“Para o filósofo e
cientista político Marcos Nobre, pesquisador do Cebrap e ex- colunista da
Folha, o escândalo do mensalão não existe mais como fato político. Acabou só
agora, diz, porque ainda havia a equivocada ideia de que a análise dos embargos
representaria um novo julgamento."
Marcos Nobre, cientista político e filósofo
Nobre diz que a
condenação de figuras políticas de destaque é um evento; no Brasil e entende
que as penas foram mais duras que o convencional. Mas ele não classifica isso
como algo ilegítimo. O que vai tornar ilegítimo é se, em casos semelhantes, no
futuro, aplicarem penas diferentes, analisa.
O pesquisador também
avaliou o papel de alguns dos ministros no processo. Joaquim Barbosa, diz, representou uma novidade ambígua. Importante
porque deu vazão a um sentimento social de rejeição à política, mas não
ofereceu nada como alternativa.
Para Nobre, Ricardo Lewandowski não representou
contraponto ao relator, mas sim Luiz
Roberto Barroso, o ministro que, na fase final, se mostrou capaz de
enfrentar midiaticamente a brutalidade de Barbosa. Rosa Weber deu votos incríveis, mas Celso de Mello, por outro lado, demonstrou um desequilíbrio
flagrante.
Joaquim
Barbosa... Difícil formular sobre
esse cara... Ele foi um canal de expressão de uma rejeição difusa do sistema
político tal qual ele funciona. Então ele é uma novidade, sim. Um sentimento difuso de rejeição, que não
tem conteúdo, não tem conteúdo nenhum, é pouco politizado. No sentido ruim
da expressão mesmo. Ao mesmo tempo, ele
expressa uma raiva social muito interessante. Uma raiva social contra o
sistema político, contra a discriminação
histórica da sociedade brasileira. Fico tentando entender como ele virou
esse fenômeno de massa... Ao mesmo tempo, essa rejeição difusa da política
enquanto tal, porque no fundo é isso, uma rejeição da política, ela se expressa de maneira brutal e
grosseira. É mesmo muito interessante. Porque isso introduz um elemento no
Judiciário que é novo, pois o Judiciário gosta de se entender, de uma maneira
bem machista, num clube de cavalheiros. Coisa que está longe de ser. E não deve
ser mesmo numa democracia. Ele rompe com isso. Então o Joaquim Barbosa consegue
expressar um sentimento social difuso pela sua brutalidade. E uma brutalidade
calculada. Ele sabe exatamente o que está fazendo a cada momento.
Folha
- Oito anos após a denúncia original, as prisões começam a sair. O que dá para
dizer desse caso agora?
Marcos
Nobre - O que eu diria é que o mensalão terminou como
fato político. Ainda não acabou do ponto de vista jurídico. Mas do ponto de
vista político, acabou.
Do
ponto de vista político já não estava encerrado antes?
Não. Porque a impressão
era de que o exame dos embargos declaratórios e infringentes havia reaberto o
julgamento. Na repercussão, na grande mídia, começaram a usar a expressão novo
julgamento. O que, juridicamente, era um equívoco. Mas foi dando a impressão de
que agora iria começar tudo de novo. Então agora parece que todo mundo já entendeu
que são recursos, que são embargos, e que, de fato, acabou de ponto de vista
político. Não sei se você sentiu isso. Eu senti. Estava todo mundo preparado
como se fosse começar um novo julgamento.
Se
fosse descrever de forma sintética para um estrangeiro, como definiria esse
caso?
A primeira coisa que eu
diria é: aconteceu uma coisa excepcional, que foi o julgamento de políticos no
Brasil com condenação. Para um estrangeiro isso pode parecer assustador. Vão
dizer mas isso não aconteceu no passado?. É difícil comparar com o passado,
porque o passado, no caso do Brasil, é muito pouco democrático. A gente teve 19
anos de democracia, entre 1945 e 1964, mas mesmo assim uma democracia mais ou
menos, pois analfabeto não votava, tinha partido na ilegalidade, e não teve uma
transição de mandato entre um presidente e outro que fosse tranquila. Então é a
primeira vez, dentro de uma democracia, que você tem julgamento e condenação de
figuras políticas importantes. Isso dá um caráter excepcional para esse
julgamento.
