menos:
Eu lembro que havia uma crítica ao instituto da delação premiada. Era uma crítica, uma opinião a respeito da delação premiada, criticando que a delação premiada acabava dando algum benefício pra... eu não me lembro se ele falava em imunidade, não lembro se era essa a palavra.
A entrevista de Bertholdo a Denise foi o motivo alegado para a Justiça  Federal autorizar, a pedido do Ministério Público Federal, busca e apreensão na cela de Bertholdo, onde foram apreendidos CDs com áudios.
Os áudios foram o suficiente para o Ministério Público Federal denunciar Bertholdo e a filha pelo crime de escuta clandestina. 
Já a entrevista também serviu de base para outra denuncia contra Bertholdo, pelos crimes de injúria, calúnia e difamação.
Sergio Moro já tinha sido vítima de Bertholdo em outro caso de escuta clandestina. 
Entre dezembro de 2003 e março de 2004, durante a investigação da mega lavanderia de dinheiro que funcionava no Banestado, Moro teve os telefones do gabinete no fórum e da casa grampeados.
Soube disso através de dois delatores, o Toni Garcia e o Sérgio Costa. Já processava Bertholdo, pelo crime de lavagem de dinheiro e de tráfico de influência.
O procedimento normal, nesses casos, é que o juiz se afaste do caso. Mas não foi o que ele fez.
Moro permaneceu à frente da investigação e, a pedido do Ministério Público Federal, ordenou a quebra do sigilo telefônico de Bertholdo e autorizou os dois delatores a gravarem conversas com ele.
Bertholdo negou que os grampos tivessem sido feitos por ele (assumia apenas a tentativa de divulgação) e culpava Alberto Youssef, com quem teve relações no passado. 
Foi até a última instância para reverter a condenação. Um habeas corpus deu entrada no Superior Tribunal de Justiça, relatado pela ministra Laurita Vaz.
Seus advogados diziam que a investigação era imprestável, já que Moro, na condição de vítima, não poderia autorizar medidas contra seu algoz.
"O objetivo único e exclusivo da interceptação decretada pelo Juiz Moro foi devassar a vida daquele que tinha ousado grampeá-lo. Vítima contra acusado…”, escreveu um advogado.
Moro acabou deixando o caso quando o Ministério Público Federal denunciou seu algoz. Mas, no período das investigações, manteve controle total sobre operações, inclusive sobre os grampos dos quais foi alvo e que foram descartados por ele, preservando o sigilo das conversas.
Seu substituto na 2a. Vara (hoje é 13a.) assumiu o caso, o que também é estranho, já que existe ligação funcional entre o juiz titular e o segundo na jurisdição. 
No seu relatório, ao julgar o habeas corpus, a ministra Laurita Vaz recordou como Moro tomou conhecimento de que tinha mesmo sido grampeado. Foi em 25 de agosto de 2005.
 " (...) foram ouvidas as conversas referentes às fitas apreendidas e que constam nos autos, podendo o depoente (Sergio Moro) reconhecer sua própria voz e diálogos mantidos com o Delegado de Polícia Federal Paulo Roberto Falcão, com o Procurador da República Vladimir Aras, com a Desembargadora Maria de Fátima Labarrère, com o Promotor de Justiça do Estado do Paraná Cruz (de Maringá), com um amigo de nome Carlos Zucolotto (ele, mais tarde acusado de vender facilidades em delação a Rodrigo Tacla Duran), com familiares (filha e esposa) e, segundo lhe parece, também uma conversa com o DPF Luiz Pontel”.
 Bertholdo perdeu, embora a ministra relatora tenha dito que não é adequado um juiz participar de investigação, ainda mais de supostos crimes dos quais seria vítima.
Um ministro deu razão à defesa de Bertholdo, em termos duros. Foi Napoleão Maia Filho. 
 "Penso que o Judiciário não deve, especialmente nos dias intranquilos de hoje, ser tolerante com tão aberta ilegalidade, máxime cometida por um Juiz. Não é o problema de ele ter determinado escutas, quebrado sigilo e ter feito essas coisas que ele fez. Isso não é problemático para o Juiz. É que a vítima era ele. Esse é o ponto central, que não pode ser ocultado e deve ser posto, a meu ver, na mais intensa radiação solar. O que ele determinou, certo ou errado, era para descobrir crime praticado contra ele. Ele não podia nem ter determinado, quanto mais, depois, o seu substituto aproveitar todo esse material. Isso incentiva, a meu ver, essa prática, que já é extremamente disseminada no nosso País, de escutas clandestinas sem inquérito, sem ação penal, sem nada. E depois, aproveita-se isso por motivo A, B ou C, mesmo a pretexto de se dizer que não contaminou as provas posteriores”.

