quinta-feira, 26 de outubro de 2017

O blefe da Lava Jato virou mico, por Guilherme Scalzilli

A ideia até parece engenhosa. Se as buscas policiais não encontraram recibos do aluguel de um imóvel usado por Lula, bastaria desenvolver uma narrativa incriminadora cuja contestação dependesse dos tais documentos. Afinal, os delatores servem exatamente para atar os fios soltos do PowerPoint.
​Os heróis da Lava Jato estavam tão convictos na infalibilidade da estratégia que não lembraram que o mandado da Polícia Federal se restringia a papéis de outro inquérito. Iguais a jogadores neófitos, subestimaram os adversários, blefaram na hora errada e transformaram um lance trivial numa série de tropeços juvenis.
Recapitulemos brevemente os lances da partida.
1) Os procuradores cobram os recibos. 2) A defesa fornece cópias. 3) Os procuradores divulgam papéis com erros e, incentivados pela mídia, apostam alto. 4) A defesa cobre a aposta e deixa que a questão dos recibos vire o centro da teoria acusatória. 5) O Ministério Público acusa a falsidade ideológica, jogando nela todas as suas fichas. 6) Só então a defesa afirma ter periciado os documentos e exige condições para apresentar os originais.
É um caso clássico de esperteza que engoliu o sabujo. Acostumados aos confortos da pós-verdade coercitiva, os procuradores achavam que os recibos deixariam de existir apenas porque isso convinha à trama do Lula falsário. Terminaram enredados numa comédia em que os próprios acusadores ajudam o réu a desmoralizá-los.
Cabe salientar que a trapalhada não confirma nem desacredita o efetivo pagamento do aluguel ou a lisura das cópias apresentadas. A questão é que o MP engasgou, deixando no ar uma dúvida que, no desequilíbrio de forças em disputa, só favorece o acusado. E nunca é demais lembrar que essa ninharia imobiliária deveria esconder um hipotético desvio de imensas fortunas ilegais. 
A ingenuidade presunçosa do MP conseguiu estremecer toda a linha de trabalho da perseguição a Lula. Desqualificou os informantes. Colocou a questão das provas materiais em destaque. Forneceu um triunfo simbólico à defesa e, principalmente, permitiu a ela constranger Sérgio Moro na delicada seara ética. Em resumo, demonstrou um amadorismo que decerto embaraçou muitos profissionais tarimbados do Judiciário.
Vivêssemos sob um regime jurídico “normal”, talvez Moro fosse obrigado à vexatória absolvição do desafeto. Mas, sob um regime jurídico “normal”, ele já teria sido afastadode qualquer processo envolvendo Lula. Por isso, apesar da agressão ao bom-senso, não acredito em reviravoltas na primeira instância.
Resta observar como serão os desdobramentos do episódio. Por um lado, a questão das perícias, que não apenas terá grande influência nas etapas recursais, mas também pode causar danos à própria Lava Jato. Por outro, a nova tática do MP, a um passo de ver seus delatores caírem em desgraça, precisando urgentemente das provas que ele mesmo exigiu.
De qualquer forma, quanto maior o silêncio da mídia a respeito, mais eloquente é o sinal da importância que o assunto vem ganhando nos bastidores.

quarta-feira, 25 de outubro de 2017

Corregedor que politizou o CNJ quer punir juízes ativistas, diz Nassif do Jornal GGN

Corregedor do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), João Otávio Noronha pretende levar a julgamento quatro juízes que se pronunciaram contra o impeachment de Dilma Rousseff.
No discurso em que propôs a punição dos juízes, declarou:
 “Não se admite e nem se pensa que qualquer juiz fosse calado ou mesmo como cidadão. Acontece que ser juiz não é ser um cidadão comum. O juiz tem normas de comportamento, como o engenheiro, o perito. (…) A Constituição que veda o juiz a dedicar-se a atividade político e partidária permite que ele vá permite ao juiz na sua neutralidade tomar partido a favor dessa ou daquela posição? Que isenção teria um juiz que diz que aqui está repleto de coxinhas?”​
Vindo do Banco do Brasil, Noronha é o mais polêmico dos conselheiros do CNJ. Volta e meia se envolve em polêmicas, seja pelos votos que profere ou pelas declarações que faz.
O corregedor quer quer punir ativismo político foi autor de um discurso que causou espécie no CNJ, com ataques pessoais a Lula nos momentos críticos do impeachment:
“Este tribunal não é covarde, ao contrário é corajoso por manter os grandes na cadeia”, disse Noronha. “Corajoso, parafraseando as palavras de Lula que disse que o ‘pobre vai pra cadeia, o rico vira ministro’… lutando para que o rico criminoso não se torne ministro dessa república”
 Foi não ostensivo, que mereceu admoestação do subprocurador-geral da República João Pedro de Saboia Bandeira que rebateu:
“Com todo apreço que tenho ao sr. presidente, é meu entendimento que a Lei Orgânica da Magistratura não permite que o magistrado use sua cadeira para fazer pronunciamento (…) político partidário como os que acabamos de assistir”, afirmou. “Rui Barbosa disse ‘quando a política entra nos tribunais, a justiça bate as asas e vai embora’.”
Depois de Gilmar Mendes, Noronha tem se revelado o mais partidário dos Ministros de Brasília. Sua reação contra críticas e denúncias das quais é alvo é a de estimular os colegas para que aumentem as penas pecuniárias nas ações contra a imprensa.

