terça-feira, 16 de maio de 2017

O embate entre a política, Lula e o Frankenstein judicial, Moro

Demorei vários dias para escrever sobre o depoimento do ex-presidente Lula ao juiz Sergio Moro porque entendi, assim que terminei de assistir as quatro horas de gravação, que estava diante não apenas de um fato de forte impacto na luta política presente, mas também de uma situação com potencial de se tornar símbolo de toda uma era.

Então eu peguei um clássico autor anarquista, Pedro Kropotkin, para me inspirar um pouco.

“Abaixo os juízes!”, assim encerra Kropotkin o seu ensaio Lei e Autoridade, no qual defende que “o primeiro dever de uma revolução é fazer uma fogueira com todas as leis que existem e com todos os títulos de propriedade”.

Hoje em dia não acredito mais no anarquismo, que considero utópico demais para meus gostos, mas seu ceticismo em relação à lei veio-me em boa hora, porque após tantos anos lutando contra conspirações judiciais, tornei-me quase um blogueiro (arg!) jurídico.

Não abandonemos ainda o Kroptokin. É ele que lembra, no mesmo texto, que as leis menos ruins são aquelas que servem para abolir leis anteriores, e menciona algumas leis liberais que tanto entusiasmo trouxeram às classes médias europeias: eleição de juízes e direito do cidadão processar um funcionário público. Kropotkin cita esses dois pontos, atribuindo-os a uma invenção do “liberalismo moderno”, com indisfarçada condescendência, visto que os considera inúteis, já que ele quer mesmo é a abolição de todas as leis. O autor observa ainda que essas “modernizações” seriam apenas um esforço da burguesia de resgatar liberdades de que as cidades medievais gozavam no século XII, antes dos juristas e juízes assumirem o poder e criarem um regime baseado num Estado quase terrorista do ponto-de-vista penal, com uso de horrorosos métodos de tortura e castigo.

E aí ele descreve a figura do juiz moderno, “despido de todo sentimento que faça honra à natureza humana, vivendo como um visionário num mundo de ficções legais, recreando-se em administrar prisões e morte, sem suspeitar, na fria maldade de sua loucura, do abismo de degradação em que caiu aos olhos daqueles que hão de sofrer o peso de sua condenação”.

Não lhes parece uma descrição maravilhosa, vívida, de Sergio Moro?

Eu também achei sumamente divertidas essas passagens de Kropotkin, porque os nossos liberais, que viviam falando em reduzir o poder do Estado, agora estão todos ao lado do Estado judicialesco do Brasil, que é o Estado menos liberal, mais autoritário, o Estado mais puramente estatal que se possa imaginar, porque distante de qualquer controle democrático e que vê a si mesmo como um poder intocável, um poder perfeito, absoluto.

O ministro Luis Roberto Barroso, do STF, a quem chamamos carinhosamente de “príncipe do Estado de Exceção” é um exemplo desse liberal às avessas, tão comum na história brasileira. Ao mesmo tempo em que fecha os olhos para um recrudescimento sem precedentes da repressão policial e da partidarização da justiça, ele flana por aí ressaltando o papel “iluminista” do judiciário. Ou então fala, após apoiar uma reforma da previdência que só penaliza os pobres, ou publicar um artigo defendendo a privatização do ensino superior, que a nova missão do judiciário é “refundar o país”…

Alguém deveria lembrar a Barroso que o judiciário, em momento algum da história da humanidade, representou outro papel a não ser o de porta-voz do autoritarismo e da violência estatal. Durante séculos, os juízes europeus exerceram o papel de sádicos e torturadores. Aliás, o jurista italiano Luigi Ferrajoli denunciou Sergio Moro como um juiz da Inquisição. Como a crítica não apareceu na Globo, as nossas cortes superiores fingiram que não existiu. A única realidade que existe, para a elite brasileira, é a que aparece no Jornal Nacional.

Talvez entre os antigos atenienses, na fase mais radical de sua democracia, tenha existido juízes menos retrógrados: para que isso ocorresse, todavia, o processo de seleção de juízes teve de ser democratizado. Os juízes atenienses eram escolhidos por sorteio (eles consideravam o processo eleitoral muito elitista) e os cargos duravam apenas um ano. Encerrada sua função, os juízes eram por sua vez julgados – severamente – por seus atos. Se seus pares achassem que alguma decisão tomada por eles tinha sido injusta ou excessiva, eles eram punidos imediatamente.

Mas não precisamos ir tão longe em nossa análise. Eu queria trazer aqui um autor moderno, o qual já andamos citando no Cafezinho: Otto Kirchheimer, autor do livro Political Justice: The use of legal procedures for political ends (Justiça Política: o uso de procedimentos jurídicos com objetivos políticos).

Esse é um clássico que elegi como um de meus livros de cabeceira, ao menos enquanto formos vítimas, no Brasil, dessas odiosas conspirações midiático-judiciais.

Kirchheimer entende a justiça política como aquela em que tanto o réu como juiz tem objetivos políticos além da questão estritamente jurídica do processo.

Logo no início de seu livro, o autor lembra que boa parte dos juristas estão sempre “querendo negar que exista tal coisa como um julgamento político; dizer que exista tal coisa, e que acontece com frequência, trazendo consequências graves à sociedade, aos olhos desses homens puros da Lei Imaculada, equivale a questionar a integridade das cortes, e a própria moral da profissão do Direito”.

Entretanto, Kirchheimer explica que essa (falsa) aparência de neutralidade e imparcialidade do judiciário é, exatamente, a razão pela qual o processo penal tornou-se uma arma política tão eficaz.

É justamente o que observamos com a Lava Jato. A operação é sustentada, e o próprio juiz responsável por ela já o confessou que o faz deliberadamente, por uma narrativa midiática. O papel da imprensa na Lava Jato sempre foi essencial, e por isso mesmo a Lava Jato, para obter resultados, precisa aparecer, junto à opinião pública, como uma operação puramente técnica, apartidária e imparcial.

A estratégia não é nova. Kirchheimer observa que a República de Weimar, o regime que antecedeu o nazismo, foi vitimada por um judiciário muito parecido com o que estamos assistindo agora.

“A república de Weimar oferece o exemplo oposto [ao da França, onde a política tinha preponderância exagerada sobre o judiciário, na opinião do autor] e igualmente pernicioso espetáculo de um rápido crescimento de um aparato de justiça semi-independente, intimamente vinculado à Procuradoria Geral da República e à Suprema Corte. (…) esses profissionais do Direito, sob a máscara da neutralidade e livres de qualquer interferência externa desenvolveram, decididamente, critérios partidários próprios na condução de seus departamentos”.

E aí o autor explica como o judiciário alemão teve participação ativa na construção do ambiente que levou o país a submergir nos horrores do nazismo.

“A maioria dos juízes alemães deu suporte ao governo contra os seus inimigos à esquerda, mas estabeleceu um padrão consistente de se recusar a pôr freios à direita. Durante os primeiros e críticos anos da república (1919-1923), isso consistiu principalmente na falta de vontade de tomar conhecimento da sedição direitista e planos para derrubar o governo à força; quando agitadores eram pegos, o judiciário os liberava, ou completamente, ou com sentenças ridículas, dando-lhes aposentadorias, cobrindo os traços de assassinos da direita, e limpando suas fichas.”

O autor nos conta ainda o caso de um procurador da Suprema Corte de Leipzig, Mr.Jorns, que não apenas fez vista grossa nas investigações contra os assassinos de Rosa Luxembourg e Karl Liebknecht, como os ajudou expressamente. Apesar de todas as evidências de que ele havia prevaricado e abusado de seu poder, a corte suprema alemã enviou o seu caso para um tribunal inferior, seguido de instruções detalhadas sobre como absolver o “colega”. E ele foi absolvido.

Algum tempo depois, Jorns será nomeado o primeiro presidente da Suprema Corte de Hitler.

Há um outro trecho do livro de Keichhmer que também reputo interessante para nossa discussão:

“Juízes serão vistos como partidários se eles proferirem duras sentenças penais contra um grupo político, e ao mesmo tempo aliviar a barra de outro grupo, talvez mais corrupto que o primeiro. Nenhuma questão será levantada, é claro, se a maioria da comunidade partilhar da inclinação do juiz de olhar o primeiro grupo como inimigos da ordem social, e o segundo apenas patriotas mal orientados, que escolheram os amigos errados.”

O trecho acima me lembrou muito o raciocínio de Merval Pereira, um dos porta-vozes da Lava Jato, e de todas as conspirações judiciais, na Globo: a corrupção do PT era muito mais maléfica do que a do PSDB, porque os petistas trabalhavam para se perpetuar no poder, enquanto os tucanos queriam apenas juntar um dinheiro extra.