Bertholdo já não fala como antes. Lobista conhecido em Brasília, hoje é visto na companhia do ministro da Saúde, Ricardo Barros, que só chegou ao poder com a queda de Dilma. 
Muitas das suas acusações ficaram sem resposta. 
O que havia nas gravações que enfureceram tanto o juiz Moro? Pode um delator trabalhar em causa de interesse direto do juiz? Por que Moro, tendo tomado conhecimento de que Youssef continuava no crime, não deteve, no sentido de anular o acordo de delação? Como Youssef foi beneficiado com a própria delação e o encarceramento de seus concorrentes?
Com seu estilo ativo de conduzir processos, Moro é protagonista de um novo tipo de direito penal no Brasil, situação que tem incomodado alguns juízes.
No mês passado, na conferência estadual da advocacia em Santa Catarina, o juiz Alexandre Morais da Rosa disse:  "Nosso processo penal mudou”. O juiz sugeriu aos advogados que leiam outros livros. 
"Se você quiser continuar fazendo o processinho penal do cotidiano, tudo bem. Os livros servem. Se você quiser ampliar, uma das leituras possíveis é Teoria dos Jogos e Análise Econômica do Direito, e pensar fundamentalmente num modelo de gestão do processo, uma troca de informações, uma gestão bem diferenciada”, destacou. 
Ficou a dúvida na plateia e Alexandre esclareceu. "Trata-se de um jogo”, ele disse. "É um jogo de compra e venda de informação de um grande mercado judicial”. Alexandre, que é pós-doutorado, foi além e advertiu que é preciso manter integridade, mas trabalhar com os novos conceitos.  "Existe hoje um mercado judicial”, reforçou. 
"Nós não vamos transformar nosso processo penal no lugar dos espertalhões, mas existem hoje muitos espertalhões trabalhando hoje no processo penal que é essa nova modalidade, que é a negociação. Quanto mais informação qualificada você tiver dos jogadores, quanto mais você souber do jogo, da jogada, de uma jogada dominante, de uma jogada dominada, como é que se troca informação, como é que se negocia, você pode ter maior êxito. As regras antigas já não servem para nada. Vivemos um tempo muito difícil para a democracia”, disse, para espanto dos presentes.
Para finalizar, ele contou que um amigo lhe confidenciou que havia instalado câmeras ocultas em toda casa, depois que se casou com uma mulher que já tinha uma filha. 
Por que ele fez isso? 
“Para se defender se, no futuro, for acusado de um crime sexual”. Segundo ele, os tempos são estranhos porque, hoje, você pode confiar no inimigo - sabe o que ele vai fazer —, mas nunca no amigo. “O amigo de hoje é o delator de amanhã”, afirmou.
E não é ele que terá de provar a acusação. É o delatado que terá de provar a inocência. 
A lei diz que o delator deve provar o que diz, mas na prática não é isso que tem acontecido.
É nesse ambiente que se desenvolve a indústria da delação, e os advogados, bem relacionados com juízes e procuradores, já entenderam que é também uma mina para ganhar dinheiro.

