domingo, 28 de janeiro de 2018

Se depender dos ministros do STF, TRF-4 não prende Lula

Se depender dos votos dos ministros do Supremo Tribunal Federal, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva não será preso após o julgamento do último recurso a que ele tem direito perante o Tribunal Regional Federal da 4ª Região, conforme prescreveram os desembargadores desse mesmo tribunal na sentença que o condenou a 12 anos e 1 mês de prisão em regime inicialmente fechado. Isso porque não existe nenhuma decisão com força vinculante sobre a matéria que obrigue o Judiciário a decidir em determinado sentido, e as posições dos próprios ministros têm variado nos julgamentos mais recentes sobre a matéria.
Votos dos ministros do STF indicam que Lula não será preso após julgamento do último recurso no TRF-4. Instituto Lula
A questão sobre o momento jurídico em que Lula poderá ser preso depende do entendimento de cada juiz sobre o momento do início de cumprimento da pena. A questão está prevista no artigo 5º alínea LVII da Constituição que diz que "toda pessoa se presume inocente até que tenha sido declarada culpada por sentença transitada em julgado". E na legislação infraconstitucional é o Código de Processo Penal em seu artigo 283 que trata da matéria: "Ninguém poderá ser preso senão em flagrante delito ou por ordem escrita e fundamentada da autoridade judiciária competente, em decorrência de sentença condenatória transitada em julgado ou, no curso da investigação ou do processo, em virtude de prisão temporária ou prisão preventiva". 
Na interpretação desses dois preceitos é que o Supremo Tribunal Federal encara a chamada execução antecipada da pena desde, pelo menos, 2009. Prevaleceu então a tese de que a Constituição, ao consagrar o princípio da presunção de inocência, veda a execução da pena antes dos recursos cabíveis nos tribunais superiores.  
A virada teve início em fevereiro de 2016, quando o Plenário acompanhou voto de Teori Zavascki no sentido de que a análise de provas e de materialidade se esgota com a confirmação da condenação por um tribunal de segundo grau, cabendo ao STJ e ao STF, a partir daí, apenas as questões de direito, em recursos que podem ser analisados durante o cumprimento da pena, sem que isso afete o princípio constitucional da presunção da inocência. No julgamento do HC 1.262.292, seis ministros acompanharam o relator, Teori Zavascki, formando a maioria: Edson Fachin, Roberto Barroso, Luiz Fux, Dias Toffoli, Cármen Lúcia e Gilmar Mendes. Ficaram vencidos Rosa Weber, Ricardo Lewandowski, Marco Aurélio e Celso de Mello. 
A matéria voltou a ser abordada pelo Plenário do Supremo em duas oportunidades depois disso, mas a sólida maioria firmada então não se confirmou nas votações seguintes. Já na votação das ações declaratórias de constitucionalidade 43 e 44, ambas propostas pela Ordem dos Advogados do Brasil e julgadas em outubro de 2016, o ministro Dias Toffoli mudou sua posição. 
Para ele a execução da pena pode ser dada antes do trânsito em julgado da sentença, mas só apenas quando esgotados os recursos ao Superior Tribunal de Justiça, por entender que o recurso especial "também se presta a corrigir ilegalidade de cunho individual". Já em novembro de 2016, ausente a ministra Rosa Weber, o resultado se repetiu no julgamento do Agravo Regimental 964.246.
Em 2017 o tema voltou ao debate no julgamento do Habeas Corpus 142.173 na 2ª Turma, em que Gilmar Mendes mudou sua posição, antes favorável à execução após a confirmação da condenação em segunda instância, e aderiu à posição de Dias Toffoli, admitindo que a pena só comece a ser cumprida após o esgotamento dos recursos ao STJ.
Durante o ano, o ministro Alexandre de Moraes, que não havia participado dos julgamentos anteriores, pôde manifestar sua posição ao encarceramento após condenação firme em segundo grau, ao julgar monocraticamente o HC 148.369.
Ultimamente, a ministra Rosa Weber, ressalvando sua posição pessoal contrária à execução pessoal, aderiu ao grupo que defende a posição contrária no Plenário. Fez isso depois que o tribunal decidiu não conceder liminar em ação que pedia a declaração de constitucionalidade do trecho do Código de Processo Penal que proíbe a prisão antes do trânsito em julgado e usou essa decisão para aplicar o entendimento num recurso extraordinário, por meio do Plenário Virtual.
Temos assim que a maioria antes consolidada em torno da execução após condenação firme em segunda instância reduziu-se de sete para cinco votos: Alexandre de Moraes, Edson Fachin, Roberto Barroso, Luiz Fux e Cármen Lúcia. A tese que a execução pode ocorrer após condenação pelo STJ conta dois votos: Dias Toffoli e Gilmar Mendes. E continuam ferreamente contrários à execução antes do trânsito em julgado da sentença quatro ministros: Rosa Weber, Ricardo Lewandowski, Marco Aurélio e Celso de Mello. 
Na 2ª Turma, que pode ser o foro para julgar eventual recurso de Lula contra a ordem de prisão anunciada pelo TRF-4, apenas o ministro Edson Fachin defende essa posição. Gilmar Mendes e Dias Toffoli votariam para Lula ser preso só depois de julgado pelo STJ, enquanto Lewandowski e Celso de Mello, apenas depois de a sentença transitar em julgado.
Do Conjur

