Dizia Vitor Hugo que nada é mais poderoso que uma ideia que chegou no tempo certo.
Tome-se o caso Lava
Jato no seu auge e, agora, depois do dossiê Intercept. As mesmas cenas, o mesmo
jogo político, as mesmas arbitrariedades, mas, agora, vistas de uma ótica
diferente e produzindo reações completamente opostas.
O que se minimizava
antes, ganha cores chocantes. As ilegalidades, antes aceitas, hoje ferem o
sentimento de justiça da opinião pública mais esclarecida.
Tudo porque, sem a
adrenalina das denúncias diárias, da narrativa única, proveniente do acordo
Globo-Lava Jato, entra-se na normalidade. Há uma releitura geral e todas as
impropriedades passam a ser julgadas pela ótica comum aos seres civilizados.
O dossiê Intercept
apenas fura um balão prestes a explodir. Desde que Sérgio Moro aceitou integrar
um governo de ultradireita e mostrou sua pequena dimensão política, sua imagem
já sofria um processo de erosão junto à opinião pública efetiva – aquele que
influencia empresas, poderes e corporações públicas.
Por isso mesmo, a
grande batalha da Lava Jato se desenvolverá em três frentes.
FRENTE
1 – A MÍDIA
A Globo entrou na mesma
armadilha dos anos 80, quando decidiu ignorar a campanha das diretas. Entrou
tão profundamente no atoleiro da Lava Jato que terá dificuldades em sair. Sua
reação ao Intercept, partindo para desacreditar o veículo, inclusive revelando
acordos jornalísticos anteriores, comprova total falta de estratégia e de ética
para lidar com o episódio. Com esse amadorismo, não haverá como se colocar na
frente da maré que está se formando.
Em geral, há três tipos
de jornalista.
O primeiro, o que percebe
o movimento das ondas antes dos demais. Ele ajuda a criar a onda seguinte, mas
correrá o risco do descrédito, por estarem sozinho contra o efeito-manada.
O segundo é o
jornalista que consegue identificar o ponto de inflexão da última onda, e
embarcar na nova onda que está prestes a explodir. Esse grupo, mais seleto, já
entrou na nova onda, furando a blindagem imposta pela linha editorial –
especialmente da Globo. O terceiro é o repórter que só entra na onda depois que
está consolidada.
Em um país amortecido
por décadas de manipulação da notícia, aparentemente a parte mais saudável do
jornalismo começa a recobrar o senso de julgamento, o sentimento de indignação
contra os abusos, contra os excessos do poder que se coloca acima das leis.
A cada dia que passar,
portanto, mais a onda crescerá, tornando mais difícil a intenção da Globo de
tentar desqualificar as denúncias.
Além disso, a Folha de
S.Paulo parece ter acordado de um longo período de letargia e se espelhado na
própria Folha dos anos 80 que, graças à campanha das diretas, tornou-se o maior
jornal brasileiro. Foi o período de maior desgaste da Globo, por sua
insensibilidade para perceber os novos tempos.
Aparentemente, está
repetindo o erro.
Além disso, o Intercept
dá as cartas do jogo. Tem uma mina inesgotável de dados. É um jogo de poker em
que quem dá as cartas, o Intercept, consegue controlar o resultado.
Principalmente quando sabe que o adversário não tem mais que um par de paus.
Frente
2 – Polícia Federal x Ministério Público Federal
O pacto da Globo foi
com o MPF, a partir do combate à PEC 37, que visava tirar poderes de
investigação do MPF. Colocou-se contra a Polícia Federal.
Durante a Lava Jato, o
acordo foi fechado com procuradores, com o juiz Moro e com o Procurador Geral
da República Rodrigo Janot. A PF ficou em segundo plano. No início, alguns
policiais federais entraram no clima de deslumbramento. Depois, a própria
corporação percebeu o desgaste que sofria, especialmente após o suicídio do
reitor da Universidade Federal de Santa Catarina, e da operação que prejudicou
as exportações brasileiras de carne. E se mancou, passando a agir com
maturidade, ao contrário do que ocorreu com o MPF, com procuradores se expondo
nas redes sociais como celebridades doidivanas, sendo aplaudidos pela maioria
dos colegas.
Tudo isso ocorreu
porque em época crítica, de ampla renovação do MPF com os concursos, o MPF
estava sob comando de Rodrigo Janot, que se rendeu completamente ao brilho de
neon da Lava Jato.
Por que essa disputa é
relevante? Porque o único equipamento conhecido, capaz de realizar capturas
maciças de conteúdo de celular, é o Guardião, sob controle da PF.
Frente
3 – o Supremo Tribunal Federal
Conforme já publicamos
várias vezes, há pelo menos quatro ministros do STF sob suspeita de estarem
sendo chantageados.
Luis
Roberto Barroso – com dossiês sobre negócios seus
e de sua família, difundidos por sites de ultradireita do Paraná.
Carmen
Lúcia – devido à compra de um imóvel subavaliado,
vendido por um parceiro de Carlinhos Cachoeira.
Luiz
Edson Fachin – pelo apoio recebido da JBS em
sua campanha para Ministro do Supremo.
Luiz
Fux –
acossado pelas denúncias de Jacob Barata, no caso do transporte público do Rio
de Janeiro.
O jogo do STF fica
assim, portanto:
Os
garantistas – Ricardo Lewandowski, Gilmar Mendes,
Marco Aurélio de Mello e Celso de Mello.
Os
comprometidos com a Lava Jato – Fux, Barroso,
Fachin e Carmen Lúcia.
Os
que fazem o jogo político do momento – Rosa
Weber, Alexandre de Moraes, Dias Toffoli.
Moraes e Toffolli já se
alinharam contra as arbitrariedades da Lava Jato. No episódio das denúncias
dos fake news incluiram um procurador da Lava Jato, que havia escrito
artigos com críticas ao Supremo. Foi a deixa para envolver toda a Lava Jato nas
investigações. Rosa Weber é uma Ministra fraca, porém bem-intencionada, sem a
malícia de Carmen Lúcia.
Em suma, há maioria
folgada contra a Lava Jato, mesmo porque, depois da divulgação das conversas
envolvendo Fux, os quatro Ministros alinhados pensarão duas vezes antes de se
expor.
Não se sabe como será
em relação a Lula. A reputação do quarteto Lava Jato focará entre a cruz dos
dossiês levantados contra eles, e a caldeirinha do desnudamento de seu jogo
político.
A reação intempestiva
de Luis Roberto Barroso, criticando os vazamentos, foi um erro de cálculo
memorável que expôs definitivamente sua participação no jogo. Foi um sinal
nítido de desespero.
Aliás, é inacreditável
que presidentes da República não tivessem submetido suas indicações a um teste
mínimo de caráter. Constatava-se isso de maneira informal, com contemporâneos
de faculdade, com quem acompanhou suas carreiras, com quem poderia avalizar ou
denunciar suas fragilidades de caráter.
Foi de um amadorismo
ultrajante com o próprio STF a indicação de vários dos Ministros, muitos sem
notório saber, alguns sem reputação ilibada, outros irremediavelmente de
caráter fraco.
Do GGN