Ayres Brito, que saiu do STF para assumir uma sinecura da Globo, cansou de defender a tese de que a corrupção do PT era algo intrinsicamente diabólico, por causa do famigerado desejo de se “perpetuar no poder”, uma acusação que jamais imprensa ou ministério público ou judiciário usou contra uma iniciativa tucana diretamente ligada à uma estratégia de “perpetuação no poder”, que foi o escândalo da reeleição de FHC.

Hoje FHC posa de santo, de figura ilibada, e ninguém mais lembra que foi ele o radical bolivariano que patrocinou, sem plebiscito, sem constituinte, a patranha de mudar as regras do jogo para si mesmo: instituindo uma reeleição da qual ele mesmo iria se beneficiar.

Nem Ministério Público, nem Polícia Federal, nem o STF, jamais pensou em prender todos os envolvidos naquela operação pela reeleição, e torturá-los com um, dois, três anos de prisão preventiva, ou ameaças de condenações medievais, de décadas de regime fechado, em troca de delações.

Outra história contada por Keichhmeier, e que igualmente me transportou para os dias de hoje, é o processo envolvendo o presidente da República de Weimar, Friedrich Ebert, do partido social-democrata.

É um dos melhores exemplos do uso da justiça para atacar um adversário político através de uma leitura enviesada do passado. A direita política de hoje, no Brasil, centrada na mídia e no próprio judiciário, está abusando dessa ferramenta. Através desse método, busca-se pintar os governos de Lula/Dilma não como aqueles que inauguraram instrumentos de transparência e combate à corrupção, que tiraram todas as estatais de um processo de sucateamento deliberado (porque visando privatizá-las), mas tão somente um partido que “roubava”. Quando um grupo – e isso também está no livro de Kirchheimer – não encontra um flanco político vulnerável em seu adversário, ou seja, quando ele não pode atacar no campo das ideias, então a judicialização é um método muito útil, porque ele não discute se a “causa” do adversário era nobre. O meu adversário tinha causas muito nobres, dirá aquele que usa a justiça política, e efetivamente adotou ações neste sentido, mas o fato é que ele “roubou”.

Não importa se as gestões na Petrobrás, na Caixa, no Banco do Brasil, no BNDES, foram espetacularmente democráticas e bem sucedidas, com cada uma dessas estatais crescendo como jamais haviam crescido em sua história, uma encontrando as maiores jazidas de petróleo descobertas nos últimos anos, outro ampliando financiamentos para pequenas, médias e grandes empresas a um nível jamais visto na história do crédito no país…

 Nada disso importa. O que importa é que havia corrupção! E o que importa não é exatamente combater a corrupção e sim produzir um espetáculo que corresponda a uma adaga no coração do meu adversário.

Voltando a história de Ebert, eu quase pude sentir o desespero do presidente social-democrata diante da manipulação judicial de um processo que o triturava politicamente, porque expunha todas as suas fragilidades e contradições. Imaginei que a atmosfera opressiva da Alemanha dos anos 20 deveria ter algumas semelhanças com o Brasil de hoje.

Aconteceu o seguinte. Durante uma visita pública a alguma obra do governo, um militante nazista xingou Ebert de “traidor”. Para um país que acabara de sofrer uma traumática derrota militar (I Guerra), a palavra devia ter um peso muito forte. Talvez Ebert não quisesse processar o militante, mas depois que um jornal nazista publicou o xingamento na capa, ele sentiu que deveria tomar a ofensiva e levou o caso ao tribunal.

A imprensa nazista acusava Ebert de ter sido um dos responsáveis pela derrota militar da Alemanha na I Guerra, porque ele teria participado de uma das greves gerais que os trabalhadores fizeram ao final do conflito, a partir de janeiro de 1918, que paralisaram as fábricas de armamentos e outros suprimentos.

Não era verdade. O partido social-democrata não havia apoiado essas greves, que pipocavam espontaneamente, sem orientação de sindicatos ou partidos, embora esses logo se unissem aos movimentos. No início de 1918, a situação da classe trabalhadora alemã era desesperadora e não havia mais como dar continuidade à guerra. Havia muitos debates na imprensa em defesa da paz. O partido social-democrata é convidado, pelo comitê de greve, a enviar um representante, que é o próprio Ebert. Essa participação de Ebert na greve é a base para as acusações nazistas de que ele teria sido um “traidor”.

Os dois juízes responsáveis pelo processo, e o governo perceberia isso apenas mais tarde, tinham forte afinidade com os nazistas, e trabalharam todo o tempo para ajudar o partido nacional socialista a usar o julgamento para atacar politicamente não apenas o presidente, como a própria república. Os nazistas trouxeram inúmeras testemunhas, a maioria com histórias falsas, para darem declarações contra Ebert e subsidiarem a imprensa nazista com manchetes sensacionalistas contra o governo social-democrata.

Ao cabo, o nazista difamador seria absolvido, por uma sentença em que os juízes dariam razão a ele, já que ficara “provado” que o presidente tinha, de fato, participado de greves que prejudicaram o desempenho militar da Alemanha.

Keichheimer observa que “durante os últimos anos da república de Weimar (1930-1932), quando a balança de poder estava pendendo rapidamente para a direita, o judiciário não viu nenhuma razão para mudar a sua jurisprudência política [que já vinha se inclinando à direita desde o início da república]. Entretanto, no mesmo momento em que esse movimento empurrava o judiciário a uma posição cada vez mais partidária, as mais altas autoridades judiciais do país cuidavam zelosamente para preservar o mito de sua imparcialidade política aos olhos da população.”

Isso não lembra o Brasil de hoje, com nossos orgulhosos ministros do STF se esforçando, cada vez mais, para transmitir à população a imagem de que as “instituições estão funcionando”?

***
Para finalizar este post, eu gostaria de comentar um outro livro, do qual ouvi falar através de um artigo no livro Resistência ao Golpe 2016, e que comprei via Amazon: Towards Juristocracy (Em direção à Juristocracia), de Ran Hirschl. Esse livro é importante para contextualizarmos o que acontece no Brasil num cenário maior. As conspirações midiático-judiciais dão certo no Brasil porque elas estão inseridas numa tendência muito forte do capitalismo contemporâneo, de transferir poder de legislaturas e executivos para os tribunais, o que é um movimento atrativo às elites que gozam de melhor acesso e influência no judiciário. É a mesma tendência que leva o capital a transferir poder para burocracias “técnicas” que exercem papel central na administração do Estado, como as que comandam os bancos centrais. O grande capital tem se tornado cada vez mais hostil à democracia, vista como um risco, um motivo de instabilidade e, sobretudo, como um estorvo ao esforço de transformar o mundo num grande banco privado.

Essa transferência de poder da classe política para uma elite judicial é defendida por setores da própria política, sobretudo quando querem implementar medidas que serão mais facilmente aceitas se impostas por uma burocracia supostamente técnica e imparcial, como o judiciário.
Entretanto, alerta o autor, “uma vez conferida toda essa autoridade ao judiciário, há o risco de que os tribunais se transformem num monstro de Frankenstein: corporações judiciais imprevisíveis e autônomas cujas decisões contrariem os interesses e as expectativas dos grupos políticos que as defenderam”.

Por outro lado, Hirschl entende que os tribunais dificilmente se posicionam, por muito tempo, contra o establishment. As elites políticas que patrocinam essa migração de poder para o judiciário, esvaziando legislativo e executivo, geralmente estão confiantes de que possuem os instrumentos que lhes permitam controlar o monstro.

No Brasil, é fácil identificar a maneira pela qual a elite poderá controlar o frankestein judicial: através da mídia, cuja concentração em poucas famílias garante à mesma elite um poder excepcional de pressão sobre o espírito dos juízes.

No depoimento de Lula a Sergio Moro testemunhamos, portanto, um momento determinante na história mundial das democracias.

De um lado, um homem, tendo a seu lado uma parte importante da população. Do outro, a máquina do Estado e da mídia, com todos os seus instrumentos de controle da narrativa.

Os últimos movimentos da crise política já deixaram claro, por exemplo, que estamos vivendo uma espécie de rebelião judicial fascista. É um movimento inaugurado pela própria Lava Jato, em 2014, e foi ele que levou ao golpe. As ações parlamentares foram inteiramente articuladas de fora do parlamento, através de pressões midiáticas e judiciais, seguindo uma agenda política meticulosa, que levaram ao impeachment.

Essa agenda permanece. Evidentemente, as ações de um Fachin, derrubando o sigilo dos vídeos de João Santana e Mônica Moura exatamente um dia após o depoimento de Lula, visavam produzir um contra-ataque semiótico ao que havia sido uma vitória narrativa do ex-presidente. A mesma coisa vale para o sequestro de 37 funcionários do BNDES, ordenado pelo mesmo juiz que mandou fechar o instituto Lula. Foram decisões tomadas como resposta ao depoimento de Lula.

