A
Constituição de 1988 foi um oásis em um país que conviveu pouquíssimos períodos
de democracia plena. Foi uma construção, com princípios sólidos, propostas
socialmente modernas, mas fincada na areia e sustentada por uma única pilastra:
a capacidade de articulação do Executivo.
Em períodos
de normalidade democrática, funcionou pela inércia, especialmente nas relações
entre Poderes. O presidente da República sabia como tratar com o Presidente do
Supremo, que sabia como tratar com o Procurador Geral da República, que sabia
como tratar com o STJ e vice-versa. Mas o eixo central era a Presidência da
República.
Ora, o que
avaliza a consistência democrática de um país são os testes de stress.
O primeiro
teste de stress – a queda de Fernando Collor – foi relativamente simples. Havia
uma unanimidade contra ele e, a partir de determinado momento, Collor jogou a
toalha e ficou aguardando o desfecho. Os outros poderes cresceram em cima do
vácuo.
O segundo teste
foi o de Fernando Henrique Cardoso no início do segundo governo, depois do
desastre cambial. Fustigado por todos os lados, especialmente por Antônio
Carlos Magalhães, FHC agiu com maestria, fechando com o PMDB, especialmente com
Orestes Quércia e Jader Barbalho, e fulminando ACM no episódio do painel do
Senado. Salvou-se mas abriu espaço para a organização
Temer-Padilha-Geddel-Moreira-Cunha.
O terceiro
episódio foi o da AP 470. Ali começaram a ficar mais claras as disfunções entre
poderes, os alicerces da democracia em areia solta. Sem Márcio Thomas Bastos, o
governo Lula perdeu a capacidade de articulação com os demais poderes. Foi
salvo pelo desempenho de Lula na crise de 2008.
Com a crise
do governo Dilma, a partir da metade do primeiro mandato, a institucionalidade
começou a balançar. Com o impeachment, retirou-se a viga mestra que sustentava
o edifício. E o que se vê é cada poder se comportando como biruta der
aeroporto, sem um script, sem clareza sobre seus limites e formas de
relacionamento com os demais poderes.
Um pequeno
ensaio sobre a barafunda institucional:
O caso da espionagem
Veja solta
um factoide: a acusação de que o Planalto teria convocado a ABIN (Agência
Brasileira de Inteligência) para investigar o Ministro Luiz Edson Fachin. Pode
ser que sim, pode ser que não. Mais fácil seria contratar um araponga, sem
vinculações com a ABIN. O Ministro Gilmar Mendes, por exemplo, poderia ter
indicado Jairo Martins, araponga principal de Carlinhos Cachoeira que o próprio
Gilmar trouxe como "consultor de informática" do Supremo, quando
presidiu o órgão e protagonizou dois episódios excêntricos: o grampo sem
aaudioe o grampo no Supremo.
Temer negou,
como negou o Ministro-Chefe do Gabinete de Segurança Institucional Sérgio
Etchgoyen. Pode ser verdade, pode não. Mas não cabe à presidente do Supremo
supor. Mesmo assim, Ministra Carmen Lúcia soltou uma nota pavloviana em defesa
da classe (https://goo.gl/BpP951),
até para justificar uma de suas frases épicas no início de gestão ("onde
um juiz for destratado eu também sou" https://goo.gl/7wOYZC).
No dia
seguinte, informada que um presidente do Supremo não pode investir assim contra
um Presidente da República, correu para soltar outra nota que dizia que não se
deve duvidar da palavra de um Presidente. Mais uma vez confundiu-se, misturando
a instituição da Presidência com um presidente, endossando em vez da
neutralidade cautelosa.
Qual a razão
das idas e vindas? Falta de traquejo nas relações institucionais, e não só da
presidente do STF. Traquejo é algo que apenas o amadurecimento democrático
introjeta nas instituições.
Por sua vez,
o Procurador Geral da República Rodrigo Janot vai atrás e se vale de um recurso
linguístico para endossar a acusação (https://goo.gl/LzMwpF).
– Não quero
acreditar que isso tenha acontecido. Usar um órgão de inteligência do Estado de
forma espúria para investigar um dos Poderes da República em plena atuação
constitucional e legal, como forma de intimidação, isso sim é a
institucionalidade de um Estado policial, de um Estado de exceção.
Poucos
duvidam que, no final do jogo, Temer e seu grupo estarão apeados do poder e,
provavelmente, presos. E sem a necessidade do PGR se valer da mídia para o uso
malicioso do "se". Se fulano matar a mãe, ele será matricida; não
importa se não matou a mãe, pois "se" matar será matricida.
Independentemente
do alvo, atropelou a liturgia do cargo.
