quarta-feira, 30 de janeiro de 2019

TOFFOLI É A SEM-VERGONHICE DA VERGONHA: AUTORIZOU UM CORPO A IR ATÉ QUARTEL

Pouco mais de uma hora antes do horário do enterro do irmão mais velho de Lula, o presidente do STF, Dias Toffoli deu uma decisão que se destina apenas a tentar mostrar o que a Justiça é: uma máquina de perseguição ao ex-presidente Lula.
Nem mesmo o deslocamento físico era possível em tão curto espaço de tempo, numa decisão que estava há horas nas suas mãos, depois de doentiamente negada em duas instâncias inferiores.
Mas foi ainda pior: não autorizou Lula a ir ao velório do irmão, mas que o velório, se quisessem, fosse levado para dentro de um quartel, restrito a familiares e fechado a imprensa, para que se cumprisse o supremo dever de, como todos já observaram, de que Lula não seja nem visto, nem ouvido.
Lula poderia, como se disse, ir para um quartel e, vejam, “inclusive com a possibilidade do corpo do de cujos  (sic) ser levado à referida unidade militar”.
Que possibilidade se, poucos minutos depois, o enterro já havia sido feito?
A única finalidade da decisão é fingir que a Justiça não proibiu o ex-presidente de ir ao velório e ao enterro do próprio irmão.
Toffoli deu provas, outra vez, de sua microscópica grandeza moral diante do homem que fez dele ministro do STF, num grande erro, pois a sua lex magna é sua própria carreira.
Foi, para minha sorte, uma das pessoas com quem não cruzei em Brasília. A ultima vez foi, justamente, num velório, o do jornalista Julinho de Grammont, assessor de imprensa de Lula morto tragicamente num acidente em 1998.
Toffoli foi o corolário de uma perversa pantomima, a que protelou a decisão óbvia de permitir, como diz a lei, que Lula desse o último adeus aos irmãos para, afinal, inviabiliza-la, por sem tempo e sem dignidade na sua realização.
Ele é, afinal, um sujeito raro. Pouca gente teria capacidade de ser tão abjeto assim.
Tijolaço

LULA NÃO É SÓ PRESO POLÍTICO, É UM HOMEM QUE NÃO PODE SER MAIS VISTO, POR FERNANDO BRITO


Escrevi, outro dia, aqui, que o comportamento da dita Justiça em relação a Lula era apenas o exercício da maldade.
A ratificação pela Senhora (não me sinto à vontade em chamá-la de juíza) Carolina Lebbos da perversidade da Polícia Federal de Sérgio Moro e impedir Lula de ir ao enterro do seu irmão mais velho é, até para os cegos por outra razão que não seja o ódio mais estúpido, a confirmação de que estamos diante de gente governada pelo ódio mais insano.
Coisa só comparável a campos da Gestapo.
Mas há, no fundo, um sentimento maior a motivá-los: o medo.
É preciso que Lula, em nenhuma hipótese, seja visto ou ouvido.
É preciso que ele morra em vida, na escuridão do silêncio.
Não pode ser entrevistado porque influenciaria as eleições, mesmo depois de meses que a eleição ocorreu e levou ao poder um amigo da milícia.
Mas, desta vez, os limites de qualquer coisa que não provocasse nojo e vômito foram ultrapassados.
Alegar, como alegou a Senhora Lebbos que a ida de Lula ao cemitério de São Bernardo “poderia prejudicar os trabalhos humanitários realizados na região de Brumadinho” é de uma sordidez que ultrapassa todos as fronteiras do que é vergonha.
Lula submeteu-se, inocente, a toda a ferocidade com que o Judiciário o tratou.
Não lhes basta.
Lula está, como as vítimas de Brumadinho, soterrado sob a lama de um Poder Judiciário que acanalhou-se.
A lei, para os que são responsáveis por aplicá-la, é como o laudo que atestou que a barragem, como as instituições, estava funcionando perfeitamente.
O que brota dela, porém, é tão asqueroso quanto o que estamos vendo nas televisões.
Lula é um homem que não pode mais existir e não não pode ser mais visto.
Lula não pode mais existir, pela simples razão que existe.
Tijolaço