Após três anos de operação, a agenda política da Lava Jato e de seus apoiadores ficou evidente. Ela usa as delações para controlar a narrativa e produzir a atmosfera política que lhe interessa, visando a próxima etapa.
Os advogados do ex-presidente Lula lhe aconselharam a não viajar à Suécia, onde ele participaria, nos próximos dias, de um encontro com parlamentares, para denunciar a perseguição de que é vítima. Disseram que o momento seria inadequado, porque Sergio Moro está, mais que nunca, com sangue nos olhos para expedir uma ordem de prisão.

Alguns agora falam até na possível prisão da presidenta Dilma, com base em provas forjadas na delação de Mônica Moura.

Enquanto a mídia organiza o circo romano da Lava Jato, distraindo o público, o Executivo faz a sua parte, acelerando reformas antissociais que jamais foram alvo de debate durante eleições.

O jogo é todo combinado.

De um lado, a máquina do Estado, liderada por autócratas frios, inconscientes de sua própria loucura e maldade, apoiados por uma massa de zumbis acéfalos produzidos por anos de violenta manipulação midiática.
De outro, a população brasileira, vulnerável, fragilizada, sem mídia, sem justiça, sem governo, assistindo, perplexa, os novos donos do poder humilharem cada vez mais seus representantes, ameaçando-os à luz do dia com delações e prisões de longo prazo, e avançarem, qual vampiros, sobre direitos sociais e individuais consolidados desde a década de 30.

A tortura moral e psicológica que a Lava Jato (mídia + judiciário) inflinge à sociedade brasileira não encontra paralelo em nossa história.

A campanha de difamação de Getúlio Vargas durou apenas um mês e conseguiu levar um político experiente ao suicídio. A Lava Jato dura três anos e, mesmo tendo sido responsável pela mais rápida, devastadora e abrangente destruição econômica já vista em qualquer país que não vive uma guerra, continua sendo defendida pela mídia e por seus operadores.
Alguns setores conservadores da política já temem a Lava Jato porque entenderam que os instrumentos de controle não estão em suas mãos. Apenas a Globo pode controlar a Lava Jato. Em dois ou três editoriais, a Globo pressionaria os tribunais a imporem um freio na operação, mas os Marinho representam interesses muito distantes de um PSDB, de uma empreiteira, ou mesmo de um banco privado nacional.

Os Marinho, quando trocaram sua dívida por bonds em 2005, em três lotes monstruosos, um de 325, outro de 300, outro de 200 milhões de dólares, tornaram-se ainda mais ligados aos interesses corporativos imperialistas. Os donos desses bonds de US$ 825 milhões da Globo são fundos internacionais, alguns dos quais, como a Brookfield, estão comprando a Petrobrás e a Odebrecht. Com a crise que arrasa o Brasil, o preço de todos os nossos ativos está ficando cada vez mais baixo.

Sergio Moro, em palestras, já deixou claro qual é o objetivo: preparar o Brasil para investidores estrangeiros, que viriam em “3, 4 ou 10 anos”. Rodrigo Janot completou o raciocínio em Davos, ao dizer que a Lava Jato é “pró-mercado”.

Evidentemente, porém, ambos estão completamente loucos. Ninguém, em sã consciência, destrói o seu país para melhor vendê-lo mais tarde. Estamos falando, afinal, de uma população de 206 milhões de pessoas, com dezenas de milhões de crianças que precisam comer e estudar e serem tratadas por médicos agora, e não daqui a 10 anos. E que tipo de empresário investirá num país destruído, instável politicamente, com suas instituições jurídicas completamente tomadas de loucura autocrática, com uma sociedade adoecida pelo monopólio midiático, vítima de frequentes e crescentes erupções fascistas?

Do Cafezinho

Caso Mônica Moura tenha forjado prova, é preciso descobrir quem foram os cúmplices, Eugênio Aragão

Perfil do estagiário capturado pela revista Fórum: Delivar de Mattos Advogados Associados. Um dos sócios do escritório é Rodrigo (esquerda), que se tornou advogado de João Santana; ele é irmão do procurador da Lava Jato Diogo (direita), que por sua vez é professor da PUC-PR, onde estuda o estagiário.

‘Um rascunho de e-mail não serve para prova nenhuma’, diz Eugênio Aragão.

Para ex-ministro da Justiça de Dilma, caso de delação de Monica Moura e suposto e-mail “está muito mal contado”. “Delatores dizem exatamente o que querem que digam”, afirma.

Eduardo Maretti, da Rede Brasil Atual

Para o ex-ministro da Justiça do governo Dilma Rousseff Eugênio Aragão, o caso da suposta conta de e-mail que Monica Moura, esposa do publicitário João Santana, afirmou à Operação Lava Jato que era usado para falar com Dilma, “está muito mal contado”.

“O que mais espanta é que, quando João Santana e a Monica foram presos, deixaram bem claro na época que não tinham nada contra a Dilma”, diz.

“Há um contraste entre as primeiras declarações e aquelas que depois se tornam públicas em cima de uma delação que sabe-se lá como foi feita. Não se sabe o que é discutido nessas delações, como foram negociadas.”

Aragão observa que “o mecanismo e a dinâmica (das delações) são sempre os mesmos”.

“São como peças de um quebra-cabeça. Se encaixam num molde de uma teoria que o Ministério Público já montou. A gente sabe o que eles querem que os delatores digam e os delatores dizem exatamente o que eles querem que digam.”

Na opinião do ex-ministro, “tudo indica” que o e-mail é forjado.

Uma ata notarial foi registrada em um cartório de Curitiba em 13 de julho de 2016, por Felipe Pedrotti Cadori, que seria estagiário no escritório Delivar de Mattos e Castor Advogados Associados.

O casal foi solto em 1º de agosto de 2016. O escritório passou a ser defensor de João Santana há um mês, em 17 de abril.

Na quinta-feira (11), Dilma Rousseff divulgou nota na qual afirma que “João Santana e Monica Moura prestaram falso testemunho e faltaram com a verdade em seus depoimentos, provavelmente pressionados pelas ameaças dos investigadores”.

No sábado (13), em outra nota, ela disse que “o jornalismo de guerra promovido contra mim e o presidente Lula é a prova de que a escalada autoritária contaminou radicalmente os formadores de opinião pública”, em referência ao jornalista Merval Pereira, que sugeriu no jornal O Globo que a ex-presidente seja presa por obstrução da Justiça.

A suposta conta de e-mail registra uma única mensagem, na pasta de rascunhos: “Vamos visitar nosso amigo querido amanhã. Espero não ter nenhum espetáculo nos esperando. Acho que pode nos ajudar nisso, né?”.

“Primeiro, um rascunho de e-mail não serve para prova nenhuma. Não tem sequer um e-mail que foi enviado. E um rascunho é facílimo de ser forjado. Pode até colocar a data que quiser ali. Isso precisa ser esclarecido”, diz Aragão.

Ele considera “mais curioso ainda” o fato de que as delações se tornaram públicas, pelo Supremo Tribunal Federal (STF), logo depois do depoimento do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva Lula, na quarta-feira (10), ao juiz Sérgio Moro.

No depoimento, o petista teve “uma performance muito além do que se esperava”. Para Aragão, fica a impressão de que a intenção da nova polêmica “é tirar um pouco o sucesso do depoimento do Lula e colocar na sombra eventuais pontos ganhos pela defesa”.

O ex-ministro defende que se faça no país uma profunda reflexão sobre a necessidade de um marco normativo da atuação do Ministério Público, principalmente quanto às delações premiadas.

“Cada dia temos uma novidade. Essa Lava Jato nunca acaba. O país não merece isso. O MP tem que ter um prazo para investigar. Não dá para ficar o resto do tempo destruindo o tecido institucional do país, com esse tipo de trabalho midiático que está sendo feito há três anos.”

Segundo ele, se Monica Moura forjou provas, ela pode ser incriminada. É preciso saber, primeiro, quem está por trás de uma eventual fabricação de provas.

“É preciso saber, caso seja uma fraude, se ela forjou provas porque quis, ou se foi obrigada. Essas circunstâncias têm que ser examinadas devidamente. Afinal, Monica Moura estava presa (quando o e-mail foi registrado). A pessoa na cadeia tem dificuldade de fazer as coisas. Está sob vigilância do Estado. Em segundo lugar, se houver realmente uma fraude, temos um crime de fraude processual, falsificação de prova. É um processo que pode pegar para ela e eventualmente outros que participaram da empreitada.”
Chico Vigilante:
Estarrecida, a Nação toma conhecimento de que a absurda história alegada por Mônica Moura da criação de uma conta secreta de e-mail para comunicação com a presidenta Dilma Rousseff é falsa.

