segunda-feira, 13 de março de 2017

Bolsonaro já não esconde o seu fascismo

Jair Bolsonaro é um bronco, claro. Mas sabe muito bem o que está falando. A entrevista dele hoje na Folha é chocante - pelos absurdos que ele diz e, mais ainda, por sabermos que esse é o discurso que atrai sua legião de seguidores. Bolsonaro não esconde quem é (exceto, é claro, quando diz que nunca foi citado em escândalos de corrupção): ele expõe seu fascismo sem máscara.

Se seus seguidores fossem só os brutalizados pelas condições de vida, sem acesso à informação e às ferramentas cognitivas para processá-la criticamente, já seria assustador. Mas os melhores índices do deputado marginal estão entre os mais escolarizados. Seu discurso, por mais primário que seja, consegue capitalizar os receios difusos que os desafios às hierarquias geram naqueles que realmente são ou pelo menos se julgam privilegiados.

O que ele diz é risível, mas Bolsonaro não tem graça nenhuma. Bolsonaro é a extrema-direita soturna, truculenta, torturadora. Quando a gente ri dos absurdos que diz a direita hidrófoba, tem um momento em que o riso engasga. Bolsonaro é esse momento. É quando a gente lembra que aquilo que eles dizem, eles já puseram em prática.

Do 247

‘Sempre existiu caixa 2. Desde a época do meu pai’, diz Emilio Odebrecht

No depoimento que prestou ao juiz Sergio Moro nesta segunda-feira 13, e que está sob sigilo por determinação do magistrado, mas cujo conteúdo foi vazado, o executivo Emílio Odebrecht, presidente do Conselho de Administração da empreiteira, relatou que “sempre existiu” caixa 2 na construtora para doações de campanhas não eleitorais; “Sempre existiu. Desde a minha época, da época do meu pai e também de Marcelo [Odebrecht]”, disse o patriarca; ele falou como testemunha de defesa de seu filho, Marcelo, que está preso no âmbito da Lava Jato

No mesmo dia em que Moro determinou que o depoimento de Emilio Odebrecht, patriarca da maior empreiteira do Brasil, ficasse sob sigilo, os vídeos vazaram por um erro na Justiça Federal do Paraná. Trecho de seu relato ao magistrado, feito nesta segunda-feira 13, aponta que "sempre existiu" caixa 2 na empresa.

"Sempre existiu. Desde a minha época, da época do meu pai e também de Marcelo [Odebrecht]", depôs o executivo, presidente do Conselho de Administração da empreiteira, ao falar sobre esquema de doações de campanhas não eleitorais por parte da construtora. Ele falou como testemunha de defesa de seu filho, Marcelo, que está preso no âmbito da Lava Jato.

"Na minha época, as coisas eram muito mais simples. Não tinha a complexidade que a organização passou a ter, trabalhando em mais de 20 países e lidando com 'n' negócios", afirmou ainda Emílio Odebrecht, lembrando que o esquema do caixa 2 era "um modelo reinante" no País. Segundo ele, a empresa doava para todos os partidos, por dentro e fora, e inclusiva fazendo "uma mescla" de recursos oficiais e não oficiais.

"Sim, sabia que existiu o uso de recursos não contabilizados. Sempre foi modelo reinante no país e que veio até recentemente. O que houve impedimento a partir de 2014. Até então, sempre existiu. Desde minha época, da época do meu pai e também de Marcelo, sem dúvida nenhuma", afirmou.
 Do 247