O JornalGGN e o DCM enviaram ontem à tarde as seguintes perguntas ao assessor de imprensa do MP de Curitiba. Até a publicação desta matéria, elas não foram respondidas:
1) Quais critérios utilizados para a concessão de benefícios em acordos de delação premiada?
2) Especificamente, no caso dos três controladores do Meinl Bank de Antígua, o acordo previu o pagamento de multa no valor de R$ 1 milhão cada um (315 mil dólares aproximadamente). Não é pouco tendo em vista o montante movimentado por eles (1,6 bilhão de dólares) em pagamento a agentes políticos em nome da Odebrecht?
3) Que contribuição os controladores do Meinl Bank deram para a investigação?
4) O advogado Rodrigo Tacla Durán disse que foi procurado por um colega, Carlos Zucolotto Júnior, seu ex-correspondente, que negociou benefícios em acordo de delação premiada. Segundo ele, o Ministério Público Federal enviou esboço do acordo com benefícios oferecidos pelo advogado. O que o MP tem a dizer sobre essa afirmação do advogado Tacla Durán?
5) Fique à vontade para fazer considerações que considerar pertinentes ao tema.

quinta-feira, 19 de outubro de 2017

Dallagnol usa projeção no MPF para conseguir palestras remuneradas, por Eduardo Guimarães

No dia 26 de outubro, o procurador Deltan Dallagnol, coordenador da Força Tarefa Lava Jato no Ministério Público Federal em Curitiba, vai ministrar palestra sobre combate à corrupção a donos de postos e distribuidoras de combustíveis.
A palestra vai abrir ExpoCom, feira de negócios que integra a programação comemorativa dos 60 anos do Sindicato do Comércio Varejista de Combustíveis (Sindicombustíveis-PR).
O valor recebido pelo procurador para ministrar a palestra não foi divulgado. Em junho, uma empresa de eventos revelou acidentalmente na internet que Deltan cobra de R$ 30 mil a R$ 40 mil por palestra.
O procurador afirma que “a maior parte” dos valores recebidos é doada à Associação de Pais e Amigos dos Excepcionais (Apae) ou destinada a ações de combate à corrupção.
O Sindicombustíveis congrega empresários varejistas no setor, parte deles alvo de denúncias constantes relacionadas à corrupção, formação de cartel e manipulação abusiva de preços na venda de combustíveis ao consumidor e até a assassinato. O próprio sindicato já foi multado diversas vezes pelo Procon -PR em valores que ultrapassam um milhão de reais.
A intenção da palestra de Dallagnol é discutir “corrupção e ética nos negócios”. Entre os palestrantes também está o juiz federal Marlos Melek, magistrado curitibano conhecido como o pai do projeto de lei da Reforma Trabalhista, redigido após longa batalha no Congresso Nacional.
Dallagnol se recusa a revelar que percentual ele embolsa e que percentual ele supostamente doa a instituições benemerentes, mas o fato incontestável é que ele só consegue dar essas palestras devido ao seu cargo.
O procurador acusa o ex-presidente Lula de ter conseguido dar palestras remuneradas graças a ter exercido cargo público de presidente da República. Suas palestras teriam sido contratadas por empresas interessadas em “agradar” um servidor público influente.
Blog da Cidadania

BuritiNet: A saga dos Ferraz e a melhor cachaça do Maranhão

BuritiNet: A saga dos Ferraz e a melhor cachaça do Maranhão: Casa sede do engenho Ferraz. Fotos: Reginaldo Veríssimo O alambique Paulino Ferraz localizado no povoado Olho D'água do Tolentin...