Um estagiário do escritório de advocacia Delivar de Matos e Castor Advogados e Associados registrou em cartório, em 13 de julho de 2016, uma imagem da mensagem de e-mail desta conta como prova da existência da conta. Neste dia, a publicitária estava presa.

Essa história, por si só, é risível. A mensagem contida na pasta ‘Rascunho’ e registrada no cartório, tem data de criação em 22 de fevereiro. No mesmo dia, 22 de fevereiro de 2016, a Lava Jato deflagrou a Operação Acarajé com ordem de prender João Santana. Como o casal estava fora do país, só se apresentou à justiça brasileira em 23 de fevereiro de 2016.

Ou seja, a mensagem eletrônica registrada em cartório foi criada um dia antes da prisão do casal de publicitários, em uma improvável coincidência. Forjaram uma farsa envolvendo a criação de uma conta de e-mail que nunca foi acessado pela presidenta Dilma.

Também é uma baita coincidência o fato de que, desde abril deste ano, o mesmo escritório Delivar de Mattos e Castor Advogados Associados faz a defesa de João Santana.

Isso é de estarrecer a Nação. A sociedade brasileira começa a ter uma visão clara do submundo pelo qual se movimentam estas pessoas que estão a aniquilar a democracia e a República Brasileira.

Tudo isso, à base de farsa, de chantagem e de mentiras com o objetivo claro de tentarem atingir a honra e a dignidade de Dilma Rousseff e de Luiz Inácio Lula da Silva.

Acredito que a Nação está tendo clareza exata do que está em disputa no Brasil e o papel que essas pessoas desempenham. Em nenhum lugar do mundo, essa delação faria sentido e seria anulada de imediato.

Por fim, seria razoável que a criação deste factoide, como forma de aliviar a pena de Mônica Moura e de João Santana, ao contrário do planejado, servisse como agravante e implicasse no aumento do tempo de condenação do casal pela Justiça.

Chico Vigilante, deputado distrital (PT). 

PS do Viomundo: Para complicar ainda mais essa história, um dos sócios do escritório de advocacia do estagiário, Rodrigo Castor de Mattos, é irmão de um dos procuradores da Lava Jato, Diogo Castor de Mattos. Rodrigo entrou na defesa de João Santana em 17 de abril deste ano. Um perfil do procurador Diogo Castor de Mattos, publicado pela revista Ideias em janeiro de 2016, revela que àquela altura ele era professor de Direito Penal na PUC de Curitiba, justamente onde, segundo o perfil do Facebook, o estagiário Felipe Cadori — que foi ao cartório registrar o e-mail de Monica Moura — estuda Direito. O site da universidade confirma que Diogo ainda é professor da Faculdade de Direito.

Do perfil:
Diogo Castor de Mattos estudou no Colégio Santa Maria, depois no Colégio Dom Bosco;
– Graduado em Direito em 2009 pela PUC-PR;
– É Mestre em Função Política do Direito pela UENP – Universidade Estadual do Norte do Paraná (2015);
– Fez concurso, mas não foi aprovado, para Procurador do Banco Central;
Para a segunda fase, tomou aulas com o prof.º Belmiro – em 2009;
– Foi aprovado em concurso para Defensor Público Federal, mas não assumiu a vaga – em 2010;
– Foi aprovado em concurso para Procurador Federal da Advocacia da União – em 2010. Assumiu o cargo em Junho de 2011;
– Fez concurso para Promotor de Justiça do Paraná, assumindo em Julho de 2012;
– Em Fevereiro de 2013, assumiu o cargo de Procurador da República, em que permanece até o momento;
– Passou um ano em Jacarezinho, no Norte Pioneiro do Paraná. Em Março de 2014, foi convocado para integrar a então recém-criada equipe da força tarefa da Operação Lava Jato. Convocado por Deltan Dallagnol (idealizador do projeto);
– É professor de Direito Penal na PUC-PR;
Nasceu  em 18 de Junho de 1986, em Curitiba. Pai: Delivar Thadeu de Matos, falecido em 05 de Outubro de 2007; Mãe: Maria Cristina Jobim Castor  de Matos.

Trecho da entrevista:
A partir de quê foi idealizado o projeto da Lava Jato?

Foi idealizado em 2014, após a prisão de Alberto Youssef, em 17 de Março. Dada a magnitude do que se apresentava na época, o colega Deltan achou que era conveniente pedir ajuda para montar um grupo de procuradores, que depois ficou conhecido como “força-tarefa”. Eu fui estagiário do Deltan em 2009. Coincidentemente, o pai dele foi colega do meu pai (MP Estadual do Paraná).

Djamila: O que realmente aconteceu em Londres no debate com Moro, aqui

Do Vi o Mundo e outros

segunda-feira, 15 de maio de 2017

TJ/MA apresenta a AL/MA projetos de reoganização do Judiciário estadual e Lei de Custas

AL-MA recebe propostas de reorganização do Judiciário no estado

O vice-presidente da Assembleia Legislativa, deputado Othelino Neto (PCdoB), recebeu do presidente do TJ-MA, Cleones Cunha, três projetos de lei de autoria do Poder Judiciário; um deles reorganiza o Sistema Judiciário do Maranhão; “O primeiro projeto altera a organização do Poder Judiciário do Maranhão, modificando a competência de algumas varas e ampliando alguns cargos e, acima de tudo, procurando melhorar a prestação da Justiça no Maranhão. Os outros dois se referem à Lei de Custas do Estado”, disse Cunha.

 O vice-presidente da Assembleia Legislativa, deputado Othelino Neto (PCdoB), recebeu do presidente do Tribunal de Justiça do Maranhão (TJ-MA), Cleones Cunha, três projetos de lei de autoria do Poder Judiciário. Um deles reorganiza o Sistema Judiciário do Maranhão. O deputado Glalbert Cutrim (PDT) e o presidente da Associação dos Magistrados do Maranhão (AMMA), Ângelo Santos, também participaram da reunião.

De acordo com Cleones Cunha, os projetos possibilitam uma movimentação na carreira dos juízes e uma melhoria da prestação da Justiça no estado. “O primeiro projeto altera a organização do Poder Judiciário do Maranhão, modificando a competência de algumas varas e ampliando alguns cargos e, acima de tudo, procurando melhorar a prestação da Justiça no Maranhão. Os outros dois se referem à Lei de Custas do Estado”, explicou o desembargador.

O presidente da AMMA, Ângelo Santos, ressaltou que os projetos de lei passaram por um amplo debate entre a classe, no qual toda a magistratura se reuniu para se debruçar e tentar melhorar ainda mais as matérias que foram entregues para apreciação da Casa.

“É um projeto fruto dessa discussão na magistratura e traz alteração de competências nas comarcas, traz algumas vagas de juízes para a capital, além de criar, também, uma competência exclusiva para o combate e julgamento das organizações criminosas. Então, são vários avanços para a melhoria do judiciário e da prestação jurisdicional”, completou o presidente da AMMA.

O vice-presidente da AL, deputado Othelino Neto, garantiu urgência na tramitação dos projetos, por serem de grande relevância para a eficiência dos trabalhos do Poder Judiciário do Maranhão. “Vamos dar o encaminhamento e, no menor tempo possível, levaremos ao Plenário para apreciar”, disse.

O deputado Glalbert Cutrim também se comprometeu em apresentar um requerimento solicitando urgência na tramitação das matérias. “A gente fica à disposição para, a partir de hoje, já tramitar no regime de urgência e, o mais rápido possível, atendermos essas reivindicações, que vêm de todas as classes – dos juízes de base até os desembargadores”, afirmou.

Do 247

Nicolau Dino do MP Eleitoral pede a cassação de Temer

Em parecer entregue ao TSE, o vice-procurador-geral eleitoral Nicolao Dino voltou a pedir a cassação de Michel Temer; em parecer anterior, Dino já havia pedido a cassação do peemedebista, com o argumento de que a campanha de 2014 foi financiada com pelo menos R$ 112 milhões de caixa dois; agora, caberá ao relator do caso, Herman Benjamin, e ao presidente do tribunal, Gilmar Mendes, definirem a data do julgamento, o que pode acontecer ainda este mês; caso seja aprovado, o pedido do MP eleitoral resultará no afastamento de Michel Temer do cargo; se ouvir o que deseja a ampla maioria da população brasileira, TSE cassa Temer e convoca eleições gerais ainda este ano.

