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| Prefeitura Municipal de Buriti-MA |
Em Buriti de Inácia Vaz, o que deveria ser política de
valorização do servidor transformou-se em manchete de indignação pública.
Conforme dados da própria folha de pagamento do mês de agosto de 2025, a Prefeitura
remunera 456 trabalhadores com carga horária de 44, 40 e 20 horas semanais por apenas R$ 869,00 mensais — pouco mais da
metade do salário mínimo nacional. Por outro lado, paga a um único médico psiquiatra, com 20 horas de expediente semanal, um salário
de R$ 49,4 mil. Um verdadeiro salário de marajá diante da miséria institucionalizada (clic aqui e pesquise pela especialidade).
Não se trata de mera irregularidade contábil, mas de violação direta à Constituição Federal, que, em seu artigo 7º, inciso IV, assegura ao trabalhador o direito a um salário mínimo capaz
de atender às necessidades básicas da vida. Pagar menos do que isso é ilegal,
imoral e fere a dignidade humana, princípio consagrado no art. 1º, inciso III,
da Carta Magna. A prática também
afronta outras normas do ordenamento jurídico. A Lei do Estágio (11.788/2008), a Lei do Voluntariado (9.608/1998) e as regras sobre bolsas e programas de incentivo não autorizam que se disfarce um vínculo de trabalho formal
com outro nome, tampouco permitem remuneração inferior ao salário mínimo.
No caso específico da Lei do Voluntariado, vale esclarecer: o trabalho
voluntário é, por definição, não remunerado, exercido por pessoa física em
atividades sem vínculo empregatício e sem contraprestação financeira, nos
termos do art. 1º da referida lei. Trata-se de ato espontâneo e solidário,
jamais podendo ser utilizado como mecanismo de substituição de mão de obra
assalariada ou como forma de burlar a legislação trabalhista.
Portanto, não há amparo
legal algum para que a
Prefeitura utilize o instituto do voluntariado para justificar o pagamento de
valores ínfimos a trabalhadores que exercem funções contínuas, subordinadas e
essenciais à administração pública. Essa tentativa de “travestir” relações de
emprego sob o rótulo de voluntariado fere frontalmente
o espírito da lei, que nasceu para
estimular a cidadania e o serviço comunitário, e não para institucionalizar o
subemprego. Se há
subordinação, jornada, habitualidade e pessoalidade, trata-se de relação de
emprego, ainda que mascarada sob outra denominação.
E, nessas condições, a Prefeitura não
pode pagar menos que o piso nacional.
O salário mínimo é o limite legal e moral do Estado para garantir o mínimo de sobrevivência. Quando o próprio poder público
o descumpre, nega o direito mais básico do trabalhador e fragiliza toda a
estrutura de proteção social construída desde 1988. E nesse mesmo sentido, a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal é inequívoca:
qualquer pagamento inferior ao salário mínimo é nulo de pleno direito. Mais do que uma afronta individual, é uma lesão coletiva,
que compromete a credibilidade da administração pública e o princípio da isono- mia, previsto no art. 37, caput, da Constituição, impondo ao gestor o dever de tratar os cidadãos com
igualdade, legalidade e moralidade.
Enquanto centenas de buritienses sobrevivem com menos de um
salário mínimo pago pelo próprio município, um médico
psiquiatra contratado com carga horária de 20 horas semanais recebeu, em
agosto, R$ 49.400,00. A discrepância
entre o trabalhador que ganha R$ 869,00 e aquele que recebe R$ 49 mil revela um abismo ético e social na condução da
folha de pagamento pública. Um só salário de
luxo equivale a quase sessenta vencimentos de miséria. Em termos de gestão pública, tal descompasso viola os
princípios da razoabilidade e da proporcionalidade, consagrados pela doutrina e
pela Lei do Processo Administrativo (9.784/1999), aplicável por analogia à esfera municipal. Essa desigualdade gritante fere o interesse público, que deve orientar cada ato do gestor.
Diante desse cenário, é legítimo perguntar: onde estão os órgãos de controle? A Câmara Municipal, que representa o povo, tem o dever constitucional de
fiscalizar o Executivo e exigir explicações. O Ministério
Público Estadual, defensor da
ordem jurídica, deve instaurar procedimento investigatório para apurar possível
improbidade administrativa —especialmente porque pagar abaixo do
salário mínimo e manter vínculos precários são atos lesivos à moralidade
administrativa, nos termos do art. 11 da Lei nº 14.230/2021.
O Tribunal de Contas do Estado (TCE-MA) deve auditar a
folha de pagamentos, identificar irregularidades e determinar sua correção
imediata. A sociedade civil organizada,
sindicatos, associações e cidadãos também podem agir, com base na Lei de Acesso à Informação (12.527/2011), exigindo prudência nos gastos públicos e denunciando
abusos e violações legais.
Ao pagar valores inferiores ao mínimo, o gestor afronta a
Constituição, incorre em ato de improbidade
administrativa e pode responder
civil, administrativa e penalmente. As consequências
vão desde cassação de mandato, multa e ressarcimento ao erário, até ação penal
por peculato (art. 312 do Código Penal) e prevaricação (art. 319 do mesmo
diploma).
Mais grave, contudo, é o impacto humano: centenas de famílias, muitas em situação de
vulnerabilidade, trabalham sem o mínimo necessário para viver com dignidade. É a precarização institucionalizada do trabalho — e, em última instância, a negação do pacto social que sustenta o Estado Democrático
de Direito.
Buriti de Inácia Vaz não pode aceitar calada a exploração
de seus trabalhadores. O servidor público, mesmo contratado
de forma temporária, merece respeito,
legalidade e justa remuneração. A Constituição não é um enfeite — é a garantia
de que o poder público existe para servir o povo, e não para explorá-lo.
Que os fatos sejam apurados com rigor. Que os responsáveis
sejam punidos com justiça. E que o trabalhador buritiense, que move a cidade e
sustenta a administração, deixe de ser tratado como número na planilha e volte
a ser reconhecido como cidadão de direitos.
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