Peça 1 – a dupla conspiração
O
leitor Marcos Antônio trouxe uma das melhores narrativas para explicar o quadro
político atual (https://goo.gl/4PESgu).
Tomo emprestado a tese principal.
A
fragilidade política de Dilma Rousseff, o avanço da crise econômica e o
pré-ensaio bem-sucedido da AP 470 despertaram dois movimentos simultâneos de
desestabilização política do governo Dilma.
O
primeiro, uma frente composta pelo PSDB, Lava Jato, Poder Judiciário e mídia,
visando o impeachment da chapa Dilma-Temer, o terceiro turno inaugurado no
mesmo dia da divulgação dos resultados das eleições de 2014. Os personagens
centrais dessa estratégia foram Gilmar Mendes no TSE (Tribunal Superior
Eleitoral) e a Lava Jato acelerando as delações.
A
tentativa de Gilmar acabou frustrada pela reação despertada e pelo fato do
governador de São Paulo Geraldo Alckmin ter incorrido na mesma situação de
Dilma: impugnar sua chapa significaria impugnar também a vitória de Alckmin.
Com
isso, a primeira frente acabou sendo atropelada pela segunda, planejada
antecipadamente por Eduardo Cunha e pela camarilha de Temer. A ideia do grupo
foi montar uma superbancada na Câmara, valendo-se da influência que passou a
exercer sobre a Petrobras, depois que a AP470 quase derrubou o governo Lula.
O
grupo de Temer sempre se valeu da estratégia da chantagem. No episódio da
compra de votos, por exemplo, chantageou Fernando Henrique Cardoso para
conseguir cargos-chaves no governo tucano.
Quando
a AP 470 colocou o governo Lula na berlinda, nova rodada de chantagem conferiu
ao PMDB cargos-chaves no governo e, em especial, na Petrobras.
Com
a explosão de obras do período, montou uma supercaixinha que lhe deu condição
de ambicionar agora não mais Ministérios, mas o centro do poder, tornando o
governo refém da Câmara.
A
expectativa de perda de mandato de Eduardo Cunha, o desgaste de Dilma, com uma
sucessão inédita de erros, fez Cunha avançar o sinal, paralisar o governo com
pautas-bombas e abrir o processo do impeachment.
Montou-se
um acordo meia boca com o PSDB, em torno da tal Ponte para o Futuro, a promessa
de revogação da Constituição de 1988. Temer faria o trabalho sujo do
desmonte da Constituição e abriria espaço para o PSDB em alguns ministérios.
A
partir daí a camarilha saiu do segundo plano e passou a controlar o país, sem
nenhuma estratégia anticíclica para enfrentar a crise, nenhuma ideia criativa,
nenhum conceito de Nação.
Assumiram
com apenas dois mandatos: o desmonte do Estado nacional e, como prêmio, o maior
assalto da história aos cofres públicos.
Com
a estrada pavimentada, o PT destruído, sua obra anterior reduzida a pó, o PSDB
poderia se aventurar em 2018, mesmo sem dispor de programas e de projetos de
país, confiando em uma economia em recuperação.
Os principais passos desse balé da
conspiração:
1.
A maior parte da corrupção da Petrobras estava sob o comando do PMDB. A Lava
Jato tratou de esconder o lobista-mor, ligado ao PMDB, restringir as
investigações ao período do PT e investir pesadamente sobre Lula, a fim de não
atrapalhar a tomada do poder pelo PMDB.
2.
Já o Procurador Geral da República (PGR) Rodrigo Janot simulou jogar com o
governo Dilma até fins de 2014. Quando sentiu que os ventos mudaram, pulou de
mala e cuia para o barco da conspiração.
3.
O Supremo Tribunal Federal convalidou o golpe, especialmente após Luís Roberto
Barroso e Luiz Edson Fachin terem abdicado de seu papel de defensores da
Constituição.
4.
O chega prá-la no PMDB consistiu na derrubada de Eduardo Cunha e,
gradativamente, de cada membro da camarilha de Temer. Trabalho facilitado,
aliás, pela extensa capivara de cada um. O próximo a cair será Moreira Franco.
Peça 2 – o assalto generalizado à
República
O
quadro que veio a seguir é dantesco.
No
mais alto cargo, um presidente impopular, sem o menor carisma, negocista, com
uma carreira política pavimentada pelo fisiologismo e por suspeitas reiteradas
de corrupção.
No
Congresso e nas estatais, tem-se o maior assalto à luz do dia da história da
República:
1.
A privatização do satélite brasileiro.
2.
A entrega das concessões públicas às empresas de telecomunicações e
radiodifusão.
3.
A anulação das reservas indígenas.
4.
