segunda-feira, 24 de junho de 2024

PATIS NA PASSARELA... E MAIS QUE ISSO

Foto: Internet

Não havia praça; era o “Largo do Seu Bom”; era o campo improvisado do futebol infanto-juvenil, no início da segunda metade do século passado. Abria-se, ali, uma larga avenida, chamada Coronel Lago. Na cabeceira do campo de barro, um extenso muro ligado ao casarão de dona Nenem Chaves. Seguia-se a fileira de casas, lado a lado. Do “Seu Bom”, do “Seu Sissimundo”, do “Seu Luiz Barbeiro”, do “Seu Yoyô”, do prédio da Prefeitura e Câmara Municipal e da Escola Reunida Municipal; do “Seu Clodoaldo”, do “Seu Bena”, de dona Maria Helena, do “Seu Manoel Ferreira”, do “Seu Biná”, do “Seu Wilson”, da “Casa Faria” e, no início da Praça Felinto Faria, a casa de dona Angélica. Do outro lado, a casa do telegrafista Marinho, o mercado único, a casa do “Seu João Caixeiro”, o sobradão do “Seu Benu Mendes”, a que se seguiam as casas da dona “Gracinda”, do “Seu Horocídio”, do “Seu Máximo Lopes”, do “Seu Tunoca”, e o casarão de calçada alta do “Seu João Pio”. Do outro lado da praça – que era o “Largo da Igreja”, onde a meninada também transformava em campo de peladas domingueiras, após o catecismo, (com balizas de pedras guarnecidas por goleiros intrépidos) , erguia-se, imponente e bela, a Igreja de N.S. Sant`Anna”, a que se seguia a casa do “”Seu Joaquim Lima”, e o Cine Teatro Municipal. Frente à frente com o casarão/hotel do “Seu João Pio”, outro, não menos imponente, casarão do “Seu Osvaldo”, também de calçadas altas. Esses dois monumentos constituem, sem dúvida, Patrimônio Histórico de uma cidade que se prenunciava pujante, altaneira e aconchegante. Eram – como ainda devem ser – esteios monumentais fincados para sempre, para segurarem uma praça indestrutível, que se estende em canteiros, como um colorido e  providencial tapete de um Templo Sagrado.

         Era esse o cenário. Alguém iluminado concebeu a inusitada ideia de enfeitar a avenida com palmeiras de pati, lado a lado, de ponta a ponta, formando um passarela em plena rua. Um menino travesso do “Seu Horocídio” (Raimundim) resolveu sacudir um cacho de uma das palmeiras, aurificando o chão tosco, como se fossem pétalas de rosas amarelas derramadas. Valeu-lhe uma reprimenda pedagógica. Um incidente infantil, apenas isso!

         Iniciou-se o cortejo. Noivos, à frente, com sorrisos justificados, acenavam para uma assistência sem convite formal, postada nas janelas e calçadas. Ninguém queria perder o espetáculo insólito.  A charanga do “Seu Paulino”, de pratos metálicos em batidas estridentes e repetidas, abafava os cochichos previsíveis dos assistentes embevecidos. Era a banda sonorizando os ares da alegria prevista. O pistom   do “Seu Gonzaga”, a clarinete do “Seu Eneas”, o sax do “Seu Mariano” e a bateria do “Seu Leonide” davam o tom da marcha nupcial. Era o “Casamento do Século”.

         E, contritos, ao pé do altar, ouviu-se o juramento esperado, que alegraria uma igreja lotada. Os aplausos ali produzidos   em euforia espontânea, soavam como cantos de andorinhas   em voos livres sob o teto, enriquecidos pela sonoridade dos sinos, no alto da torre. As testemunhas formais e a assistência de admiradores ratificaram o maior rol de testemunhas já visto num casamento, espalhadas nas janelas e calçadas deixadas.

         Afinal, celebrava-se o casamento da filha da matriarca Nenem Chaves, mãe do seminarista Benedito e do estudante João.  A professora recém formada, de alcunha carinhosa MUNDIQUINHA, unia-se a FARIDES, em juramento irrevogável.

- Eu os declaro marido e mulher, até que a morte os separe” – proclamava o celebrante.