domingo, 12 de março de 2017

O fosso abissal, milenar entre Lula e Temer

Entre Lula e Temer há um abismo de 25 séculos. Michel Temer e Lula são homens muito diferentes, analisa *Fábio de Oliveira Ribeiro. As diferenças entre eles ficam ainda mais claras quando examinamos as ações de ambos diante da Justiça.
Antevendo que poderia ser devorado pela Lava Jato, Michel Temer se aproximou da Embaixada dos EUA, se apropriou do programa de governo de Aécio Neves apoiado pela imprensa e ajudou Eduardo Cunha a se tornar presidente da Câmara dos Deputados. Quando se sentiu seguro e percebeu a fragilidade de Dilma Rousseff ele colou o golpe na rua subscrevendo e vazando a cartinha lamuriosa em que se dizia alijado do poder.
Desde que chegou a presidência, Michel Temer tem se esforçado bastante para ficar impune. Quando não está distribuindo dinheiro para imprensa ou nomeando alguém para evitar uma delação indesejada, o usurpador costura nos bastidores a aprovação da Lei de Anistia aos crimes que cometeu. 
Temer não é apenas um criminoso. Se fosse, ele aceitaria as consequencias de seus atos. Pois no fundo, todo criminoso quer ser pego (como demonstrou com brilhantismo Fiódor Dostoiévski em seu romance Crime e Castigo). O usurpador age como se fosse um psicopata frio e calculista que acredita ser uma fonte privilegiada de legalidade. Vem daí sua rejeição absoluta à qualquer punição aos atos criminosos que praticou.
Ao escolher o novo Ministro do STF, Michel Temer não pensou nas necessidades do Brasil. Ele pensou apenas no seu próprio desejo de ficar impune. Isto explica porque o usurpador nomeou um advogado ligado à tudo que há de pior na política brasileira.
A única vez em que Michel Temer vacilou (em decorrência do que poderíamos chamar vagamente de consciência atormentada pela culpa) foi quando ele retornou ao Palácio do Jaburu. Como Raskólnikov, o usurpador também voltou ao lugar onde executou seu maior crime (o golpe de estado que garantiria sua impunidade). Michel Temer se afastou do Palácio do Planalto, como se não quisesse estar ligado à sede da presidência, cargo que ele obteve de maneira criminosa. O personagem de Crime e Castigo escondeu os objetos de valor que roubou para não fornecer prova da autoria do crime à polícia.
No outro extremo do espectro político, vemos Lula confrontando a Justiça não com artimanhas e sim mediante a invocação da Lei que os juízes já demonstraram que não irão aplicar no caso dele. Por decisão judicial, Lula foi impedido de ser Ministro de Dilma Rousseff. Em situação muito pior, Moreira Franco foi autorizado a ser Ministro de Temer pelo mesmo Tribunal.
Lula tem um patrimônio modesto e, apesar das evidencias, continua sendo ferozmente perseguido por causa das convicções de Dellagnol e Moro. A prova documental contra Michel Temer (o cheque nominal de um milhão de reais que ele recebeu de propina) sequer resultou em processo criminal. Perseguido pela Justiça, Lula recorreu ao Tribunal de Direitos Humanos da ONU, provocando intensa animosidade da imprensa e dos juízes brasileiros. Inocentado pelos seus “amigos” no MPF e no Judiciário (Gilmar Mendes entre os tais), Michel Temer segue em frente impondo reformas criminosas para prejudicar os eleitores que rejeitaram o programa de governo que ele coloca em prática para beneficiar os banqueiros.
O ex-presidente petista já se apresentou como candidato em 2018. Antes das eleições ele será condenado e preso. Foi isto que antecipou a esposa de Sérgio Moro à imprensa. O ilegal pré-julgamento de Lula é um fato jornalístico consumado, mas não produzirá o efeito jurídico necessário. O juiz Sérgio Moro não será afastado do caso. A nulidade que ele cometer não será judicialmente reconhecida. O próprio TRT-4 já disse em duas oportunidades que a Lava Jato é um processo excepcional não sujeito à aplicação da Lei.
Raskólnikov se vangloria de ser capaz de cometer um crime perfeito sem deixar vestígios, mas acaba sendo derrotado pela consciência da culpa. “Xenofonte afirma que Sócrates queria ser condenado, e fez o que pode no sentido de hostilizar o júri.” (O julgamento de Sócrates, I.F. Stone, Companhia de Bolso, São Paulo, 2005,  p.  217).
Michel Temer é um criminoso que conseguiu domesticar a Justiça ao dar aos juízes o que eles queriam (o aumento salarial vetado por Dilma Rousseff), mas não suportou ficar na posse do Palácio que roubou da presidenta eleita pelos brasileiros. Sempre que vem a público, Lula usa a Lei para chicotear seus inimigos de toga. Nos últimos meses o líder petista tem agido como se quisesse ser condenado. Temer é raskólnikoviano, Lula é socrático.
Quando condenou Sócrates, a democracia ateniense conseguiu apenas condenar a si mesma. No Brasil, a Justiça se rebaixou à vil condição de coiteira de Michel Temer instrumentalizando o golpe de estado liderado por um criminoso que age como se fosse um psicopata. Ao condenar Lula para impedi-lo de disputar as eleições de 2018, a Justiça brasileira fornecerá uma prova contra o Brasil no Tribunal de Direitos Humanos da ONU. A democracia ateniense não sobreviveu por muito tempo. A república brasileira será condenada e inevitavelmente destruída.
Do GGN, *Fábio de Oliveira Ribeiro

