sexta-feira, 1 de setembro de 2017

No aniversário de um ano do golpe infame, é hora de avaliar destruição megalomaníaca da Globo, por Luís Nassif

Peça 1 – os antecedentes do processo de concentração da mídia
Em 10 de novembro de 1996, em minha coluna na Folha, sob o título “A globalização da mídia”, alertei para os efeitos das novas tecnologias no mercado de mídia, e os riscos de uma concentração excessiva de poder nas mãos da Globo.

Dizia
Nos próximos anos, será a vez de a mídia entrar na dança da modernização e das grandes fusões que estão marcando a imprensa, em nível mundial..


No Brasil, será um dos últimos setores a sentir na própria carne os efeitos da globalização. E o resultado final poderá ser bom tanto para a mídia como para o Brasil, desde que se estabeleça um equilíbrio nesse jogo.

(...) Se não houver reação dos demais grupos, essa acumulação de forças poderá provocar o monopólio virtual da comunicação no Brasil, algo que não interessa nem aos concorrentes nem ao Brasil.

Mesmo que em seu segmento de atuação, individualmente, cada concorrente tenha uma operação específica mais competente ou, no mínimo, competitiva em relação à Globo, a soma de forças do complexo poderá desequilibrar a competição em todas as frentes, seja em jornal, editora ou televisão.

É essa ameaça que deverá levar nos próximos anos, inevitavelmente, a dois processos complexos. Numa ponta, a uma ampla política de fusões e alianças estratégicas, entre grupos nacionais e estrangeiros, da qual resultará novos supergrupos de comunicação.

Na outra, a uma batalha política para colocar limites ao poder da Globo, já que há o risco concreto de que assuma o controle virtual da mídia no país.

Houve reação imediata de outros grupos ao meu artigo.

O presidente do grupo Silvio Santos, Luiz Sebastião Sandoval, me contratou para uma palestra para os principais executivos e, para minha surpresa, queria me enviar para análise os planos estratégicos das quatro maiores empresas do grupo. Disse-lhe que não era consultor e, além disso, trabalhava para uma emissora concorrente, a TV Bandeirantes.

Ele me explicou a razão do convite. Queria que eu ajudasse a levantar argumentos que permitissem aos executivos convencer Silvio Santos sobre a necessidade de se preparar para o novo tempo.

Do lado da Folha, Otávio Frias de Oliveira me incumbiu de um trabalho complicado. Queria que eu intermediasse um contato com João Saad, da TV Bandeirantes, para uma proposta de aquisição de parte do capital da Rede Bandeirantes, pela Folha e a Abril. Ainda não tinha havido o rompimento entre ambos, por conta da capitalização da UOL.

Conseguiu me indispor com herdeiros dos dois lados. Mas valeu pelo enorme prazer de testemunhar dois pioneiros da mídia – Frias e Saad – relembrando episódios políticos, especialmente do período Ademar.

João Saad me ofereceu a ancoragem do Jornal da Band e o papel de consultor do filho Johnny, que estava retornando ao grupo após um período afastado. Com problemas com minha empresa, a Dinheiro Vivo, e porque o convite feriu suscetibilidades do Johnny, acabei recusando a proposta. Retornando de Nova York, Paulo Henrique Amorim assumiu a ancoragem.

Ainda fui mensageiro de outra proposta de parceria, do jornal O Dia, que pretendia assumir a TV Bandeirantes do Rio de Janeiro.

Enfim, conto apenas o que testemunhei. Devem ter havido mais movimentos expressivos visando fusões e incorporações, mas nenhum frutificou, devido ao caráter eminentemente familiar das empresas de mídia. O fato de um simples artigo ter despertado tantas reações era o retrato do clima do aturdimento dos grupos de mídia, ante o novo mundo que se descortinava.

Na época, estava no auge a tiragem dos jornais. Havia recursos em caixa para facilitar operações de fusão e incorporação. Mas o ranço familiar falou mais alto.

Mais à frente, a Globo acabou tomando a iniciativa e se associando aos jornais paulistas em projetos de menor relevância, com o Estadão em um portal de imóveis e com a Folha no jornal Valor, aproveitando a queda da Gazeta Mercantil.

Peça 2 – a queda dos grupos de mídia
Nos anos seguintes, a Globo avançaria em todos os níveis.
Consolidaria a CBN no setor de rádios, dominaria o conteúdo das TVs a cabo, se apropriaria de fatias cada vez maiores do bolo publicitário, lançaria um novo portal, o G1.

O único grupo que conseguiu competir, ainda que em nível menor, foi a TV Record, graças ao modelo de negócios com a religião. Para sobreviver, as demais redes tiveram que alugar horários para religiões e se arrastar com audiências medíocres.

Na campanha pelo impeachment – que se iniciou no longínquo 2005, quando Roberto Civita implantou na Veja o estilo Murdoch – a Globo sempre foi o grupo mais esperto. Deixava Veja e Folha montarem os factoides e se limitava a repercutir no Jornal Nacional, evitando de se contaminar o estilo assumido por ambas as publicações.

Com todos os veículos seguindo a mesma linha editorial, a Globo assumiu o comando. Nenhum deles teve o tirocínio do velho Frias que, nos anos 80, ousou o contraponto de tirou uma geração de leitores do Estadão.

Enquanto os demais veículos teimavam em atacar as migalhas aos blogs independentes, a Globo conseguia avançar com a voracidade de um ogro sobre as verbas publicitárias públicas e privadas.