E
o que achou das penas?
Bom, o novo, como eu
disse, é o julgamento e a condenação de figuras políticas importantes. Isso
explica também a dureza das penas. É muito? É pouco? Eu diria o seguinte: se
fosse um julgamento criminal comum, as penas não teriam sido tão altas. Foi
alta porque é inédito.
O
Roberto Jefferson lamentou a própria prisão, mas falou que a política pode ser
melhor após o julgamento. Há alguma evidência disso?
Não. Nenhuma chance de
melhorar a política por causa disso. Porque não é assim que se melhora a
política, né?
Alguns falam em exemplo
de cima, fim da certeza da impunidade.
Olha, você sabe que eu
passei cinco anos estudando direito, né? Depois que entreguei meu doutorado...
Eu não acredito nessas teorias do direito penal que acham que a pena tem uma
função dissuasória. Não acho que essa seja a função da pena. Mas aí é uma
discussão teórica. O que estou querendo dizer é: se fosse comparar com um crime
de formação de quadrilha comum, um crime de corrupção comum, e não de figuras
públicas destacadas, as penas não seriam tão altas.
Então
foi injusto, é isso?
Não, não. A questão não
é justiça ou injustiça. Justiça ou injustiça, do meu ponto de vista, é um ponto
de vista moral e político, não jurídico. Do ponto de vista jurídico, a gente
pode dizer se uma questão é legítima ou ilegítima. Vamos lá: Uma determinada
decisão judicial é legal ou ilegal; legítima ou ilegítima. Então uma decisão
pode ser legal, porém ilegítima. Uma decisão ilegal acontece, por exemplo,
durante uma ditadura. Você pode decidir ao arrepio da lei comum, como aconteceu
na Alemanha nazista. Eles mantiveram a Constituição de Weimar e decidiam
materialmente contra. A questão [do mensalão] é a da legitimidade. Essa se dá
no âmbito de uma discussão pública e política mais ampla. Não é uma pessoa que
declara uma decisão legítima ou ilegítima. Eu posso achar, mas é só uma
opinião. Agora, pode haver uma reação pública de tal ordem que faça com que uma
decisão legal fique ilegítima. Tem um bordão na política brasileira que é decisão
judicial não se discute, se cumpre. Isso é o maior absurdo que eu já ouvi. É o
contrário. Não existe nenhuma contradição entre cumprir uma decisão judicial e
discuti-la. Então você tem uma discussão de uma determinada sentença que pode
vir a aparecer para a sociedade como ilegítima dependendo do debate em torno
dela e das forças políticas. Hoje, no jogo político atual, com a correlação de
forças atual, ela [a sentença do mensalão] está parecendo como uma sentença
legítima. Mas poderia não ser. Dependendo da movimentação do debate público e
da sociedade.
Se é assim, o tempo pode
eventualmente deslegitimar essas sentenças?
Pode. Esse é o ponto
importante. Quando eu digo que as penas são superiores do que devia se esperar,
que é inédito, então daqui para frente pode ser que as penas aplicadas [em
novos casos] não sejam tão graves. Ou, ao contrário, pode ser que seja esse o
padrão para o futuro. Então, dependendo de como esse padrão vai ser
interpretado daqui para frente, você também tem a questão da legitimidade ou
ilegitimidade dessa decisão. Se tiver condenações posteriores [mais brandas],
vão dizer olha, isso prova que a sentença do mensalão foi dura demais. E quando
dizem foi dura demais, estarão querendo dizer ela não foi totalmente legítima.