A autorização para a venda de terras a estrangeiros que, se consumada,
sancionará o maior processo de lavagem de dinheiro da história.
5.
A legalização do jogo.
6.
A entrega do pré-sal às operadoras estrangeiras, sem nenhuma exigência de
contrapartida.
7.
As sucessivas tentativas de importação de alimentos, reeditando alguns golpes
históricos da Nova República.
8.
A venda de ativos da Petrobras na bacia das almas.
9.
O fim do conteúdo nacional nos projetos de construção das plataformas
marítimas.
Essa
esbórnia foi entregue de bandeja pela Lava Jato para a pior organização
política da República, em nome do combate à corrupção.
Peça 3 – o desmonte do país
O
desmonte está se dando nas seguintes frentes:
O
projeto geopolítico
No
dia 22 de fevereiro último, o Washington Post – jornal com estreitas ligações
com fontes da CIA – produziu um artigo revelador (https://goo.gl/K2Hsov): “Como um escândalo
que começou no Brasil está perturbando outros países da América Latina”.
A
reportagem lembra o Brasil como estrela em ascensão quando conseguiu o direito
de sediar a Copa do Mundo e as Olimpíadas. E que a Odebrecht se tornou um
símbolo do crescimento da importância brasileira no mundo, da mesma forma que a
Coca-Cola para os Estados Unidos e a Toyota para o Japão.
Constata
o jornal que a Odebrecht se tornou peça central do soft power brasileiro. E –
aí não é o jornal afirmando - valendo-se dos mesmos expedientes da Siemens
alemã, da IBM norte-americana, da Dassault francesa. Em todos os casos,
puniram-se dirigentes, mas preservaram-se as empresas, vistas como ativos
nacionais.
A
reportagem admite que a corrupção não surgiu no governo Lula, nem com a
Odebrecht, mas que ela foi a única a ser pega. E mostra como a Lava Jato, com a
ajuda do Poder Judiciário desses países, está ajudando a limpar a área de todos
os governos de esquerda no continente.
No
Brasil, o desmonte atinge todos os segmentos, dos estaleiros à indústria de
defesa e toda rede de fornecedores, com a redução da obrigatoriedade do
conteúdo nacional nas plataformas.
Agora,
se prepara o golpe final contra as empreiteiras brasileiras, com a cooperação
firmada com os Ministérios Públicos de mercados conquistados por elas e a
tentativa do TCU (Tribunal de Contas da União) de proibir novos contratos com
elas. Um órgão assessor do Congresso se tornou peça-chave na destruição de
ativos nacionais.
Não
apenas isso.
O desmanche social
E
aqui se entra nos desdobramentos não previstos pelo golpe.
A
estratégia de desmonte do Estado aprofundou brutalmente a crise fiscal e a
crise social.
A
cada dia aumentam o desemprego, as tensões sociais, a insegurança nas grandes
metrópoles, a crise fiscal da União e dos estados.
Há
um brutal endividamento nas empresas. As que mais cresceram no período anterior
são as mais endividadas. O sistema bancário montou operações de resgate
estendendo os prazos dos financiamentos. Mas sem perspectivas de melhora da
economia, caminha-se para uma crise sistêmica.
Por
qualquer ângulo que se analise, será impossível a manutenção da política
econômica atual e do próprio governo Temer.
A ideologização primária
Hoje
em dia uma ideologização pesada domina os debates, tanto à direita quanto à
esquerda, dificultando enormemente a busca de consensos. A ideia de construção
nacional, pactos de produção, de inovação, afirmação de políticas sociais,
equilíbrio entre o papel do Estado e do setor privado, todos os meios tons que
deveriam servir de base para políticas de desenvolvimento cederam lugar a uma
radicalização profundamente simplificadora.
Rapidamente,
o pacote Meirelles torna-se inviável. E não aparece uma alternativa no lugar.
Não levará muito tempo para que a agenda neoliberal seja substituída por uma
liderança forte – de esquerda ou direita, civil ou militar – repetindo o
roteiro norte-americano e britânico. Não mais um centro-esquerda relativamente
racional.
Ou
seja, o pêndulo com movimentos próximos do centro, mais à direita com o PSDB,
mais à esquerda com o PT, mas sem abrir mão dos princípios democráticos, em
breve será substituído por alguma saída autocrática.
Aí
entram em cena as delações da Odebrecht, como um dos momentos de corte.
Peça 4 – as delações da Odebrecht e o
MPF
Considere-se
inicialmente o papel do Ministério Público Federal no golpe. Sabia-se desde o
início da extensa capivara dos líderes do PMDB no Congresso; sabia-se de Temer,
Cunha, Geddel, Padilha, Moreira Franco, como se sabia de Aécio, Serra, Alckmin,
tanto quanto de Dirceu, Pallocci. Se sabia que o impeachment jogaria o país nas
mãos do pior agrupamento que a política brasileira gestou desde a
redemocratização.