Nesse período, a Abril foi caindo, a ponto de hoje em dia trocar uma sede monumental na Marginal Pinheiros por um prédio pequeno no Morumbi. Perdeu o bonde da Internet devido à resistência dos editores de papel.

O Estadão não conseguiu se viabilizar como jornal, nem como rádio, sustentando-se agora no pioneirismo da Agência Estado. A Folha sentiu os mesmos problemas dos demais jornais impressos e a UOL acabou se salvando com prestação de serviços e a grande sacada de criar seu próprio meio de pagamento.

Enquanto isto, Google e Facebook avançam cada vez mais sobre a publicidade interna.

Alguns anos atrás, um jornalista com acesso aos irmãos Marinho comentava sua preocupação com o enfraquecimento dos demais grupos. Acabaria por expor de maneira perigosa a concentração de poder em torno da Globo.

Peça 3 – o ponto de não retorno
Não se sabe o que ocorreu de lá para cá. Os Marinho passaram a se afastar cada vez mais da condução editorial e comercial do grupo. E o comando foi entregue a um grupo de jornalistas que decidiu viver intensamente o presente, sem nenhuma preocupação com a perpetuação da organização.

A Globo se tornou uma máquina de destruição das instituições, em um processo permanente de exibição de músculos, de construção midiática da realidade, atropelando leis, abrindo espaço para a desmoralização dos Três Poderes, estimulando o uso selvagem do direito penal do inimigo.

Culminou com a iniciativa inédita de convocar a população para passeatas pró-impeachment e de montar a dobradinha com a Lava Jato para instrumentalizar politicamente as delações e os indícios da operação.

O aniversário do golpe é, portanto, ocasião adequada para se analisar o papel das Organizações Globo na destruição da ordem institucional.

Com exceção da mídia venezuelana, não se tem notícia de um grupo de mídia que tenha abusado tão imprudentemente de seu poder sobre a opinião pública.

Deve-se à Globo, mais do que a qualquer outro personagem, a entronização de uma quadrilha no poder e, com ela, as negociatas que campeiam a torto e a direito no Congresso, as ameaças sobre a Amazônia, o desastre final das contas públicas em função de uma política econômica irresponsável, da qual a Globo é a principal avalista.

Nem a reação posterior à quadrilha a absolverá do crime de uma desestabilização política tão grande que gerou até ameaças tipo Bolsonaro. Isso porque, no plano psicossocial, a Globo teve papel central na disseminação no ódio, que se refletiu diretamente no comportamento da Polícia Militar e no aumento expressivos dos autos de resistência, na consolidação do direito penal do inimigo, na caça aos resistentes, na desmoralização final da justiça, na destruição das principais políticas sociais, e, agora, na queima irresponsável de ativos nacionais.

Roberto Marinho era um empresário esperto. Quem o conheceu de perto o considerava um comerciante pouco informado, mas que conhecia razoavelmente seu negócio. E teve a sagacidade de entregar a TV a mãos profissionais e montar a estratégia de negócios com conselheiros de primeiro time, os velhos lobistas e economistas cariocas, seus contemporâneos.

Mais que isso, contou em postos chave com chefias jornalísticas fieis ao projeto de perpetuidade do grupo.

Aproveitou mais do que qualquer outro grupo da proximidade com o regime militar, e foi dos últimos a entrar na campanha das diretas. Quando percebeu a mudança de cenário, seus principais comandantes, como o jornalista Evandro Carlos de Andrade, trabalharam incessantemente para tentar reverter a imagem de aliada da ditadura que marcou a Rede Globo. E tinham um cuidado especial em minimizar o papel da Globo no golpe, na eleição de Collor.

Sobre o futuro da política, há apenas uma certeza: seja quem assumir o poder, a Globo terá que ser tratada como um problema nacional. O preço de se ter um país moderno, plural, respeitador da lei e das instituições será o de enquadramento definitivo da Globo, uma distribuição de seu poder de mercado, acabando não apenas com a propriedade cruzada dos meios de comunicação, mas regulando o conceito de rede nacional. Mesmo sem ter a propriedade das associadas, a Globo controla o conteúdo, a grade e os grandes pacotes de comercialização. É esse domínio que caracteriza o controle, não a propriedade em si.

O país moderno só se imporá sobre o atraso no dia em que houver limites a esse poder midiático.

GGN

O saldo do golpe ao completar um ano: corrupção, desmonte do Estado e retirada de direitos, por Paulo Teixeira

Há um ano o Senado Federal feria de morte a democracia brasileira  ao consolidar o golpe dado contra uma presidenta eleita legitimamente com 54,5 milhões de votos.

Desde que Michel Temer assumiu a presidência, colocou em execução um projeto de país que não foi escolhido nas urnas.  De lá pra cá, o Brasil passou a ser governado por um grupo de corruptos que  pratica um verdadeiro desmonte das políticas sociais, prejudica a economia e ameaça a  soberania nacional.

No pronunciamento que fez após a votação do Senado, Dilma Rousseff alertou: “Vão capturar as instituições do Estado para colocá-las a serviço do mais radical liberalismo econômico e do retrocesso social”. Um ano depois, é exatamente este o cenário do Brasil pós-golpe.

Começando pela Emenda Constitucional nº 95, que congelou por 20 anos os investimentos em saúde e educação, e passando pelas reformas trabalhista e da previdência, a retirada de direitos e a precarização das garantias sociais são uma constante desde que Temer assumiu a presidência.

O governo paralisou os investimentos e, como resultado, a economia só piora e arrasta de volta à vulnerabilidade as camadas da população que melhoram de vida durantes os governos Lula e Dilma.