sábado, 27 de janeiro de 2018

A democracia risonha e franca da PGR Dodge, por Luis Nassif

Cena 1 – de onde nada se espera
Nos últimos dias, o dito comum “de onde nada se espera, nada vem” foi desmentido.
Em Londres, a Procuradora Geral da República Raquel Dodge, de quem se esperava algo, dizia, sobre a democracia brasileira: "O Brasil experimenta o período de mais longa estabilidade institucional e democrática desde a proclamação da República. As instituições brasileiras estão funcionando bem. Há uma fundamentação que é contestável e a possibilidade dessa contestação tem sido livremente garantida e exercida no Brasil", disse (https://goo.gl/dGFqE20). Em Davos, Michel Temer ensaiava o dueto: “As instituições no Brasil estão funcionando e isso aumenta a confiança no Brasil”.
Segundo a grande pensadora política Raquel Dodge, democracia é o direito que todos têm de espernear contra as decisões que são tomadas por poucos, contra o direito de todos de escolher. Depois de um Rodrigo Janot, o MPF não merecia uma chefia tão anódina. Ou será que merece?
Em Brasília, o Ministro da Justiça Torquato Jardim, de quem não se esperava nada – menos pela biografia, mais por ser Ministro de Temer – suspendeu a promoção da delegada Érika Merena. Inocentada por um inquérito camarada da Polícia Federal para apurar abusos cometidos no caso da Universidade Federal de Santa Catarina. Exigiu que seja ouvida a família do Reitor Luiz Carlos Cancellier, levado ao suicídio pela truculência da delegada. Mais que isso, ordenou à Polícia Federal que não seja tomada nenhuma medida contra o ex-presidente Lula até que o caso chegue ao STF (Supremo Tribunal Federal).
Coloque-se uma figura pública em uma sinuca. Estar em Londres, representar o Brasil, não poder falar contra as instituições, mas não poder ignorar as perguntas sobre impeachment e sobre o julgamento de Lula; principalmente, não ignorar a enxurrada de críticas da comunidade jurídica institucional à partidarização do Poder Judiciário.
Pela resposta encontrada, avalia-se o grau de esperteza ou a dimensão política da pessoa. Raquel Dodge mostra, com sua resposta, a razão de se encaramujar e se encolher no cargo: não sabe o que dizer e como se comportar..
Cena 2 – os componentes do Estado de Exceção
Vamos ver na prática como funciona a democracia enaltecida pela doutora  Raquel Dodge.
Na Papuda, o juiz Ademar Vasconcellos quase provocou a morte de José Genoíno, por recusar atendimento médico em uma crise cardíaca. O Ministério Público Federal (MPF) denunciou seu descaso. Louve-se o procurador que tomou a iniciativa. Mas foi exceção.
No Rio de Janeiro, mais de três dezenas de funcionários de carreira do BNDES (Banco Nacional do Desenvolvimento Econômico e Social) foram conduzidos coercitivamente à Polícia Federal, tiveram bens bloqueados, equipamentos apreendidos, foram expostos em todas as redes de TV sem o menor sinal de culpa apurada. Os autores da façanha foram o juiz Ricardo Leite e o procurador da República do Distrito Federal Anselmo Lopes, com interpretações imbecis sobre financiamento à exportação e diplomacia comercial.
Em Brasília, o juiz Almir Costa de Oliveira autorizou a Polícia Civil a aplicar corretivos, ou seja, métodos de tortura, em menores de idade.
Em Florianópolis, 120 policiais da PF de todo o Brasil foram convocados para conduzir coercitivamente seis professores da Universidade Federal de Santa Catarina, impondo humilhações que acabaram provocando o suicídio do reitar Luiz Cancillier. Responsáveis: a juíza federal Janaína Machado e a delegada da PF Érika Merena. O abuso foi avalizado pelo procurador da República. Um inquérito interno da PF concluiu que a colega Erika seguiu os manuais e liberou sua promoção. Que foi suspensa pelo Ministro Jardim. A PGR não se preocupou em apurar os abusos cometidos.
Por conta da total impunidade do movimento anterior, a PF voltou a invadir um campus universitário, desta vez a Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), apesar da posição contrária de um procurador da República corajoso. Os responsáveis: a juíza Rachel Alves de Lima e o delegado da PF Leopoldo Lacerda. As prerrogativas das universidades foram ignoradas pela PGR.
Antes disso, a Polícia Civil de São Paulo invadiu a Escola Florestan Fernandes, do MST, aterrorizou crianças e velhos. O responsável foi o delegado Adriano Chohfi, do Paraná, que seguiu incólume.
No Rio de Janeiro, a Polícia Federal atende a uma ordem do juiz Sérgio Moro e conduz o ex-governador Sérgio Cabral com algemas e correntes no pé. Há um alarido, seguido de um jogo de cena: o juiz pede explicações ao responsável pela operação – Delegado da Lava Jato Igor de Paula -, o delegado dá uma explicação qualquer. E fica tudo por isso mesmo. Não se ouve um pio da PGR.
Antes disso, em São Paulo, 18 rapazes e moças resolvem espernear contra o golpe do impeachment. Um militar infiltrado leva-os a uma armadilha. Agora, os 18 estão sendo processados. Responsáveis: a juíza Cecília Pinheiro da Fonseca e o promotor estadual Fernando Albuquerque. Os bravos Procuradores da República que acorreram em defesa dos meninos, quando levados para a delegacia em uma verdadeira operação militar, foram admoestados pelo Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP), por invadir a competência dos colegas paulistas, em defesa da integridade de jovens do outro lado. E nenhuma defesa da parte da PGR.
O Instituto Lula é sumariamente fechado pela decisão dos mesmos juiz Ricardo Leite e procurador Anselmo Lopes.
Em São Bernardo do Campo, o Museu do Trabalhador é criminalizado porque, em determinado momento, foi taxado de Museu de Lula.
Agora, a Justiça tenta proibir palestra de Lula no exterior, exigindo seu passaporte devido à sentença no TRF4, mesmo não tendo nenhuma relação nem com o processo nem com o TRF4. Os responsáveis são os de sempre: juiz Ricardo Leite e procurador Anselmo Lopes, indicando atitude persecutória.
A PGR não vai se pronunciar nem agora, nem quando os grandes temas civilizatórios chegarem ao STF (Supremo Tribunal Federal). Enfim, uma escolha à altura da dimensão de Michel Temer.
Cena 3 – a síndrome do guarda da porta do presídio
O que ocorre hoje, no Brasil, é a disseminação do Estado de Exceção através da atuação, na ponta, de juízes e procuradores, convalidade pelos esbirros de autoritários e pela timidez dos legalistas. Trata-se de uma lógica conhecida, especialmente em períodos ditatoriais.
Quebram-se os limites de atuação dos poderes. Há uma invasão de um poder por outro – apesar do país da doutora Raquel não ter dessas coisas.
Na base, os abusos são estimulados pela falta de liderança e de comando da ponta. Jovens juízes, jovens procuradores, bem remunerados, podendo ser o poder de fato na sua comunidade, é uma fórmula que tende a pegar os imaturos e a se espalhar pelas respectivas corporações.
Consolida-se a imagem do juiz punitivo, o sujeito que condena em qualquer circunstância. Cria-se a ideologia de que os grandes crimes nascem dos pequenos. E toca a punir o roubo insignificante, a criminalizar a energia política do jovem, a perseguir as ideias contrárias. Nesses tempos de opinionismo desvairado na Internet, toca a definir o que pode ou não pode em recintos públicos. E, nos quatro cantos do país, a disseminar a imagem do juiz e do procurador que, antes de respeitados, precisam ser temidos.
É um quadro dantesco, que inibe os maduros, os que têm consciência dos limites de sua atuação, expondo qualquer cidadão ao arbítrio de um poder sem referências. Porque a referência do Judiciário é uma Ministra que fala e não diz; e do MPF, uma PGR que nada fala, nada diz.
PS - O desembargador Vitor Laus, filho de preso político, foi o autor da acusação mais circular do julgamento: "Quem responde por crime tem que ter participado dele. E, para ter participado dele, alguma coisa errada ele fez". É a lógica jurídica que impera no reino de fantasia da doutora Raquel.
Do GGN