O STF, ante um momento histórico, por Luís Nassif

Quando foi votada a PEC do Teto – congelando os gastos orçamentários por 20 anos – insistimos aqui que o STF (Supremo Tribunal Federal) deveria analisar sua constitucionalidade. Não se poderia aceitar as imposições como se fossem verdades científicas, ainda mais em um mundo que passou a questionar vigorosamente as políticas de arrocho fiscal. As experiências em inúmeros países comprovaram os prejuízos aos direitos sociais básicos, sem terem sido solução de nada.
A PFDC (Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão), órgão da Procuradoria Geral da República, resolveu questionar o Supremo sobre a PEC entrando com uma ADIN (Ação Direta de Inconstitucionalidade).
Nesta quinta-feira o STF deverá analisar a questão. E o voto do relator Ricardo Lewandowski será francamente favorável às teses da PFDC.
Se os demais Ministros apoiarem a tese, pela primeira vez – desde que teve início da crise atual – o STF terá demonstrado firmeza na defesa dos direitos fundamentais dos cidadãos e colocado um freio nas loucuras que vêm sendo cometidas pelo grupo de Temer.
Mais que isso, poderá pela primeira vez questionar o bezerro sagrado dos gastos orçamentários, hoje em dia pressionados pelas mais altas taxas de juros do planeta. Trata-se de uma discussão que o mainstream econômico se recusa a entrar porque é o ponto central do rentismo brasileiro.
Até hoje, jamais foram colocados limites ao pagamento de juros. Trata-se, de longe, do item de maior relevância do orçamento, que sempre foi tratado como prioridade absoluta, com a plena liberdade para o Banco Central fixar os juros no nível que bem entendesse, em nome de um duvidoso conhecimento científico.
A ADIN questiona o artigo 2o e 3o , que definem os limites de gastos para a saúde.
Por reduzirem o financiamento da saúde, “atentam diretamente contra direitos fundamentais à vida e à saúde, contra o princípio da vedação do retrocesso social e contra o princípio do devido processo legal substitutivo”.
A ADIN cita Estudos do Conselho Nacional de Secretários de Saúde (CONASS) estimando perdas máximas de R$ 12,53 bilhões em 2016 e R$ 4,29 bilhões em 2017, para um sistema que já padece com problemas de subfinanciamento. E acrescenta que a crise do emprego deverá aumentar substancialmente a demanda pelos serviços do SUS, pela incapacidade dos desempregados de arcarem com planos de saúde privados.
As alegações do Executivo
Questionados, o Presidente do Congresso alrgou que a tramitação da PEC obedeceu aos princípios constitucionais legais e regimentais, “não havendo porque falar em inconstitucionalidade”. Ora, não se questionava a legalidade da tramitação, mas o fato de atropelar cláusulas pétreas da Constituição.
A Advocacia Geral da União (AGU) discordou do argumento de desobediência da cláusula pétrea, defendendo o exercício do chamado Poder Constituinte reformador.
Trata de maneira bizarra a questão do princípio da vedação do retrocesso – que reza que não poderá haver retrocesso na aplicação de qualquer direito. Sua alegação é que o princípio se destina a proteger o núcleo essencial dos direitos fundamentais (como se saúde não fosse), e “não a impedir a adequação do Texto Constitucional às variações ocorridas nos campos político, econômico e social”, como se não fosse papel da Constituição defender os direitos contra maiorias eventuais e quando a “adequação do Texto Constitucional” atropela esses direitos.
Os argumentos da PGR reforçaram a ideia do retrocesso, pela redução drástica de recursos para ações e serviços em saúde. E invoca o Pacto Internacional sobre Direitos Econômicos Sociais e Culturais, de 1992, e o Protocolo Adicional à Convenção Americana sobre Direitos Humanos, o Protocolo de São Salvador, de 1999.
O voto do relator
Em seu voto, Lewandowski lembra que a Constituição prevê, “ao lado do direito subjetivo público à saúde, o dever estatal da sua consecução, cuja garantia pressupõe políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação”.
E essa oferta de serviços, prossegue o voto, foi definida estruturalmente no artigo 198 da Constituição, na forma do Sistema Único de Saúde e do seu financiamento adequado. E cita análise do colega Celso de Mello em um outro julgamento, no qual assevera não caber a manipulação da atividade financeira do Estado que inviabilizasse o estabelecimento e a preservação do direito à saúde”.
Diz Celso: “Não se mostrará lícito, no entanto, ao Poder Público, em tal hipótese – mediante indevida manipulação de sua atividade financeira e/ou político-administrativa – criar obstáculo artificial que revele o ilegítimo, arbitrário e censurável propósito de fraudar, de frustrar e de inviabilizar o estabelecimento e a preservação, em favor das pessoas e dos cidadãos, de condições materiais mínimas de existência”.
Na continuação, lembra que o Constituinte definiu os objetivos do sistema de saúde e previu seu financiamento.
No voto, fala-se do gasto mínimo definido para a saúde. Segundo Lewandowski, esse gasto mínimo não poder ser interpretado “na restrita e manipulável concepção de uma equação matemática para fins de elaboração e execução dos orçamentos anuais”. É preciso mais: “extrair correlação, de fato, substantiva entre os meios fiscais e os fins constitucionais a que eles se destinam”.
 E conclui: “Diante do quadro fático ora descrito, resulta evidente a urgência nas concessão de liminar, uma vez que a manutenção de eficácia das normas atacadas vem dificultando ou mesmo impossibilitando, a cada dia e de forma irreversível, o gozo dos direitos fundamentais à vida e à saúde dos brasileiros”.
 GGN