Em pouco mais de um ano, Temer cortou 71% da verba destinada ao Minha Casa, Minha Vida e reduziu em 36% os investimentos do PAC. O programa Farmácia Popular, que garantia medicamentos gratuitos ou a preços de custo, foi encerrado e as Universidades Federais sofrem para fechar as contas com o orçamento reduzido em 11,4% em relação ao último ano e com parte das verbas contingenciadas.

O mantra do ajuste fiscal entoado por este governo se tornou uma política de desmonte do Estado e mesmo assim o déficit fiscal do primeiro semestre deste ano é o maior da história, um rombo de R$ 56 bilhões – R$ 20 bilhões a mais do que no mesmo período do ano passado, quando Dilma era presidenta.

A taxa de desemprego, que caiu ao longo dos governos Lula e Dilma, aumentou e atingiu no último semestre 13%, afetando mais de 13 milhões de brasileiros.

A sensação é de que o povo leva um golpe por dia, desferidos por um grupo corrupto que tomou de assalto a presidência do país. Um a um os homens fortes de Michel Temer vão caindo, acusados e investigados por corrupção. O próprio Temer é o primeiro presidente a ser denunciado pelo crime em exercício do poder.

A conduta deste governo afeta inclusive a imagem do Brasil no exterior. Seja pela instabilidade institucional ou pela política externa subserviente, existe hoje um grande contraste em relação à política externa dos governos do PT.

Nos últimos anos, o Brasil se consolidava como liderança regional e contribuía para a construção de uma nova ordem global, baseada  no multilaterismo, sem se submeter aos interesses das grandes potências.
  
Hoje, sem prestígio no cenário mundial,  o golpe coloca em xeque também a soberania nacional, ao colocar à venda, à disposição dos interesses financeiro e internacional, patrimônios estratégicos como o pré-sal, a Eletrobras e terras amazônicas de interesse da mineração.

O golpe não foi contra uma presidenta ou um partido, foi contra a democracia e o povo brasileiro.

Paulo Teixeira é deputador federal pelo PT.

GGN

quinta-feira, 31 de agosto de 2017

Jornalista Igor Gielow da Folha de São Paulo diz que Moro se enrolou com denúncia contra "amigo"

O jornalista Igor Gielow, repórter especial da Folha, publicou artigo nesta quinta (31) criticando a reação de Sergio Moro à denúncia de Rodrigo Tacla Duran contra o amigo pessoal do juiz, o advogado Carlos Zucolotto. "Para todos os efeitos, Moro piscou", disparou. 

No último final de semana, Folha divulgou que Tacla Duran acusa Zucolotto de intermediar um acordo de delação premiada com os procuradores de Curitiba, que acabou fracassado. Duran é réu por lavagem de dinheiro e formação de organização criminosa e afirma que o amigo de Moro cobrou um terço dos honorários "por fora", para repassar o dinheiro às pessoas que ajudaram nos bastidores da negociação. 

Contrariado, Moro entrou em contato com Zucolotto e respondeu à Folha que a notícia era falsa. Ele também usou um despacho em um dos processos de Lula para se defender, alegando que não era contra a eventual apuração da denúncia de Duran.

"Sua reação à acusação de que um advogado amigo negociava acordos por fora na Lava Jato chamou mais atenção do que a insinuação em si. Moro tratou de desqualificar o acusador, chamando-o de 'delator foragido'. Há nuances óbvias, até porque o delator em questão não chegou a ter a delação aceita, mas é impossível ignorar a ironia de ver o juiz que tanto valorizou o instituto da delação partir para essa linha", escreveu Gielow. 

O jornalista também não poupou Moro por seu exibicionismo na pré-estreia do filme da Lava Jato. Lauro Jardim, em O Globo, escreveu que o juiz fez questão de furar um esquema de segurança para chegar ao cinema em meio ao público do shopping, causando alvoroço. 

"Nada contra vida pessoal de magistrados, mas um pouco de recato seria desejável. Moro pisou na bola algumas vezes no curso da Lava Jato, mas seu trabalho é de importância ímpar na história recente do país", disse Gielow. "Cabe aos juízes moderação", acrescentou. 

Por fim, o jornalista ainda projetou que Moro pode ter a intenção de se tornar político com o fim da Lava Jato, assim como procuradores de Curitiba. A operação Mãos Limpas, da Itália, pode ser uma inspiração para além do Direito. 

"A Lava Jato já é marcada por estrelismo e voluntarismo de caráter messiânico por parte de alguns de seus integrantes da ponta, voltando ao questionamento do início desse texto. Na Itália da sua inspiração, a Operação Mãos Limpas, investigadores e magistrados entraram na política após disputas semelhantes e a efetiva reação congressual para esvaziá-la. Como lamentou em entrevista o historiador Giovanni Orsina, os protagonistas viraram agentes políticos, a começar pelo magistrado-símbolo da operação, Antonio di Pietro."

Do GGN

quarta-feira, 30 de agosto de 2017

Xadrez do fator é a economia, estúpido!, por Luís Nassif

Peça 1 - a desinformação como regra
Em qualquer análise que se faça sobre o jogo político brasileiro, os movimentos das corporações, o comportamento da mídia, deve-se partir do pressuposto básico: trata-se de um país essencialmente mal informado. E, como tal, sem os instrumentos democráticos básicos para acertos de rumo na economia, na política, no social.