O mandato de Aécio Neves
O Ministro
Luiz Edson Fachin decreta o afastamento do senador Aécio Neves. O presidente do
Senado, Eunício de Oliveira, recusa-se a cumprir, alegando que o Supremo
precisaria definir de que forma se daria o afastamento. Confrontado com a
desobediência, alega que Aécio nem está frequentando as sessões do Senado, uma
cena digna de Sucupira, de Dias Gomes.
Finalmente,
dá a mão à palmatória e acata a ordem.
Agora,
entra-se em contagem regressiva para a prisão de Aécio. O Estadão critica o
PGR, e cria o conceito da boa e da má propina. Para o PT, era a má propina;
para Aécio, a boa propina.
O caso TSE
O Ministro
Gilmar Mendes compara seu colega Herman Benjamin a Américo Pisca-Pisca, o
reformador do mundo, personagem de Monteiro Lobato. Na mesma sessão, trata a
chicotadas o representante da Procuradoria Geral da República. Antes disso,
viaja de carona no jato presidencial, visita o presidente no Palácio do Jaburu(réu em processo em que atuava no tribunal em que é chefe),
se declara seu amigo, aparece em grampos com Aécio Neves, articulando a votação
da Lei do Abuso, entre outros tantos. E não aparece uma alma de Deus para arguir sua suspeição no
julgamento de Temer.
No Supremo e
no TSE, os colegas e mesmo as vítimas de suas grosserias o tratam como algo
meramente extravagante. Confundem a desmoralização ampla das instituições com o
ato de arrotar em banquete ou soltar pum em missa.
PSDB e Temer
Os Ministros
do PSDB não querem abrir mão do cargo; os presidenciáveis não querem abrir mão
de apoio. Queimam as possibilidades do partido para as próximas eleições,
sacrificando os candidatos que não fazem parte da panela.
Principal
liderança, FHC dá a declaração peremptória: ficarmos com Temer até ele ser
denunciado pela PGR. Lembra Magalhães Pinto em 1964: Minas está onde sempre
esteve e daqui não arredará pé.
Ora, depois
disso Temer não fica. Só faltava o PSDB acompanha-lo.
Aí o
principal presidenciável do partido, Geraldo Alckmin, declara que ficará com
Temer; depois, que não avalizará Temer; depois, que ficará com Temer para
garantir as reformas. Depois, muito pelo contrário.
Nesse jogo
de cena, o PMDB acena com apoio ao PSDB em 2018, para mantê-lo no governo.
Não existe
mercado futuro de cooptação. Quando abrir a temporada eleitoral, os diversos
partidos avaliarão quem tem mais possibilidades de vencer e montarão os acordos
políticos.
A grande rebordosa
Como é que
se conserta essa encrenca?
A denúncia e
provável prisão de Aécio Neves é a reiteração de uma regra tão antiga quanto a
Revolução Francesa: os jacobinos sempre acabam incinerados na pira que
acenderam para queimar os adversários. A carreira do político que jogou na
prisão um jornalista adversário, que brilhou nas passeatas anti-corrupção,
chegou ao fim.
Mas se tem,
proximamente, o embate final entre a PGR-STF e o Congresso. Atrás de Temer está
o exército das trevas, a malta organizada por Eduardo Cunha, que se apossou do
poder e só sairá dele algemada.
Manter Temer
será dar sobrevida ao pior esquema político da história. Tirar Temer
significará conferir uma influência ainda maior a um conjunto de poderes que
avançou muito além de suas atribuições – Judiciário e Ministério Público.
Anti-petistas
se regozijam com abusos contra o PT; petistas se regozijam com os abusos contra
PSDB e PMDB. Ministros do Supremo tiram sua casquinha cavalgando a onda do
punitivismo. Outros se tornam garantistas para defender seus aliados políticos.
É um exemplo
graúdo do inferno a que o país foi conduzido pela subversão das informações. E
não se atribua à pós-verdade das redes sociais. Quando o maior formador de opinião
– os grupos de mídia – abdicou do compromisso com a informação e foi criando
suas próprias narrativas ao sabor dos fatos políticos, o resultado não poderia
ser outro.
Subverteu-se
completamente a informação, deturparam-se as analises, transformando quinquilharias
em crimes graves, problemas administrativos em pecados mortais, distorcendo
diálogos, criminalizando conversas corriqueiras, banalizando prisões,
espalhando a lama da suspeição sobre todos os poros da Nação.
Agora, se
tem uma metralhadora giratória sem controle, rodando loucamente e
fuzilando tudo ao seu redor. E não se pode imobilizá-la porque foram expostas
as vísceras da Nação, a corrupção desenfreada, fruto da falta de vontade de
sucessivos presidentes de mudar o modelo político.
A lição que
fica é que não haverá salvação fora do grande acordo. E a interrogação que fica
é se haverá personagens à altura dos desafios que se têm pela frente.
Do GGN
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