sábado, 26 de janeiro de 2019

XADREZ DE HAMILTON MOURÃO, POR LUIS NASSIF

Nas próximas semanas, o grande trabalho da opinião pública será decifrar o general Hamilton Mourão. A probabilidade de substituir Jair Bolsonaro na presidência da República é cada vez maior. Repito: a única incógnita é o prazo para a queda de Bolsonaro.
São vários os fatores de desgaste de Bolsonaro.
Fator 1 - a dinâmica das denúncias
Os indícios contra a família Bolsonaro eram antigos e conhecidos. Mas havia uma espécie de linha divisória psicológica impedindo a mídia de avançar além de certas ilações. O excesso de evidências contra Flávio Bolsonaro fez a imprensa atravessar o Rubicão e aponta-lo como ligado às milícias. Agora, se tornou uma caça ao alvo.
Há várias frentes de denúncias apertando o torniquete no pescoço da família Bolsonaro - por suas relações com as milícias.
A principal delas são os trabalhos do Ministério Público Estadual do Rio de Janeiro - que deverão ser retomados a partir do dia 1o, quando o STF (Supremo Tribunal Federal) voltar do recesso e o Ministro Marco Aurélio de Mello desfizer o pacto carioca de blindagem, encabeçado por seu colega Luiz Fux. Nos próximos dias, o filho Flávio Bolsonaro e o motorista Fabrício Queiroz serão convocados a depor.
No momento, há uma caçada ampla da Polícia Federa, Interpol e outros agentes ao capitão Adriano Magalhães Nóbrega, principal suspeito do assassinato da vereador Marielle. Flávio Bolsonaro não apenas conferiu a Adriano a Medalha Tiradentes - quando ele já estava preso, sob suspeita de outro assassinato -, como empregou mãe e esposa na Assembleia Legislativa.
A tentativa do governo, de reduzir a área de atuação dos órgãos de controle deflagrará uma nova onda de vazamentos do lado do COAF (Conselho de Controle das Atividades Financeiras), Receita e CGU (Controladoria Geral da União). Recorde-se que a primeira dama, Michele Bolsonaro, entrou na linha de tiro devido ao cheque de R$ 24 mil que recebeu de Fabricio Queiroz, o motorista dos Bolsonaro.
As informações divulgadas nos últimos dias não deixam nenhuma margem a dúvidas de que Queiroz é elo direto da família Bolsonaro com a milícia do Rio das Pedras.
O jogo de assessores indo do gabinete do filho para o pai, a troca de cheques, o fato de Queiroz ser amigo do pai, todos esses fatores tornarão impossível qualquer ginástica para isolar o pai dos malfeitos do filho.
Fator 2 - o desastre internacional
As notícias sobre as relações dos Bolsonaro com as milícias já ganharam mundo. Le Monde, Financial Times, The GuardianThe New York Times.
E não apenas pelas milícias. Diz o NYTimes:
“Três ministros, bem como alguns diretores de nível médio implicados em investigações de corrupção, foram contratados pela administração, apesar da política declarada de tolerância zero de Bolsonaro. O filho do vice-presidente foi promovido e recebeu um triplo aumento em um banco estatal. Mesmo uma multa aplicada contra Bolsonaro pela pesca em águas protegidas em 2012 foi anulada pelas autoridades.
Bolsonaro e seus aliados também continuaram usando privilégios políticos legais, mas muito desprezados, como aceitar as concessões móveis concedidas a legisladores e funcionários federais - mesmo quando eles já moram na capital”_.
O encontro de Davos foi um fracasso retumbante, pela falta de propostas, mas, sobretudo, pela falta de postura de Bolsonaro, descrito de modo fulminante pelo diário italiano La Reppublica:
“O 'duro' da ultra-direita sul-americana, o presidente homofóbico e xenófobo dos tons marciais e a paixão pelas armas, de repente parece um cordeirinho na frente do público rico e poderoso”.
O otimismo do mercado com o Brasil se agarrava na possibilidade do Ministro da Economia, Paulo Guedes, conseguir fazer alguma coisa, apesar do presidente Bolsonaro, de acordo com Brian Winter, correspondente do Americas Quarterly.
Depois de tecer loas a “um homem que parece destinado a mudar o Brasil para melhor”, esclarece que se trata de Paulo Guedes.
Não se esqueça, porém: ele não é o presidente.