GGN

Dallagnol, Carminha e Frota: as faces da desmoralização do Judiciário

O pornoator Alexandre Frota declarou que na ação movida contra Eleonora Menicucci, na qual foi derrotado no Tribunal de Justiça de São Paulo, os desembargadores votaram “com a bunda”.
No evento do Estadão, o procurador Deltan Dallagnol criticou o STF que solta e “ressolta” (data venia?)  os culpados.
Que afirmações são mais graves?
​Alexandre Frota é um pobre coitado. Em breve se transformará no grande bode expiatório, um primata sem nenhuma relevância, cuja condenação será apresentada como a prova de que a Justiça não tem lado. Aliás, a OAB (Ordem dos Advogados do Brasil) de São Paulo faria bem em submeter os advogados de Frota a uma comissão de ética, por não terem orientado seu cliente acerca das consequências dessa afronta aos desembargadores.
Por outro lado, um Procurador da República, categoria teoricamente criada para defender a Constituição, investe contra a mais alta corte, com a sem-cerimônia dos que se sabem blindados. E, principal alvo das críticas, a brava Ministra Carmen Lúcia, a presidente do STF, comanda no CNJ (Conselho Nacional de Justiça) o julgamento de juízes que participaram de atos políticos. De fato, especialmente em Brasília dezenas deles participaram das passeatas em favor do impeachment e de ondas nas redes sociais. No entanto, o julgamento se limitou a quatro que participaram de manifestações anti-impeachment. Foi tão vexatória a sessão que a Ministra nem se permitiu uma de suas frases de efeito.
Disse ela: "Já é passada da hora de discutirmos no Poder Judiciário como 1 todo —tanto para o STF quanto para a juíza de Espinosa (MG). Não é possível que continuem havendo manifestações muito além dos autos, e dos altos e baixos das contingências políticas da sociedade". 
Na planície, Gilmar Mendes e Alexandre Moraes se manifestavam além dos autos e dos altos e baixos das contingências políticas da sociedade, seja lá o que isso signifique.
Enquanto isto, no Rio de Janeiro, confrontado pelo ex-governador Sérgio Cabral, o juiz Marcelo Bretas mostra quem manda: enviou Cabral para um presídio federal. Poderia ter chamado sua atenção, advertido. Mas decidiu pelo gesto drástico, de quem perdeu a sensibilidade para as nuances do Código Penal.
Não se sabe o que choca mais: a capivara de Sérgio Cabral ou a demonstração de poder imperial do juiz Bretas. Ambas ofendem gravemente a consciência jurídica de um país que perdeu a noção da legalidade.
E, vendo o STF indefeso, inerte, temeroso ante a horda que desafia suas atribuições, há fundadas razões para não ser otimista em relação ao regime democrático.

GGN

Juiz Moro nega que tenha usado "jeitinhos" em ações

E Dallagnol criticou, sem saber, negociação de delação da PGR com JBS. Moro também defendeu que Ministério Público seja "mais duro" em acordos.
Foto: Reprodução
O juiz da Vara Federal de Curitiba, Sérgio Moro, e coordenador da força-tarefa do Paraná, Deltan Dallagnol, foram participantes estrelas de um Seminário produzido pelo Estadão, chamado "O legado da Mãos Limpas e o futuro da Lava Jato", nesta terça (24). No evento, falaram sobre corrupção, defenderam a prisão preventiva, Moro opinou sobre política e Dallagnol criticou a delação da JBS.
Tentando contrariar a maior parte das repercussões de suas decisões, o juiz da primeira instância do Paraná afirmou que faz tudo subordinado à lei, "sem jeitinhos ou caminhos alternativos". "Nunca torça meu entendimento para chegar a alguma outra verdade", completou.
Imediatamente depois, contrariando a si mesmo, tentou justificar que certas decisões são consequências de liberdades possíveis de uma ação penal: "Nós temos aí nossas liberdades, e as liberdades dentro do processo penal são importantes". Ainda assim, voltou a afirmar que não existem "caminhos fora da lei".
Aproveitou o espaço para defender as prisões preventivas, mas enfatizou o juízo de valor que ela adota sobre investigados, considerando que as detenções ainda na fase de apurações são necessárias por se tratarem de "conduta criminal", "crimes de corrução".
"Nós não estamos falando de altura de minissaia, estamos falando de crimes de corrupção. Estamos falando de fenômenos jurídicos muito claros. Não queremos pautar condutas éticas das pessoas", disse. De forma generalizada, comparou o caso de Geddel Vieira Lima, ex-ministro e ex-assessor de Michel Temer, com outros condenados por ele na primeira instância que teriam "conduta reiterada de prática de corrupção". 
Disse que poderia palpitar por não se tratar de um julgamento que está em suas mãos. "Um caso atualmente que ganhou fama é de um agente político relacionado a um apartamento no qual foram encontrados dezenas de milhões de reais", exemplificou, sem citar diretamente o nome de Geddel.
"Se nós formos estudar um pouco a história desse indivíduo temos o envolvimento dessa pessoa em práticas criminosas que datam do início da década de 1990. Será que se as instituições não tivessem dado resposta naquela época não teríamos eliminado esse apartamento de R$ 51 milhões?", concluiu, em sua lógica, como se a corrupção relacionada ao ex-ministro fosse padrão em todos os seus condenados, ignorando a singularidade dos milhões encontrados no apartamento.
Além de defender as prisões preventivas, que se tornaram marcas polêmicas de seus despachos, Moro defendeu os acordos de delação premiada e palpitou sobre política. Para ele, o suposto combate à corrupção que seria feito pela Lava Jato precisa de respostas no campo político. 
"Acho que existem situações que precisam ser enfrentadas não só por processos judiciais. Processos judiciais dão uma resposta limitada à corrupção e nós temos que pensar em mudanças em nossas práticas políticas", defendeu. 
Ainda, defendeu que em acordos de delações premiadas com investigados, o Ministério Público seja "mais duro". Eu acredito que, tanto quanto possível, o Ministério Público (MP) deve ser mais duro. O problema é que muitas vezes se trabalha num contexto de impunidade, no qual é muito mais difícil fazer esses acordos".
Também sobre isso se manifestou o procurador da República Deltan Dallagnol, dizendo que o esquema de corrupção por criminosos ocorrem em "áreas de menor pressão". "[Corruptos] vão buscar outros mecanismos de lavagem de dinheiro alternativos. Embora alguns tenham sido presos, muitos operadores ainda estão soltos".
Dallagnol opinou sobre o acordo fechado pela JBS com a Procuradoria-Geral da República (PGR), como se fossem instituições distintas. Criticou as falhas da negociação, ainda admitindo que não conhece detalhes do acordo. 
"Quando olho a mesa de negociação com a JBS, vejo que os empresários estavam muito confortáveis. Não tinham buscas e apreensões contra eles, eram investigados mas não estavam indiciados, não tinham pressa e colocaram seu preço na negociação, que era a imunidade", manifestou.