sexta-feira, 26 de janeiro de 2018

Um tempo estranhamente igual aos anos 60

O tempo é outro, o personagem é outro, mas as razões, as intenções e os métodos são espantosamente iguais. Tanto que o professor Paulo César de Araújo, em artigo publicado na Folha, sequer precisa citar um nome para que associação seja imediata. Basta que você leia, suas lembranças recentes irão trocando, com imensa facilidade, os nomes e as situações.
Nos  anos 1960,  um  ex-presidente era
investigado por causa de apartamento
Naquela manhã de domingo, o ex-presidente tomou seu café saboreando também a primeira página do jornal com pesquisa do Ibope que o colocava na liderança à Presidência da República, com 43,7% das intenções de voto.
Meses depois, a candidatura dele seria homologada, por unanimidade, por seu partido, num evento com a presença de vários artistas.
Parecia mesmo apenas uma questão de tempo para Juscelino Kubitschek voltar a governar o Brasil.
“JK venceria se eleição fosse hoje”, dizia o “Correio da Manhã” com os números da pesquisa, em setembro de 1963.
Mas aí veio o golpe civil-militar, em março do ano seguinte, e a candidatura dele ficou seriamente ameaçada. Iria se iniciar a caçada ao ex-presidente, que na época, aos 62 anos, era senador da República.
O golpe foi realizado sob o pretexto de combater a corrupção e livrar o país dos comunistas. Num primeiro momento, os militares procuravam guardar algum sinal de legitimidade, prevalecendo aquilo que Elio Gaspari chamou de “ditadura envergonhada”.
Eleito pelo Congresso Nacional –inclusive com o voto de JK–, o primeiro general-presidente, Castelo Branco, disse que manteria as eleições presidenciais de outubro de 1965 e daria posse ao eleito. O seu governo seria de transição, prometendo fazer uma espécie de limpeza geral no país, especialmente da corrupção.
PRESIDENTE E JUIZ
“Até o problema do comunismo perde expressão diante da corrupção administrativa nos últimos anos”, afirmava o marechal Taurino de Resende, presidente da Comissão Geral de Investigação (CGI).
A este órgão cabia investigar, reunir documentos e indicar quem deveria ser cassado por corrupção ou subversão. A lista era levada ao Conselho de Segurança Nacional que podia acatar ou não a denúncia, mas o julgamento final era do presidente (e neste caso, juiz), Castelo Branco – que defendia, em discurso, não apenas punição aos malfeitores, mas também “reformas de profundidade na estrutura orgânica da administração pública” para curar “a enfermidade da corrupção no país”.
Como Getúlio Vargas já havia morrido e lideranças como João Goulart e Leonel Brizola estavam no exilio, os golpistas se voltaram contra Juscelino Kubistchek, o erigindo a símbolo do que não podia mais prosperar na política nacional.
Diziam que sempre se roubou no Brasil, porém, num nível imensamente maior a partir do governo JK –que seria culpado também pela inflação e a recessão econômica.
Com sua fúria punitiva o governo militar iniciou então uma devassa na vida do ex-presidente. Foram vasculhadas empresas e bancos nacionais, americanos e suíços na tentativa de localizar investimentos em nome dele ou de familiares.
“Não tenho um centavo em banco estrangeiro. Deveria ter para qualquer eventualidade. Mas não tenho nada, rigorosamente nada”, se defendia.
Foi também investigado quanto o ex-presidente havia recebido por viagens de conferências no exterior, na suposição de que ele não teria pago o imposto de renda.
Documentos sobre supostos atos de corrupção em seu governo eram liberados para a imprensa pela Secretaria do Conselho de Segurança Nacional. “Não havia dia em que não se verificasse algum tipo de imputação contra sua honra para justificar a punição iminente”, afirma seu biógrafo Claudio Bojunga.
TRÍPLEX EM IPANEMA
A denúncia que se tonaria mais rumorosa envolveu um novíssimo prédio de cinco andares, na avenida Vieira Souto, em Ipanema, onde JK foi morar, pouco depois de deixar a Presidência. Ele residia no segundo andar e, oficialmente, pagava aluguel ao seu amigo (e ex-ministro da Fazenda) Sebastião Paes de Almeida.
Mas, segundo a denúncia, o amigo, embora milionário, era um “laranja” do ex-presidente, usado para encobrir o real proprietário do edifício construído com dinheiro doado por empreiteiros de grandes obras no governo JK.
No processo afirmava-se que a localização, o projeto arquitetônico, a decoração do prédio, tudo teria sido feito ao gosto de Juscelino Kubistchek e de sua esposa Sarah.
Testemunhas teriam visto o ex-presidente visitando as obras; outros afirmavam que dona Sarah era quem determinava alterações nos pavimentos. Dizia-se ainda que inicialmente eles iriam morar num tríplex nos andares superior mas “quando começaram rumores sobre a propriedade do edifício, o ex-presidente abandonou a ideia do tríplex e resolveu habitar apenas no 2º pavimento”.
Outro indício estaria no nome do edifício – “Ciamar” -, interpretado como anagrama de Márcia, filha de Juscelino Kubitschek.
Esta denúncia não prosperaria na Justiça comum, sendo arquivada por falta de provas, em maio de 1968. Mas até lá, muita tinta foi gasta em reportagens sobre “o edifício de Kubitschek” –chancelando nas manchetes o que o ex-presidente negava.
E tudo isto servia de combustível para quem desejava tirá-lo da disputa à presidência em 1965, e para a qual ele abraçara o discurso das reformas sociais. “Reformas com paz e desenvolvimento”, seria o mote da campanha de JK.
NA IMPRENSA
“A Revolução estará sendo traída enquanto o rei da corrupção permanecer impune”, cobrava o deputado e repórter Amaral Neto, enfatizando “que há muito tempo esse moço já deveria estar na cadeia”.
Por sua vez, “O Estado de S. Paulo” dizia que “pelos crimes cometidos contra o erário público” durante o governo de JK com a “deslavada conivência dele” era “perfeitamente justa e merecida” a sua cassação. E o “Jornal do Commercio” sentenciava que “o sr. Kubitschek é incompatível com a nova era que se iniciou”.
Após investigações da CGI, em maio de 1964 o Conselho de Segurança Nacional opinou pela cassação de JK por corrupção e alianças com comunistas. Caberia agora, portanto, ao presidente (e juiz) Castelo Branco condená-lo ou absolvê-lo.
A partir daí o drama de Juscelino Kubitschek empolgou o país, gerando suspense no mercado e em todos os círculos políticos.