Esse seria  Jair Bolsonaro (…)  Desde que assumiu o cargo, em 1º de janeiro, ele cometeu uma série de  gafes e reversões de políticas  em tudo, desde cortes de impostos até uma  oferta  (rapidamente retirada) dos EUA para construir uma base militar em solo brasileiro. Sua família é subitamente  enredada em um escândalo de corrupção  com consequências imprevisíveis e potencialmente terríveis. Bolsonaro e seus aliados parecem mais focados em atacar inimigos imaginários ou irrelevantes - “ marxismo cultural ” , “ ideologia de gênero ”,  globalismo  e imprensa, entre outros - do que oferecer soluções viáveis para os reais problemas do Brasil. As poucas políticas que ele apresentou incluem um afrouxamento do controle de armas  em um país que já tem  mais mortes por arma do que qualquer outro,  movimentos que podem permitir  um desmatamento mais rápido da Amazônia, e um  decreto  para “supervisionar, coordenar e monitorar” ONGs internacionais que operam no Brasil.
Simultaneamente, ganhavam mundo também os diversos aloprados indicados para Ministérios. Em Davos, o chanceler Ernesto Araújo enredava o país nas confusões da Venezuela, mostrando o risco de se manter um estúpido em cargo chave. Por sua vez, a Ministra dos Direitos Humanos escandalizava os holandeses ao sugerir, nas pirações evangélicas pré-governo, que o país estimulava masturbação de bebês.
A semana terminou com a segunda tragédia de Minas Gerais, no início de um governo que se propôs a desmontar os sistemas de fiscalização do meio ambiente.
Além de esvaziar a pasta de Meio Ambiente, indicou para o Ministério pessoa acusada de improbidade visando atender a interesses de mineradoras em áreas de preservação.
Ou seja, não se trata apenas de um presidente de ultradireita, mas de um personagem desqualificado para as funções públicas, que está envergonhando o Brasil perante o mundo.
É aí que entra o fator Hamilton Mourão.
Peça 3 - o fator Hamilton Mourão
Durante a transição, Mourão se tornou o interlocutor preferencial dos empresários pelo fato de ser dos poucos focos de racionalidade dentro do governo.
Teve o bom senso de desqualificar as maluquices de Bolsonaro com a tal missão militar norte-americana, com as pretensões lunáticas do chanceler de invadir a Venezuela. Ou a intenção  de mudar a embaixada de Israel para Jerusalém.
Após o anúncio da desistência  do deputado Jean Willys de assumir o mandato, devido às ameaças recebidas, proclamou que a ameaça a um deputado é atentado contra a própria democracia.
Imediatamente ganhou status de presidenciável junto aos setores mais racionais.
Mas, ao mesmo tempo, foi o interino que assinou um decreto que, na prática, acaba com a Lei da Transparência. O decreto faculta a qualquer funcionário comissionado (isto é, indicado pelo governante de plantão) decretar sigilo para informações requeridas. Hoje em dia, a responsabilidade pelos dados é de Ministros. Estendendo a todos os comissionados, ficará fácil o jogo das gavetas, esconder informações com a censura sendo diluída por vários responsáveis.
Alegou que pretendia apenas desburocratizar. E que a responsabilidade final seria do Ministros. Aventou-se também a hipótese de que eram demandas antigas do Itamaraty e das Forças Armadas. Nenhuma desculpa convincente e todas elas sem respaldo no texto do decreto.
Ao mesmo tempo, surge a proposta do Banco Central de afastar o monitoramento, pela COAF, de parentes de políticos. Mais uma vez, desculpas inverossímeis, de que a medida visava adaptar o país a práticas internacionais contra corrupção. Ora, os parentes são os candidatos naturais a laranjas dos corruptos.
Essas medidas foram anunciadas depois do escândalo Flávio Bolsonaro, passando a suspeita de que Mourão poderia estar se envolvendo para além da prudência na blindagem do primeiro filho de Jair.
Será quase inevitável a substituição de Bolsonaro por Mourão em um ponto qualquer do futuro. Enquanto, em público, Bolsonaro parece um lagarto assustado, Mourão é senhor de si.
A dúvida que fica é sobre a natureza de um eventual governo Mourão. 
Do ponto de vista de mercado, significaria dar chão firme para as formulações econômicas de Paulo Guedes. No plano internacional, significaria tirar o país do centro da galhofa mundial. Mas não se espere nenhum compromisso mais aprofundado com valores democráticos.
GGN