quarta-feira, 18 de outubro de 2017

Como Lula pode ser candidato mesmo se condenado em segunda instância, por Cíntia Alves para o GGN

Jurista explica que Lula tem vários caminhos para insistir na candidatura, mesmo ao custo de gerar nova crise política.
Foto: Agência Brasil
 Encomendado pelo PT, um parecer do jurista Luiz Fernando Casagrande Pereira explica como o ex-presidente Lula, em caso de condenação em segunda instância, pode judicializar a questão da Lei da Ficha Limpa e concorrer à presidência em 2018, possivelmente criando um cenário de instabilidade. 
Segundo o parecer, Lula pode aproveitar que a inelebigilidade decorrente de decisão colegiada segundo previsto na Lei da Ficha Limpa ainda não é "firme" e brigar pelo registro de candidatura na Justiça. Se obtiver uma liminar, poderá respirar um pouco mais tranquilo. Mas se não conseguir, também não será fácil para a oposição impugnar a candidatura rapidamente. 
Mesmo com todos os agentes envolvidos apertando o passo na tentativa de frear a candidatura de Lula, o assunto só vai se esgotar em setembro de 2018, quando o petista já estará em "plena campanha". Neste caso, se chegar a ser impedido e não quiser colocar todos os votos em risco, ele poderá pedir a substituição às vésperas do primeiro turno. 
CONTROVÉRSIA 
Advogado, Doutor e Mestre em Direito pela Universidade Federal do Paraná, Pereira explicou que ainda há controvérsias sobre a aplicação imediata da Lei da Ficha Limpa no caso de uma turma de tribunal recursal confirmar a sentença imposta em primeiro grau. 
No caso de Lula, esse momento acontece quando a 8ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, presidida pelo desembargador João Gebran Neto, analisar a condenação imposta a Lula por Sergio Moro. 
Há algumas semanas, a grande mídia noticiou que o PT está confiante que pelo menos um dos três desembagadores dará um voto contra a sentença de Moro. Isso será suficiente para a defesa de Lula entrar com um recurso dentro do próprio TRF4. 
A decisão dos 3 desembagadores será o equivalente à decisão em colegiado, em 2ª instância, que a Lei da Ficha Limpa admite como suficiente para aplicar a inelegibilidade a um pretenso candidato. Segundo Pereira, o próprio Tribunal Superior Eleitoral vem reafirmando essa posição. Mas não de maneira consistente. E aí é que está a janela para Lula. 
"A Lei de inelegibilidade fala em decisão condenatória colegiada. No entanto, cabe a interposição de recursos no ambiente do próprio TRF (embargos de declaração, por exemplo). O TSE tem entendido que estes recursos não suspenderiam a inelegibilidade (REsp89.21889218/2012), mas a orientação não é firme. No mínimo o tema autorizaria boa controvérsia no julgamento do registro." 
Pereira observou que "Pode ainda o próprio Presidente do TRF suspender os efeitos da condenação e mesmo a inelegibilidade". Assim, seria "possível adiar a inelegibilidade no próprio TRF", enquanto a questão não é debatida no Superior Tribunal de Justiça e Supremo Tribunal Federal.  
O difícil é acreditar que o presidente do TRF4, que já deu entrevistas dizendo que o julgamento de Lula será rápido porque a sentença de Moro é "impecável", vai conceder uma ordem dessas. 
SE LULA FOR CONDENADO ANTES DA ELEIÇÃO 
Mas e se o TRF4 confirmar a sentença de Moro e o presidente não suspender os efeitos da inelegebilidade? 
Lula tem duas chances: uma no Supremo, outra no STJ, e uma coisa não exclui a outra, diz Pereira. 
Seria necessário de conseguir uma decisão liminar para que Lula possa concorrer. Se a decisão estiver em vigor em caso de eventual vitória, ele poderia ser diplomado e ainda busca a posse definitiva.  
Pereira mostra-se otimista com essa opção, ao analisar que o Supremo hoje tem "outra composição", uma mais inclinada a não permitir a execução de pena a partir de condenações em segunda instância. Ele também sugere que essa mesma composição pode concluir que a Lei da Ficha Limpa, do jeito que está, fere o princípio constitucional do direito à presunção de inocência. 