Em parecer entregue na última sexta-feira, 12, ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE), o vice-procurador-geral eleitoral Nicolao Dino voltou a pedir a cassação Michel Temer.

Em parecer anterior, Dino já havia pedido a cassação da chapa Dilma-Temer, com o argumento de que a campanha dos dois em 2014 foi financiada com pelo menos R$ 112 milhões de caixa dois.

Caso seja aprovado, o pedido do vice-procurador-geral eleitoral resultará no afastamento do presidente Michel Temer do cargo. Agora, caberá ao relator do caso, Herman Benjamin, e ao presidente do tribunal, Gilmar Mendes, definirem a data do julgamento, o que pode acontecer ainda este mês. Se ouvir o que deseja a ampla maioria da população brasileira, TSE cassa Temer e convoca eleições gerais ainda este ano.

Segundo auxiliares de Mendes, o ministro levará o caso a julgamento o mais cedo possível. A decisão dependeria apenas da conveniência do relator. Ou seja, o processo poderia ser encerrado até o fim deste mês ou mesmo em junho.

Do 247

Desembargador Rogério Favreto: o Judiciário vai pagar caro por atração pelos holofotes da mídia

No dia 22 de setembro de 2016, a Corte Especial do Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF4) manteve, por 13 votos a um, o arquivamento de uma representação contra o juiz federal Sérgio Moro encaminhada por um grupo de advogados contra o magistrado que conduz os processos da Operação Lava Jato. Na avaliação desses advogados, Moro teria cometido ilegalidades ao violar o sigilo de gravações de conversas telefônicas envolvendo a então presidenta Dilma Rousseff e vazar essas conversas para meios de comunicação. Além disso, questionaram a realização de interceptações telefônicas sem autorização judicial. Na ocasião, o relator do processo, desembargador Rômulo Pizzolatti, rejeitou o pedido alegando que a Lava Jato constituía “um caso inédito no Direito brasileiro, com situações que escapam ao regramento genérico destinado aos casos comuns”.

O voto isolado contra esse entendimento majoritário partiu do desembargador Rogério Favreto que criticou a invocação da teoria do estado de exceção para defender a conduta de Moro. “O Poder Judiciário deve deferência aos dispositivos legais e constitucionais, sobretudo naquilo em que consagram direitos e garantias fundamentais. Sua não observância em domínio tão delicado como o Direito Penal, evocando a teoria do estado de exceção, pode ser temerária se feita por magistrado sem os mesmos compromissos democráticos do eminente relator”, assinalou Favreto em seu voto. Mais de oito meses depois, o debate levantado pela decisão do TRF da 4a. Região prossegue atual, com o avanço do argumento do estado de exceção, em especial no crescente processo de retirada de direitos e de criminalização de movimentos sociais.

Em entrevista ao Sul21, o desembargador Rogério Favreto fala sobre o voto que em novembro de 2016 e o contextualiza no presente que ele qualifica como muito perigoso para o futuro da Democracia e do Estado Democrático de Direito no país. Além disso, critica o protagonismo exacerbado que o Judiciário teria assumido, invadindo atribuições de outros poderes e contribuindo para desestabilizar o sistema político do país. Favreto também critica a transformação de magistrados em super heróis ou salvadores da pátria, mantendo uma relação íntima com a mídia e com outras instancias do sistema de Justiça que não possuem as mesmas atribuições, como o Ministério Público e a Polícia Federal.

Sul21: O Poder Judiciário assumiu no Brasil um papel protagonista, não só nas suas atribuições constitucionais no âmbito do sistema de Justiça, mas também no sistema político. Na sua avaliação isso é algo positivo ou negativo para a democracia brasileira?

Rogério Favreto: Em primeiro lugar, cabe assinalar que essa ocupação de espaços faz parte de um processo de judicialização da política e de outras áreas. Esse processo, por um lado, tem um marco na Constituição, na busca de normatização dos novos institutos criados em 1988 e de instrumentos para a defesa e recuperação de direitos. Além disso, há outros dois fatores que alimentam esse processo. Um deles é a omissão legislativa que faz com que o Judiciário assuma um papel mais ativo. O outro é o fato do Executivo não cumprir políticas que deveria executar. Temos assim uma judicialização ampla, que abrange as relações pessoais e coletivas, indo do direito básico até a política, envolvendo a própria gestão do Estado. Esse fenômeno vem tomando uma dimensão preocupante. O Judiciário não é preparado para dar conta de tudo isso e, pela autonomia funcional dos seus membros, não tem uma organicidade nesta manifestação.

Sul21: Essa ocupação de espaços que, em tese, são de atribuição do Executivo e do Legislativo, não acaba produzindo um desequilíbrio entre os poderes, o que contribui para desestabilizar o funcionamento do sistema político como um todo?

Rogério Favreto: Com certeza. Se, por um lado, os outros poderes contribuem para que isso aconteça, por outro, há preceitos constitucionais sobre a necessária harmonia entre os poderes que devem ser observados. Se a nossa corte constitucional balizasse esse processo, poderíamos diminuir esse risco. Mas o que vemos hoje é uma lentidão do Supremo Tribunal Federal no que diz respeito a essas questões de fundo que envolvem questões estruturais da política. Há temas muitos delicados aí. Vemos hoje membros da magistratura e do Ministério Público assumindo funções que são atribuições dos gestores públicos. Uma coisa é corrigir um rumo em função de alguma ilegalidade ou da quebra de um preceito de uma boa gestão. Outra bem diferente é o Judiciário assumir a escolha de uma determinada política, o que é próprio do governante.

Há uma quebra desses preceitos que está nos levando para um caminho muito perigoso. Eu combino essa preocupação com outros elementos, como uma crescente atração pelos holofotes e pelo apoio popular midiático. Muitos agentes do sistema de Justiça, que vai desde a Polícia até o Ministério Público, estão sucumbindo a essa atração. A Magistratura e o Ministério Público não estão preparados para dar conta desse fenômeno e acabam tomando parte em muitos temas onde deveriam ter um equilíbrio e uma certa serenidade, violando com isso a sua imparcialidade.

Sul21: Esses temas vêm sendo objeto de debate dentro do Judiciário? Existe uma preocupação com essa ampliação desmedida de atuação, invadindo espaços dos outros poderes, ou a maioria está gostando desse aumento de protagonismo?
Rogério Favreto: Infelizmente, as entidades corporativas, que poderiam assumir esse debate, não o estão fazendo. As associações seguem com um papel muito corporativo, o que também é sua atribuição, é verdade, mas não deveria ser tudo. Ao mesmo tempo, vende-se na mídia mais convencional a figura de agentes da Justiça como herói, super homem e salvador da pátria. Isso está mexendo com o ego de integrantes da Magistratura e do Ministério Público, que foram mordidos pela mosca dos holofotes, impedindo que seja feito o debate devido. Nós temos uma entidade, a Associação dos Juízes pela Democracia, que está procurando fazer um pouco esse debate, mas as entidades nacionais da Magistratura e do Ministério Público não estão fazendo. O que mais preocupa hoje, fundamentalmente, é a existência de muitos casos de perda de parcialidade na atuação dos agentes da Justiça.

Sul21: No ano passado, ocorreu um julgamento aqui no TRF da 4ª Região, sobre algumas condutas do juiz Sérgio Moro, que acabou ganhando repercussão nacional. Por 13 votos a 1, o Tribunal considerou essas condutas corretas, assinalando que a Operação Lava Jato estaria tratando com uma situação excepcional e isso justificaria medidas de exceção. O seu voto foi o único contrário a esse entendimento. Há quem diga que nós já estamos vivendo um estado de exceção no Brasil? Qual sua avaliação sobre isso?

Rogério Favreto: Naquela ocasião nós tratávamos apenas da abertura de um processo disciplinar contra o juiz Sérgio Moro, motivados por uma denúncia feita na Corregedoria sobre a conduta do magistrado no episódio envolvendo o vazamento das gravações envolvendo a então presidenta Dilma Rousseff e o ex-presidente Lula. O voto do relator afirmava que estávamos vivendo uma situação excepcional, o que justificaria um tratamento excepcional. Eu não posso concordar com isso e acho que muitos colegas não concordam. Nós temos preceitos fundamentais da Constituição e do nosso ordenamento legal, como a presunção da inocência, a proibição de prova ilícita, a isonomia processual e, fundamentalmente, a imparcialidade do julgador. O meu voto foi conduzido por isso.