sexta-feira, 25 de janeiro de 2019

MOURÃO, O “BOCÃO”, TRANSFORMA ATÉ BARRAGEM ROMPIDA EM PERSEGUIÇÃO AO BOZO, POR FERNANDO BRITO

Alguém tem de avisar ao general Hamílton Mourão que ninguém está acusando  Jair Bolsonaro e seu governo de serem os responsáveis pelo rompimento da barragem de Brumadinho. E que fica muito feio que ele tente tirar proveito político dizendo que “não tem nada com isso”.
— Essa conta não pode vir pra gente, não pode vir para nosso governo. Porque nós assumimos faz 30 dias. Ali é uma empresa privada, a Vale é uma empresa privada.
General, é claro que a responsabilidade civil e criminal é da Vale, que não poderia, mesmo com qualquer grau de imprevisibilidade, deixar uma barragem de rejeitos se romper. Se os laudos que tinha estavam errados, que ela processe (chama-se, juridicamente, de regredir) contra quem os deu.
A responsabilidade do Governo, se o senhor não atinou, é a de fiscalizar com eficiência e capacidade técnica não aceitar passivamente a “garantia da empresa”. E de só permitir o que seja seguro e sem risco para a população e o ambiente.
É por isso que não estamos culpando Jair Bolsonaro pelo que aconteceu em Brumadinho, mas pelo que pode acontecer daqui para a frande se prevalecer o que ele disse à Folha, não tem nem dois meses. Está na Folha, mas coloco o link, para facilitar sua agenda pesada.
Há notícias iniciais de que licenças facilitadoras e fiscais sem capricho andaram acontecendo por lá, a ver.
O que se quer do governo federal, que é quem detém competência para as licenças minerárias e que faça quem lucra bilhões extraindo minérios pague, com impostos e royalties, a manutenção de um corpo técnico capaz, com instrumental suficiente para fiscalizar sua atuação.
E com independência, para não acontecer como com a multa que deram ao “chefe” por pescar numa reserva  e anularam depois.
Porque um governante dá exemplos – o Temer diria: verba volant, exempla trahunt –  e ao sinalizar que demoniza a fiscalização “no cangote dos empresários”  Jair Bolsonaro abre caminho para que tragédias aconteçam.
E aí, sim, a conta irá para os senhores.
Merecidamente.
Tijolaço

quinta-feira, 24 de janeiro de 2019

MÍDIA ENTERRA BOLSONARO VIVO E PREPARA MOURÃO

Os três dos principais grupos de comunicação do país praticamente desembarcaram do governo Bolsonaro depois de terem sido decisivos em sua eleição em 2018 e na guerra política ao PT desde 2014; editoriais do Estado de S.Paulo e da Folha de S.Paulo atacaram Bolsonaro nesta quinta e os veículos do grupo Globo assumiram a dianteira das investigações da imprensa sobre o caso Queiroz
Os três dos principais grupos de comunicação do país praticamente desembarcaram do governo Bolsonaro depois de terem sido decisivos em sua eleição em 2018 e na guerra política ao PT desde 2014. A família Marinho respondeu com um jornalismo incisivo e agressivo, ao assumir a dianteira das investigações da imprensa sobre o caso Queiroz e, nesta semana, do envolvimento de Flávio e o clã Bolsonaro com o crime organizado no Rio, movimentando seus principais veículos, a TV, especialmente o Jornal Nacional, a Globo News e O Globo. As revelações feitas pelos veículos da empresa colocaram o governo em xeque e foram a principal causa da crise atual.
O jornal O Estado de S.Paulo, que havia se tornado um panfleto bolsonarista na campanha, devido a seu antipetismo visceral, voltou-se contra o presidente em editorial nesta quinta-feira 24 e praticamente decretou a falência do mandato de Bolsonaro. O jornal desferiu ataques virulentos contra o cancelamento da coletiva: "Num vexame sem precedente, o presidente Jair Bolsonaro evitou a imprensa em Davos, cancelando uma entrevista e deixando jornalistas e cinegrafistas brasileiros e estrangeiros à sua espera numa sala do Fórum Econômico Mundial." Depois, contra o discurso: "Produziram um mexidão com ideologia e insuficiência de informação relevante. Foi mais uma versão requentada de um discurso eleitoral. Mesmo os frequentadores mais conservadores de Davos devem estar pouco interessados na restauração dos valores da família brasileira. Os menos pacientes devem ter achado patética a afirmação sobre como foi escolhida a equipe de governo". E, por fim, praticamente interditou Bolsonaro ao afirmar que ele apresenta "más condições para o exercício de uma função física e psicologicamente exigente como a que acaba de assumir".
A Folha de S.Paulo, que aderiu firmemente a Bolsonaro na campanha, a ponto de proibir seus jornalistas de o qualificarem como de extrema-direita, considerou que o envolvimento do clã com o Escritório do Crime no Rio ultrapassou todos os limites institucionais. "A descoberta põe a crise em outro patamar porque não se trata mais de desconfiar que Flávio, como deputado estadual, integrasse um esquema banal de desvio de recursos públicos", aponta o texto. "Nada tem de banal, porém, a ligação de um legislador brasileiro com um sujeito apontado como chefe de uma das quadrilhas mais perigosas do Rio, acusada de sequestrar, torturar e assassinar pessoas, além de explorar mercado imobiliário clandestino e extorquir moradores de comunidades carentes." Mais que Flávio, a bateria dos Frias voltou-se contra o próprio presidente: "Tampouco é prática conhecida, e muito menos aceitável, a proximidade do próprio presidente da República com gente que parece pertencer a uma organização criminosa armada."
Brasil 247