"Se o TRF confirmar e não suspender os efeitos da condenação ou a inelegibilidade , bastará a concessão de uma liminar pelo STJ ou pelo STF (alternativas não excludentes), com fundamento no art. 26-C da Lei 64/90. Se esta liminar ficar vigente até a diplomação, é o que basta para LULA garantir diplomação e depois a posse, em caráter permanente (TSE, ED-RO 29462/2014). O recente movimento do Supremo em voltar a prestigiar a presunção de inocência até o trânsito em julgado pode , reflexamente, repercutir no cabimento da suspensão da inelegibilidade. A discussão no Supremo em torno da constitucionalidade da Lei da Ficha Limpa passou pela ofensa à presunção de inocência, com ótimos votos vencidos. Hoje a composição do STF é outra. De qualquer forma, com este e outros argumentos, LULA ainda teria duas chances: uma no STJ; outra no STF." 
PROBLEMAS PARA A OPOSIÇÃO 
No parecer, Pereira também aponta o que poderá vir a ser os obstáculos da oposição a Lula na tentativa de derrubar sua candidatura e eventual diplomação. 
É que, pelo regra, a candidatura de Lula só poderá ser contestada a partir do momento em que sair a decisão do TRF4. Dia 15 de agosto de 2018 (deadline para pedido de registro de candidatura) seria o prazo limite para a corte julgar a sentença de Moro, porque se o fizer depois disso, o tempo trabalhará em favor do ex-presidente. "A regra é que se a confirmação da condenação de LULA vier depois do dia 15 de agosto, LULA disputará a eleição e será diplomado", disse. 
Aqui entra o entrave à oposição a Lula: o modo como o recurso contra a candidatura será apresentado, pois por se tratar de uma eleição presidencial, há dúvidas sobre o trâmite correto. 
Segundo Pereira, o TSE ainda pode entender que a inelegibilidade decorrente da condenação em segunda instância ainda poderá vir a ser alegada nas "instâncias ordinárias se houver impugnação ao registro em trâmite", mas é "necessário ver se esta jurisprudência se confirma para as impugnações originárias do TSE (registro de candidaturas a presidente). E também saber se haveria impugnação em trâmite, pois ausente causa de inelegibilidade sem o julgamento do TRF." 
"Voltando à regra, o certo é que a inelegibilidade supe rveniente possa ser alegada apenas em RCED – Recurso contra a expedição de diploma (art. 262, Código Eleitoral). Entretanto, a maioria da doutrina afirma não caber esta espécie de recurso para eleições presidenciais. Para esta doutrina, como é o próprio TSE que diploma o Presidente (art. 215, CE), não haveria, portanto, tribunal competente para julgar o recurso contra esta diplomação. O CE teria excluído o presidente eleito do alcance do RCED." 
SE LULA FOR CONDENADO DEPOIS DA ELEIÇÃO 
E se a condenação do TRF4 só sair após a eleição? "Neste caso, não haveria nenhuma repercussão na inelegibilidade de LULA (Súmula nº 47 do TSE). Ainda que venha entre a eleição e a diplomação", disse Pereira. 
E SE NÃO TIVER LIMINAR? 
Se Lula for condenado em segunda instância antes do prazo para registro de candidatura, e não obter uma liminar de tribunal superior para suspender os efeitos da inelegibilidade até que o processo do caso triplex tenha tramitando sem mais recursos, caberá a impugnação da candidatura do petista. 
O problema para a oposição, neste caso, é que "há uma enorme distância" entre o início do processo de impugnação e sua conclusão com o eventual afastamento de Lula.  
Esse trâmite, segundo Pereira, deve começar somente a partir de 15 de agosto de 2018 e, se todos os prazos forem rigorosamente pela Justiça ("o que não é regras"), só deve ser encerrado às vésperas do primeiro turno. Até lá, e mesmo que tenha a candidatura sub judice, Lula poderá continuar em campanha. 
"(...) até o indeferimento do registro, LULA seguiria candidato como se tivesse o registro deferido, com direito a fazer campanha (inclusive com direito ao horário eleitoral). E o importante é que o direito de ser candidato permanece mesmo com o registro indeferido, por conta do art. 16-A da Lei Eleitoral: 'O candidato cujo registro esteja sub judice poderá efetuar todos os atos relativos à campanha eleitoral (...) e ter seu nome mantido na urna eletrônica (...)'." 