O meio campo entre a opinião pública e as instituições é feito pela imprensa. Com a redemocratização, grupos de mídia se viram dotados de um poder político inédito na história do país. E acabaram assumindo uma linha sensacionalista que começou com campanha do impeachment de Collor e nunca mais se desgrudou dos jornais.
  
O próprio modelo de mídia, concentrado em poucas famílias de baixo nível intelectual, acentuou ainda mais a mediocrização – isto é, a identificação do jornalismo com o cidadão médio.

Não se fixou, entre nós, o padrão de jornalismo doutrinário, guardião de valores e fiscal das políticas públicas fundamentais como ocorre em países desenvolvidos, com veículos referenciais à esquerda e à direita. Sem esses canais de distribuição, as ideias da Academia ficam encapsuladas, para grupos restritos. E os think tank existentes no máximo são servidos como aperitivo para grandes corporações, não ajudando a definir ações nem de instituições nem de partidos.

Além disso, a crescente despolitização da política brasileira, ao longo de sucessivos governos – de FHC a Lula e Dilma – impediu a fixação de valores doutrinários relevantes, formuladores de um projeto nacional. A chegada das redes sociais completou o quadro de caos informacional.

Hoje em dia, tem-se uma classe média impulsionada por preconceitos, empresários sem noção dos efeitos de políticas econômicas sobre o futuro de seus negócios, corporações públicas – como o Judiciário e o Ministério Público – com um grau assustador de desinformação política. São camadas sucessivas de opinião pública que se movem por slogans, por um pensamento homogêneo, rasteiro, que não se abre para nenhuma forma de questionamento.

Só isso para explicar a apatia inicial com que está sendo tratado o projeto de descontratação da energia da Eletrobras.

Peça 2 - as consequências dos desastres econômicos
Entendido isto, vamos às consequências de políticas econômicas. Os diversos setores do país passam a analisar as políticas a posteriori, à luz dos seus resultados.

Getúlio Vargas foi eleito depois do desastre liberal do governo Dutra. Fernando Collor foi eleito depois da centralização do regime Militar. Fernando Henrique Cardoso, após o desastre liberal de Fernando Collor. Lula, após o desastre liberal de FHC. O golpe de Temer após o desastre intervencionista de Dilma.

O golpe militar de 64 se consolidou após reformas bem-sucedidas da dupla Roberto Campos-Octávio Bulhões, seguida do pragmatismo de Delfim Netto. E Lula conseguiu eleger Dilma Rousseff após as políticas anticíclicas bem-sucedidas de 2008-2010.

Tudo isso para constatar que após um grande desastre econômico, se tem uma virada de jogo.

O desastre perpetrado pelo "dream team" atual da economia é de dimensões cavalares, maiores ainda que os desastre do período Joaquim Levy-Dilma Rousseff, porque em cima de uma economia já combalida.

O problema desse pessoal não é a ideologia: é a ausência total de visão de país. Há um conjunto de políticas que se impõem, independentemente de tendências ideológicas. Mas, para tanto, há a necessidade de um conhecimento aprofundado de todas as variáveis econômicas.

Roberto Campos foi um dos pais do BNDES, apesar de ferozmente privativista. Atuou para a estatização da Light, quando percebeu que a Brascan não pensava em investir na manutenção e ampliação da rede. Rômulo de Almeida, Cleantho de Paiva Leite e Jesus Soares Pereira pensaram na Petrobras atuando sem monopólio, apesar de defensores intransigentes do papel do Estado, e a UDN de Bilac Pinto optou pelo monopólio e pela verticalização, baseada nos estudos técnicos de Fernando Lobo Carneiro.

Em todos esses episódios, o papel do economista era identificar o problema e resolvê-lo da melhor maneira possível.

É por isso que, do ponto de vista da estratégia nacional, o golpe atual é mil vezes pior do que o de 1964. Castelo Branco assumiu viabilizando um conjunto de reformas que patinava no governo Jango, devido ao boicote do Congresso. Veio abastecido pelo avanço do planejamento brasileiro, em órgãos públicos, como o BNDES, ou em consultorias privadas, como a Consultec. Modernizou institucionalmente a Receita, criou o Banco Central, modernizou o mercado de capitais. Havia até o Estatuto da Terra, que morreu devido à entropia que caracteriza todas as ditaduras, impedindo a voz de setores desfavorecidos.

Jamais imaginaram privatizar a Eletrobrás ou a Petrobras porque eram empresas estratégicas, entendidas como estratégicas por um conjunto de pensadores que, sendo conservadores ou populares, compreendiam a lógica de funcionamento de uma economia.

Desde que a Fazenda passou a ser entregue aos chamados economistas de mercado ou seus porta-vozes, perdeu-se totalmente a dimensão da complexidade de uma economia como a brasileira.

Eles não têm a menor ideia da engrenagem que move expectativas, induz aos investimentos, movimenta o consumo. Não tem a menor ideia sobre o funcionamento do mercado elétrico, sobre a lógica dos investimentos em infraestrutura.

Limitam-se a olhar as taxas de juros longas, como Penélope à espera de Ulisses. Quando as taxas apontarem para baixo, Ulisses surgirá no horizonte e, com suas flechadas, eliminará os ímpios e os céticos.

Pior, deixam esse mercado de taxas longas à mercê do jogo especulativo, sem ao menos intervir, como faz o FED nos Estados Unidos.

Daqui a alguns anos, algum scholar escreverá um livro recheado de série estatísticas dissecando o desastre promovido pelo governo Temer. E, aí, talvez o “dream team” consiga enxergar minimamente o tamanho do desastre que produziu.