O
álibi mais generoso para a ação golpista e antinacional do MPF é o da
ignorância, um grupo de procuradores desinformados, sem conhecimento mínimo
sobre economia, geopolítica, interesse nacional, acreditando que a Lava Jato
tinha chegado ao cerne da corrupção brasileira, com os tríplex, pedalinhos e
quetais. Ou acreditando que comeria os políticos pelas bordas, primeiro o PT,
depois o PMDB. Mas poupando sempre o PSDB.
Aliás,
não dá para esperar essa visão política mais sofisticada do MPF quando nem a
presidência da República nem o seu Ministro da Justiça demonstravam a menor
sensibilidade para esses temas.
O
Brasil está sendo literalmente destruído por um processo amplo de ignorância
coletiva.
Era
tão hipócrita o discurso anti-corrupção que, para apear do poder uma presidente
honesta – jogando no lixo os votos majoritariamente dos mais pobres – tiveram
que apelar para a história das pedaladas.
No
final do governo Dilma, firmou-se um pacto tácito entre os conspiradores. Para
manter as aparência de luta contra a corrupção e de isenção das investigações,
seria sacrificado pelo menos um cacique de cada partido. Do PMDB,
preferencialmente Cunha e Renan Calheiros; do PSDB, Aécio.
O
fator Rodrigo Janot embolou um pouco o meio campo.
Peça 5 - Fator Rodrigo Janot
Para
investigar o conterrâneo Aécio, a estratégia adotada por Janot tem sido a da
postergação das investigações.
A
informação de que Janot solicitou ao Ministro Gilmar Mendes prorrogação do
inquérito aberto para investigar as ligações de Aécio com a Lista de Furnas, é
a comprovação cabal de sua estratégia de postergação permanente dos inquéritos.
Tome-se
o caso da Lista de Furnas.
Nas
primeiras delações de Alberto Yousseff, apareceram as menções às propinas
recebidas por Aécio através do diretor Dimas Toledo. Desde 2010, dormiam na
gaveta da PGR as peças do inquérito aberto para investigar as contas de Aécio
em Liechtenstein.
Em
29 de fevereiro de 2016 – um ano atrás! – foi homologada a delação do
ex-senador Delcídio do Amaral.
DELCIDIO
DO AMARAL teve conhecimento de um grande esquema de corrupção que ocorria em
Furnas, operado por DIMAS TOLEDO. Tal esquema já foi mencionado, "en
passant", anteriormente por ALBERTO YOUSSEF, tendo se referido à
participação de AÉCIO NEVES no esquema.
DELCIDIO
DO AMARAL confirma que esta referencia ao Senador Mineiro tem fundamento. A
corroboração de que YOUSSEF tinha conhecimento do esquema, e o fato de que ele
mencionou a pessoa de DIMAS TOLEDO, experiente e competente profissional do
setor elétrico.
DIMAS
TOLEDO era o operador do esquema de corrupção em Furnas pela PSDB. O esquema de
Furnas atendia vários interesses espúrios do PP, do PSDB e depois de 2002, do
próprio PT.
DELCIDIO
DO AMARAL, em viagem a Campinas com o presidente LULA, foi perguntado pela
Ex-Presidente sobre a atuação de DIMAS: "DELCÍDIO, quem é esse cara?"
DELCIDIO respondeu: "É um profissional do setor elétrico. Por que o senhor
me pergunta isso?" LULA respondeu: "É porque o Janene veio me pedir
pela permanência dele, depois o AÉCIO e até o PT, que era contra, já virou a
favor da permanência dele. Deve estar roubando muito!"
DELCIDIO
sabe que DIMAS TOLEDO sempre teve informações relevantes de vários governos
estaduais e federais, vez que era Diretor de Engenharia de FURNAS, tanto que o
então Ministro JOSE DIRCEU afirmou: "Se colocarem o Dimas como
ascensorista de Fumas, ele manda no presidente".
Dimas
não era mais um operador: era o centro de uma extensa rede de corrupção, como
se fosse a soma de Paulo Roberto Costa e Alberto Yousseff. Qualquer
investigação minimamente profissional e isenta daria prioridade total a
investiga-lo pois, a partir dele, se mapearia toda a estrutura de corrupção em
torno de Furnas.
Hoje
em dia, são decretadas prisões preventivas às pencas, sob o argumento de que,
solto, o suspeito poderia esconder provas. Dimas está solto há anos, tendo sido
incomodado pouquíssimas vezes.
1.