 GGN

terça-feira, 24 de outubro de 2017

Xadrez de como a mídia protegeu o Casino e jogou a culpa em Pimentel, por Luís Nassif

Peça 1 – a Polícia Federal assume a linha editorial de O Valor
A Operação Acrônimo da Polícia Federal conseguiu um feito espetacular: decretar definitivamente a morte do jornalismo. O jornal Valor, um dos últimos resistentes, montou uma equipe de quatro repórteres, em tempos de escassez, para a reportagem “Mulher de Pimentel foi elo com grupo empresarial, diz PF”.
Não se trata de episódio nebuloso, que exigiu investigação, perspicácia e fontes especiais. Tratava-se apenas de analisar o inquérito da PF à luz dos fatos ocorridos entre junho e outubro de 2011, um dos temas mais comentados da mídia, porque uma guerra entre assessorias e suas fontes que chacoalhou a imprensa.
Bastaria uma mera consulta ao Google para oferecer aos leitores de o Valor uma notícia de qualidade.
​A acusação - A PF acusa Fernando Pimentel, quando Ministro do Desenvolvimento Indústria e Comércio (MDIC), de ter beneficiado o grupo Casino, ao impedir que o BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social) financiasse a fusão entre o Pão de Açúcar, de Abílio Diniz, e o Carrefour. Mais que isso, indicia sua esposa, na época assessora de comunicação do MDIC, e o ex-presidente do BNDES Luciano Coutinho, justamente o maior defensor da fusão.
Os fatos – na época, a mídia se vangloriou do feito de ter impedido a operação BNDES-Abílio Diniz.
O maior responsável pelo fracasso da fusão foi a imprensa, mais especificamente as Organizações Globo, em editorial e através de seus colunistas.
Mas a lógica midiática funciona assim: a mídia tem o mérito de ter impedido a fusão entre Pão de Açúcar-Carrefour, e Pimentel tem a culpa de ter impedido a fusão entre Pão de Açúcar e Carrefour.
De duas uma: ou o veto à operação era legítimo, e aí a mídia e Pimentel estavam certos; ou o veto era indecoroso, e ambos são cúmplices.
Nem uma coisa, nem outra, como se verá a seguir.
Peça 2 – a lógica inicial
O Casino tornou-se sócio do Pão de Açúcar ainda nos anos 90. Em determinado momento da sociedade, Abílio Diniz acertou com o Casino transferir o controle do grupo até 2012.
Em 2011, com o mercado de consumo bombando, com a ajuda do Banco Pactual, de André Esteves, Abílio pensou em uma saída estratégica: associar-se ao Carrefour, que estava em dificuldades, e comprar a parte do Casino.
A estratégia era interessante. Os supermercados são a porta de entrada cada vez maior para os alimentos em geral. As redes francesas sempre tiveram papel relevante no escoamento da produção agrícola do país. Associando-se a uma marca mundial, o agronegócio e a indústria de alimentos brasileira poderia ter canais internacionais de escoamento.
Pode-se discutir se ocorreria ou não esse benefício ou se, a exemplo da Inbev, internacionalizaria o capitalista brasileiro, sem beneficiar o produtor. Mas a tese fazia sentido, a ponto de ser endossada por uma reportagem do Financial Times, de 1o de julho de 2011, quando o fato ganhou as manchetes:
A reportagem diz que os políticos brasileiros estão preocupados com o fato de o Brasil estar se consolidando principalmente um exportador de commodities.
"Então, estão entusiasmados (com a ideia de) criar campeões nacionais em outros setores, mesmo que sejam parcialmente controlados por estrangeiros", diz o texto, agregando que o know-how trazido pela rede varejista francesa poderia ajudar a ampliar ao exterior os negócios do novo empreendimento.
E o maior defensor da operação, aliás defensor histórico da lógica dos “campeões nacionais” era o então presidente do BNDES Luciano Coutinho – agora indiciado pela PF por supostamente ter atrapalhado a operação.
Peça 3 – a guerra midiática
A base da acusação da PF foi o fato do Casino ter bancado uma conta milionária do consultor Mário Rosa e parte do recurso ter sido pago a Carolina Oliveira, na época contratada pelo BNDES para ser assessora do MDIC, e que posteriormente se casaria com Pimentel.
Para reforçar a acusação, a PF compara os valores pagos a Mário Rosa, na casa dos R$ 2 milhões, com afirmações de Abílio, que teria se limitado a contratar a Máquina de Notícias por módicos R$ 50 mil.
Mentira evidente! Foi uma guerra milionária na qual Abílio não economizou recursos. Na biografia autorizada de Abílio, por Cristiane Correa, a guerra midiática é relatada assim:
“A briga foi amplificada na imprensa. Diariamente, reportagens e notas esmiuçavam o andamento do caso. Nesse campo, o Casino estava mais bem preparado do que Abílio. Havia quase três meses que a FSB, maior agência de comunicação do Brasil, fora contratada pela varejista francesa (o Casino recrutaria ainda outras empresas e especialistas, como a In Press e os consultores Mario Rosa e Eduardo Oinegue, mas cabia à FSB a coordenação do processo). Abílio, por sua vez, só começou a se preparar depois do vazamento do jornal francês, ao contratar a agência Máquina da Notícia (foram recrutados também os consultores Cila Schulman, Sergio Malbergier, Gustavo Krieger e Marcelo Onaga).” Inclusive apresentando o cappo do Casino, Jean-Charles Naouri como o Daniel Dantas francês.