quarta-feira, 23 de janeiro de 2019

A RECEITA DEPOIS DO PESADELO BOLSONARO, POR LUIS NASSIF

Prêmio Nobel de Economia em 2006, Edmund Phelps publicou um artigo instigante sobre as razões do dinamismo, ou da perda de dinamismo nas economias ocidentais.
Ele critica a dificuldade dos economistas em trabalhar com a incerteza. Tratam a economia como se fosse um processo cumulativo, calculado, em que o futuro é previsto a partir do passado. É o manual do cabeça de planilha. Em momentos de ruptura, de crise sistêmica, dançam.
O desenvolvimento do Ocidente, diz Phelps, sempre esteve ligado à noção da incerteza, e da busca do novo. A revolução se deu através da inovação na base, envolvendo todas as pessoas, trabalhadores, empresários, e todo tipo de indústria.
Ele atribui a Robert Solow, do MIT, a consagração da tese de que a taxa de progresso técnico era exógena à economia. Lembra em muito o ex-Ministro Pedro Malan, que minimizava políticas científico-tecnológicas, afirmando que bastaria importar máquinas modernas, que já vinham com o conhecimento embutido.
Aí se volta à noção da economia e do desenvolvimento como um sistema, uma engrenagem que produz desenvolvimento quando todos os fatores avançam na mesma direção.
No início dos anos 90, quando começaram os primeiros movimentos pela qualidade, parecia que esse sentimento tinha tomado conta de amplos setores. Aliás, no alvorecer do período democrático, Fernando Collor acertou em cheio com o conceito de câmaras setoriais - juntando, em um mesmo ambiente, produtores, fornecedores, trabalhadores em torno do objetivo de conferir competitividade ao setor.
Atrás de sua estratégia, havia conceitos claramente definidos pelo maior – e mais desconhecido – economista brasileiro da época, Júlio Mourão, do quadro do BNDES (Banco Nacional do Desenvolvimento Econômico e Social). Coube a ele lançar as bases da política da integração competitiva, entendendo o desenvolvimento como um processo sistêmico.
No governo Fernando Henrique Cardoso, avançaram-se nos conceitos de Arranjo Produtivo Local e nas bases dos primeiros programas de inovação, muito devido ao então Ministro Luiz Carlos Bresser Pereira.
No governo Lula, as conferências nacionais se constituíram em poderosíssimo instrumento de coordenação federativa. As conferências de inovação deram início a um pacto envolvendo associações empresariais, trabalhadores, sindicatos. Ganharam corpo os movimentos pela educação e pela inovação. A Confederação Nacional da Indústria chegou a montar o MEI (Movimento Empresarial pela Inovação), pelo qual grandes empresas – nacionais e multinacionais – implementariam programas para levar a qualidade aos pequenos.
O governo Dilma lançou alguns programas relevantes de inovação, como o Brasil Competitivo, em parceria com a CNI, estimulando institutos de pesquisa a atuarem em rede resolvendo problemas estruturais da indústria. E foi relevante com o MEI (Microempreendedor Individual), permitindo a formalização de milhares de microempresários por todo o país.  As políticas de compras da Petrobras estimulavam pequenas empresas.
Todos esses movimentos, uma construção social e econômico penosa – dado o ambiente negativo das políticas monetária e cambial – ruíram com a perda de rumo do governo Dilma. A própria Dilma poderia ter promovido uma correção de rumos. As eleições seguintes garantiriam a alternância de poder, necessária em toda democracia, com o esgotamento do ciclo petista.
Mas, aí, sobreveio o golpismo, com Ministério Público Federal, através da Lava Jato, e com a complacência cúmplice do STF (Supremo Tribunal Federal), dando início à destruição do sistema partidário e da economia nacional.
Agora, o pesadelo de Bolsonaro traz uma nova divisão, que irá se consolidar gradativamente: entre o Brasil moderno, de esquerda e direita, e o país dos subterrâneos e das milícias.
Seria relevante que as lideranças mais racionais, de lado a lado, começassem a construir a ponte para o recomeço, que se dará um ponto qualquer do futuro.
Assim que passar o pesadelo bolsonariano, o trabalho de reconstrução terá que se dar em torno de um amplo pacto nacional juntando movimentos, sindicatos, empresas, mercado, universidades, institutos.
O político, ou o pacto, que lograr essa síntese dominará o próximo ciclo político.
GGN