Então a questão da legalidade ou ilegalidade você pode resolver. Já a
legitimidade vem da luta política que vem depois. É por isso que é importante
fazer as duas coisas: cumprir a decisão e discutir. Eu tenho a impressão de que
as penas foram duras demais quando comparadas ao julgamento habitual desses
crimes com outras figuras. Mas não necessariamente torna isso ilegítimo. O que
vai tornar ilegítimo é se, em casos semelhantes, no futuro, aplicarem penas
diferentes.
E
qual é o seu palpite?
A
dureza das penas foi inédita. Isso vai criar jurisprudência e a partir de agora
todos ospolíticos serão julgados a partir dessa métrica? Eu acho que, por um
bom tempo, sim. Acho que vai durar. É a questão da legitimação do poder
Judiciário. Já que estabeleceu a barra nesta altura, nesta altura ela ficará
por um bom tempo. Até que seja alguma coisa comum e normal condenar políticos.
Todas as penas foram calculadas no caso mensalão para dar prisão para
determinados indivíduos. Elas foram calculadas dessa maneira. Se foram
calculadas assim, é porque você estava pensando na dureza da pena, não no
sistema Judiciário. Nesse caso, falou-se assim: não vou pensar no Judiciário
como um todo, vou penar apenas neste caso. Então acho que vai manter-se por um
bom tempo. Mensalão mineiro? A dureza vai ser igual.
Mas
voltando à fala do Jefferson. Na sua opinião, não vai melhorar a política. O
que a melhoraria?
Acredito que é
importante que isso tudo tenha acontecido para o poder Judiciário. E para
legitimidade e legitimação do poder Judiciário. Bom, o Judiciário faz parte do
sistema político. É importante que ele seja entendido como parte do sistema
político, embora tenha linguagem e códigos específicos. Então, nesse sentido,
você tem de fato um Judiciário que cumpre o seu papel. Sem querer discutir o
mérito da sentença.
E
que lição fica para o Supremo?
A outra coisa é o
seguinte: é um absurdo o STF (Supremo Tribunal Federal) ser, ao mesmo tempo, a
última instância do Judiciário e uma corte constitucional. Não é possível. Esse
julgamento demonstra, de maneira cabal, que a Constituição deveria ser cumprida
e que deveria ser criada uma corte constitucional separada, só constitucional.
O Supremo não pode ter essa dupla função. É impossível a corte conseguir dar
conta disso tudo.
Fez. A história da
repercussão geral. A súmula vinculante, que não vincula ninguém. Mas nenhum
resultado estrondoso. Não resolveu. Mas, voltando, o julgamento foi muito
importante para incluir o Supremo no sistema político. Ficou claro que, embora
tenha um código específico, é um membro integrante do sistema político.O
Supremo fez alguns movimentos para reduzir os processos.
Explique
isso.
Se você for olhar do
ponto de vista da transição brasileira, o primeiro órgão que apareceu como
membro do sistema político, por excelência, foi o Poder Legislativo, que foi
por onde entraram as primeiras forças de oposição etc. O Executivo veio depois.
Faltava o Judiciário. Neste momento então completa-se essa ampliação do sistema
político. O Judiciário passa a visto como um órgão do sistema político onde a
sociedade tem de tentar influir também. Claro, tentar influir usando o código
que é próprio do direito. Mas não dizer o Judiciário julga e pronto, como se
fosse simplesmente uma máquina em que você põe lá as moedas e a saem as
sentenças por baixo. Então isso foi importante. Ao mesmo tempo, mostrou que a
cultura jurídica pública no país é baixíssima. Por que isso seria importante?
Porque em toda democracia que se aprofunda, aprofunda-se também uma certa
cultura jurídica pública.
Como
dá para perceber isso?