Assim como o inquérito da helicoca, o da Lista de Furnas parou no TRF2 – o
Tribunal Regional Federal da 2a Região, com sede no Rio de Janeiro.
2.
O inquérito quebrou o sigilo de Dimas Toledo, mas o TRF1 manteve os dados em
sigilo.
3.
O máximo que se avançou foi em uma acareação entre um delator, Fernando Antônio
Horneaux de Mora e Dimas, na qual o delator acusou e Dimas se defendeu. E nada
mais foi apurado.
Um
ano após a homologação da delação de Delcídio, Janot solicita mais 60 dias de
prorrogação do inquérito para que a PF traga os seguintes documentos:
·
Juntada de cópia do relatório final elaborado pelo TCU sobre o "Mensalão
de Furnas", sobre possíveis irregularidades em contratos celebrados por
DIMAS FABIANO TOLEDO, enquanto Diretor de Engenharia de FURNAS, conforme
solicitado pela autoridade policial no Ofício 0200/217 de fl. 481);
·
Juntada de cópia do relatório final elaborado pela Controladoria Geral da União
sobre o "Mensalào de Furnas", conforme solicitado pela autoridade
policial no Ofício 0201/2017 de fl. 482;
·
Juntada de autos que tramitaram perante a 3a Vara Criminal da Comarca do Rio de
Janeiro, no qual houve quebra de sigilo bancário de DIMAS FABIANO TOLEDO,
conforme solicitado no Ofício 0202/2017 de
fl. 487;
·
Oitiva de SILVIO PEREIRA (fl. 456); Oitiva de JOSÉ DIRCEU (fl. 455); Oitiva do
colaborador DELCIDIO DO AMARAL GOMEZ; g) Oitiva do investigado.
Daqui
a 60 dias, tudo pode ocorrer: uma nova solicitação de prorrogação de prazo,
alguma medida de Gilmar visando paralisar o inquérito, a alegação de que nada
foi encontrado capaz de corroborar as acusações.
Peça 6 – o barril de pólvora
Com
a divulgação da delação da Odebrecht monta-se o quadro, com a mais completa
desmoralização do poder civil brasileiro desde os idos de 1964.
A
delação é o estopim em cima do seguinte barril de pólvora:
1.
Economia sem sinais de reativação. A necessidade de criar fatos faz a mídia
comemorar possibilidade de crescimento do PIB de 1% no próximo ano, depois de
queda de 8%. Ou saudar a entrada de investimentos externos, que estão vindo
exclusivamente atrás de empresas em dificuldades, sendo vendidas na bacia das
almas, como se fosse sinal de recuperação. Quem opera no mundo real, como a
Fnac, está tirando o time do país.
2.
Desmoralização do discurso da austeridade, a ideia de que com mais arrocho se
terá a volta do crescimento.
3.
A corrupção do grupo de Temer eliminando qualquer tentativa de legitimidade do
Executivo, ao mesmo tempo em que se tenta colocar goela abaixo do país a reforma
da Previdência. Os papéis distribuídos pelo Anonymous mostram estreitas
relações de negócio entre Temer, José Yunes e Sandro Mabel (https://goo.gl/95WjSw). Tanto Mabel quanto
Yunes foram nomeados assessores especiais por Temer, na sua cota pessoal. Yunes
foi acusado de intermediar propinas para o PMDB, com o conhecimento de Temer (https://goo.gl/yjf8PF). Mabel é conhecido por
intenso trabalho de lobby no Congresso (https://goo.gl/4aCwz2).
4.
Avanço avassalador do crime organizado nas principais regiões do país,
movimento ampliado pelo fato da economia formal ser incapaz de gerar empregos.
5.
Aumento da criminalidade e da insegurança, devido à crise fiscal dos estados,
desaparelhando as polícias, e ao aumento do desemprego. Em grande parte dos
estados, as PMs abriram mão de suas responsabilidades em relação ao crime
organizado para se tornarem polícias políticas. O caos do Espírito Santo expôs
as vísceras de um modelo fiscal inviável.
6.
Desmanche da imagem do Brasil internacionalmente, como futura média potência. O
arranjo político legado pela Lava Jato tornou o Brasil, aos olhos da opinião
pública mundial esclarecida, uma republiqueta similar às piores republiquetas
africanas (https://goo.gl/I1Y40t).
Obviamente, em nome da grande causa de combate à corrupção. O artigo do Le
Monde analisa o significado da indicação de Alexandre de Morais para o Supremo.
Temer
não resistirá. O PSDB não resistirá. O PT está fora do jogo.
O
que sobrará após as delações da Odebrecht? O que a Globo, o Supremo, o mercado,
o PGR terão a oferecer para evitar o caos, como contrapartida à sua
responsabilidade nesse desmanche do país?
Do GGN, por Nassif