Há um segundo plano envolvido aí também. O magistrado precisa se manter reservado, não se antecipar e não fazer manifestações públicas sobre processos que está julgando, ferindo a sua imparcialidade. Obviamente que todos, incluindo os magistrados, têm opiniões sobre a política, sobre a vida, a sociedade e o Estado. Agora, precisamos julgar de acordo com a Lei, a Constituição e a partir de provas. Quando um juiz participa de eventos com determinados segmentos políticos que fazem oposição a outros segmentos que estão no governo e está julgando um processo que envolve esses grupos, a imparcialidade é gravemente ferida. O mesmo ocorre quando um magistrado passa a convocar militância política. Quando o juiz se despe da toga, ele vira um militante político. Esse não é o papel do magistrado. Aí ele começa a perder a credibilidade. O juiz deve atuar com sobriedade, serenidade e com reserva.

É claro que é preciso haver transparência de modo que a sociedade possa acompanhar o que está acontecendo. Mas uma coisa é você ter divulgação de informações após as decisões, outra é termos vazamentos antes das decisões acontecerem. Eu tenho dúvida inclusive se o magistrado pode ficar comentando tanto temas envolvendo processos que ainda estão em curso. O magistrado que conduz a Operação Lava Jato continua palestrando no mundo inteiro falando dos resultados de suas decisões. Eu acho isso um pouco temerário porque vai criando junto à opinião pública um sentimento de que esses julgamentos já são definitivos.

Eu tenho uma opinião um pouco diferente sobre a relação do Judiciário com o tema da corrupção. Acho que não é papel do Judiciário ser o condutor e o protagonista do combate à corrupção. É até difícil falar isso porque as pessoas vão achar que eu sou contra esse combate. É óbvio que não sou contra, mas é preciso ter uma visão clara acerca dos papéis das instituições neste processo. O Ministério Público tem a prerrogativa de ter iniciativas nesta área, pode fiscalizar administrativamente, fazer inquéritos, ações civis públicas, termos de ajustamento de conduta, entre outras coisas. Já o Judiciário cabe atuar no processo. Os magistrados não podem vestir uma capa como se fossem super-heróis combatentes da corrupção. Não são. Existem órgãos para isso. Nosso papel é atuar no processo.

Há uma confusão hoje alimentada pela concepção de que o juiz deve seguir a visão majoritária da opinião pública e com setores da mídia que vendem um determinado discurso. Isso é muito perigoso, pois vai ferindo gravemente preceitos do Estado Democrático de Direito. Esse comportamento leva a uma distorção do papel do Judiciário e a um risco de autoritarismo muito grande. O magistrado não está submetido ao controle que os políticos estão, pela via do processo eleitoral. O nosso controle e avaliação de penalidades ainda é muito protetivo e corporativo.

Sul21: Após o afastamento da presidenta Dilma Rousseff, o governo Michel Temer começou a implementar uma série de medidas que estão retirando muitos direitos, previstos na Constituição, atingindo principalmente setores mais fragilizados da sociedade. Levando em conta a postura majoritária que o Judiciário vem adotando a quem esses setores podem recorrer para defender esses direitos? Em que medida o Judiciário pode ser um espaço para essa defesa hoje?

Rogério Favreto: A judicialização da política, quando envolve a concretização de direitos de minorias e de setores excluídos da sociedade, não se manifesta. Aí o Judiciário é conservador, não é ativista nem tem uma visão afirmativa e de vanguarda. Isso é preocupante. O Judiciário deveria estar muito atento a esse tema da retirada de direitos. Pelo andar das reformas Trabalhista e da Previdência, o próprio Judiciário poderá ser atingido em suas prerrogativas. Se essas reformas passarem, a Justiça do Trabalho vai caminhar para a extinção. Mas não são só os direitos trabalhistas que estão sendo atingidos. Os sindicatos também serão fragilizados e a negociação coletiva será colocada acima da lei. Obviamente, que o mais fragilizado vai perder. O mesmo vale para a questão da Previdência. Por razões corporativas, alguns setores do Judiciário começam a se preocupar com isso. Mas a razão principal não deveria ser essa. O Judiciário deveria ter uma posição de vanguarda na defesa dos direitos fundamentais de natureza social e que protegem a dignidade da pessoa humana.

No entanto, neste ponto, falta uma coisa fundamental à magistratura hoje. Os nossos novos operadores do Direto e mesmo alguns dos mais antigos não têm conhecimento sobre a vida social, sobre as pautas dos movimentos sociais e sobre a realidade na qual essas pessoas vivem. Em nosso trabalho cotidiano, todos os dias temos que tomar decisões que envolvem a vida dessas pessoas e de suas famílias. A grande maioria não está preparada para tomar tais decisões. Pode estar preparada tecnicamente, mas não tem conhecimento da vida social, não sabe quais são as dificuldades da vida dessas pessoas. Há uma onda muito grande de criminalização dos movimentos sociais por uma visão conservadora e por um desconhecimento da realidade social.

Sul21: Ao falar sobre esse a judicialização da política, o senhor se referiu ao papel da mídia na oferta de holofotes para os operadores do Direito e também na formação de uma opinião pública majoritária sobre determinados temas, que acabam orientando decisões de magistrados? Qual é a dimensão desse fenômeno, na sua opinião?

Rogério Favreto: É preocupante. Há uma condução muito parcial e seletiva. Os grandes meios de comunicação têm uma influência de massa por meio de sua atuação. Isso combinado com algumas medidas que os órgãos da Justiça vem tomando, como o vazamento seletivo e ilegal de informações, agrava ainda mais a situação. Isso tem efeitos danosos do ponto de vista individual, social e político. O que coloca alguns freios e levanta algumas interrogações sobre esse processo de manipulação são as mídias alternativas e as redes sociais, embora estas também se prestem à prática de desvios e manipulações. Esse trabalho consegue abrir algumas brechas nesse muro e as pessoas começam a perceber que existem outras visões e interpretações, mesmo dentro do Judiciário que não é formado apenas por super-heróis e salvadores da pátria.

Quando eu participei da direção da Associação dos Magistrados do Brasil, disse em um debate que a Magistratura e outros setores do sistema de Justiça vão pagar muito caro por esse momento de protagonismo, de atração por holofotes e de ter medo de ser contra-majoritário. O juiz não tem que ter medo de ser contra-majoritário, ele não tem que agradar. É um equívoco brutal colocar, como algumas revistas fizeram, um magistrado e um réu em um ringue. O magistrado não está nesta posição. Quem está é o Ministério Público. Isso já revela uma distorção muito grande.

Eu já disse também que nós pagaremos muito caro pela perda das prerrogativas. Será uma perda dupla. O Judiciário vai perder como instituição, porque que quem tem essa preocupação de atuar serena e sobriamente estará desprotegido. E vai perder a sociedade que não vai mais confiar no Judiciário. Como é que as pessoas poderão confiar no sistema de justiça se um magistrado ou um integrante do Ministério Público se manifesta antes da conclusão de processos, inclusive nas redes sociais com ódio, preconceito e pré-julgamentos? Os diversos setores da Justiça estão gravemente atrasados em perceber as conseqüências dessa onda de manipulação. Estamos sendo tragados por um caminho muito perigoso que trará muitas dificuldades, inclusive para recompor algumas prerrogativas de respeito que são intrínsecas ao trabalho de quem tem a atribuição de julgar processos envolvendo a vida das pessoas.

Sul21: Junto com esse processo de retirada de direitos, vem crescendo também a criminalização de movimentos sociais e de suas lutas. Já temos vários integrantes desses movimentos presos no país acusados, entre coisas, de integrarem organizações criminosas, no caso os movimentos aos quais pertencem. Na sua avaliação, estamos diante do risco de um fechamento político ainda maior no Brasil?

 Rogério Favreto: Infelizmente, parece que esse risco é muito forte. Como eu referi antes, temos um desconhecimento de grande parte dos operadores do Direito sobre o papel dos movimentos sociais. Além disso, há uma tendência na sociedade hoje de achar que os problemas vão se resolver aumentando o número de prisões. Muita gente só se dá conta do que isso representa quando alguém próximo acaba sendo preso. Costumo dar o exemplo do sentimento daquele pai, cuja filha ou filho sai uma noite para uma festa, conhece alguém, anda no carro desta pessoa que, sem ele ou ela saber, é traficante e acaba sendo presa por tráfico. O filho ou filha desse pai acaba sendo presa também e acusada, entre outras coisas, de formação de quadrilha, e vai ficar um ano ou dois presa preventivamente, como está ocorrendo agora na Lava Jato.

Para muita gente, quando solta alguns desses políticos que estavam presos preventivamente, a Justiça está cometendo uma barbaridade. Essa forte onda punitivista, combinada com o desconhecimento da realidade dos movimentos sociais pelos operadores do Direito ajuda a explicar esse aumento da criminalização. Esses movimentos são a expressão dos setores da sociedade que lutam pelos seus direitos. A maioria dos nossos direitos foi conquistada com luta social, com greves. Mas a maioria do sistema de Justiça é muito conservadora. Antes de ingressar em uma carreira jurídica, ainda nos cursos de formação, as pessoas teriam que conhecer essa realidade social de perto, conhecer a realidade de um acampamento de quem luta pela terra, de uma ocupação urbana e assim por diante.