         Por Benedito Ferreira Marques

* Crônica escrita na madrugada do dia 13 de junho de 2024 – Dia de Santo Antonio, o “santo casamenteiro”, em homenagem à “Família Chaves”, principalmente à saudosa madrinha do meu também saudoso pai, a quem também reverenciávamos como “MADRINHA NENEM”.

segunda-feira, 17 de junho de 2024

A EXTINÇÃO DOS TERRENOS DE MARINHA E OS TEMORES JUSTIFICADOS

Foto de domínio público 

A EXTINÇÃO DOS TERRENOS DE MARINHA E OS TEMORES JUSTIFICADOS

 Artigo do Jusambientalista Prof. Benedito Ferreira Marques

Com acentuado destaque e estardalhaços compreensíveis, os veículos de comunicação de massa vêm explorando a tramitação da PEC 39/11, que trata da extinção dos chamados “terrenos de marinha”, mediante a revogação de disposições pontuais na Carta Magna. A mudança   preconizada introduz radicais alterações no regime jurídico dos bens da União, afastando concepções já sedimentadas, com reflexos diretos para segmentos sociais interessados.   Se o assunto interessa a milhões de frequentadores de praias, ocupantes de imóveis suntuosos à beira-mar, comunidades de pescadores e a especuladores imobiliários insaciáveis, o tema também interessa aos jusambientalistas e aos jusagraristas que se dedicam a estudos e pesquisas relacionadas com o “meio ambiente ecologicamente protegido”, para os primeiros, e, para os segundos, com o enquadramento classificatório das atividades extrativistas da pesca (ainda que em alto mar), que são consideradas agrárias. Insiro-me entre as duas categorias, sob a óptica acadêmica, mesmo afastado da cátedra pelo implemento da idade.

Com esse olhar acadêmico, venho observando que alguns apressados informadores da mídia ainda não conseguiram distinguir “terrenos de marinha”, de “terrenos da marinha”. Isso desinforma e confunde a opinião pública e, consequentemente, compromete a qualidade do debate que, ao meu pensar, deve permear a tramitação da emenda constitucional proposta, por envolver interesses contrapostos. Mais que isso, traz ao centro das discussões a compreensão mais aguda das ideias patrimonialista e humanista, em suas diferentes dimensões e nuanças.

É necessário, portanto, que as informações midiáticas ofereçam elementos suficientemente claros para que toda a sociedade participe do processo legislativo em curso, até porque o tema se introduz, nuclearmente, na questão ambiental, cuja observância se impõe como dever do Poder Público e da sociedade.

Também se observa que a discussão sobre a matéria envolve a conveniência e a oportunidade da aprovação da proposição, já que foi apresentada em 2021. Por que agora, com agendamento apressado na Comissão de Constituição e Justiça, com audiências públicas também açodadas? Esse modus operandi na elaboração de regras constitucionais de impactos pontuais no sistema patrimonial de bens públicos justifica as apreensões manifestadas por setores diretamente alcançados.  O que está proposto transfere, parcialmente, bens da União para Estados e Municípios, com repercussão até mesmo no sedimentado princípio da inalienabilidade de bens públicos. Além disso, as alterações pretendidas também modificam o sistema de controle do patrimônio público.  Fala-se em alteração vertical desse sistema, sabidamente blindado pelo poder discricionário. Isso assusta e abre ensejo para vaticínios sombrios na condução de processos alienativos do acervo dos bens alvejados. Não sem motivo, fala-se em “privatização das praias” e, por essa razão, a matéria precisa ser mais bem discutida por toda a sociedade.

Salta aos olhos a percepção de que esse debate reclama uma compreensão teórica sobre terminologias jurídicas que permeiam legislações em seus níveis hierárquicos, a partir da própria Constituição Federal. Não se pode exigir de leigos noções sobre bens públicos e bens do domínio público, cujas diferenças conceituais repercutem nas relações entre o público e o privado. Afirmar-se que as praias serão privatizadas é um discurso argumentativo pertinente, a depender do ângulo de visão interpretativo da norma legislada, até porque se colocam, como protagonistas da cena, proprietários, possuidores ou ocupantes de residências permanentes ou “de veraneio”. Certamente, a segurança jurídica desses domínios privados passa a ser motivo de preocupações, a despeito da cláusula pétrea que acoberta o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada; esta, em muitos casos.