Para Pereira, "comm certeza o registro de LULA estará sub judice até o dia da eleição." Mas até lá, Lula é candidato, terá direito a ter seu nome nas urnas até que a questão seja concluída no TSE e ainda passe pelo Supremo por causa do recurso.  
"De qualquer forma, é muito provável que a decisão do TSE não aconteça antes de meados de setembro (data limite para a substituição). Até lá, nenhuma dúvida, LULA seguiria candidato com todas as prerrogativas inerentes." 
SE LULA GANHAR SEM REGISTRO DEFERIDO 
Se Lula ganhar a disputa com o registro ainda indeferido, abre-se uma crise. Segundo Pereira, os votos do ex-presidente e de seu candidato a vice serão computados, mas nenhum dos dois poderão ser diplomados. Uma nova eleição será convocada em 90 dias e, até lá, quem assume é o presidente da Câmara. 
Para o jurista, contudo, o fator crise pode ser determinante neste cenário, pois "uma vez eleito, será delicado ao Judiciário (TSE ou STJ/STF) não confirmar o registro (por qualquer das vias aqui indicadas)." 
Pereira explicou que Lula ainda tem condições de reverter a inelegibilidade depois de eleito. 
"A regra é que os requisitos para a candidatura sejam verificados no momento do pedido de registro. No entanto, se a inelegibilidade for posteriormente afastada, o registro deve ser deferido (art. 11, § 10 da Lei das Eleições). Com isso, LULA, já eleito, ainda poderia afastar a inelegibilidade até a diplomação (TSE, ED-RO nº 29462). Bastaria conseguir uma liminar no STJ ou STF (com fundamento no já citado art. 26 -C). Ou mesmo um efeito suspensivo em RE, interposto contra a decisão do TSE. Para insistir, parece evidente que o Judiciário (TSE ou STJ/STF) teria elevado grau de dificuldade de impedir a posse de um presidente eleito. Uma liminar, entre algumas possibilidades, teria razoáveis chances." 
A HIPÓTESE DA SUBSTITUIÇÃO 
Pereira, ao final, diz que "na pior das hipóteses", o PT pode substituir Lula no prazo de até 20 dias antes do primeiro turno, para evitar o risco de ficar sem um candidato com votos válidos. 
Ele diz que, nesse cenário, o substituto poderá herdar votos de Lula, já que pesquisas apontam que a população tende a reagir mal quando a Justiça veta um candidato que vinha aparecendo bem avaliado. 
"Pela linha do tempo desenhada acima, LULA permaneceria candidato controvertendo o registro até meados de setembro e depois , se o PT quiser evitar o risco de ficar sem candidato com votos válidos, faria a substituição. Vários exemplos mostram que há rejeição popular à decisão judicial que indefere o registro, em especial de um candidato que esteja à frente nas pesquisas. Este movimento costuma beneficiar o substituto, como está em levantamento da Folha de S. Paulo veiculado há três anos." 
"INELEGIBILIDADE PERPÉTUA"  
Pereira ainda frisa que se Lula for condenado em segunda instância depois de eventualmente eleito, ganha imunidade em função do cargo e não sofrerá nenhuma sanção.  
Contudo, ele ressalta que se for condenado em segunda instância, dada a idade que tem hoje e as penas impostas no caso triplex (8 anos sem poder ou ocupar disputar cargo público, a contar depois do cumprimento da senteça), seria o equivalente a dizer que ele seria sentenciado à inelegibilidade perpétua.  
"A eventual confirmação da condenação pelo TRF geraria uma inelegibilidade por oito anos depois do cumprimento da pena (art. 1º, I, letra “e” da Lei Complementar 64/90). Ou seja: tempo de cumprimento da pena e mais oito anos. Após o trânsito em julgado, ainda há suspensão dos direitos políticos (art. 15 da CF). A sentença impôs também a vedação de ocupar qualquer cargo ou função pública por sete anos, correspondentes ao dobro da pena de prisão pela lavagem de dinheiro (art. 7º, II, da Lei 9.613/98). Noutras palavras: a decisão impõe a LULA, com a idade atual do ex-presidente, uma inelegibilidade perpétua.ibilidade perpécuta." 
GGN