Sul21: O STF é o guardião último da Constituição. A Constituição de 1988 vem sendo modificada em temas relacionados a preceitos e direitos fundamentais que, em tese, deveriam ser protegidos pelo Supremo. Isso, no entanto, até agora não vem acontecendo. Como o senhor avalia o papel que o STF vem desempenhando neste último período?

Rogério Favreto: Acho que, infelizmente, está ocorrendo uma grande omissão por parte do nosso Supremo Tribunal Federal. Tínhamos expectativas em alguns ministros, por sua formação, história e por algumas decisões recentes importantes na área de demarcação de terras, de quotas sociais, de direitos de minorias. Mas essas expectativas estão sendo frustradas, em meio a esses desvios que estão ocorrendo na condução de processos, desde o inquérito policial até a atuação do Ministério Público e de alguns magistrados. Outro problema é que não está havendo uma separação muito clara entre o trabalho do Ministério Público e da Magistratura. Em alguns momentos parece até que há uma atuação conjunta, quando cada um deveria estar fazendo a sua parte. O Ministério Público está muito junto com o magistrado em alguns casos. Acho que, às vezes, os colegas não se lembram que o Ministério Público é parte no processo, a Magistratura não.

O Supremo demorou muito para agir e criou-se um conceito que, agora, parece que não pode mais ser alterado. O exagero da prisão preventiva é um exemplo disso. A condução coercitiva é outro, envolvendo uma coisa que deveria ser óbvia. Alguém só pode ser conduzido coercitivamente quando se negar a comparecer perante a Justiça. Se isso não acontecer, estamos diante de uma violação. Outro exemplo é o uso da prisão preventiva para forçar delações. Há uma pauta da mídia montada para que isso ocorra. O Supremo não atuou no momento em que devia para impedir isso, para estabelecer limites segundo os marcos constitucionais. Não precisava nem inovar muito para fazer isso. A sua jurisprudência já era suficiente. Agora, parece que alguns ministros tem medo de ir contra a opinião pública ou opinião midiática.


O STF está faltando com seu papel. Ele poderia ser um grande pacificar em todo esse processo, estabelecendo os marcos constitucionais e garantindo que tudo ocorra dentro desses parâmetros e segundo a ordem processual. Não tenho muita esperança de que isso vá acontecer, mas ainda há tempo. A Suprema Corte poderia assumir esse papel de balizamento e de defesa de direitos fundamentais que a nossa Constituição garante.

Do GGN

Armando Coelho Neto: Interrogatório de Lula. Generalidades que não vêm ao caso

Defender o ex-presidente Luís Inácio Lula da Silva é tarefa árdua. É atrair para si a lama que há tempos atiram contra ele. Seria mais cômodo endossar a demonização promovida pela dita grande mídia contra ele. É o que se tem feito, até por parte de muitos que se beneficiaram daquela lama.

Sistema podre (“Sempre se soube”), por conta disso ou daquilo, foi possível formar ou acumular grandes riquezas, legislar em causa própria, se beneficiar de Proer e similares, conquistar anistias e perdões fiscais. Dos pixulés aos agrados de gaveta e contas em paraísos fiscais, como poderia o “Trem Brasil” caminhar sem aquela locomotiva? Numa sociedade movida a pedágio, como alguém poderia alguém transitar de graça? Portanto, nenhuma surpresa. O resto é moral hipócrita, mas parece estar fora do contexto.

Com alguma frequência, o ex-presidente Lula destacava ser “preciso mudar a forma de se fazer política nesse país”. Com igual ênfase, sempre apregoou a necessidade de financiamento público de campanhas. Portanto, se não sabia como o “Trem Brasil” trilhava, pelo menos presumia com qual combustível. Suas falas, porém, seriam ou são nítidos sinais de um não endossar a forma de lubrificar a engrenagem. Eis que, “sempre se soube”, não daria para entrar na lama do sistema e dela sair limpo e cheiroso. Até numa guerra pela paz derramar sangue é inevitável. Permito-me, pois, ainda que também fora do contexto, essa leitura romântica sobre “Jararaca viva”. É dela que vem a coragem de defender o ex-presidente Lula.

O contexto é o interrogatório de Lula. Convenhamos, ficou muito antipática aquela história de “senhor ex-presidente”. Parece haver ruídos no protocolo, mas isso verdadeiramente não vem ao caso.

Entremos nas generalidades, pois o juiz Sérgio Moro disse querer contextualizar e tinha a obrigação de fazer perguntas. Sem direito a contextualizações, o réu poderia responder ou não. Moro quis contextualizar as coisas ao seu modo e não queria que o réu se queixasse da imprensa. Entretanto, fez várias perguntas sobre entrevistas concedidas por Lula à imprensa. Moro sabia que o que ali estava fazendo tinha tudo a ver com a imprensa municiada pela Farsa Jato. Sabia também que o clima de mídia forçou a aceitação da denúncia. Uma vez aceita, era preciso seguir o ritual da lei (ouvir o acusado).

A acusação foi pública em razão da pessoa, como disse Moro. Mas, a defesa não poderia ser pública (feriu pesos e contrapesos de um Estado de Direito?). Dar publicidade seria abrir exceções à regra. Mas, fazer interpretações elásticas ou restritas são exceções permitidas, pois servem para acusar (?). Recorrer à imprensa só vale para acusar ou para contextualizar a acusação (?). Criticar a imprensa pelo mesmo motivo pró-defesa não serve(?). O fato é que ao negar, Moro diminuiu o impacto do vexame. Já pensou o Zé Povinho, lá no meio do mato, ouvindo Lula dizer “eu quero saber da prova e do crime que cometi”?

Quem esperava um Lula acuado se surpreendeu com sua objetividade, serenidade, altivez, segurança, firmeza, dignidade. Olho no olho, o “analfabeto” não se acovardou diante de papeis sem assinatura, que poderia até já ter ou não visto. Papeis, aliás, que Sérgio Moro sabe nada valer. Quando muito, sob a perspectiva do direito, corresponderiam aos tais “atos preparatórios”, que pela lei e pacifica jurisprudência, só são puníveis quando inerentes ao tipo penal. Por exemplo, petrechos para falsificação de dinheiro é crime, mesmo que a falsificação não ocorra. Assim, a intenção de compra, ainda que verdadeira e criminosa fosse, não se consumaria com formulários sem assinatura. Mas, Moro tinha a obrigação de perguntar. Foi com base neles que aceitou a denúncia.

Sérgio Moro queria contextualizar. Mas queria a seu modo, sob a perspectiva da acusação. Se imparcial, o faria também sob a óptica da defesa (outro prato da balança da deusa Themis). Lula contextualizou, ao lembrar que ali estava por haver dado meios para a Farsa Jato atuar e “não me sinto vítima disso”. Ainda que assim o tenha dito, aquele réu é, sim, vítima. E da pior forma, pois não tem estado diante da lei em si, mas sim da leitura torpe, tirana, raivosa e política da comoção midiática. A Farsa Jato padece do drama das teses acadêmicas malfeitas: o autor tem uma conclusão e depois sai em busca de justificativas para ela. Mas isso não vem ao caso.

 “Sempre se soube”. A culpa vem por presunção. Daí soar natural que numa explosão de espontaneidade, o réu figurativamente tenha contextualizado: sua mulher já deve ter saído pra comprar sapato, provar trinta e não comprar nenhum (olhei um ‘tripex’, não gostei, não comprei). Disparou pérolas do gênero, o senhor se sente culpado por haver quebrado empresas nacionais e haver desempregado milhares de trabalhadores? E disse mais que “Ninguém sabia... Nem eu, nem a imprensa, nem o senhor, nem o ministério público e nem a PF. Só ficamos sabendo quando grampearam o Youssef”.

Pela lei, o interrogatório não era para ter nada de novo e não teve. Tudo já havia sido dito e contextualizado pela imprensa. Só faltava a explicação pública e formal do réu. Mas, a imprensa, que para Moro não vem ao caso, criou a expectativa nacional sobre o novo, que só poderia ser a prisão que não houve.
Moro queria contextualizar e um detalhe foi esquecido: se o Partido dos Trabalhadores é uma quadrilha, outra já está no poder. Pior, a quadrilha pronta para dar o bote 2018 tem como cartão de visita uma foto ao lado próprio Moro. Mas isso também não vem ao caso.