terça-feira, 22 de janeiro de 2019

XADREZ DO ELO PERDIDO QUE LIGA FLÁVIO BOLSONARO A MARIELE, POR LUIS NASSIF

Peça 1 – o suspeito-chave
No “Xadrez do fim do governo Bolsonaro” montei um mapa mostrando uma série de correlações entre Flávio Bolsonaro, as milícias e a morte de Marielle Franco.
Agora de manhã, foi deflagrada a Operação Intocáveis do Rio das Pedras, que visa uma das maiores milícias do Estado, entocada no Rio das Pedras. Segundo as primeiras informações, se teria chegado ao Escritório do Crime, braço armado da organização especializado em assassinatos sob encomenda.
Foi detido o Major Ronald Paulo Alves Pereira, um dos grandes assassinos mantidos na Policia Militar do Rio. Ele foi o responsável pela Chacina da Vila Show, sequestro e assassinato de quatro jovens que saíam de uma festa.
Ronald passou em um concurso para a PM, foi considerado inapto no exame psicológico, por "demonstrar irritabilidade e onipotência", segundo o laudo, o que indicaria um perfil incompatível com a função. Conseguiu entrar graças a uma liminar obtida em 1995. Um mês após a chacina, recebeu uma moção de louvor do então deputado Flávio Bolsonaro.
Mas o personagem-chave na saga das milícias é o Capitão Adriano Magalhães da Nóbrega, apontado como o chefe do Escritório da Morte, grupo especializado em execuções sob encomenda, e também preso na operação.
É mais grave que isso.
Há pelo menos seis meses a equipe que investiga a morte de Marielle Franco tem convicção de que foi ele o autor dos disparos que mataram a vereadora. Demorou-se mais tempo que o normal nas investigações depois que a equipe se deparou com as ligações do capitão com o gabinete de Flávio Bolsonaro, filho de Jair. As menções a figuras políticas influentes que impediriam as investigações não se referiam a meros vereadores, deputados ou políticos do PMDB. Era a uma força maior. Daí o nome da operação: Os Intocáveis.
Redobraram-se os cuidados para alicerçar a denúncia em provas irrefutáveis. Se, hoje, houve a prisão de Adriano Nóbrega, provavelmente é porque as provas foram consideradas consistentes.
Na operação foi detido também o contador da milícia e apreendido o cofre forte que guardava toda a documentação das operações – incluindo pagamentos de subornos.
E aí se entra no maior imbróglio político das últimas décadas.
Peça 2 – o mapa das correlações
Vamos a uma pequena atualização do mapa anterior, à luz de novos fatos.
No episódio do assassinato de Marielle Franco, aparecem três personagens centrais:
Vereador Marcelo Siciliano, apontado como o homem que encomendou a morte de Marielle.
Zinho, chefe de milícia, detido na Operação Quarto Elemento, e apontado como a pessoa que acertou com o assassino.
Capitão Adriano Magalhães da Nóbrega, principal suspeito de ter sido o assassino.
Até agora, aparecem as seguintes correlações com os Bolsonaro
Marcelo Siciliano à Michele Bolsonaro.
 O vereador foi autor de lei autorizando a construção de um templo de cinco andares da Igreja Batista Atitude, na Barra da Tijuca, frequentado pelo casal Jair Bolsonaro, depois que Michele rompeu com o pastor Silas Malafaia. O guru do casal é o pastor Josué Valandro Jr. Foi lá que Jair apareceu, logo após as eleições, orou, ficou de joelhos, chorou e atribuiu a vitória a Deus, segundo reportagem da Folha.
Capitão Adriano à Flávio Bolsonaro à Fabrício Queiroz
Há mais coincidências incômodas. Segundo reportagem de O Globo, Raimunda é sócia de um restaurante localizado na rua Aristides Lobo, no Rio Comprido. Ele fica em frente à agência 5664 do Banco Itaú, na qual foram realizados 17 depósitos em dinheiro vivo na conta do motorista Fabrício Queiroz.
Uma nota na coluna de Lauro Jardim, de O Globo, diz que, no período em que se escondeu da imprensa e do Ministério Público Estadual, Queiroz se abrigou no Rio das Pedras, totalmente dominada pela milícia que comanda a região, alvo da Operação Os Intocáveis.
Segundo reportagem de 26/10/2018, de O Globo,  os milicianos dominam completamente o Rio Comprido. Cobram pela água, pelo estacionamento, cobram taxas de segurança. Antes, a taxa era cobrada apenas do comércio. Agora, é de toda a população.
Fabrício Queiroz à Michele Bolsonaro