A crise política brasileira tendo como ingrediente a CIA

O papel da inteligência americana e da mídia brasileira no desmonte de um projeto de nação no Brasil. 

Como foi possível, em tão pouco tempo, o Brasil passar de o país do futuro, aclamado em todas as análises internacionais, para se tornar mais um país sem relevância? O jornalista Janio de Freitas junta as pontas para responder essa questão em um artigo, mais uma vez, magistral, começando pelo papel da CIA na invasão de dados, não só de governos, como também de qualquer pessoa, a partir dos novos aparelhos domésticos de TV, que hoje captam conversas no ambiente domiciliar.

Em seguida, Janio avalia o papel da mídia brasileira em reproduzir as notícias de interesse internacional, deixando de lado sua responsabilidade em investigar fatos verdadeiramente relevantes para o desenvolvimento independente do país. O jornalista resgata, ainda, a discussão sobre o interesse crescente dos Estados Unidos sobre os países africanos do Atlântico Sul, justamente entre as nações que o Brasil dos governos Lula se aproximou para trocar tecnologia, possivelmente pelas reservas de petróleo naquela região de geologia semelhante ao pré-sal brasileiro. 

A última novidade americana de que temos notícia já não é uma Casa Branca manicomial, mas não foge à linhagem das contribuições psicopáticas à cada dia mais desatinada "civilização ocidental". Além de penetrar à vontade nas comunicações telefônicas mundo afora, como aconteceu a conversas de Angela Merkel, Dilma Rousseff e outros governantes, e de entrar nos computadores alheios, o serviço de espionagem e sabotagem dos EUA – CIA – pode valer-se dos aparelhos domésticos de TV para captar e transmitir-lhe as conversas no respectivo ambiente. Sem palavras rastejantes, a CIA é uma Gestapo gigantesca, planetária, levada às últimas possibilidades de invasão das mentes e da vida humana.

Diante desse poder cibernético, o que pode o mundo, sua vítima, é repetir a divisão motivada pelo poder nuclear. De uma parte, os países que desviaram imensas fortunas para entrar no círculo atômico; de outra, os que se sujeitam à subalternidade ou preservam uma posição digna no mundo por meio de uma posição independente e estrategicamente habilidosa.

Michel Temer falou há pouco da importância reconhecida ao Brasil. Apenas três dias antes, o correspondente Henrique Gomes Batista transmitira as palavras do brasilianista Peter Hakim, presidente do Inter-American Dialogue: "Antes, toda vez que eu voltava do Brasil, as pessoas queriam saber o que o país estava fazendo, se havia novidades. Hoje o país perdeu a relevância". A palavra "hoje" define o que era o "antes".