O seu partido, o PSD, sofria junto porque não tinha um plano B sem JK –que fez no Senado um discurso de repercussão, afirmando que estava sendo perseguido, não pelos seus defeitos, mas por jamais “compactuar com qualquer atentado à liberdade e agir sempre com dignidade administrativa”.
Em meio à expectativa da condenação surgiram boatos de que o ex-presidente poderia ter também sua prisão preventiva decretada –algo que o próprio Palácio do Planalto tratou de desmentir.
Porém, o suspense continuava; afinal, tratava-se do destino da maior liderança política do país após Getúlio Vargas e o líder das pesquisas eleitorais. Àquela altura, o telefone do ex-presidente já estava grampeado pelo recém-criado SNI e Castelo Branco ouviu uma das conversas em que JK se referia a ele como “filho da puta”.
DEFENSORES
Apesar do clima policialesco e repressivo, vozes saiam em defesa do ex-presidente.
“Por que, sr. general, cassar o mandato de Juscelino Kubistchek?”, indagava o jurista Sobral Pinto, e ele próprio respondia que “na impossibilidade de vencer o ex-presidente nas urnas, seus adversários querem arrancar-lhe o direito da cidadania, único expediente capaz de afastá-lo da luta eleitoral”.
Dias antes, Danton Jobim também escreveu artigo direcionado ao presidente Castelo Branco, convidando o “supremo juiz” à reflexão.
“O país não vai lembrar-se amanhã dos coronéis que instruíram o inquérito ou dos políticos odientos que instigam essa caçada humana, no qual um dos maiores brasileiros do nosso tempo é perseguido como criminoso vulgar. Mas o nome de Vossa Excelência ficará indissoluvelmente ligado à cassação do mandato de Juscelino Kubitschek”.
No último dia de maio, lia-se na coluna de Carlos Castelo Branco que a candidatura de JK se sustentava “apegada apenas a um fio de esperança”.
Uma semana depois não restaria mais nada.
Às 19h27, de segunda-feira, dia 8 de junho, o programa A voz do Brasil irradiou o decreto do marechal Castelo Branco, que cassava o mandato de JK e suspendia seus direitos políticos por dez anos.
Para alegria dos adversários, o grande favorito às eleições presidenciais de 1965 estava banido da disputa.
Carlos Lacerda –que naquela pesquisa do Ibope figurava em segundo lugar–, elogiou a decisão contra JK. Disse que foi “um ato de coragem política, de visão, embora preferisse batê-lo nas urnas”.
Seu colega udenista Edson Guimarães também afirmou que a decisão de Castelo Branco “veio na hora exata” para mostrar “que a Revolução não foi feita para manter privilégios, mas realmente para mudar o cenário da política nacional”.
A ditadura era envergonhada mas não se avexou de banir o ex-presidente com justificativas frágeis –fato destacado no editorial do “Diário Carioca”: “Sem provas de espécie alguma, absolutamente sem provas, baseando-se apenas em indícios e suposições, cortou-se sumariamente o curso de uma vida púbica dedicada desde os seus primórdios aos interesses da nação, negando-se com isso ao povo o direito de votar num de seus líderes mais representativos, dono de um passado de realizações tão importantes quando internacionalmente consagradas”.
Concluía o editorial dizendo que se JK “hoje não é mais candidato à Presidência da República, é muito mais que isto: é o símbolo vivo e fremente da vontade de um povo”.
O “Correio da Manhã” também criticou a cassação “sem provas convincentes”. No mesmo jornal, Carlos Heitor Cony desabafou: “Afinal, foi consumada a grande estupidez”, prevendo que com aquele ato o presidente Castelo Branco “selou seu destino perante a nação e perante a história: é um homem mesquinho”.
O “Correio da Manhã” e o “Diário Carioca” foram exceções entre os principais jornais do país, porque a grande imprensa, em sua quase totalidade, apoiou a cassação de Juscelino Kubitschek.
A Folha de S.Paulo, “O Estado de S. Paulo”, “O Dia”, a “Tribuna da Imprensa”, o “Jornal do Commercio”, o “Jornal do Brasil” e, principalmente, “O Globo”, com um editorial intitulado “Uma lição para o futuro”, afirmando que “as medidas excepcionais e enérgicas que estão sento tomadas pelo governo, visando à punição dos responsáveis pela corrupção” teria “o mérito maior de mostrar a todo o mundo que desta vez se realizou algo para valer”.
A Folha de S.Paulo também justificou que ao ex-presidente foi concedido “o direito de defender-se amplamente e com a máxima ressonância”.
A condenação de JK foi destaque na mídia internacional –mas lá numa visão favorável ao criador de Brasília.
O jornal “Le Monde”, o “New York Post”, a “Time” e a “Newsweek”, por exemplo, criticaram a decisão do marechal Castelo Branco.
E o matutino El Espectador, de Bogotá, refletiu que “antes que uma garantia de paz política e social no Brasil” aquele ato seria “destinado a causar mais sérios e talvez irreparáveis traumatismos no presente e no futuro do pais”.
Juscelino Kubistchek recebeu a notícia da cassação cercado de amigos e familiares em seu apartamento, na Vieira Souto.
Dona Sarah mostrava-se muito abatida e revelou ter tomado tranquilizantes. “Isso tudo foi uma barbaridade”, desabafou.
Lá fora, uma multidão se aglomerava nas imediações do Edifício Ciamar (hoje, JK) e o tráfego ficou congestionado nas duas pistas da avenida.
Algumas senhoras choravam pelo ex-presidente, enquanto um grupo de golpistas e lacerdistas gritava “ladrão! ladrão!”. Houve então um início de briga, foram acionadas tropas da Policia Militar e algumas pessoas ficaram levemente feridas.
O tumulto só terminou quando os manifestantes anti-JK bateram em retirada pela praia de Ipanema. Por volta das 22 horas, Juscelino Kubitschek apareceu à janela abraçado com sua esposa, ocasião em que os populares deram vivas à democracia e cantaram o Hino Nacional e o Peixe vivo.
Protesto em apoio à condenação do ex-presidente Lula, em Brasília
Pouco depois, com a voz embargada o ex-presidente ditou um manifesto em que afirmava: “Sei que os meus inimigos me temem porque temem a manifestação do povo, e assim, com esse ato brutal, me afastam do caminho das urnas, única manifestação válida num regime verdadeiramente democrático”.
Disse também que embora “silenciado pela tirania, restarão documentos irrefragáveis, restará a reparação que a história oferece, dignificando os que forem sacrificados pela má fé, pela incompreensão, pelo ódio”.
E ele então concluía com um vaticínio certeiro e profético. “Este ato não marcará o fim do arbítrio. O vendaval de insânias arrastará na sua violenta arrancada mesmo os meus mais rancorosos desafetos. Um por um, eles sentirão os efeitos da tirania que ajudaram a instalar no poder.”
Tijolaço