E aqui se chega no Fiat Elba de Bolsonaro – aliás, episódio muito mais grave que o álibi encontrado pelo Congresso para o impeachment de Collor: os R$ 40 mil depositados na conta de Michele Bolsonaro pelo motorista Fabrício Queiroz. O cheque coloca o presidente no meio da fogueira. Não é verossímil sua explicação de que foi pagamento de dívida. Ainda mais depois de reveladas as movimentações na conta de Queiroz.
Flávio Bolsonaro aparece enredado em várias teias. Dois dos PMs detidos, membros da mil[icia, trabalhavam em suas segurança. A irmã deles é tesoureira do PSL. Vários dos milicianos foram alvo de homenagens e moções de aplauso. Mãe e esposa do principal suspeito pela morte de Marielle trabalhavam em seu gabinete. E ainda há o aumento patrimonial e as transferências de dinheiro mal explicadas.
Peça 3 – a frente de brigas dos Bolsonaros
Até agora, os Bolsonaro abriram as seguintes frentes de briga:
Com o Congresso, com a estratégia de negociar com blocos e não com partidos.
Com o sistema CNI (Confederação Nacional da Indústria) e CNC (Confederação Nacional do Comércio) com a ameaça de cortar os recursos do sistema S.
Com a mídia off-line, com a mudança de diretrizes da Secretaria de Comunicação. Mais especificamente, com as Organizações Globo e a Folha
Com os movimentos sociais.
Com sua própria base política, devido ao estilo extremamente truculento dos filhos.
Daqui para a frente, com o agronegócio, depois de anunciado o descredenciamento de frigoríficos brasileiros que exportavam para a Arábia Saudita, em represália à proposta fundamentalista de Bolsonaro, de mudar a capital de Israel para Jerusalem.
E, agora, com o próprio mercado, depois do vexame histórico de Davos, não apenas pelo total despreparo de Bolsonaro, mas pela incapacidade da equipe de chegar a um consenso mínimo sobre o discurso a ser feito. Dos 30 minutos a que tinha direito, utilizou apenas 6 minutos, tempo suficiente para expor seu notável despreparo. Pior: a notícia de que manteria encontros apenas com líderes nacionalistas antiglobalização, comandados por Steve Bannon, o homem da eleição de Donald Trump.
Enquanto isto, o vice-presidente, general Hamilton Mourão, tem sido cada vez mais procurado pelo meio empresarial, por aparentemente ser o único foco de racionalidade no governo, capaz de ouvir e entender.
Peça 4 – a campanha do impeachment
O que vai restar dessa lambança toda?
Há uma certeza e uma incógnita. A certeza é que Bolsonaro será impichado. A incógnita é quanto ao tempo que irá demorar o processo.
Seu único trunfo, junto ao bloco do impeachment, seria a eventualidade de sua queda provocar a volta do PT. Não ocorrerá. Sua queda promoveria a ascensão natural do general Mourão, preservando a unidade em torno de um comando mais racional.
Positivamente, não tem WhatsApp ou Twitter que o salve da fogueira.
Será curioso analisar o comportamento do Ministro Sérgio Moro, da Justiça. Na foto divulgada, do voo para Davos, vê-se Bolsonaro ao telefone. Com todo o Estado Maior no avião, a hipótese aventada é que estaria tratando da estratégia de defesa com o filho Flávio. No mesmo ambiente, uma das testemunhas da conversa é seu Ministro da Justiça, ex-juiz Sérgio Moro.
Enquanto isto, a cobertura das Organizações Globo tem sido de uma objetividade mortal. Há seis meses seus repórteres já sabiam das suspeitas com o capitão Adriano. Mas mantiveram um pacto de silêncio com o Ministério Público Estadual (MPE), para não atrapalhar as investigações.
A nota sobre o refúgio de Queiroz no Rio Comprido saiu um dia antes da Operação Os Intocáveis. Nos próximos dias – talvez até no Jornal Nacional de hoje – serão revelados os detalhes sobre o capitão Adriano.
Os Bolsonaro estão apanhando até no seu campo de batalha: as redes sociais.
É até possível que a Operação Marielle tenha acontecido sem conhecimento prévio de Flávio Bolsonaro e ele não passasse de um joguete nas mãos do motorista. É significativo o fato de ter publicado um Twitter se solidarizando com Mairelle e, em seguida, tê-lo apagado. Fará doferença em uma investigação criminal, não em um julgamento político.
Se valer um palpite, acho que haverá um desfecho relativamente rápido dessa crise.
GGN