Armando Rodrigues Coelho Neto - jornalista e advogado, delegado aposentado da Polícia Federal e ex-representante da Interpol em São Paulo

Do GGN

O chorume vazado da lavanderia de Reinaldo e Mainard

Reinaldo e Diogo lavam roupa suja em público

"Breve apanhado de correspondência imensa revela que Diogo passou a me considerar um mau sujeito só depois de 'O Antagonista'", escreve Reinaldo Azevedo, divulgando emails do ex-amigo, que disse, num passado recente, que sua vida havia ficado "mais pobre" longe de Reinaldo.

A direita continua lavando roupa suja na internet. Neste domingo, Reinaldo Azevedo publicou em seu blog na Veja e-mails trocados com o ex-amigo Diogo Mainardi.

"Breve apanhado de correspondência imensa revela que Diogo passou a me considerar um mau sujeito só depois de 'O Antagonista', escreve Reinaldo, destacando mensagem de Diogo, num passado recente, que disse que sua vida havia ficado "mais pobre" longe de Reinaldo.

Os dois passaram a divergir desde que Reinaldo Azevedo se tornou crítico dos excessos da Lava Jato. Na última semana, Diogo mandou Reinaldo "dar a bunda" após o colunista de Veja ter criticado o juiz Sergio Moro em razão do depoimento do ex-presidente Lula. 

 Confira  aqui.

As forças progressistas precisam cruzar o Rubicão, Fornazieri

"Aceitemos isso como um sinal dos deuses e sigamos até onde eles acenam, vingando-nos de nossos inimigos hipócritas. A sorte está lançada" (Júlio César).
Quando Júlio César decidiu atravessar o rio Rubicão com suas legiões - algo que era proibido a qualquer general por lei do Senado - a República romana, a rigor, já vivia seus estertores. Ela vinha morrendo desde as derrotas e o assassinato dos irmãos Graco, das guerras civis entre Sila (aristocracia) e Mário (partido do povo) e com a anulação da lei da reforma agrária. Roma era dominada pela aristocracia, que havia transformado a República num simulacro. Já não havia equilíbrio entre o povo e os nobres e o poder estava concentrado no Senado.

O Brasil está muitíssimo longe de ter vivido a grandeza da República de Roma, mas, politicamente, existe hoje uma certa similitude com os tempos em que César decidiu-se a cruzar o Rubicão. O país está dominando por uma elite perversa que destrói direitos e desequilibra o poder em favor dos ricos, impondo pesados confiscos tributários aos pobres. O conflito entre os dois lados chegou a um ponto de não retorno, pois é preciso radicalizá-lo com o objetivo de buscar restabelecer algum equilíbrio, evitando um empobrecimento e uma exploração ainda maiores dos trabalhadores.

O governo aristocrático de Brasília, que vem se tornando cada vez mais uma oligarquia destrutiva e opressora, precisa ser derrotado, seja pela via eleitoral, seja pela via das lutas de rua, de rebeliões sociais. O pacto republicano-democrático foi rompido quando Aécio Neves não aceitou o resultado das urnas e começou a urdir o golpe que resultou no afastamento do governo eleito.

Na última semana, o violento ataque perpetrado contra Lula, partindo de vários meios, comprova que as  forças conservadoras estão dispostas a usar todos os meios da guerra - judiciário, delações, acusações, destruição da imagem pública pela mídia, etc. - para alcançar seus objetivos. A sentença contra Lula já está decidida. A nova onda de ataques surgiu com três objetivos: 1) manter fogo cerrado contra a candidatura Lula; 2) esconder o fracasso de Temer depois de um ano de governo; 3) criar uma cortina de fumaça para levar ao esquecimento as pesadas denúncias que vieram a tona contra líderes do PSDB, Temer e ministros do governo.

Uma batalha campal pela democracia, por direitos e pela candidatura Lula

É preciso reconhecer que as forças progressistas, Lula e o PT não estão com uma nitidez estratégica definida e com definições de iniciativas táticas que indiquem um caminho a ser seguido e objetivos a serem conquistados. Após atos, manifestações públicas de rua e a própria greve geral, os setores populares carecem de solução de continuidade e não sabem qual será o movimento seguinte. Em que pese o momento ser propício para uma virada em favor de uma ofensiva popular, na verdade, persistem elementos de desorganização e de defensiva que vêm se observando desde o início de 2015, quando se iniciou o projeto do golpe conservador.

A rigor, existem três grandes tarefas postas na conjuntura: defender a democracia; lutar pela preservação dos direitos, contra as reformas conservadoras e o desmanche da educação, da saúde, da cultura e da ciência e tecnologia; e exigir que Lula tenha o direito de ser candidato em 2018. Há consenso no campo progressista acerca dos das duas primeiras tarefas. O que falta é organização, tática ofensiva e um cronograma de lutas.

Independentemente de que se venha apoiar ou não a candidatura de Lula, o fato é que o direito de ele ser candidato tornou-se uma questão democrática crucial para enfrentar o condomínio conservador e antipopular estabelecido no governo. Em primeiro lugar, é preciso observar que a cruzada contra Lula é a mais violenta e cruel já levada a efeito contra um político brasileiro. O juiz Moro, a Lava Jato, setores do Judiciário, o PSDB e setores da mídia jogam sem piedade para destruir a personalidade política de Lula e tudo o que ele representa enquanto política popular. Com o linchamento moral recorrente, criaram as condições para a violência política e para o linchamento físico do ex-presidente. Os conteúdos técnicos e jurídicos dos processos contra Lula já estão enterrados e seu julgamento é puramente político.

Se a Lava Jato faz reféns, como disse Gilmar Mendes, as delações forçadas são pagamento do resgate. É espantosa a degradação moral a que o país chegou: um corrupto notório como o marqueteiro João Santana teve a ousadia de afirmar que Dilma sofreu um "apagão moral". A normalidade com que se revestiu a delação de Marcelo Odebrecht e dos outros executivos, descrevendo o roteiro de como o capitalismo brasileiro assalta o Estado e os pobres, prova que a sociedade brasileira já não tem mais alma, não tem mais virtudes, vendeu-se ao demônio. As perguntas sem sentido do juiz Moro, a pavonice estúpida de Deltan Dallagnol, o disse-me-disse sem provas e sem dignidade das delações forçadas transformaram a Lava Jato num comitê de absurdos, numa guilhotina da verdade, num instrumento persecutório, numa proteção da mentira. Na equação perversa que a Lava Jato montou, serão salvos os maiores corruptos, os que causaram mais dano ao Brasil.

A caminho da violência política

A parcialidade da Lava Jato, do Ministério Público, do STF, da Polícia Federal e de setores da mídia está levando o país a uma crise de violência política gravíssima. Histórias de vários eventos políticos e militares mostram que quando se leva determinadas forças a becos sem saídas, elas lutaram até a morte. É isto o que está acontecendo hoje no Brasil com Lula e com os movimentos sociais. Cabe perguntar: o que quer o Ministério Público? A rebelião social? O que querem o juiz Moro e outros setores do Judiciário? A violência política? O que querem setores da mídia? Incendiar o país?

Ate agora não há elementos consistentes que justifiquem a condenação ou a prisão de Lula. Condená-lo ou prende-lo e impedir a sua candidatura,  deixando livres Aécio Neves, vários ministros e o próprio Temer significa jogar dinamite num deposito de pólvora e é inaceitável sob qualquer ponto de vista. Existe um curto-circuito político no país que só será desfeito se a imparcialidade do judiciário e a coincidência temporal dos processo forem estabelecidas. Como a democracia foi quebrada com o beneplácito do Supremo Tribunal Federal, parte da sociedade e um dos lados do conflito perderam toda a confiança em qualquer neutralidade das instituições. O STF está com um estopim acesso nas mãos diante de um mar de gasolina. Cabe a ele decidir se incendiará país ou se permitirá que os líquidos e os humores inflamáveis escoem para alguma saída.

As forças progressistas, se não quiserem sofrer uma derrota ainda mais devastadora, precisam se pôr de acordo, criar uma unidade, cruzar o Rubicão e invadir Brasília. Se não há um César para comandar as legiões, que as comandem outros cadetes. E se não há legiões, que se lute com os trabalhadores da cidade e do campo, com os índios, com as mulheres e com os jovens.

É preciso parar o governo e o Congresso na sua criminosa investida contra os direitos do povo. É preciso exigir do STF e do Ministério Público que recobrem a sobriedade e a responsabilidade constitucional. Nas atuais condições, as forças progressistas devem perceber que não há o que negociar. Para que se estabeleçam condições de negociação é preciso restabelecer o funcionamento da Constituição e o fim do ataque aos trabalhadores e ao povo pobre.

Do GGN, por Aldo Fornazieri