No "antes", talvez referente sobretudo ao plano interno, a estratégia e a política internacionais do Brasil foram fundamentais para as "novidades". Mas foi também nele que isso começou a esvaziar-se, pelo plano secundário em que foi deixado por Dilma Rousseff. Sem reclamações internas. Primeiro, porque a imprensa/TV no Brasil faz jornalismo tipicamente periférico, repetidor de uns poucos (hoje em dia, pouquíssimos) temas do jornalismo internacional dos centros mundiais de decisão.

Além disso, porque interessar-se pela virada que a "política exterior ativa e altiva" introduziu, em seguida a um período caudatário dos ditames americanos até na política econômica, fortaleceria um governo e várias políticas indesejados pelo poder econômico. Por mais que estivesse beneficiado pela ação comercial incluída na nova política externa.

A África representou muito nessa política. Os Estados Unidos têm grande interesse na face africana voltada para o Atlântico Sul: ali está o petróleo alternativo para previsíveis problemas com sua fonte petrolífera na Arábia. Os americanos veem a África Ocidental como uma espécie de reserva sua não declarada. Mas a costa atlântica da África está voltada também para o Brasil. E em frente às jazidas e poços brasileiros, inclusive do pré-sal. A busca de relações profundas com essa África, importantes até para a soberania brasileira, levou a iniciativas que a Lava Jato entende como picaretagem. Na cooperação militar, a Marinha brasileira tem até presença expressiva na Namíbia.

Nessa política, as multinacionais brasileiras tinham um papel e uma fonte de ganho, com igual relevância. Sua atividade em quatro dos países africanos e em um sul-americano compõem os capítulos de um livro que, afinal e quase inexplicavelmente, moveu o jornalismo brasileiro para parte das iniciativas africanas do Brasil. É uma reportagem, rara no tema e ótima na realização, que proporciona também uma visão social e política, como um fundo que dá ao livro dimensão bem maior do que o indicado no título, "Euforia e Fracasso do Brasil Grande". Jornalista de primeiro time, Fábio Zanini deu uma leitura agradável e informativa a um tema desprezado que vale a pena conhecer.

E quem quiser saber o que é diplomacia, e o que nela foi a ação que por certo tempo incluiu o Brasil nas decisões mundiais, as respostas estão dadas pelo ex-ministro Celso Amorim, em "Teerã, Ramalá e Doha — memórias da política externa ativa e altiva". Livro ótimo, para hoje e para o futuro. Mas que dá certa nostalgia, no Brasil que "perdeu a relevância". 

Do GGN, por Janio de Freitas

sexta-feira, 10 de março de 2017

O “caixa 2” é opção da empresa, para Temer é bento para a oposição é maldito, Gilmar Mendes

O superministro e “amigão” de Michel Temer cria, hoje, em entrevista, uma inédita divisão conceitual sobre o “Caixa 2” a políticos.

Diferente daquela que Fernando Henrique Cardoso e Aécio Neves tinham criado, legitimando o dinheiro que vinha para a campanha política e não para o enriquecimento pessoal.

Agora é o “caixa 2 da situação” e o “caixa 2 da oposição”.

Aquele, claro, abominável, enquanto este é compreensível.

Mendes fez distinção entre as acusações de que ambas as principais chapas concorrentes na eleição de 2014 (a de Dilma Rousseff e a de Aécio Neves) tenham recebido caixa 2. Segundo Mendes, a candidata governista tinha necessariamente mais condições de atrair recursos.

“Por que um candidato de oposição vai pedir recurso no caixa 2? Isso talvez tenha mais lógica para a estratégia de quem doa. ‘Ah, eu quero doar no caixa 2 para não ser conhecido, para não ser pressionado'”, afirmou, minimizando eventuais irregularidades da chapa tucana.

E adiante:
(…)em princípio, o pedido [de dinheiro, feito por Temer]. “Ah, mas pediu caixa 2, não pediu caixa 2”. Em princípio, pela nossa experiência até aqui, a rigor não tem ônus nenhum para os candidatos receber de forma regular. A opção do caixa 2 ou caixa 1 é talvez um problema das empresas, para que outros não saibam. Porque no momento em que se faz a doação pelo caixa 1, ela aparece nas nossas contas aqui [no TSE] e começa todo esse jogo de pressão, eventuais achaques. Claro, se doou para um, não doou para outro. Então as empresas fazem essa opção.