Peça 3 – caindo na real
A opinião pública brasileira – de empresários ao povão – só começa a cair na real quando se radicalizam os efeitos maléficos de políticas econômicas incorretas. Sempre haverá uma sobrevida ao desastre, com as Mirians Leitãos da vida explicando que precisa sofrer um pouco mais para conseguir o céu; e quando o céu não chega explicando que o sacrifício foi insuficiente, apesar de 16 milhões de desempregados. Mas chega uma hora em que aq ficha cai até para o telespectador mais crédulo.

A ficha caiu para o grosso da população com a proposta de reforma da Previdência e reforma trabalhista. Para os industriais, com o fim da política de conteúdo nacional, a tentativa de emascular o BNDES e a falta de investimentos públicos em infraestrutura.

É evidente que nem com injeção de adrenalina na veia se conseguirá despertar o tal espírito animal do empresário. E o capital externo só virá para compras de ativos na bacia das almas.

O primeiro efeito desse desencanto geral provavelmente será a fritura do chefe do “dream team”, Henrique Meirelles, a pior herança que Lula legou ao país. Não resolverá. Não existe dimensão política do governo Temer, nem quadros de fôlego e respeitabilidade na área econômica capazes de inverter a lógica da política econômica. Ela é do tamanho de Temer.

O resultado está aí, no crescimento consistente de Lula e na queda consistente das principais lideranças do PSDB e dos heróis da Lava Jato em relação diretamente proporcional com o exército de desempregados..

Peça 4 – os dilemas do antilulismo
E aí se entra em um dilema crucial.

Numa ponta, a tentativa dos atuais condôminos do poder em preservar o butim conquistado.

O primeiro caminho seria apostar as fichas em um candidato novo. Na quadra atual, sem perspectiva de recuperação econômica, tendo como padrinho o sujeito mais odiado do país – Michel Temer – só um milagre para a aliança golpista produzir um candidato competitivo. Mesmo que consigam tirar Lula das eleições, com as armações de Sérgio Moro e o TRF4.

O segundo caminho seria o parlamentarismo, o presidencialismo mitigado ou o nome que se dê ao modelo que pretenda retirar poder do voto. Mas só passaria caso a economia permitisase um mínimo de fôlego para a aliança golpista.

Se a situação econômica piorar mais ainda – e não há nada pior que a continuidade da recessão em cima de uma economia já depauperada – se esfumaçará o pesado véu de desinformação montado pela mídia para matar a memória recente da economia. E poderá haver uma debandada geral de políticos e empresários em direção a Lula, por sua capacidade de recriar o sonho e pela obra que já construiu.

E como Lula é grande, mas não é Deus, na hipótese de assumir terá o enorme desafio de manter as expectativas sem conseguir milagres.

GGN

Financiador da lava jato Sérgio Amoroso é investigado pela Polícia Federal e pelo MPF no Pará

Principal financiador do filme sobre a Lava Jato, o empresário Sérgio Amoroso é um tipo controvertido. Self-made-man, começou a vida como office boy, montou uma companhia de venda de papéis e, em 1999 conseguiu assumir o controle do Projeto Jari, que estava sob intervenção do BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social), pagando 1 real e assumindo as dívidas.

Desde então, tornou-se uma espécie de Dr. Jekill e Mr. Hide do setor de celulose. Numa ponta, recebeu vários prêmios de responsabilidade corporativa, apregoando a defesa da sustentabilidade, as iniciativas em favor de crianças com câncer, entre outras atividades meritórias.

Em uma entrevista a uma revista de sustentabilidade, Amoroso deu a fórmula de sucesso do grupo:

“Para o Grupo Orsa, o desenvolvimento dos negócios deve ser um fator de transformação da sociedade, por meio de ações economicamente viáveis, socialmente justas e ambientalmente corretas. O compromisso com os funcionários, a cooperação com os fornecedores, o apoio às comunidades e a preocupação com o meio ambiente norteiam todas as decisões de negócio”.

No silêncio da selva amazônica, as informações que poucas vezes chegavam ao sudeste mostravam um perfil diferente.

No dia 4 de dezembro de 2015, uma operação de Polícia Federal foi atrás de agentes públicos do estado do Pará, da Secretaria do Meio Ambiente e do Instituto de Terra do Pará, envolvidos em fraudes no sistema de comércio florestal, beneficiando justamente o Projeto Jari. Houve buscas e apreensões em 41 endereços ligados a cinco empresas. Houve duas prisões preventivas e 16 temporárias.

Segundo as investigações, 81% da madeira retirada do plano de manejo fraudulento tinha sido destinada à Jari Florestal, uma das maiores empresas exportadoras de madeira do país. Com o avanço das investigações, a Polícia Federal descobriu que o mesmo tipo de operação com evidência de fraude ocorreu envolvendo a Jari e outros planos de manejo.

O golpe foi batizado de “lavagem de madeira”. Segundo a nota do Ministério Público Federal do Pará, “a madeira retirada em desmatamentos ilegais na Amazôniaentra nos sistemas de controle da comercialização de produtos florestais por meio de fraude em planos de manejo aprovados pelo poder público, geralmente em nome de laranjas. Comprada por grandes empresas exportadoras, a madeira derrubada ilegalmente é vendida com aparência de legalidade para compradores no exterior”.

Só de um dos planos, segundo o Ministério Público, foram movimentados mais de R$ 28 milhões em madeira ilegal entre dezembro de 2014 e fevereiro deste ano, devido ao alto valor comercial do ipê.