Um exemplo: basta você
olhar a importância que tem as séries de TV sobre o Judiciário em países
democráticos. De uma certa maneira, você aprende até com a TV como funciona o
Judiciário, aprende que aquilo tem uma certa lógica, uma lógica democrática,
que tem problemas também. No Brasil não tem séries sobre o Judiciário, certo? O
que você viu [no caso do mensalão]? Viu uma cobertura da grande mídia
importantíssima, mas também uma dificuldade enorme das pessoas de entender
aquela linguagem totalmente obtusa. Ok, entraram alguns elementos que não
entravam antes, embargo isso, embargo aquilo, as pessoas aprenderam algum
vocabulário. Isso mostra que o Judiciário finalmente entrou no sistema
político, mas continua encastelado na sua linguagem, no seu jargão. E
valendo-se disso para legitimar sua autoridade. Todas as tentativas de
comentários, análises e divulgação foram importantes. Mas mostrou também que a
academia brasileira no direito não está conseguindo traduzir os conceitos para
a esfera pública de maneira adequada. E aprofundar a democracia é aprofundar a
cultura jurídica geral.
Não temos essas séries,
mas uma parte do Judiciário aparece na TV, sim, com Datena, Marcelo Rezende. A
delegacia e o prendo e arrebento aparecem.
É tudo penal. Essa é a
medida do baixo teor democrático da democracia brasileira. Porque o único ramo
do direito que é realmente universal é o penal. Esse sim atinge todo mundo.
Agora, direito social, direito civil, direitos trabalhistas, esses não atingem
todo mundo. Isso é importante notar: você teve [no julgamento do mensalão]
televisionamento direto, ao vivo, e uma incompreensão radical do outro lado
sobre o que estavam falando. O televisionamento direto dá a impressão de uma
função democratizante, mas o que faz mesmo é mostrar o abismo entre o
bacharelismo do Judiciário e a baixa cultura jurídica do país. E não é tornando
os cidadãos bacharéis que nós vamos melhorar isso. Os bacharéis é que precisam
falar língua de gente. Por que você consegue isso nos EUA, na França, na
Alemanha? Por que lá as pessoas entendem mais [do assunto] e as séries têm
excelente audiência?
Por
que o escândalo do mensalão nunca gerou o impacto eleitoral desejado pelos
opositores do PT?
A resposta é o pemedebismo
(¹). Do ponto de vista da sociedade, todo mundo faz, o sistema político inteiro
faz. Então a questão é a seguinte: Dado que todo mundo faz, por que eu iria
punir exatamente o Lula? Punir aqueles que se apresentavam como representantes
por excelência da ética na política passa a ser algo que é suficiente. Então
não é necessário mais. Por que punir aquele que não se tem provas objetivas
suficientes de que tenha sido o responsável? E de fato ali [naquela época] já
estava começando a aparecer políticas sociais importantes para uma enorme parte
da população. Já em 2004 tem um crescimento [da economia]. Então, veja, o
sistema político é visto como uma pasta homogênea em que todo mundo vale a
mesma coisa. Se é assim, por que eu vou punir o sujeito que está diminuindo a
desigualdade? Fora o seguinte: você sabe que o PT tem uma base de 30% nesse
país que não desce e não sobe. Apoio mesmo. Tem um núcleo duro, um núcleo que
segurou o Lula mesmo. São essas as razões. As pessoas não são cínicas, não são
hipócritas. Elas pensam: "eu vou punir um cara que está fazendo uma
política correta porque eu acho que ele é corrupto igual aos outros?"
Claro que se um desses diretamente acusados fosse candidato a presidente, a
governador, aí sim seria punido. Mas não é o caso. Eles [os acusados] se
retiraram. Alguns ainda foram eleitos deputados, mas para cargo majoritário
jamais seriam.
Na
defesa política dos acusados, consolidou-se o discurso de que tudo isso é culpa
do sistema eleitoral e do modelo de financiamento de campanha, cada ano pior.
Isso sensibiliza o senhor?
Não é que os temas não
sejam importantes. Mas, que fique claro, que isso [que foi proposto] não é uma
reforma política, é uma reforma eleitoral. E restrita. Uma reforma política teria
que ter uma reforma profunda do Judiciário, que não enfrentou ainda o problema
da corrupção no seu interior, teria que discutir cargo comissionado, esses 22
mil cargos. O que é isso? Não se sabe nem ao certo quantos são. Outra coisa:
por que precisa ter uma centralização orçamentária, um poder do governo
federal, dessa maneira? São exemplos. Isso tudo seria uma reforma radical da
cultura política. Dito isso, é importante discutir reforma eleitoral? É
importante. Vai acontecer? Não vai. Não vai acontecer nada relevante. Só tem
sentido uma reforma eleitoral no bojo de uma reforma política, no contexto de
uma reforma mais ampla.