O que está posto na PEC 39/11 é, fundamentalmente, a transferência parcial de bens da União para Estados e Municípios, especificamente os “terrenos de marinha e seus acrescidos” que serão varridos da ordem jurídica constitucional e, por tabela, o secular instrumento da “enfiteuse”, muito conhecido pelos leigos como “aforamento”.

Traçadas essas balizas teóricas, convém esclarecer para os segmentos desinformados o que a Lei Maior do Brasil considera “bens da Uniâo”, que não compreendem apenas os “terrenos de marinha”. Também se incluem “os lagos, rios e quaisquer correntes de águas em terrenos de seu domínio, ou que banhem mais de  um Estado, sirvam de limites com outros países, ou se estendam a territórios estrangeiros ou deles provenham, bem como os terrenos marginais e as praias fluviais... as ilhas fluviais e lacustres, nas zonas limítrofes  com outros países; as praias marítimas; as ilhas oceânicas e as costeiras, excluídas, destas, as que contenham a sede de Municípios, exceto aquelas áreas afetadas ao serviço público e a  unidade ambiental federal, e as  referidas áreas, nas ilhas oceânicas e costeiras, que  estiverem no seu domínio, excluídas  aquelas sob  domínio da União, Municípios ou terceiros...“as terras  tradicionalmente  ocupadas pelos índios”.

É assim, ao pé da letra, que está na “Constituição Cidadã” e, como se pode inferir, a disciplina jurídica sobre esses bens do domínio da União é bastante complexa, para ser modificada por uma Emenda Constitucional   restrita a dois dispositivos: o que revoga o  inciso VII do artigo 20 e o parágrafo 3° do artigo 49 do Ato das Disposições Constitucionais  Transitórias da atual Carta Magna do País. O primeiro dispositivo que a PEC 39/11 pretende revogar   apenas retira do rol de bens da União os “terrenos de marinha e seus acrescidos”, enquanto o segundo afasta a utilização do instituto da enfiteuse como instrumento das relações negociais que tenham por objeto os referidos bens.

É justamente nessas mudanças pontuais do sistema dominial de uma categoria de bens do domínio público que residem os temores e resmungos de vários segmentos interessados. São receios assentados na cultura de desconfiança nos gestores públicos na condução de processos alienativos (venda ou concessões) descentralizados. Como se sabe, esses procedimentos são respaldados   pelo poder discricionário. Grosso modo, esse poder discricionário conferido aos agentes públicos – não todos, cumpre ressalvar -, propicia vulnerabilidades permeáveis a injunções políticas. Essa desconfiança, impregnada na cultura da população, nasce e prospera exatamente na distribuição descentralizada de competências para o controle de bens do domínio público.

Há que se ter em linha de preocupação, em outro ângulo, o exercício das atividades pesqueiras por milhões de pessoas, das quais retiram a sua renda para o seu sustento e de suas famílias.

A discussão que está posta não se restringe, ao fim e ao cabo, à extinção dos terrenos de marinha e seus acrescidos, ou à indesejada “privatização das praias”, ou, ainda, aos jusagraristas que estudam as atividades extrativistas dos pescadores como objeto do Direito Agrário. Como se vê, também se estende a conjeturas insondáveis de caráter subjetivo com relação aos agentes públicos. Lastimavelmente! 

QUANDO VIRES UM JABUTI TREPADO NUMA FORQUILA, NÃO BOLE NELE; PERGUNTA QUEM O PÔS LÁ: FOI ENCHENTE OU MÃO DE GENTE! (ditado popular).

quarta-feira, 5 de junho de 2024

PEN – TUBI, UMA IDEIA, UMA PROPOSTA AMBIENTALISTA

Foto: Aliandro

PEN – TUBI, UMA IDEIA, UMA PROPOSTA AMBIENTALISTA

Prof. Benedito Ferreira Marques

Jusambientalista

             Para quem conheceu o riacho TUBI despoluído, balneário convidativo e fartamente piscoso, dos tempos idos, não pode esconder seu desencanto, ao vê-lo degradado em todos os sentidos. Não há mais os peixes da região, não mais se presta a banhos prazerosos. É triste ver o manancial - símbolo da cidade de Buriti, que ainda respira moribundo, correndo lento e cambaleante, em leito estreito e obstruído, banhando quintais da sua primeira e principal via urbana e outras que seguem rumo abaixo! Culpam-no pelas inundações e enxurradas em tempos de chuvas intensas, sem que o seja. É a natureza chorando de dor, clamando socorro! São lágrimas que escorregam sobre o asfalto liso e impermeável! É o caos!