Vamos ver se entendo corretamente os argumentos jurídicos de Sua Excelência: a lei é para uns, não para outros, é isso? Ou, no caso das empresas, “opcional”.
O direito no Brasil tornou-se uma pataquada, feito sob medida do freguês.

Do DCM, por Fernando Brito

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Como se “monta” um processo no Brasil de hoje para condenar sem provas


A sentença, segundo elementar princípio da Teoria Geral do Processo e dogma do processo penal civilizado, é o epílogo, o desfecho de toda ação judicial. Trata-se da síntese resultante da necessária conflagração dialética entre a tese acusatória e a antítese defensiva, estruturadas à vista da prova recolhida nos autos.

A partir da notícia da ocorrência de uma infração penal realizam-se investigações, empreendem-se diligências, ouvem-se indiciados e testemunhas, oferecem-se denúncias, apresentam-se contraposições defensivas, colhem-se provas perante o juiz da causa, postulam-se condenações e absolvições e somente então têm lugar as decisões que rechaçam a imputação ou punem os acusados. Esse democrático e secular ritual sofre radical inversão, ou, como diz o povo, “é virado de ponta-cabeça” nos processos impregnados de fatores político-partidários ou disputas ideológicas.

Nesses as fases procedimentais, com exceção da defesa, movem-se no sentido inverso, é dizer, de trás para a frente. É a preconcebida condenação, e não a isenta apuração de um fato delituoso, que motiva, orienta e subordina toda a sinergia processual. O inquérito policial é dirigido não como uma apuração imparcial, mas como um encomendado e irrevogável libelo incriminador de mão única, que só conduz a um e inexorável resultado: a condenação ardentemente desejada.

Se constitui truísmo reafirmar que a sentença deve encerrar a essência da verdade real dos fatos garimpados na instrução com o escopo de formar o convencimento final do julgador, a apuração que isso precede deve seguir o paradigma do método investigativo, ou seja, um imparcial construto factual para a demonstração da materialidade e dos indícios de autoria do delito. Os fatos têm de ser historicamente reconstituídos à luz de evidências documentais, periciais, testemunhos, confissões, etc., vedada a prova ilícita. Mas, no “auto de fé” que constitui o processo político, tal script é dramatúrgico: a regra é a de que nem é preciso haver delito.

Para forjá-lo certos roteiristas (uma espécie de societas punitionis) cuidam de inserir, como num filme ou romance histórico, achegas ficcionais. As “provas condenatórias” são costuradas com a linha imaginária do desejo (wishful thinking). Basta um anódino grão fático para construírem seu castelo de areia (sem trocadilhos). Na sua falta, recorrem à arte divinatória, com argumentos de dedução retórica do tipo “talvez”, “só pode ser”, “tudo indica”, “disseram que disseram”. Aliás, adivinhar tem sido um dom paranormal a mais exigido dos advogados desta quadra brasileira, pois muitas vezes os inquéritos são secretos e o investigado nem sabe de que é suspeito.

O processo desfigurado por paixões políticas é cediço nos regimes de exceção, nas autocracias, mas pode vicejar na ambivalência das conjunturas em que o Estado de Direito esteja vincado pela hipertrofia da supremacia partidária, ideológica, ou pela intolerância de maiorias sobre minorias. A causa política do mais forte subjuga o direito do mais fraco. Urdem-se maliciosas tessituras normativas e, sobretudo, praticam-se heterodoxias procedimentais para, em cumplicidade autoritária, perseguir oponentes indesejáveis.