Constatou-se que 81% da madeira fraudada tinha sido destinada à Jari Florestal S.A., de Sérgio Amoroso. Era tanta madeira que necessitava do equivalente a uma frota de 220 caminhões para ser transportada.

O golpe da Jari se ampliou com a compra de créditos para comercialização de ipê de sete empresas próximas a Belém. A fraude era tão escancarada que os registros indicavam que a madeira levou 10 minutos para ser transportada de Almerim a Belém, a 800 km de distância.

Foi apenas o desfecho de uma aventura empresarial enganosa. Amoroso criava uma falsa blindagem com seus projetos beneméritos. Mas desde a compra do Jari mergulhou em vários problemas financeiros. Em uma de suas últimas crises, contou com a ajuda de deputados do PT e do PSOL para obter ajuda do BNDES.

Sobram denúncias de abusos cometidos na Amazônia. Montou um negócio de madeira em que o plantio era de sitiantes. Aqueles que não concordavam em aderir ao plantio eram ameaçados.

Em duas ocasiões realizou demissões maciças de trabalhadores. Em 2008 recebeu R$ 170 milhões do BNDES para o financiamento do plantio de eucalipto, com a condição de manter os empregos. Para firmar posição a favor do emprego admitiu 800 trabalhdores. Mal recebeu o financiamento, demitiu 700.


Este ano, surgiram notícias de dificuldade de pagamentos a terceirizados, além de alguns pedidos de falência.

Aparentemente, financiando o filme, Amoroso visou comprar proteção.

Do GGN

terça-feira, 29 de agosto de 2017

O jogo de cena da Lava Jato com José Serra, por Luís Nassif

Muitos se surpreenderam com o fato do algoritmo do STF (Supremo Tribunal Federal) ter sorteado o processo do senador José Serra (no caso da delação da JBS) para a Ministra Rosa Weber, e não para os indefectíveis Gilmar Mendes ou Alexandre de Moraes.

Teria o algoritmo falhado miseravelmente em hora tão delicada?

Não. O algoritmo continua bem azeitado. E a maior prova é o fato de Serra ter emergido das sombras onde se oculta sempre que o medo bate, e voltado a falar, querendo pegar carona na bandeira do parlamentarismo.

No período de maior pressão, chegou a circular até o boato de que Serra estaria sendo vítima de doença terminal, tal o nível de abatimento do valente ao pressentir a viola em cacos. Uma das características da personalidade de Serra é sempre se esconder quando exposto a qualquer tipo de pressão, política ou penal.

O caso JBS não deve ter contrapartidas de Serra. Ou seja, foi uma contribuição de campanha, parte para a campanha, parte provavelmente embolsada, já que não declarada, mas que, em todo caso, não implicou em uma contrapartida de Serra. Mesmo porque a JBS produz salsicha, não obras viárias. Por isso mesmo, tem tudo para entrar na vala comum do caixa 2 sem identificação de propina.

O processo que inquieta Serra é o motivado pelas delações da Odebrecht. Lá, há propina na veia, o percentual do dinheiro gasto nas obras do Rodoanel e do Metrô de São Paulo, os encontros com Marcelo Odebrecht no escritório de Verônica e um conjunto de indícios que permitiria ao Procurador Geral da República solicitar a quebra do sigilo de Verônica.

O algoritmo entregou esse inquérito para Gilmar Mendes.

Terá o mesmo destino dos inquéritos contra Aécio Neves, que só não se safou devido ao ponto fora da curva da delação da JBS acompanhado de gravações de conversas com ele, Aécio.

Aliás, se prosperar a delação de Antônio Pallocci, sobre a suposta propina paga ao ex-presidente do Superior Tribunal de Justiça Cesar Asfor Rocha, e a operação Castelo de Areias vier a ser recuperada, encontrarão indícios robustos do pagamento de R$ 5 milhões a autoridades do governo de São Paulo, para abafar o episódio da cratera do Metrô. As negociações permitiram às empreiteiras indicar funcionários-laranjas como responsáveis, em vez dos próprios presidentes. Segundo advogados que acompanharam de perto as negociações, o total foi R$ 15 milhões, irmamente divididos entre as três empreiteiras.

De qualquer forma, o jogo de cena com senadores do PSDB não convencerá ninguém, enquanto se poupar dois personagens-chaves: Dimas Toledo, no caso Furnas, e Paulo Preto, no caso Dersa. Ou enquanto se mantiver incólume o fundo de investimento de Verônica Serra.

 GGN

segunda-feira, 28 de agosto de 2017

Moro já chegou a livrar suspeito que acusa seu amigo pessoal de cobrar propina

Apesar de tratar o advogado Rodrigo Tacla Duran como um bandido, a verdade é que o juiz Sergio Moro, num primeiro momento, não quis transformá-lo em réu na Lava Jato. A desculpa utilizada foi que processar um foragido que precisa de extradição junto com pessoas já presas no Brasil iria atrasar o julgamento. Por isso, Moro decidiu não aceitar a primeira denúncia do Ministério Público Federal contra Duran. Só veio a fazê-lo em outra tentativa dos procuradores, meses depois.

A denúncia contra Duran por lavagem de dinheiro e formação de organização criminosa foi apresentada pelos procuradores de Curitiba em 11 de abril deste ano - quando o investigado, que tem cidadania espanhola, já era considerado foragido da Justiça. Nove dias depois, Moro analisou a acusação e decidiu não aceitar a parte que diz respeito ao advogado.