Muito dinheiro rolou, sim. E sempre através das assessorias de imprensa.
Mais que isso, a guerra ganhou a mídia a partir de 1o de julho de 2011. O próprio inquérito da PF constata que no dia 22 de junho de 2011 a proposta foi analisada pela área técnica do banco. Doze dias depois, o parecer determinava que a aprovação estava condicionada à ausência de litígio entre Pão de Açúcar e Casino.
Essa foi a análise inicial e foi a decisão final do banco. Não houve incoerência. O enorme burburinho ocorrido na mídia visou exclusivamente valorizar os contratos das assessorias de imprensa e seus aliados.
Mais à frente, quando o BNDES oficialmente negou a operação, a decisão foi saudada como se fosse uma vitória da mídia. No entanto, a brilhante delegada do PF conclui que a cláusula de 22 de junho era a prova de que Abílio foi prejudicada pelo lobby do Casino.
Ora, o único lobby que ocorreu na época foi a contratação, pelo BTG Pactual, do ex-Ministro Antônio Palocci para atuar, visando reverter a decisão. O próprio Palocci acenou com a delação sobre as tratativas de Abílio e do Banco Pactual – que organizava a tentativa de fusão – para influenciar o governo.
A denúncia não para aí. Desde os anos 90 é praxe o BNDES contratar uma pessoa para disponibilizar como assessor de imprensa do Ministro. O relatório da PF trata como se fosse manobra excepcional para beneficiar Carolina. Soma não apenas os salários do ano, mais os gastos com viagens nacionais e internacionais – a serviço – e computa tudo como se fosse ganho líquido da funcionária.
Peça 4 – cronologia de uma guerra que não houve
Como se viu, no dia 22 de junho de 2011, a área técnica do BNDES já tinha recomendado que o aporte na fusão Pão de Açúcar-Carrefour só fosse autorizado caso não houvesse conflito entre Abílio e o sócio Casino.
A guerra midiática que se seguiu foi no sentido de reverter a decisão do banco. E a principal arma do Casino foi a Globo. Confira-se na cronologia dessa falsa guerra:
30 de junho – BNDES diz confiar em entendimento de varejistas. Os jornais já sabiam que a operação só sairia se houvesse a concordância do Casino.
1o  de julho – BNDES reforça que oferta não é hostil. E que só apoiará Pão de Açúcar e Carrefour após entendimento amigável. Ou seja, o fato consumado era a decisão de não apoiar a fusão, sem o consentimento do Casino.
1o de julho – Cai por terra tese sobre fusão Pão de Açúcar/Carrefour. Os jornais já dão a operação por fracassada.
1o de julho – Mirian Leitão faz longo artigo criticando a fusão que já havia sido descartada pelo BNDES. Qual a lógica, se o próprio banco não havia concordado com a operação?
2 de julho – Sob pressão, BNDES ameaça desistir da fusão Carrefour-Pão de Açucar. Uma manchete fantasiosa, já que a decisão do corpo técnico se deu antes de qualquer pressão.
5 de julho – Mirian Leitão diz que “BNDES deveria ter aguardado o desfecho da briga entre sócios”. Uma matéria fake em defesa do Casino, já que a área técnica havia condicionado a operação a um acordo entre os sócios.
24 de outubro – BNDES vai retirar apoio à fusão Pão de Açúcar / Carrefour. Apenas formalizando o que a área técnica já havia recomendado.
24 de outubro – Mirian Leitão celebra que “opinião pública derrubou proposta de fusão”. Não era verdade, porque a recomendação do BNDES foi anterior à pressão da mídia. Matéria para valorizar a própria influência. Mas se atribui a mídia o fracasso da operação, porque não desmente a denúncia da PF, que atribui a decisão a Pimentel?
24 de outubro – em outro post, a incansável Mirian diz que “Dilma está certa: BNDES nada tem a fazer na fusão”.
24 de outubro – Elio Gaspari diz que governo deu ao BNDES a “missão heroica de salvar Abilio Diniz”. E acusa o Ministro Fernando Pimentel de.... apoiar Abílio Diniz. Preso por ter cão, preso por não ter cão.
24 de outubro – Em editorial, sob o título “Mais um desvio de função do BNDES”, O Globo critica a intenção que o BNDES nunca teve em apoiar a fusão.
Criaram um factoide – o suposto apoio do BNDES à fusão, que nunca houve -, montaram uma campanha pesada em favor do Casino, mas tão parcial que o único veículo que apresentou o outro lado, razões a favor da fusão, foi o Financial Times. Se vangloriaram de terem derrubado as pretensões de Abílio. Ajudaram claramente o grupo Casino. Celebraram o fato do governo supostamente ter voltado atrás graças à pressão da mídia. E, quando a PF atribui a frustração da operação a Pimentel, veículos e jornalistas não têm a grandeza de rebater as conclusões.
A contratação de Carolina ocorreu um ano após a decisão do BNDES.  E não há uma evidência sequer de que tenha influenciado qualquer decisão de Pimentel, ou que Pimentel tenha influenciado qualquer decisão do BNDES.
 Arquivo
GGN