quinta-feira, 25 de janeiro de 2018

Xadrez dos embargadores da verdade de Lula, por Luis Nassif

Por baixo dos data vênias, do latim, das citações, o direito, assim como a economia, tem que obedecer à lógica. Às vezes, há temas complexos, exigindo desenvolver conceitos mais sofisticados. Em outros casos, são situações corriqueiras, que exigem apenas decifrar os pontos centrais do que está em julgamento. É o caso do julgamento de Lula.
Nele, havia um conjunto de indícios e duas narrativas possíveis.
Peça 1 - Os fatos
Marisa Lula tinha uma cota em um apartamento da Bancoop cooperativa que entrou em crise.
Anos atrás, OAS assumiu o edifício e negociou com os moradores a transformação das cotas em apartamentos.
Marisa tinha um apartamento menor. Na divisão foi-lhe facultado adquirir um maior.
O triplex foi reformado pela OAS de acordo com o gosto do casal.
Em determinado momento Lula desistiu do apartamento e Marisa pediu o dinheiro de volta.
Esses são os fatos.
Os pontos de dúvida
1.     Qual a motivação da OAS reformando o apartamento para o casal Lula?
2.     O casal chegou ou não a ter a propriedade do imóvel?
Peça 2 - A narrativa lógica
1.     Na política econômica dos campeões nacionais, as empreiteiras foram o setor mais beneficiado. Ao mesmo tempo, Lula saiu do governo como o mais popular estadista do planeta, com imagem pública e relacionamentos consolidados nos países de interesse da empreiteira.
2.     Por tudo isso, a OAS pretendeu oferecer um mimo a Lula, turbinando a cota de apartamento que tinha no edifício Solaris.
3.     Após duas reuniões, Lula desistiu do apartamento. Ou porque se deu conta da exploração política que poderia advir do episódio, ou porque se desinteressou do apartamento.
Peça 3 - A narrativa da Lava Jato
1.     A OAS tinha uma conta-corrente de propina com o PT proveniente de contratos com a Petrobras.
2.     Descontou da conta R$ 3 milhões para fazer as reformas do apartamento.
3.     Passou o apartamento para Lula, mas manteve em seu nome para esconder o novo proprietário.
As evidências apresentadas
Ponto  1 - O tratamento diferenciado concedido a Lula, em relação aos demais condôminos.
Ponto 2 - Vários depoimentos dando conta de que o apartamento estava sendo preparado para a família Lula.
Ponto 3 - Depoimento de Léo Pinheiro, presidente da OAS, de que a diferença entre o que foi gasto e o que foi recebido da família Lula saiu da conta do PT.
Peça 4 - Sobre a relevância das evidências
Entre as três, apenas o terceiro ponto tem relevância para o processo.
Ponto 1 – se em lugar de Lula fosse uma atriz de novela da Globo, o tratamento seria igualmente diferenciado. Uma personalidade pública é, por definição, uma personalidade diferenciada. Qualquer empreendimento gostaria de ter o casal Lula como condômino.
Ponto 2 – nunca houve a menor dúvida sobre o interesse inicial do casal Lula pelo tríplex durante determinado período. O ponto central é se o casal ficou ou não com a posse.
Ponto 3 - Esse é o cerne da acusação. As dezenas de evidências recolhidas pela Lava Jato se referem apenas aos Pontos 1 e 2, que não são condições suficientes para confirmar o Ponto 3.
A lógica canhestra da manipulação consiste em juntar uma enxurrada de depoimentos que apenas reafirmam dois pontos incontroversos: Lula estava sendo um tratamento especial; e em determinado período, a OAS estava preparando o apartamento para o casal Lula. Morre aí, totalmente insuficiente para a condenação.
Peça 5 – a prova definitiva
Aí entra o depoimento de Léo Pinheiro, trazendo a prova considerada definitiva pelos juízes: uma mera declaração de que o apartamento era de Lula e o valor foi descontado das propinas devidas ao PT.
A prova decisiva: uma conversa entre Léo Pinheiro e o tesoureiro do PT, João Vaccari Neto.
Coloco em negrito e sublinhado porque toda a construção da acusação se baseia nesse ponto.
A denúncia de Léo Pinheiro obedeceu à seguinte trajetória:
1.     01/06/2016 Delação de Léo Pinheiro trava após inocentar Lula (https://goo.gl/kp3whZ).
2.     23/11/2016 recebeu sentença de 26 anos de prisão confirmado pelo TRF4 (https://goo.gl/qFEvgB).
3.     12/07/2017 por ter ajudado no processo contra Lula, Sérgio Moro reduz a pena de Léo Pinheiro a 10 anos e 8 meses.
4.     21/09/2017 Procuradoria Geral da República não aceita a delação de Léo Pinheiro por não ter apresentado nenhum elemento de prova (https://goo.gl/4kn7tF).
5.     Mesmo assim, Moro mantém o depoimento de Léo Pinheiro e o TRF4 reduz sua pena para três anos e seis meses. Como já cumpriu uma parte, deverá ser solto em breve (https://goo.gl/TaY6kp).
E toda a acusação se baseou apenas nisso, declarações de Léo Pinheiro, de que o gasto foi descontado da conta de propina do PT, claramente, nitidamente em troca da redução da sua pena. Sem o acerto, ele passaria o resto de sua vida na prisão.
O tal acerto teria sido combinado em uma reunião com o tesoureiro do PT João Vaccari Neto. Apenas duas pessoas poderiam confirma a conversa: ele e Vaccari. Vaccari não foi ouvido. Léo não apresentou um documento sequer. No ano passado, declarou não possuir documentos porque Lula teria aconselhado a se desfazer deles.
Nem se entre em outros detalhes, como a desproporção entre a suposta propina ao suposto chefe maior do esquema e o que era pago ao terceiro escalão da Petrobras.
O ponto central foi esse.
Ponto 6 – a retórica midiática de defesa da condenação
Entendido isso, leia agora o artigo “Questão de ordem: Provas, sim, e claríssimas”, de Marcelo Coelho na fonte. É interessante para comprovar a maneira como a mídia em geral constrói seus sofismas.
O artigo tem 4.058 caracteres, divididos da seguinte maneira.
 