Mas
existe sentido nas propostas de reforma eleitoral? Voto distrital ou em lista,
financiamento público?
Existe sentido. O
grande sentido é: você vai ou não vai restringir o número de partidos? No
fundo, é isso que está em discussão. O pemedebismo tem funcionado assim: há uma
ampliação cada vez maior de partidos. Quando abre demais, fecha. Quando fecha
demais, abre. Então tem uma lógica de fragmentação e fragmentária. Existe
lógica [na reforma eleitoral]. Mas só isso não vai resolver os problemas reais.
Seria uma forma muito limitada de resolver.
Voltando
ao mensalão, o que achou do comportamento do ministro Joaquim Barbosa, o
protagonista do julgamento? Como personagem, ele é uma novidade?
Joaquim
Barbosa... Difícil formular sobre esse cara... Ele foi um
canal de expressão de uma rejeição difusa do sistema político tal qual ele
funciona. Então ele é uma novidade, sim. Um sentimento difuso de rejeição, que
não tem conteúdo, não tem conteúdo nenhum, é pouco politizado. No sentido ruim
da expressão mesmo. Ao mesmo tempo, ele expressa uma raiva social muito interessante.
Uma raiva social contra o sistema político, contra a discriminação histórica da
sociedade brasileira. Fico tentando entender como ele virou esse fenômeno de
massa... Ao mesmo tempo, essa rejeição difusa da política enquanto tal, porque
no fundo é isso, uma rejeição da política, ela se expressa de maneira brutal e
grosseira. É mesmo muito interessante. Porque isso introduz um elemento no
Judiciário que é novo, pois o Judiciário gosta de se entender, de uma maneira
bem machista, num clube de cavalheiros. Coisa que está longe de ser. E não deve
ser mesmo numa democracia. Ele rompe com isso. Então o Joaquim Barbosa consegue
expressar um sentimento social difuso pela sua brutalidade. E uma brutalidade
calculada. Ele sabe exatamente o que está fazendo a cada momento.
Diria
que é um avanço?
Do ponto de vista do
avanço democrático, isso é ambíguo. De um lado é importantíssimo dar vazão a um
sentimento social de rejeição à política tal qual ela é feita. De outro lado, essa
expressão bárbara, bruta, não ajuda a construir uma linguagem alternativa ao
bacharelismo. Então você tem ou o bacharelismo ou a brutalidade. Em algum lugar
entre essas duas coisas a gente tem de encontrar uma cultura jurídica que possa
ser partilhada por mais pessoas, a compreensão de que o direito faz parte da
democracia, a ideia de que o STF não é o big brother, certo? O Joaquim Barbosa
introduziu o big brother no Supremo Tribunal. O lado bom é que [Barbosa]
desorganiza a coisa tradicional, rançosa. O lado regressivo é que não constrói
uma coisa nova. E foi uma figura que não enfrentou um contraponto. O [ministro
Ricardo] Lewandowski é um juiz de carreira. E, note, era um [ex-]promotor
[Barbosa] contra um juiz de carreira. O promotor tem um cálculo muito grande do
efeito midiático, retórico de sua ação. Então não tinha o contraponto. Ficou o
bacharelismo do Lewandowski e a brutalidade do Barbosa, sem nada no meio.
Quem
poderia ser esse contraponto ao ministro Barbosa?
Quem de fato fez o
contraponto ao Joaquim Barbosa foi o [Luiz Roberto] Barroso, que entrou depois.