Lewandowski do STF critica moralismo de Juristas

Em artigo, o ministro do Supremo Tribunal Federal expôs a diferença entre moral e moralismo e, sem citar diretamente o juiz Sergio Moro, da Lava Jato, afirmou que, "no campo do direito, os moralistas interpretam as regras jurídicas segundo sua visão particular de mundo. Sobrevalorizam a 'letra' da lei, necessariamente voltada ao passado, em detrimento do 'espírito' da lei, que abriga interesses perenes" e "aplicam as normas legais fria e burocraticamente, trivializando a violência simbólica que elas encerram"
O ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Ricardo Lewandowski criticou os moralistas em artigo publicado na Folha nesta terça-feira 24.
Sem citar diretamente o juiz Sergio Moro, o ministro expôs a diferença entre moral e moralismo e afirmou que, "no campo do direito, os moralistas interpretam as regras jurídicas segundo sua visão particular de mundo. Sobrevalorizam a 'letra' da lei, necessariamente voltada ao passado, em detrimento do 'espírito' da lei, que abriga interesses perenes" e "aplicam as normas legais fria e burocraticamente, trivializando a violência simbólica que elas encerram".
Leia um trecho:
A crônica da humanidade é pródiga em desvelar o trágico fim de moralistas que empolgaram o poder e exercitaram aquilo que consideravam direito a seu talante. Basta lembrar a funesta saga do monge Girolamo Savonarola (1452-1498), o qual, com pregações apocalípticas, extinguiu o virtuoso capítulo do Renascimento florentino. Acabou seus dias ardendo numa fogueira.
Ou a do deputado jacobino Maximilien de Robespierre (1758-1794) que, durante a libertária Revolução Francesa, mandou executar arbitrariamente centenas de opositores reais ou imaginários. Terminou guilhotinado, abrindo caminho para Napoleão Bonaparte (1769-1821).
Quer tenham sobrevivido por mais tempo ou deixado a vida precocemente, os moralistas jamais foram absolvidos pela posteridade.

Do 247

segunda-feira, 23 de outubro de 2017

O juiz Moro não é meganha, diz Eduardo Guimarães

Sergio Moro deu uma entrevista que indignou profundamente o blogueiro Eduardo Guimarães. Disse Moro que expõe seus alvos na mídia porque seriam todos “poderosos” e só expondo-os “INDEPENDENTEMENTE DE TEREM CULPA” pode combatê-los. Guimarães é uma das vítimas inocentes desse juiz e lembra a ele que juiz não é polícia ou promotor. Julga culpa e inocência. E nos autos, não na mídia. Eis a sua resposta ao pretor de Curitiba. Veja o vídeo:
Do Blog do Edu 

O terrorismo midiático do TCU e da PF, por Luis Nassif

O terrorismo midiático e a síndrome de abstinência de escândalos têm afetado dois órgãos de Estado: o Tribunal de Contas da União e a Polícia Federal.
O TCU montou um quadro técnico competente, que padece de uma frustração central: não poder investigar os próprios Ministros do TCU, que sempre dão a última palavra. Sua revanche é montar relatórios e marcar o gol.
Investigam determinada operação. Se for normal, será perda de tempo: não gerará matéria nem dividendos para os fiscais. Trata-se então, em qualquer hipótese, de atuar como órgão acusador.
É o caso da nova denúncia contra o BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social), de supostamente ter adquirido ações da JBS por um preço superavaliado (clique aqui).
Segundo a reportagem, para chegar ao chamado “preço justo” o TCU calculou a média dos 90 pregões anteriores.
Por definição, essas médias são arbitrárias. Por que não 30 dias? Por que não 180 dias?
Para compras de participação expressiva, o mercado jamais se vale dessa metodologia. Mesmo porque esses preços refletem a posição de acionistas minoritários, sem acesso ao conselho de administração e às instâncias de decisão da empresa.
Todas as avaliações de “preço justo” levam em conta o olhar para frente e não o retrovisor. Aliás, o retrovisor foi largamente empregado na primeira fase da privatização brasileira, a partir dos anos 90, para depreciar preços de ativos públicos.
Veja o exemplo:
A Empresa A tem uma rentabilidade de 10 por ação por ano.
Com investimento X, a rentabilidade poderá aumentar para, digamos, 15 por ação. Negocia-se, então, em torno desse novo referencial.
Todos os modelos de simulação adotados pelo mercado olham para a frente. Define-se uma taxa de retorno esperado pelo investidor se simulam as taxas de crescimento e os ganhos de acordo com indicadores prospectivos objetivos: preço dos produtos vendidos, ganhos de sinergia com aquisições, rentabilidade esperada.
Em cima disso, há metodologias como DCF, dividend growth model, absolute e relative valuation models, etc.
Todas essas metodologias mostrariam discernimento do BNDES nos investimentos. Tanto que todos eles apresentaram resultados superiores ao do IBOVESPA em vários períodos analisados.
Por isso mesmo, a denúncia do BNDES e do ex-presidente Luciano Coutinho é apenas fogo de artifício para gerar manchetes.
Os indiciamentos da PF
No fim de semana, a Polícia Federal promoveu o terceiro indiciamento do governador mineiro Fernando Pimentel e a enésima reportagem mencionando os indiciamentos. Todas em cima de um único fato: as delações de um marqueteiro detido no mesmo período em que ocorreu o escândalo do helicóptero com 500 quilos de cocaína.
Pela enésima vez: inquérito da PF não tem o menor valor legal. Seu único objetivo é gerar manchetes e fazer política. Todos os inquéritos anteriores foram derrubados, ou pelo Ministério Público Federal – a quem compete legalmente indiciar – ou pelos tribunais superiores.
No caso, o episódio foi de um não-favor. Segundo a denúncia, o grupo francês Casino teria pago a Fernando Pimentel para que não saísse o financiamento para o Pão de Açucar adquirir sua parte na holding de controle do grupo. Todos os jornais da época noticiaram que o BNDES não aprovou a operação devido ao fato de não haver consenso entre os acionistas. E, certamente, devido à repercussão profundamente negativa na mídia.