No domingo (27), a jornalista Mônica Bergamo publicou reportagem sobre um trecho vazado de um livro que Duran pretende lançar nos próximos meses. O advogado promete relatar na obra um episódio comprometedor para um “amigo pessoal” de Sergio Moro, o advogado trabalhista Carlos Zucolotto. De quebra, as informações expõem os procuradores de Curitiba.

Segundo os relatos de Bergamo, Duran acusou Zucolotto de “intermediar negociação paralela com a força-tarefa da Lava Jato”. Segundo ele, o amigo de Moro o procurou para oferecer seus serviços em Curitiba alegando que tinha “bons contatos” e que poderia ajudar a construir um acordo de colaboração premiada com o Ministério Público Federal.

Em troca, o amigo de Moro pediu para receber ⅓ dos honorários “por fora”, com a desculpa de que precisava pagar as pessoas que participaram das tratativas nos bastidores.

Antes de Zucolotto entrar em cena, o procurador Roberto Pozzobon teria proposto a Duran uma multa de 15 milhões de dólares para fechar a delação. Pelos relatos no livro, Zucolotto fez algumas “sondagens” e afirmou que poderia “melhorar a proposta”, inclusive usando um “contato” para levar Deltan Dallagnol à mesa de negociação.

"(...) de fato, os procuradores Julio Noronha e Roberson Pozzobon enviaram por e-mail uma minuta de acordo de colaboração com as condições alteradas conforme o que Zucolotto havia indicado em suas mensagens", assinalou Duran.

Contrariado com a narrativa, Moro entrou em contato com seu amigo pessoal e publicou uma nota no site O Antagonista, na qual diz que não há provas das acusações relatadas e lamenta “o crédito dado pela jornalista ao relato falso de um acusado foragido tendo ela sido alertada da falsidade por todas as pessoas citadas na matéria.”

Os principais fatos envolvendo Duran ocorreram na seguinte ordem:
- Em 5 de julho de 2016, Moro decreta a prisão preventiva e autoriza o bloqueio de bens de Duran, que vinha sendo investigado por offshores para lavar dinheiro para empreiteiras que tinham contratos com a Petrobras. O pedido (busca e apreensão criminal nº 5035144­ 88.2016.4.04.7000) foi feito pelo MPF no âmbito do processo 5048976­28.2015.4.04.7000 - que, segundo o portal da Justiça do Paraná, está em segredo de Justiça.

- Em novembro de 2016, a imprensa deu notícias de que as autoridades, a mando de Moro, bloquearam recursos das contas de Duran.

- Em 11 de abril de 2017, o MPF acusa Duran e outros por lavagem de dinheiro e formação de organização criminosa.

- No dia 20 de abril de 2017, Moro acolhe parcialmente a denúncia, livrando Duran da situação de réu. O argumento usado pelo juiz foi que Rogério Gonçalves, um dos denunciados, já estava preso preventivamente no Brasil, enquanto a situação de Duran exigia um embate com a Justiça da Espanha em torno da extradição. Moro avaliou como um prejudicial à celeridade do julgamento o fato do MPF ter optado por denunciar Duran nessas condições, e decidiu rejeitar esse trecho da acusação. “Não é apropriado reunir na mesma ação penal pessoas que se encontram em situação processual díspares, sendo necessário imprimir urgência à ação penal contra o acusado preso no Brasil, o que não será possível com outro acusado no exterior”, disse. O juiz sugeriu aos procuradores que apresentem um caso exclusivamente sobre Duran. “Assim, essa parte da denúncia não será recebida e deverá o MPF, querendo, promover ação penal em separado a respeito desses fatos, não sendo apropriado incluí-la na presente."

- O processo 5015608-57.2017.4.04.7000, que poderia ter Duran como réu, mas não tem, entrou em fase de alegações finais. A ação originária (50565024620154047000), que ainda pode estar relacionada ao advogado, está em segredo de Justiça.

- O Ministério Público acatou a ordem de Moro e apresentou uma denúncia apartada, que só foi aceita pelo juiz em 29 de maio (ação penal 5019961-43.2017.4.04.7000). No mesmo despacho, Moro disse que preferiria aguardar o resultado do processo de extradição antes da citação por cooperação internacional.

- Em 28 de julho, a imprensa divulgou que a Espanha negou a extradição de Duran, mas advertiu que ele poderá ser julgado naquele país com base nas informações enviadas pela Justiça brasileira quando da ordem de prisão preventiva.  
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Folha ainda expôs que Rosangela Moro e Zucolotto eram sócios, mas Moro afirmou que se tratava de uma "sociedade de advogados sem comunhão de trabalho ou de honorários", e que Rosangela "jamais trabalhou em processos do escritório do sr. Carlos Zucolotto e vice-versa".

Uma fonte que atua na Lava Jato em Curitiba afirmou ao GGN, contudo, que "ao que parece" a esposa de Moro "saiu correndo" do escritório em 2016, qando este entrou na mira de investigadores por "prestar serviços para petrolíferas com interesse nos resultados da Lava Jato".

Zucolotto, por fim, disse que as acusações de Duran são inverídicas e não passam de uma tentativa de implicar Sergio Moro e os procuradores da Lava Jato, com o objetivo de fugir de uma ação penal.

Do GGN

domingo, 27 de agosto de 2017

Os crimes que o TCU criou para derrubar Dilma, Luis Nassif

Nos Embargos de Declaração do procurador Ivan Marx, contra decisão da juíza que não homologou a desistência da ação que tenta criminalizar Dilma Rousseff pelas pedaladas, há uma analogia interessante que serve para demonstrar como o TCU (Tribunal de Contas da União) criminalizou práticas históricas para criar o álibi técnico para a derrubada do governo.