Mas, tal como a mulher de César, o disfuncional processo precisa manter as aparências. O réu tem sempre direito de defesa, desde que manejado para tentar provar a sua inocência – embora seja uma platitude nas Cortes assinalar que o ônus da prova é do acusador. À acusação tudo se permite, mas à defesa negam-se testemunhas, reperguntas, recursos, diligências e perícias. Seu principal papel é apenas legitimar o “julgamento”. Afinal, Alfred Dreyfus na França, em 1894, Sacco e Vanzetti nos Estados Unidos, em 1927, e os bolcheviques perseguidos nos Processos de Moscou, em 1936, tiveram defesa “ampla”… Mas seus advogados, como todos os que oficiam em processos de conteúdo político, realizaram o suplício de Sísifo, carregando paciente e incansavelmente no lombo as evidências da inocência que a sentença pré-escrita teimava sempre em lançar novamente morro abaixo…

À parte a caracterização política do processo, a ser feita fora dos autos, a missão do advogado é realizar a defesa técnica de seu constituinte. Seu breviário é a lei, sua oração é a lei, sua fé é a lei. Às curvaturas do rito procedimental cabe-lhe esgrimir a retidão da norma legal. O paradoxo é que em tais casos essa é a mais fácil e a mais difícil de todas as lidas.

O defensor já entra em desvantagem por ver a presunção de inocência substituída pela certeza preconcebida da culpa. Maneja a luz contra a treva, o fato contra a ficção, a realidade contra a fantasia, mas pena para demonstrar que ovo não tem pelo, jabuti não sobe em árvore, cavalo não tem chifre – embora tais deformidades ilustrem certas peças de acusação… É uma libertária porfia levada a efeito em estado de absoluta solidão.

Advogado que compõe a banca de defesa do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, encurralado por seis processos políticos (com direito a media trial e power point em horário nobre), empenhamo-nos em realizar sua defesa técnica, em todas as instâncias, na esperança de que a cascata persecutória dê lugar à fonte cristalina onde se possa saciar a sede de justiça. A convicção que nos move é a manifestada pelo poeta inglês John Milton, em 1644, na Areopagítica: “Deixemos que a verdade e a falsidade se batam. Quem jamais viu a verdade levar a pior num combate franco e livre?”.

Com Informações do Vi o Mundo, por José Roberto Batochio, advogado criminalista, ex-deputado federal pelo PDT-SP e ex-presidente do conselho federal da OAB, em artigo para o Estadão.



quinta-feira, 9 de março de 2017

Políticos tentam trapacear o caixa 2, diz Luís Nassif

Políticos tentam passas a manta do caixa 2. Passar a manta, em mineirês: passar a perna durante uma negociação.

Desde tempos imemoriais, misturaram-se financiamentos de campanha e financiamento pessoal. Tome-se o caso de Tancredo Neves: a vida financeira de sua família só ganhou alguma folga após a campanha para presidente. Ou então, Franco Montoro que, após a campanha para governador, conseguiu recursos para sair da casa onde morou a vida toda e mudar-se para um apartamento de boas dimensões. E Fernando Henrique Cardoso que, após a primeira campanha, conseguiu recursos para se tornar sócio de uma fazenda em Minas Gerais.

Estamos falando dos políticos mais íntegros.
Nos tempos atuais, há uma maneira simples de separar quem recebeu recursos para campanha e quem enriqueceu embolsando uma parte: basta abrir suas contas pessoais.

Os fundos de investimentos de Verônica Serra resistiriam a uma auditoria por uma firma independente, dessas que, ao contrário do Ministério Público Federal, não permitem o vazamento de informações sigilosas? E Serra teria como justificar sua coleção de obras de arte? Ou então apresentar recibos de aluguel da bela casa que adquiriu, ainda enquanto Secretário do Planejamento de Montoro, e que dizia a todos que só foi morar lá devido a um aluguel módico? A propriedade da casa só foi esquentada em 2002, usando como lastro supostas doações da filha Verônica Serra, conforme consta nas explicações do candidato à época.