 GGN

Turma de Dallagnol não entrega originais de documentos questionados por ex- presidente Lula

Os procuradores de Curitiba não possuem os originais de documentos que a defesa de Lula questionou em um incidente de falsidade. A informação consta em uma resposta oficial [em anexo] encaminhada por Deltan Dallagnol ao juiz Sergio Moro no último dia 20. Segundo o líder da força-tarefa da Lava Jato, os originais estão em um banco de dados na Suécia, onde supostamente a Odebrecht mantém registros de pagamentos de propina. 
"(...)  informa o Ministério Público Federal que os documentos constantes do evento 999 da Ação Penal, como já exposto por diversas vezes, foram extraídos diretamente de cópia dos discos rígidos relacionados ao sistema 'Drousys', fornecidos pela Odebrecht S/A. que se encontravam armazenados em servidor localizado na Suécia - cf. Relatório Técnico n' O11/2017-SPEA/PGR (evento lO, OUT2, destes autos) e Relatório de Análise n' 7/2017 (evento 999. ANEX02)", escreveu Dallagnol.  
Os documentos questionados pela defesa de Lula são dois recidos bancários idênticos, porém, assinados de maneiras diferentes - um dos papéis, apresentado pelo Ministério Público, tem duas assinaturas, ao passo em que a outra versão, de Marcelo Odebrecht, possui apenas rúbrica. 
Moro determinou que a turma de Dallagnol informasse "se ainda existem os documentos originais, antes da digitalização e inserção no sistema de contabilidade paralela da Odebrecht. Ee, se positivo, para que os apresentem na Secretaria do Juízo em cinco dias." 
O incidente de falsidade de Lula contra a Lava Jato foi apresentado antes de um pedido formal, por parte de Dallagnoil, para que a defesa do ex-presidente entregasse as versões originais de comprovantes de pagamento de aluguel devido a Glaucos da Costamarques. A defesa informou a Moro que possui os originais e pediu algumas providências para entregá-las. Moro negou e determinou a apresentação no prazo de 48 horas, que já expirou. 
GGN

domingo, 22 de outubro de 2017

Abusos da lava jato já são debatidos até na mídia amiga do Sergio Moro pretor de Curitiba. Por Joaquim de Carvalho