O Barroso é claramente contraponto ao Joaquim Barbosa porque, primeiro, é
advogado. Segundo: de fato, ele tem uma noção de como articular o pensamento e
enfrentar midiaticamente a brutalidade do Barbosa, coisa que o Lewandowski não
tinha. E ele consegue falar a língua de gente, não é a língua dos seus pares
apenas. Ele é uma enorme novidade.
Quem
mais te impressionou positivamente?
A Rosa Weber. Acho que
ela deu votos incríveis. Pode representar aquilo que possa ser uma nova cultura
jurídica, que possa falar para os outros tirando as tecnicalidades. Uma juíza
muito impressionante. Mas ela tem de dar o passo da comunicação.
E
quem foi o oposto, a decepção?
Teve o desequilíbrio do
decano. Celso de Mello foi um dos votos mais lamentáveis que já se deu. Por
quê? Celso de Mello, julgando crimes de corrupção, julgando crimes de lavagem
de dinheiro, julgando crimes de formação de quadrilha, fundamentou sua decisão
com a expressão atentado à democracia. Isso é de um desequilíbrio flagrante. É
algo que considero inadmissível para um ministro do Supremo. Não só ele usou
isso. Mas ele foi o grande exemplo de uso do atentado à democracia. Ora, se
existe um atentado à democracia, existe um atentado à Constituição. Então ele
estava chamando as pessoas que estavam sendo julgadas de terroristas. Isso é
muito grave. Quer fundamentar a sua sentença e se quer dizer algo realmente
inovador? Diga qual é o sentido social da pena. Agora, confundir crime de
corrupção, lavagem de dinheiro e formação de quadrilha com atentado à
democracia é algo inaceitável. O que me espanta é que o decano tenha dado o
voto mais inaceitável de todos. Achei lamentável. Quem está sendo julgado são
indivíduos. Não é o sistema político que está sendo julgado, não são partidos e
não é o crime de terrorismo que está sendo julgado. Atentado à democracia? Como
a gente interpreta isso? É contra a Constituição: terrorismo. Então as pessoas
cometeram mais crimes do que aqueles que elas estavam sendo julgadas? Absurdo
flagrante.
E
os ministros que são muito identificados com os presidentes que os indicaram,
especialmente Gilmar Mendes, indicado por Fernando Henrique, e Dias Tóffoli,
por Lula?
Ah, sobre eles eu
gostaria agora que todas aquelas pessoas que disseram que o sistema de
indicação de ministros para o STF era um sistema que favorecia quem estava no
poder, que venham a público agora para dizer que erraram. Todas essas pessoas
desapareceram. [O julgamento] mostrou que não existe uma relação direta entre a
indicação e o voto. Bom, nesses dois casos, Gilmar e Tóffoli, existe. Essa é a
identificação do ponto de vista da opinião pública. Então, de qualquer maneira,
são 2 de 11. E o ministro Gilmar que, notoriamente, tem bate-boca público com o
Joaquim Barbosa, o acompanhou em todos os votos. Então, na hora do jogo não é
bem assim. Mas não só. O Gilmar Mendes foi porque o Joaquim Barbosa tomou todo
o espaço. Quem conseguiu ficar num espaço entre o Joaquim Barbosa e o
Lewandowski foi o Marco Aurélio [Mello], que ficou jogando entre os dois. Tanto
é que, quando Barroso se pronuncia, quem vai contra ele é justamente o Marco
Aurélio, como se estivesse falando olha, esse lugar aqui é meu. Já o Dias
Tóffoli, veja o último voto dele. Indicado pelo Lula, tudo isso, agora dá um
voto contra [os acusados]. Então prova que não tem relação.
(1) A expressão foi
desenvolvida pelo próprio Marcos Nobre para descrever um certo comportamento
político conservador que, na sua interpretação, tornou-se dominante a partir
dos anos 80 e, a partir do PMDB, teria alastrado-se para quase todos os
partidos. Diz respeito ao adesismo a qualquer governo, à falta de
enfrentamentos diretos, a forma dissimulada de sabotar iniciativas de
transformação social, entre outras coisas.
Ricardo Mendonça
Folha de São Paulo