Marcelo é um dos bons colunistas da Folha. No artigo, extenso, falou de todas as preliminares, mas não consumou o ato: a prova “acima de qualquer dúvida” de que o apartamento era dew fato de Lula. Limitou-se a endossar todas as afirmações dos desembargadores, como se fossem verdades comprovadas, de fontes intelectualmente idôneas. 
O editorial da Folha, “Condenado”: 
Editorial do Estadão, “Acima de qualquer dúvida” 
Ponto 7 – sobre a nova retórica
Todo o jogo é esse, uma sucessão de argumentos retóricos em que o objetivo final não é a busca da verdade, mas o convencimento do público.
A propósito, é um dos temas desenvolvidos por Chain Perelman, pensador já falecido, que estudou as implicações da “Nova Lógica”, no pensamento jurídico (https://goo.gl/2auhPn)
“Para os retóricos não existe nada em absoluto. As coisas estão mais ou menos corretas, mais ou menos entendidas, mais ou menos aceitas. O embate retórico contra a certeza e contra a objetividade fez-se projetar como teoria do aproximado, do inconcluso, do relativo. [...] Não se espera convencer através de um argumento específico em qualquer debate gerado pela vida quotidiana ou jurídica, a práxis dos falantes revela que o argumentador não sabe ao certo qual dos seus argumentos –perante o auditório ou o juiz- pesará mais. Então ele busca a quantidade, a diversidade e espera, desta forma, ser mais persuasivo.
Entende PERELMAN que para a solução de problemas cotidianos que tenham envolvimento com valores a melhor forma de se buscar uma solução é através da chamada arte da discussão.
O objeto da retórica, segundo PERELMAN, “é o estudo das técnicas discursivas que visam provocar ou a aumentar a adesão das mentes às teses apresentadas a seu assentimento
Destarte, podemos dizer que a Retórica é a adesão intelectual de um ou mais espíritos apenas com o uso da argumentação; é o preocupar-se mais com a adesão dos interlocutores do que com a verdade; é não transmitir noções neutras, mas procurar modificar não só as convicções daqueles espíritos, como as suas atitudes”.
GGN