David Teixeira de Azevedo, Eloisa Machado e Mônica Waldvogel
Circula pela rede social o vídeo com a entrevista de dois especialistas em direito sobre a operação Lava Jato, a professora de Direito da Fundação Getúlio Vargas, Eloisa Machado, e o professor de direito penal da USP, David Teixeira de Azevedo. Muito do que os entrevistados dizem nesta entrevista, o leitor do DCM já viu aqui, na série de reportagens sobre a operação.
Quando estas mesmas colocações são feitas no canal de televisão que foi decisivo na promoção de Sergio Moro a herói, o resultado foi o embaraço de quem fez as perguntas e a entrevista teve dupla importância: pelo que os entrevistados disseram e pela reação da apresentadora.
O roteiro estava dado, logo na abertura do programa, quando a experiente Mônica Waldvogel disse:
“A impunidade dos poderosos sempre foi um símbolo do atraso e da desigualdade no Brasil, daí o apoio popular à Lava Jato e a relevância deste momento, em que o combate à corrupção bate de frente com autoridades com foro privilegiado”.
Só que, desta vez, os entrevistados não se portaram como cordeiros a atender a linha editorial da Globo, e deixaram a apresentadora, em vários momentos, sem ter o que dizer. Foi visível o desconcerto.
Criminalista, David Azevedo discordou de Mônica logo na primeira resposta, a respeito da decisão do Senado que contrariou o Supremo Tribunal Federal, no caso das medidas cautelares de Aécio Neves.
A Constituição sai perdendo, não? — perguntou Mônica.
Eu acho que a Constituição saiu ganhando — contrapôs  David de Azevedo. Eu acho que o equilíbrio entre os poderes saiu ganhando. Eu acho que a divisão de poderes sai prestigiada. O artigo 53 da Constituição Federal diz que um senador só pode ser preso em flagrante delito por crime inafiançável. É isso o que diz a Constituição. O crime é inafiançável? Não. Havia flagrante delito? Não. O Supremo poderia mandar prender ou dar qualquer outra medida restritiva? Não.
Mônica Waldvogel fez uma concessão:
A Lava Jato está provocando inovações além da conta?
— Está e não só a Lava Jato — respondeu Eloisa. Quando a gente pensa nas maiores críticas da Operação, que é o uso abusivo das prisões preventivas, o episódio das delações, a gente tem que levar em consideração que o Judiciário brasileiro, em geral, prende muito e prende mal, condena mal.
A conversa segue para o que a Lava Jato teria de bom. Mônica antecipa:
— O balanço é formidável nesses três anos e meio.
Mônica pondera que as “inovações”da Lava Jato seriam necessárias para chegar aos poderosos.
O comum na imprensa é que, diante da senha da apresentadora, o entrevistado concorde. Quase sempre acontece isso. Mas não foi o que Azevedo fez:
Eu acho que os poderes do Estado sofreram uma degradação. O que se quis e o que se quer com a Lava Jato e o que se está fazendo é uma espécie de degradação, uma espécie de socialização da miséria. Assim como os menos favorecidos, os da base da pirâmide, tinham uma justiça injusta, tinham prisões ilegais, sofriam as misérias de um processo penal, a visão da Lava Jato é: devemos dar igual tratamento àqueles que estão no vértice da pirâmide, ou seja, devemos também suprimir-lhes a garantia, devemos também decretar-lhes a prisão, de modo a que, se estabelecendo uma ética pragmática, os fins justifiquem os meios. Ou seja, o combate à corrupção justificará prisões processuais ilegais.
David Teixeira de Azevedo observa que as prisões da Lava Jato têm objetivo de forçar a delação, o que é ilegal. Mônica defendeu Moro:
— O Sergio Moro disse ao Gerson Camarotti, na entrevista aqui na Globonews, que a imensa maioria desses colaboradores estavam em liberdade.
Eloisa respondeu:
Eu não tenho dúvida de que houve abuso nas prisões preventivas.
David de Azevedo acrescentou:
Muitas delações foram fechadas em razão de conversas — eu posso citar nomes — com o Ministério Público que ameaçava, com o envolvimento criminal, esposa, filhos, eventualmente sócios da empresa, mesmo sabendo que não havia envolvimento, isso ocorreu, e muito. Moro diz que as decisões dele foram confirmadas. Os acordos de delação, quando eram fechados, implicavam, ilegalmente, a desistência dos recursos. (…) Esta estatística que o Moro faz é uma estatística falsa. (…) Este é o cenário da Lava Jato.
Mônica recorreu a Eloisa:
— Você tem conhecimento de informações assim tão assustadoras, a ponto de a gente se alarmar com a lisura do processo?
Nós tivemos episódios que foram gravíssimos. O vazamento dos áudios do Lula é um consenso.
Azevedo lembrou ainda que, quanto à legalidade das delações obtidas na Lava Jato, dois juristas portugueses, José Joaquim Gomes Canotilho e Nuno Brandão, deram um parecer para o governo português que consideram as colaborações de Paulo Roberto Costa e Alberto Youssef ostensivamente ilegais e inconstitucionais.
Ferem o ordenamento jurídico brasileiro e ferem o ordenamento jurídico português. Ferem a ordem pública portuguesa porque, nesses acordos, existe absoluta ilegalidade. Qual é a ilegalidade? O Ministério Público, no acordo, o magistrado homologando, criando condições que não estão previstas na lei, criando uma legislação própria para a delação, isto é ilegal”, afirmou.
Por fim, Mônica Waldvogel perguntou:
A Lava Jato valeu a pena?
Nada com violação ao devido processo vale a pena — respondeu Eloisa.
— Nem desmanchar um esquema pronto?
Não, não. Como advogada de direitos humanos, que viu muita gente torturada, não, não vale nunca a pena violar o devido processo legal para se atingir um fim específico.
Na sua resposta, David lembrou Joelmir Betting, que era bom para explicar casos complicados com metáforas de fácil entendimento:
Para acabar com os carrapatos, vamos matar as vacas. Lava Jato é alguma coisa parecida. Para acabar com o carrapato da corrupção, matemos as vacas, sacrifiquemos as garantias e os direitos fundamentais, utilizemos uma ética pragmática, uma época de resultado. Não hesitemos em prender, prender sem fundamento legal, desde que se alcance um resultados. Penas altíssimas, descompassadas com a culpa, para estimular outros a delatarem.
A Operação Mãos Limpas, na Itália, em que se inspirou Moro, produziu um resultado muito pequeno em relação à corrupção. Ou seja, segundo ele, o custo de suprimir direitos é muito alto pelo resultado que pode produzir.
Vale ressaltar que esta entrevista mostra que, diante dos abusos crescentes da Lava Jato, a velha mídia já não consegue controlar o que dizem os entrevistados. E talvez esteja encontrando dificuldade para encontrar quadros qualificados que referendem os pontos de vista do veículo em relação ao juiz Sergio Moro e seus parceiros na República de Curitiba.
O contra-ataque está em curso. A entrevista de Moro a Gerson Camarotti parece fazer parte de um esforço para recuperar o apoio de setores da sociedade brasileira que viam Moro como um super herói. A coordenador da Força Tarefa, procurador Deltan Dellagnol, já tinha dado entrevista para o Blog de Josias de Souza, da Folha.
São representantes do que eles poderiam chamar de imprensa amiga.
Moro e Dallagnol têm um compromisso agendado com outro veículo dócil para a próxima terça-feira , num evento reservado do jornal O Estado de S. Paulo. Eles vão participar do Fórum Estadão Mãos Limpas, juntamente com dois dos magistrados que coordenaram a Operação Mãos Limpas, na Itália – Piercamillo Davigo e Gherardo Colombo.
São todos da imprensa amiga, que fez de Moro um ídolo na campanha para derrubar Dilma Rousseff. As autoridades de Curitiba sabem disso e se recusam, sistematicamente, a conceder entrevista para a imprensa independente.
Eu mesmo já solicitei entrevista com Sergio Moro e também com Deltan Dallagnol.
Dallagnol respondeu uma vez, por escrito, no caso da compra de dois apartamentos do Minha Casa, Minha Vida, em Ponta Grossa. Num encontro que tive com ele, pessoalmente, em uma churrascaria de Curitiba, eu pedi entrevista, ele me direcionou para a assessoria de imprensa. Fiz a solicitação e até agora nada.
Continuarei insistindo. Sempre propus perguntas com respostas sem cortes. É preciso esclarecer muitos pontos da Lava Jato.
A hora chegou.
A Abrahan Lincoln é atribuída a autoria de uma frase que define bem o que já está acontecendo:
“Pode-se enganar a todos por algum tempo; pode-se enganar alguns por todo o tempo; mas não se pode enganar a todos todo o tempo”.
Tudo indica que, para Moro, o jogo acabou.