O dia em que o Senado virou Supremo, por Luis Nassif

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É um exercício curioso acompanhar as justificativas dos votos dos Senadores que votaram pelo “não” no caso Aécio Neves. Isto é, por não dar autorização para o STF (Supremo Tribunal Federal) investigá-lo.
Alguns foram mais sinceros e alegaram que, se o próprio STF passou a batata quente para o Senado, agora o Senado devolveria a batata quente ao Supremo.
Muito se falou nas prerrogativas do Senado, nas suas atribuições de fazer as leis e, exagerando, de ser o verdadeiro guardião da Constituição, de ser compostos por pessoas eleitas pelo voto popular. Falou-se do risco da ditadura do Judiciário, dos diversos casos em que a Procuradoria Geral da República se precipitou, com as trapalhadas de Rodrigo Janot, e depois o próprio Supremo corrigiu.
Muitos votaram em tese, não pelo Aécio ou contra o Aécio, mas pelas prerrogativas da casa.
Tudo muito bom, tudo muito bem, não fossem dois detalhes: as conversas escrachadas de Aécio com Joesley Batista; e os 500 mil reais que o primo de Aécio levou em uma maleta. Sem contar a conversa de bêbado de Joesley com seu advogado, gravada inadvertidamente, em que diz que Aécio “é muito bandido”.
Não foram episódios soltos, mas indícios em cima de um personagem sobre o qual campeiam suspeitas muito mais graves, desde as caixinhas de Furnas até as estripulias de seu aliado e suplente com o helicoca.
Desde o início da Lava Jato, Aécio Neves, ao lado de José Serra, eram os exemplos máximos da impunidade, a prova de que o Ministério Público Federal (MPF) tinha viés ideológico, assim como o Supremo e o Judiciário em geral. A consagração da Lava Jato viria na punição – ainda que extremamente tardia – deles dois.
Agora se tem um Aécio blindado e um Serra tão à vontade que até pensa em se candidatar ao governo de São Paulo.

 Do GGN