segunda-feira, 21 de janeiro de 2019

MENDONÇA DE BARROS E A MISÉRIA DA ANÁLISE ECONÔMICA, POR LUIS NASSIF

Luiz Carlos Mendonça de Barros é um dos principais porta-vozes do mercado. Seu artigo, no jornal O Valor de hoje, é a demonstração cabal da miséria da análise econômica mercadista. Diz ele:
O ambiente de negócios de hoje é o resultado de 30 anos de uma experiência democrática com forte participação da sociedade. O desenho final que temos hoje foi fruto da interação entre problemas criados por uma Constituição utópica e a realidade social e política que sempre acaba se impondo em uma democracia.
(…) Por isto, as dificuldades para se chegar ao modelo ideal, que certamente está na cabeça da equipe econômica, serão muito maiores do que os previstos.
Entenderam? O modelo ideal é aquele que não leva em conta a realidade social e política do país.
É extravagante ler no principal jornal econômico brasileiro tamanha estupidez, muito mais adequada a um pensador bolsonariano do que a um formador de opinião. Mas é a demonstração cabal dos efeitos da falta de democracia no jogo da política econômica.
Mendonça de Barros foi desenvolvimentista, quando o Cruzado era. Foi financista, quando o Real se impôs. Tentou recriar uma socialdemocracia do PSDB, quando o partido se exauriu. E, tudo isso, porque na ponta havia uma realidade social e política do país, uma diversidade de interesses, que obrigava até céticos-pragmáticos (alguns diriam: cínicos) como ele a legitimar seu lobby com propostas que visassem o interesse geral.
Sem o jogo político, não há nenhuma preocupação em dourar a pílula dos interesses pessoais com propostas visando o interesse público. Basta repetir o discurso tosco-bolsonariano. E dirigir palavras carinhosas ao Paulo Guedes – que, em seus melhores momentos, Mendonça batizou de Beato Salú.
Desenvolvimento é sistema
Ora, o desenvolvimento é um sistema, integrado. Tem que haver clima para os negócios, sim. Mas tem que existir oferta de mão de obra educada, um mercado de consumo interno, espaço para a expansão dos pequenos negócios, das cooperativas, dos movimentos, políticas de educação, saúde, segurança, o combate à miséria e às desigualdades, visando criar uma sociedade equilibrada.
Há medidas que, beneficiando o mercado, favorecem o desenvolvimento. E medidas que comprometem o desenvolvimento.  Como governar é fazer opções, a maneira eficaz de se procurar o equilíbrio virtuoso é através do jogo democrático, representando a realidade social e política, com vários setores se manifestanco.
É o grande problema do particular e do agregado, do curto e do longo prazo, dos interesses particulares e de país. Visto no particular, direitos sociais significam custo para cada empresa. No agregado, são fundamentais para o conjunto de empresas, por impulsionar o dinamismo da economia, da oferta de mão de obra e de consumo. Mas quem defende o conjunto?
A submissão ao mercado, que marcou a política econômica do governo Collor, acentuada no governo FHC, para cá, é um exemplo nítido. Ano a ano foi sufocando o setor industrial, o setor produtivo, essenciais para a geração de riqueza, de emprego e de dinamismo econômico. A política dos campeões nacionais, nos governos Lula e Dilma, concentrou todos os setores dinâmicos da economia nas mãos de poucos supergrupos, em geral empreiteiras. Havia um imenso campo de empreiteiras médias que poderia ter sido desenvolvido, novos setores que poderiam ter nascido, mas o fator político falou mais alto. E o sucesso inquestionável do segundo governo matou a sensibilidade para as vozes da sociedade. Bastou o tiro Lava Jato para liquidar o modelo e a engenharia nacional.
As virtudes da democracia
Com todos os problemas gerados, no entanto, o período da redemocratização permitiu a consolidação de grupos de interesse em áreas vitais. Criou-se um partido da saúde, um partido da educação, um partido da inovação, políticas sociais relevantes, modelos de políticas científico-tecnológicas, todas elas compostas por defensores da mesma bandeira, que deixavam de lado idiossincrasias ideológicas para abraçar as mesmas bandeiras, garantindo a sua continuidade.
Tudo isto está indo por água abaixo. A cada dia que passa a estupidez do novo Ministro da Educação vai desmontando instrumentos importantes de educação, que demandaram anos de desenvolvimento. A estupidez do Ministro das Relações Exteriores desmonta uma tradição diplomática centenária. O Ministro astronauta não sai das nuvens. Tudo vai sendo jogado fora, porque, como bem constatou o Mendonça de Barros, não se tem mais a realidade social e política para pressionar governantes. Portanto, é o momento de se buscar o modelo ideal. Para ele.
Democracia e economia
Lembro-me no fim do regime militar, no jornalismo econômico defendíamos a democracia sob a ótica da melhor eficiência econômica. Certa vez entrevistei um cientista social do Instituto John Hopkins, do Partido Democrata. E procurei extrair dele argumentos em favor da maior eficiência econômica das democracias.
Ele me olhou como se fosse uma curiosidade e me passou a lição fundamental:
- A democracia é um valor em si. Não precisa de álibi econômico.
Do GGN