Foi um julgamento "fora da lei", diz defesa de Lula

Em entrevista coletiva após a condenação de Lula em segunda instância, na noite de quarta (24), o advogado José Roberto Batochio afirmou que o TRF4 fez um julgamento "fora da lei", pois desprezou as provas nos autos e reforçou uma teoria que tornaram a defesa do ex-presidente uma missão impossivel.
A teoria é de que a Lula foi "atribuído" um triplex no Guarujá por parte da OAS. Segundo Batochio, em 50 anos de advocacia, ele nunca se deparou com a figura de "atribuição de imóvel", por um motivo muito simples: não existe no Direito. E, se não existe, como é possível debater com um tribunal que diz que existe?
O advogado Cristiano Zanin também alertou, na coletiva, que o julgamento no TRF4 foi recheado de nulidades. Ele destacou o fato de que os desembargadores, assim como Sergio Moro, não conseguiram identificar um ato de ofício praticado por Lula para ter recebido vantagens da OAS. Mais do que isso, os magistrados desprezaram a necessidade do ato de ofício na sentença, lançando mão da teoria do domínio do fato, empregada no Mensalão.​
Zanin também afirmou que, novamente, Lula foi condenado sem provas e por uma denúncia reformulada pela segunda vez.
A denúncia original da Lava Jato contra Lula dizia que ele era proprietário do triplex no Guarujá. Como a defesa provou que não era, Sergio Moro decidiu proferir a condenação em primeira instância pela "atribuição" do imóvel, ou seja, a mera promessa de que o apartamento seria do ex-presidente.
Assim que os advogados reforçaram que não havia como o triplex ser transferido para Lula pela OAS - já que faz parte do patrimônio dado como garantia à recuperação judicial, tendo, inclusive, sido penhorado para pagar uma dívida da empresa - uma nova teoria surgiu, agora no TRF4.
No caso, os desembargadores entenderam que ter ou não o triplex era uma questão secundária e que não exigia provas de posse, pois o crime mais contundente, narrado contra Lula, seria o de manter cargos políticos na Petrobras para favorecer partidos políticos no esquema de propina combinado com empreiteiras.
Lula foi sentenciado em segunda instância a 12 anos e 1 mês de prisão em regime fechado. Cabem embargos declaratórios no TRF4 e posterior recurso a outros tribunais. Os desembargadores defenderam que a prisão seja decretada quando se esgotar a fase em segunda instância.
GGN

Não acredito na prisão de Lula pois "Incendiaria o País", diz o ministro Marco Aurélio Melo do STF

O ministro Marco Aurélio Mello disse, na noite de quarta (24), não acreditar que o ex-presidente Lula será preso após esgotados os recursos ao TRF-4 contra a condenação imposta no caso triplex.
"Eu duvido que o façam [prendam Lula], porque não é a ordem jurídica constitucional. E, em segundo lugar, no pico de uma crise, um ato deste poderá incendiar o País", afirmou o ministro do Supremo Tribunal Federal à agência de notícias do Estadão. ​
Marco Aurélio defendeu que o Supremo Tribunal Federal revise "o quanto antes" a jurisprudência que possibilidade que ordens de prisão sejam dadas tão logos um réu seja condenado em segunda instância.
A revisão também é defendida por Gilmar Mendes, que acredita existir votos na Corte para mudar o placar antigo, de 6 x 5 contra a possibilidade de recorrer até a última instância.
Para Marco Aurélio, se Lula não for preso, "é porque essa jurisprudência realmente não encontra base na Constituição Federal, e tem que ser revista", disse. 
"Para os cidadãos em geral, (prisão após segunda instância) é o que vem ocorrendo, agora eu quero ver, é uma prova dos nove dessa nova jurisprudência, como eu disse, se forem determinar a prisão do ex-presidente. Eu não acredito", completou.
GGN

Lula reduz impacto da condenação sobre eleitorado nas ruas, por Maria Inês Nassif para o GGN