Aécio abriria mão do sigilo de suas contas no exterior e de suas declarações de renda, para que se entenda como uma pequena rádio de São João Del Rey permitiu a ele ter uma coleção de carros caros e uma vida mansa no Rio de Janeiro?

Há três justificativas para o uso do caixa 2 por políticos:

A empresa não quer ser identificada para não sofrer assédio de outros candidatos. Digamos que é a única circunstância legal. Bastaria doar ao partido, acertando previamente o candidato a ser beneficiado.

A empresa não quer ser identificada porque trata-se de dinheiro de propina e seria fácil estabelecer as ligações entre obra e padrinho.

O político quer liberdade para utilizar o dinheiro. Se a empreiteira  entregou ao político R$ 10 milhões em espécie, qual a prova de que o dinheiro seguiu intocado até o marqueteiro? Imagine, então, o dinheiro sendo depositado em uma conta na Suíça, em nome de um banqueiro de confiança do senador. O que impediria que parte dele fosse para o bolso do senador? Em tese, nada.

Como não se espere do MPF nenhuma investigação mais apurada sobre esses varões de Plutarco, talvez eles tenham a intenção de espontaneamente se submeter a essas averiguações. No mínimo, para espantar qualquer desconfiança que possa recair sobre a reputação de tão notáveis homens públicos.

Do GGN

A “mula” de Temer, o Yunes “tropeçou”

A inacreditável história do “amigão” e assessor de Michel Temer não durou um mês.

Traz a Folha hoje que José Carvalho Filho, entregador de dinheiro da Odebrecht, diz que não foi Lúcio Funaro quem levou R$ 1 milhão ao escritório de José Yunes, em São Paulo.

Yunes, portanto, mentiu sobre a identidade de quem lhe trouxe o “pacote” de dinheiro. Mais importante: mentiu sobre a quem se destinava.

Diz a delação de Carvalho que houve outra entrega, em Porto Alegre, no escritório de Eliseu Padilha.

Não havia, portanto, razão para entregar algo a Yunes para que repassasse a Padilha, pois havia uma entrega direta ao próprio ainda ministro da Casa Civil de Temer.

Há pouco mais de dez dias isso já tinha sido registrado aqui:
O provável destino do dinheiro era São Paulo, onde fica a sede da Odebrecht, onde Funaro tinha escritório, assim como Yunes.

Então vejamos: segundo o delator da Odebrecht Cláudio Melo Filho, o grupo que negociava ajuda ao “PMDB da Câmara” era formado por Geddel Veira Lima, de Salvador; Moreira Franco, que é do Rio de Janeiro; Eliseu Padilha, que é tem apartamento no elegante bairro dos Moinhos de Vento, em Porto Alegre. Ah, sim, tinha também o “MT”, que mora em…
Naquela ocasião, escrevi que havia duas questões a serem esclarecidas na incrível história de Yunes, que era mula, mas não de Padilha.

A primeira, quem levou o pacote, cujo nome está registrado e será conhecido na sexta-feira, quando José Carvalho Filho depuser ao ministro Herman Benjamin. E porque dizer que era Funaro? Provavelmente para enfiar Cunha como o “apanhador” original do dinheiro e livrar Padilha e Yunes do “molha a mão” direto com a Odebrecht.

A segunda, a quem se destinava o pacote. O que, agora, parece estar bem claro.

Que doação legal, registrada, não se faz com entrega de pacotes é evidente.
Fica, então a alternativa que Aécio Neves disse ontem ser imperdoável: “crime praticado por quem obteve recursos para enriquecer pessoalmente”.
E que Fernando Henrique definiu ao defender os recursos de caixa 2 para campanha ou para proveito próprio: é “crime puro e simples de corrupção”.

PS. E, se não bastasse, a empresa de Yunes, repassada a seus filhos, recebeu R$ 1,3 milhões das empresas de fachada do doleiro Adir Assad, tomador de dinheiro da Andrade Gutierrez, Delta Engenharia (aquela de Fernando Cavendish) e UTC Engenharia…

Tijolaço, por Fernando Brito