         A sonoridade das vozes que já bradaram em pedidos de salvação possível não produziu eco para ouvidos moucos, porque a situação piora, inexoravelmente, aos olhos de quem não quer ver.  Eu mesmo, daqui de longe, já dei a lume um texto de exortação, sugerindo ações participativas da sociedade. Ao que parece, não produziu os   resultados almejados. Foi apenas um discurso a mais que se perdeu nos ventos. Mas nunca é tarde nem é demais manter acesa a chama da esperança.  

         Ao que se informa, algumas ideias estão sendo divulgadas em mídia no período pré-eleitoral. Todas, porém, a dependerem do Poder Público, como se somente a este coubesse a responsabilidade pela preservação do meio ambiente. Fala-se até em canalização do leito e em aproveitamento do seu nascedouro para a instalação de um parque zoológico. Também se comenta a ideia da construção de um grande açude, na foz do riacho em agonia, ao redor do qual seriam instalados quiosques de lazer. É uma ideia e, por ser ideia, precisa ser discutida e avaliada pela sociedade, com responsabilidade de todos os segmentos, organizados ou não, sobretudo pelos impactos previsíveis que possam causar, positivos ou negativos. Oxalá não se deixe a concretude da ideia divulgada ao livre arbítrio da discricionariedade instituída! Oxalá! 

         É com essa responsabilidade de cidadão buritiense que venho opinar. Penso que a restauração do velho Tubi poderá   ser concretizada sem maiores custos operacionais, e sem obras com pedra, cimento e ferragens. Poderá ser uma recuperação sob a óptica mais humanista e menos urbanística. Na minha concepção, a própria natureza poderá   ser chamada ao protagonismo desse processo restaurador, com intervenção mínima da ação humana. Pássaros e outros espécies de animais silvestres ainda existentes naquelas bandas poderão ser atraídos por alimentos produzidos   em seu próprio habitat, com o plantio de mudas de árvores frutíferas da região: goiabas, azeitonas (jamelões), mamão, mangas e tantas outras são frutos que atraem, e são de oferta fácil e produção não demorada.  A gestão pública apenas se encarregaria da manutenção e da fiscalização contra predadores humanos ou vândalos irresponsáveis, infelizmente factíveis. Para o início da execução do projeto, poderão ser utilizados comedouros instalados e abastecidos em pontos estratégicos, até que as espécies se habituem   aos atrativos de alimentos disponibilizados e sintam segurança de que não serão afugentados. Essa experiência já foi testada em chácaras de recreio com muito sucesso.  Seria melhor e menos dispendioso do que um parque zoológico que, além de os animais serem alimentados e assistidos por veterinários à custa do erário, seriam mantidos em cativeiro, sob vigilância permanente. De mais a mais, o aprisionamento de animais silvestres – nativos ou exóticos -, não reúne consistência pedagógica saudável!  !

         A desobstrução do leito do riacho -  de ponta a ponta e em operação contínua -, poderá ser feita por trabalhadores de limpeza, devidamente protegidos com indumentárias e equipamentos de segurança, sem receio de resmungos dos proprietários dos quintais ribeirinhos, por se tratar de serviços de saúde pública. Após a limpeza, a operação prosseguiria com o plantio de vegetação ciliar, se possível com a participação de estudantes e professores como atividades extracurriculares de importância significativa para o processo de educação ambiental. Essas atividades seriam realizadas em sistema de mutirões programados e bem divulgados, de modo a envolver a sociedade. E as águas limpas voltariam a correr livres de entulhos e despejos degradantes. Também os peixes regionais voltariam a povoar o córrego resgatado da poluição fétida, em cardumes buliçosos, mediante reposição com lançamentos de alevinos adquiridos em criatórios da região ou de outras paragens.

         Um sonho? Uma utopia? Não, uma alternativa; uma ideia; uma proposta exequível e sensata, baseada no humanismo e na consciência ambientalista e ecológica sedimentada, desgarrada de qualquer proselitismo.

         Conterrâneos buritienses, Avante!

PARQUE ECOLÓGICO NATURAL DO TUBIPEN-TUBI.