A jornalista Maria Inês Nassif reportou no Valor desta quinta (25) a serenidade do ex-presidente Lula face o julgamento do caso triplex em segunda instância. O petista não tem se deixado abater pelo noticiário. Em parte, porque a postura de levantar a cabeça e só olhar pra frente faz parte de sua personalidade. De outro lado, porque ele está confiante sobre o trabalho que tem feito nas ruas. 
Segundo Maria Inês, para aliados de Lula, "se a Justiça desconhece que não cometeu crimes, (...) por outro lado, o trabalho de Lula para ter o reconhecimento popular vai de vento em popa." 
"Nas pesquisas dadas ao conhecimento do partido, a convicção do eleitorado em sua inocência já é majoritária; e surgiu uma faixa considerável daqueles que consideram que, mesmo culpado, ele merece ter seus votos. O julgamento popular foi revertido nas ruas, pelo seu poder mobilizador, mesmo com pouquíssima cobertura da mídia. É quase como que levantasse sua popularidade com as próprias mãos", avaliou. 
Ela também contou como foi os bastidores do julgamento de Lula no Sindicato dos Metalúrgicos do ABC, onde o ex-presidente esteve durante todo o julgamento no TRF4. 
Lula diz que sua inocência virá das ruas 
O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva montou ontem o seu quartel-general no segundo e terceiro andares do Sindicato dos Metalúrgicos do ABC, em São Bernardo do Campo - o mesmo que o levou à política depois de ter liderado a greve histórica de 1980, que parou 300 mil metalúrgicos durante 41 dias e deu mais um empurrão na ditadura militar, já claudicante. No dia do julgamento, pelo TRF-4, à sentença proferida pelo juiz de primeira instância Sergio Moro, 35 anos depois, todos os populares que lotaram o auditório do terceiro andar, onde um telão transmitia os votos dos desembargadores, e os sindicalistas, políticos e líderes sindicais que tiveram acesso à sala contígua à que o ex-presidente se acomodou, no segundo andar, pareciam mais tensos que ele. Para Lula, o sindicalista que ameaçou a ditadura, é mais uma briga. Mas uma boa briga. Uma peleja que só acaba, nos seus termos, com o pleno reconhecimento de sua inocência. 
"Não tenho esperanças de um resultado positivo nesse julgamento", afirmou, ainda no início do segundo voto. "Mas dois a um, três a um, contra ou a favor é tudo a mesma coisa, porque eu não quero nada menos do que ter a minha inocência reconhecida. E quero ainda mais. Quero que não apenas aceitem o fato de eu não ter cometido crime, mas um pedido de desculpas para mim, para a minha família, para a sociedade brasileira e também para a PF e para a MP, porque alguns de seus membros não poderiam ter mentido dessa forma para as suas próprias corporações." 
Esse não é apenas um discurso, mas tornou-se uma questão de honra - e também de sobrevivência. Desde que, em setembro de 2016, Lula e o PT fizeram a opção de ir para as ruas contra um processo que, como diziam, caminhava cheio de vícios, suposições e inverdades rumo à sua condenação. O partido assumiu a sua candidatura à Presidência. Ele não concordava, nem discordava. O importante era a briga na rua. Na semana passada, em ato de apoio dos intelectuais e artistas ao seu direito de ser candidato, em São Paulo, colocou-se formalmente à disposição do partido para disputar a Presidência. Está prevista para hoje uma reiteração de apoio à sua candidatura pelo PT e pelos movimentos sociais. Essa é a resposta à sua condenação.
A contraofensiva política aos golpes proferidos pelo Judiciário deram nova vida ao Lula velho de guerra. O Instituto Lula, praticamente interditado pela Operação Lava-Jato, minguava - saíram de lá diretores que foram ministros no seu governo e viviam dos salários do Instituto, que passaram a dar horas de trabalho de graça e viver de salários de outros lugares; e mudava completamente o perfil dos visitantes - os "de bem", de terno e gravata, foram substituídos por dirigentes sindicais e de movimentos sociais, dirigentes petistas e militantes. Ainda assim, Lula recuperou o sorriso, pelo simples fato de que saiu da defensiva. Na luta, voltou ao comando de seu próprio destino, mesmo que isso estivesse longe de significar que iria alterar uma decisão da Justiça. 
Os dirigentes do Instituto que saíram fisicamente são constantemente consultados por Lula, pelo telefone. O ex-presidente passou a frequentar mais a sede do PT - antes, eram os dirigentes do PT que iam a ele no Instituto. No Instituto, onde fica o seu escritório, voltou a receber cartas às centenas, todos os dias, de populares despejando nele votos de vitória. Junto, chegam terços, orações, juras de amor ao líder petista que chegou ao poder com votos da população pobre e foi consagrado na reeleição com muitos, muitos votos, muitos mais do que os que teve no primeiro pleito, da parcela mais vulnerável dos brasileiros. 
No dia a dia de sua nova rotina, provocada pelo acirramento da ofensiva judicial contra ele, não se fala de justiça. Lula tratou do processo com seus advogados - e, diz, com satisfação, escolheu aqueles que melhor compreendiam a natureza política das acusações contra ele. Com o partido, com os movimentos sociais e com seus interlocutores diários a conversa é sobre mobilização política, toda ela construída em torno de uma pretensão do partido de que ele dispute novamente a Presidência da República. Nos últimos dias, passou a tratar do pós-24 de janeiro sem se referir ao fato de que, neste dia, seria definido pelo TFR-4 o primeiro processo contra ele julgado por Moro, e de que uma condenação poderia resultar num pedido de prisão. O pós-24 é reiteração de sua candidatura e preparação da Caravana da Cidadania no Sul do país. Havia aventado também uma viagem à Etiópia, sede da União Africana. Seria para dar um gás à Iniciativa África do Instituto, que era a menina de seus olhos. Pretendia levar à África a experiência exitosa dos programas de combate à fome de seu governo, mas foi atropelada pela asfixia econômica imposta à instituição. Os planos que dependem só de sua vontade continuam de pé. 
Não que nunca tenha passado pela sua cabeça a condenação, e até a possibilidade de prisão. É uma estratégia sua, pessoal, própria, de andar olhando para a frente. Ele evita pensar de cabeça quente: ninguém o verá aflito esperando uma matéria de uma revista semanal no sábado ou domingo. São dias da família. Na segunda-feira, provavelmente pegará todas as informações a respeito e tomará decisões. Aos filhos, que foram atingidos duramente pelos seus adversários políticos, sugere que evitem ficar preocupados com a vida do pai ou as suas. O argumento é o de que a briga será longa e eles têm que manter a serenidade. Semana passada, mandou os três filhos homens viajarem com a família para esfriarem a cabeça. Só voltaram na véspera do julgamento. Lurian, a única filha, que mora em Maricá, só chegou em São Bernardo também na véspera. 
No Sindicato dos Metalúrgicos, ontem, Lula era a imagem da calma. Aos que tentavam ouvir os votos dos desembargadores do TRF-4 na televisão do salão onde as visitas foram esperadas com café de coador, misto frio, bolo de padaria e água, recomendava: "Não ouve isso não. Não vale a pena." 
De camiseta vermelha e calça jeans, o Lula de briga foi ao auditório agradecer a presença dos apoiadores, cumprimentou um a um dos que apareciam na sala, tirou fotos com quem pedisse, fez piadas e riu muito. Numa salinha reservada, no fundo do salão, teve conversas políticas com pessoas próximas. Não ouviu nenhuma palavra dita pelos juízes, na sessão transmitida pelas cadeias de televisão. Pegou as informações rapidamente com as pessoas que faziam isso por dever de ofício (advogados ou dirigentes políticos ou de movimentos sociais). 
A serenidade, todavia, mantida em foro privado, torna-se indignação pública quando Lula coloca o seu drama pessoal nos termos que deve ter, segundo ele: como um dado da realidade política do país. "Eu não esperava que o Brasil voltasse a ter um regime autoritário. Fiquei estupefato com o fato de montarem toda essa história para tentar afastar qualquer possibilidade de volta da esquerda ao poder. Por isso nunca acreditei que seria julgado imparcialmente. A justiça é parcial, tem determinação política." Vira ira quando comenta as denúncias contra os seus filhos: "Eles são covardes, mentirosos." 
É por sua família, mas principalmente pela política, que quer convencer o país de sua inocência. "Não posso ficar chorando. Vou às ruas. Vou lutar pelo reconhecimento de minha inocência, mas não apenas isso. Quero um pedido de desculpas. O país não merece estar mergulhado numa crise em função da obsessão das instituições pelo poder." 
Na visão dos seus aliados, se a Justiça desconhece que não cometeu crimes - Moro teria ignorado todas as provas apresentadas pela sua defesa, e o TRF-4 repetiu a façanha - por outro lado, o trabalho de Lula para ter o reconhecimento popular vai de vento em popa. Nas pesquisas dadas ao conhecimento do partido, a convicção do eleitorado em sua inocência já é majoritária; e surgiu uma faixa considerável daqueles que consideram que, mesmo culpado, ele merece ter seus votos. O julgamento popular foi revertido nas ruas, pelo seu poder mobilizador, mesmo com pouquíssima cobertura da mídia. É quase como que levantasse sua popularidade com as próprias mãos. 
* Maria Inês Nassif é jornalista e foi assessora de comunicação do Instituto Lula. 
GGN