O TCU admitiu que as práticas eram recorrentes. O que diferenciava as pedaladas de Dilma era a intensidade:

32. Entretanto, a partir do momento em que há atrasos reiterados nos repasses dos recursos à Caixa, gerando saldos negativos significativos e prolongados nas contas de suprimento, estabelece-se nova relação: o banco passa a financiar a União, mediante “linha de crédito” que garante a continuidade dos pagamentos aos beneficiários, mas com ônus para o erário, na forma de juros bancários, e com graves consequências sobre o endividamento público.

Ivan Marx, então, supôs a seguinte situação:

Em um país distante daqui, surgiu, no ano de 1994, a prática de resolver desavenças por meio de duelos. Nesses embates, os perdedores sempre morriam abatidos por um ou no máximo dois tiros. No ano de 2000, pela primeira vez, surge uma lei dizendo que matar é crime. Alheios a isso e não imaginando que a lei se aplicasse ao caso dos duelos, os desafetos continuaram a duelar, nos mesmos moldes.

Ocorre que, a partir do ano de 2013, os vitoriosos nos duelos passaram a, após morta sua vítima, desferir-lhes ainda mais três, quatro e, por vezes, até cinco tiros.

Em 2015, órgãos fiscalizatórios apontam a existência de um problema já que, a partir do momento em que começaram a matar desferindo mais de dois tiros, os vitoriosos teriam passado a cometer o crime de homicídio, tipificado desde o ano de 2000. Assim, é determinado que se sane o problema, restando proibido matar desferindo mais de dois tiros e, ainda, que todos aqueles que mataram com mais de dois tiros respondam pelos crimes de homicídio praticados.

Em algum momento, no entanto, alguém faz a seguinte observação: o que a lei de 2000 tipificou foi o crime de homicídio e não o crime de dar tiros extras no falecido e, portanto, os duelos devem ser proibidos a partir de agora e quanto aos homicídios cometidos duas soluções se apresentam: ou todos aqueles que mataram desde a entrada em vigor da Lei no ano de 2000 devem responder pelo crime de homicídio ou, se se entender que eles não sabiam que essa lei se aplicava ao caso dos duelos, todos devem ser inocentados.

Prossegue ele:

No caso presente, a autorização de antecipação do pagamento por parte da CEF decorre de disposição contratual e ocorre desde o ano de 1994, conforme acima reconhecido pela SecexFazenda.

No ano de 2000, a Lei 10.028 acrescentou ao Título XI do Código Penal o capítulo 'Dos crimes contra as finanças públicas' , dentre os quais se encontra o artigo 359-A que define como sendo crime ' Ordenar, autorizar ou realizar operação de crédito, interno ou externo, sem prévia autorização legislativa'.

A partir desse momento e, considerando-se a amoldagem do contrato da União com a CEF ao conceito de operação de crédito (como aponta o TCU), o crime passara a ocorrer.

Assim, não foram os aumentos nos volumes de débitos da União, surgidos a partir de 2013, que configuraram o crime de 'operação de crédito sem autorização legislativa'. De modo que, desde o ano de 2000 esse crime vem sendo praticado e todos seus praticantes devem ser responsabilizados ou nenhum o deve, no caso de se entender que não tinham conhecimento de que o tipo penal criado no ano de 2000 se amoldava àquela praxe preexistente e que permanecera até 2015 sem qualquer questionamento por parte das autoridades de controle (TCU, MPF, etc).

Ainda, e mais curioso, seria o fato de que esse crime continuaria sendo praticado, inclusive no instante em que essas letras estão sendo jogadas no papel. Isso em razão de que o TCU, muito embora tenha apontado a existência de crime no caso, não determinou nenhuma medida para sua correção, limitando-se a determinar que os débitos não deveriam mais se acumular e, ainda, que deveriam ser captados pelo BACEN para as estatísticas fiscais. Ou seja, o TCU aponta a existência do crime de operação de crédito, mas determina correções apenas no que se refere aos atos de maquiagem fiscal (atrasos sem captação pelo BACEN para fins de estatística).

Essa é a maior prova de que o problema está na relevância financeira do atraso dos pagamentos aliada a sua não captação pelas estatísticas do BACEN (a verdadeira 'pedalada' que constitui ato de improbidade administrativa) e não na existência de uma 'operação de crédito não autorizada' na relação contratual estabelecida entre CEF e União.

Se o problema estivesse na raiz, haveria que se proibir e coibir a prática do duelo e não apenas a utilização de tiros extras. Ou seja, se o crime é realizar a operação de crédito sem autorização legislativa e se no caso dos contratos da União com a Caixa esse crime se apresenta, existiriam apenas duas soluções: 1. Encerrar os contratos, passando a União a pagar diretamente os benefícios sociais sem a intermediação da CEF ou; 2. Providenciar a autorização legislativa (como no caso do FGTS, acima referido) para o prosseguimento das operações. No entanto, nenhuma dessas medidas foi apontada como sendo necessária.

Nessa linha argumentativa, tratando-se no presente caso de fatos que teriam início a partir do ano de 2013, claramente não se poderia cogitar da existência de dolo na prática da criminosa 'operação de crédito'. E não se pode olvidar que nenhum dos crimes previstos no Código Penal contra as finanças públicas admite a forma culposa.”

GGN