Do DCM

sábado, 21 de outubro de 2017

Não se engane, lava jato não vai acabar com a corrupção, por Fernando Horta

Há um pensamento corrente na sociedade brasileira de que a Lava a Jato poderá “limpar o Brasil”. Claro que alguns usam o termo “limpar” com o sentido de retirar qualquer forma de governo de esquerda e antiliberal da possibilidade de governar novamente o país. Mas há sim uma boa parcela da população brasileira que julga que o que está acontecendo pode ter o condão de transformar a práxis política brasileira e criar um “novo Brasil” daqui para a frente.
Infelizmente, este é um pensamento mágico que não encontra respaldo em qualquer estudo sério sobre corrupção. Punição não é solução para o crime. Armas não conferem a ninguém uma maior segurança. Não se acaba com uma infestação de ratos caçando um por um. Não se acaba com a “corrupção” criando um justiceiro e um estado de exceção.
É preciso que se entenda que as relações sociais são muito mais complexas e profundas do que qualquer um de nós pode imaginar. As sociedades, por exemplo, coíbem o homicídio há mais de 2000 anos e eles continuam a existir. Justificados, apoiados, escondidos, transformados, ignorados, massificados, idolatrados; cometidos por homens, por empresas, por Estados e etc. A punição não é forma de resolver um problema sistêmico ou estrutural, simplesmente porque não há sociedade que consiga oferecer a mesma punição sempre e todas as vezes que o delito ocorre.
Dado que as individualidades são os efetivos tomadores de decisão, o poder coercitivo exercido sobre uma delas (ou uma dezena ou centena) não tem o condão de evitar que qualquer outro volte a incorrer na mesma ação punida. Tanto porque a informação não corre sobre o tecido social de forma homogênea, quanto pelo fato de que cada incurso de um indivíduo contra uma regra socialmente estabelecida é cercado de condições próprias e singulares. E tanto a autoria da ação, quanto as condições em que ela foi feita tornam os delitos singulares. Não importa o quanto o Direito tente estabelecer normas em caráter conceitual para enclausurar determinadas condutas, cada crime é único.
Corrupção é um termo muito difícil de definir. Tanto é que as pesquisas que “medem” corrupção nunca o fazem de forma indutiva, ou seja, determinando e selecionando o ato da “corrupção”. Qualquer índice sobre corrupção é sempre baseado em uma sensação, um sentimento de alguém. Normalmente se pergunta a empresários e agentes públicos para colocarem determinados países em uma lista de “mais corruptos” até “menos corruptos” e ... voilá! Se tem a “corrupção” quantificada. Mas é a corrupção ou o sentimento de uma parcela de agentes sobre ela, e em determinados contextos? Qual a significação real deste dado? Ele é livre de viés político?
É claro que do ponto de vista econômico são diferentes o ato de faltar ao trabalho e apresentar um atestado falso ou o ato de apropriar-se de parte de um sobrevalor contratado para uma empresa vender petróleo para a África. Do ponto de vista conceitual, entretanto, fica muito complicado diferenciar. Os liberais costumam usar uma regra (não dita) que afirma que “não há corrupção entre interesses privados”. Quando uma empresa está tratando com outra e que – supostamente – não há interesse público, qualquer incongruência entre o imaginado, o contratado e o efetivamente realizado fica no campo da incompetência dos agentes de realização e fiscalização contratual. Um assunto “deles”.
É uma forma bastante eficiente de escamotear a corrupção privada e reforçar, por um contorcionismo lógico, a supremacia do privado sobre o público.
A corrupção que interessa para a maioria dos “índices” e pesquisas sobre o tema é aquela que ocorre no âmbito do interesse público. E daí, novamente, temos o problema da Lava a Jato. Se você se propõe a punir apenas uma parte das ações humanas, ainda que semelhantes, em função do resultado delas, não se consegue criar um espaço de reconhecimento social de que esta prática não é aceita. Se você só mata o rato que enxerga, você não está acabando com a infestação. Na realidade, está a tornando ainda mais forte. Para cada rato adulto que você matar, restará comida suficiente para criar muitos filhotes. O resultado, ao contrário do que poderia afirmar o senso comum, são mais ratos.
A verdade é que a corrupção no Brasil tinha criado uma série de defesas, utilizando-se tanto das garantias e imunidades dadas (e necessárias) a agentes públicos, quanto da nossa centenária prática do uso privado das coisas públicas por uma pequena parcela social, normalmente embalada por laços de nascimento ou de clientela política. Um país onde figuras tão mal preparadas como Geddel, Cabral e Maia participavam do “butim” é um país onde a corrupção atingiu nível endêmico e estrutural.
Chego a dizer que não há cidade no país que não haja desvio ou superfaturamento na compra de papel, lápis, merenda, material de limpeza e por aí vai. Não há quartel, ou instituição que passe por um pente fino destes também.
A questão é perguntar se caçando e punindo “por amostragem” pode-se acabar com a corrupção. Não. O que teremos é uma leva de corruptos muito melhor preparados, muito mais capazes em dissimular seus atos e com raízes e defesas muito mais sólidas. O veneno que um rato come não é consumido pelos outros se este primeiro morre. Ainda que disséssemos que a Lava a Jato tem o objetivo de atacar a corrupção (o que não tem) os métodos e a lógica dela são falhos, pensados por pessoas sem conhecimento sobre o problema que pretendem resolver.
Os historiadores dizem que a corrupção na Itália AUMENTOU após a Mani Pulite de lá. O que diminuiu foi o interesse da população na política, sua participação e seu controle. Isto permitiu Silvio Berlusconi como primeiro ministro por quase dez anos. Nos EUA, incapazes de resolver o problema, eles tornaram a coisa legal. Político receber dinheiro conforme defende os interesses de empresas ou segmentos econômicos é algo normal e legal. O lobby é atividade socialmente aceita. Já quando eles tentaram criminalizar práticas sociais baseados (opa!) num moralismo religioso, tiveram aumento da corrupção e da violência. Basta lembrar dos anos da Lei Seca.
Há, pois, inúmeras formas de se lidar com a corrupção. Nenhuma delas, entretanto, propõe racionalmente a punição espalhafatosa como forma de contenção da ação delituosa. Não é espancando em praça pública que se acabam com os ladrões. Não é matando que se acaba com o homicídio. Não é cortando o pênis que evitamos o estupro. Não é armando a população que coibimos a criminalidade.
Preparemo-nos, assim, para uma leva de corruptos cada vez mais preparados e mais inteligentes, com sistemas mais complexos e com relações em ainda mais alto nível no Estado. E, claro, a corrupção vai aumentar bastante seu preço. O resultado da Lava a Jato vai ser a alienação da população para a política (como já acontece), o descrédito da coisa pública como capaz de exercer a função para a qual foi pensada e – o mais perigoso de tudo – uma desconfiança nos processos democráticos.
Sem falar da corrupção moral de juízes e promotores ao se acharem super-heróis ... tornam-se exatamente o que julgam perseguir.
Do GGn